por John Bellamy Foster
[*]
Imperialismo significa servir mais as necessidades de uma classe dirigente do
que as de uma nação. Nada tem a ver com democracia. Talvez por
esta razão tem sido muitas vezes caracterizado como um fenómeno
parasitário mesmo por críticos tão sagazes como
John Hobson no seu clássico de 1902,
Imperialism: A Study
. E a partir disto é, infelizmente, demasiado fácil escorregar
para a ideia grosseira de que a expansão imperialista é
simplesmente o produto de grupos poderosos de indivíduos que tomaram
conta da política externa do país a fim de servir as suas
próprias finalidades estreitas.
Numerosos críticos da actual expansão do império americano
tanto na esquerda dos EUA como na da Europa argumentam agora que
os Estados Unidos sob a administração de George W. Bush foram
capturados por uma conspiração neoconservadora, liderada por
figuras como Paul Wolfowitz (vice-secretário da Defesa), Lewis Libby (o
chefe do Estado Maior do vice-presidente) e Richard Perle (do Defense Policy
Board). Esta conspiração diz-se ter o forte apoio do
secretário da Defesa Rumsfeld e do vice-presidente Cheney e,
através deles, do presidente Bush. Considera-se que a subida à
proeminência de neoconservadores hegemónicos dentro da
administração foi provocada pela eleição
não-democrática de 2000, na qual a Suprema Corte indicou Bush
como presidente, e pelos ataques terroristas do 11 de Setembro de 2001, os
quais subitamente ampliaram o estado da segurança nacional. Tudo isto
contribuiu, dizem-nos, para uma política externa unilateralista e
beligerante em contraposição ao papel histórico dos EUA no
mundo. A revista
Economist
apresentou assim a questão no seu número de 26/Abr/03:
"Será que uma cabala tomou conta da política externa do mais
poderoso país do mundo? Será um pequeno grupo de
ideólogos utilizando poderes indevidos para intervir nos negócios
internos de outros países, criar um império, jogar no lixo o
direito internacional e mandar às favas as
consequências?"
A resposta do próprio
Economist
foi: "Não, realmente". Rejeitando correctamente a teoria da
cabala, argumentava ao invés que "os neo-cons fazem parte de um
movimento mais vasto" e que um "quase-consenso [entre as elites
políticas americanas] está estabelecido quanto à
noção de que os EUA deveriam utilizar o seu poder vigorosamente
para remodelar o mundo". Mas o que está a faltar no
Economist
e nas discussões entre os medias principais é o reconhecimento
de que imperialismo neste caso, como sempre, não é simplesmente
uma
política
mas sim uma
realidade sistemática
decorrente da própria natureza do desenvolvimento capitalista. As
mudanças históricas no imperialismo, associadas ao ascenço
daquilo que tem sido chamado de um "mundo unipolar", desafiam
qualquer tentativa de reduzir os actuais desenvolvimentos às
ambições desencaminhadas de uns poucos indivíduos
poderosos. Portanto, é necessário examinar os apoios subjacentes
históricos da nova era do imperialismo americano, incluindo tanto as
suas causas mais profundas como os actores particulares que estão a
ajudar a moldar seu caminho actual.
A ERA DO IMPERIALISMO
"Não é inédita a questão de saber se, ao se
empenharem na expansão imperialista, os Estados Unidos se tornaram
vítimas dos caprichos particulares daqueles que dominam a sociedade
política". Harry Magdoff levantou esta tese logo na primeira
página do seu livro de 1969,
The Age of Imperialism: The Economics of U.S. Foreign Policy
um trabalho de que se pode dizer ter reintroduzido o estudo
sistemático do imperialismo nos Estados Unidos. "Será que a
guerra [do Vietnam] faz parte de um esquema mais geral e consistente das
políticas externas dos Estados Unidos", perguntava ele, "ou
é uma aberração de um grupo particular de homens no
poder?" A resposta naturalmente era que, embora houvesse
indivíduos particulares no poder a encabeçarem este processo, ele
reflectia tendências profundamente estabelecidas dentro da
política externa dos EUA que têm as suas raízes no
próprio capitalismo. Naquele livro que veio a ser a mais importante
descrição do imperialismo americano publicada na década de
1960, Magdoff conseguiu descobrir os fundamentos das forças
económicas, políticas e militares que governam a política
externa dos EUA.
A explicação dominante no tempo da Guerra do Vietnam era que os
Estados Unidos estavam empenhados na guerra a fim de "conter" o
comunismo e portanto a própria guerra nada tinha a ver com
imperialismo. Mas a escala e a ferocidade da guerra pareciam desmentir qualquer
tentativa de explicá-la em termos de mera contenção, uma
vez que nem a União Soviética nem a China haviam mostrado
quaisquer tendências de expansionismo global e as
revoluções no terceiro mundo eram muito obviamente assuntos
nativos.
[1]
Magdoff rejeitou tanto a tendência dominante nos Estados Unidos de ver
as intervenções no terceiro mundo como um produto da Guerra Fria
como o pendor liberal no sentido de ver a guerra como uma
aberração de um presidente texano e dos conselheiros que o
cercam. Em lugar disso era preciso análise histórica.
O imperialismo dos fins do século XIX e princípios do XX
distinguia-se principalmente por duas características: (1) o colapso da
hegemonia britânica; e (2) o crescimento do capitalismo monopolista, ou
um capitalismo dominado por grandes empresas, resultantes da
concentração e centralização da
produção. Além destas características que
distinguiam aquilo que Lenin chamou o estágio do imperialismo (o qual,
afirmou ele, podia ser descrito na sua "mais breve definição
possível" como "o estágio do capitalismo
monopolista"), há um certo número de outros elementos que
têm de ser considerados. O capitalismo é certamente um sistema
determinado unicamente pelo impulso para acumular, o qual não aceita
entraves à sua expansão. Por um lado, o capitalismo é uma
economia mundial expansiva caracterizada por um processo a que agora chamamos
globalização, ao passo que pelo outro lado está dividido
politicamente em numerosos Estados-nação competidores.
Além disso, o sistema é polarizado a todo nível, no centro
e na periferia. Desde o princípio, nos séculos XVI e XVII, e
ainda mais no estágio monopolista, o capital dentro de cada
Estado-nação no centro do sistema é guiado por uma
necessidade de controlar o acesso a matérias-primas e trabalho na
periferia. No estágio monopolista do capitalismo, além disso, os
Estados-nação e as suas corporações
esforçam-se por manter tanto quanto possível da economia mundial
como abertura potencial para os seus próprios investimentos, mas
não necessariamente para aqueles dos seus competidores. Esta
competição sobre esferas de acumulação cria
disputas pelo controle de várias partes da periferia, cujo exemplo mais
famoso foi a disputa pela África no fim do século XIX em que
todas as potências da Europa Ocidental daquela época tomaram parte.
O imperialismo, contudo, continuou a evoluir além desta fase
clássica, a qual terminou com a Segunda Guerra Mundial e o movimento de
descolonização que se seguiu, e nas décadas de 1950 e
1960 uma fase posterior apresentou as suas próprias
características históricas específicas. A mais importante
destas foi os Estados Unidos substituírem a hegemonia britânica
sobre a economia capitalista mundial. A outra foi a existência da
União Soviética, criando espaço para movimentos
revolucionários no terceiro mundo e ajudando a trazer as principais
potências capitalistas para a aliança militar da Guerra Fria que
reforçava a hegemonia americana. Os Estados Unidos utilizaram sua
posição hegemónica para estabelecer as
instituições de Bretton Woods o General Agreement on
Tariffs and Trade (GATT), o Fundo Monetário Internacional e o Banco
Mundial com a intenção de consolidar o controle
económico exercido pelos Estados central, e os Estados Unidos em
particular, sobre a periferia e portanto todo o mercado mundial.
Na concepção de Magdoff, a existência da hegemonia
americana não acabou com a competição entre Estados
capitalistas. A hegemonia sempre foi entendida pelos que fazem análises
realistas como historicamente transitória, apesar das constantes
referências ao "século americano". O desenvolvimento
desigual do capitalismo significa uma contínua rivalidade
inter-imperialista, mesmo que por vezes isto seja um tanto disfarçado.
"O
antagonismo entre centros industriais desigualmente desenvolvidos",
escreveu ele, "é o centro da roda imperialista" (p. 16).
O militarismo americano, que nesta análise ajustava-se como uma luva ao
seu papel imperial, não era simplesmente ou mesmo principalmente um
produto da competição da Guerra Fria com a União
Soviética, pela qual estava condicionado. O militarismo tem
raízes mais profundas na necessidade de os Estados Unidos, como a
potência hegemónica da economia do mundo capitalista, manter as
portas abertas ao investimento estrangeiro recorrendo à força, se
necessário. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos estavam a empregar o seu
poder onde possível a fim de promover as necessidades das suas
próprias corporações como por exemplo na
América Latina, onde a sua dominância não era questionada
pelas outras grandes potências. Não só os Estados Unidos
exerceram esta função militar em numerosas ocasiões em
toda a periferia no período pós-Segunda Guerra Mundial, como
durante o mesmo período também foram capazes de justificar isto
como parte do combate contra o comunismo. O militarismo, associado a esta
função como hegemonista global e líder da aliança,
acabou por permear todos os aspectos da acumulação nos Estados
Unidos, de modo que a expressão "complexo industrial", cunhada
por Eisenhower no seu discurso de despedida como presidente, constituía
uma subestimação
(understatement)
da realidade. Em sua época já não havia centros
importantes de acumulação nos Estados Unidos que não
fossem também centros importantes de produção militar. A
produção militar ajudava a suportar todo o edifício
económico nos Estados Unidos, e constituía um factor de
afastamento
da estagnação económica.
Ao mapear o imperialismo contemporâneo, a análise de Magdoff
proporciona evidências que demonstram quão directamente o
imperialismo era benéfico para o capital dentro do núcleo do
sistema (mostrando, por exemplo, que os rendimentos dos investimentos externos
americanos, como uma porcentagem de todos os lucros após impostos com
operações internas de corporações não
financeiras, haviam ascendido de cerca de 10% em 1950 para 22% em 1964). A
extracção do excedente da periferia (e a má
utilização da parte do excedente que permanecia devido às
distorcidas relações de classe da periferia,
características das dependências imperiais) constituía um
factor crucial para a perpetuação do subdesenvolvimento.
Contudo, havia dois outros aspectos da avaliação de Magdoff que
eram exclusivamente seus e foram menos notados: uma advertência
respeitante à crescente armadilha da dívida do terceiro mundo e
um tratamento em profundidade do crescente papel global dos bancos e do capital
financeiro em geral. Mas foi só no princípio da década de
1980 que a compreensão da armadilha da dívida do terceiro mundo
realmente emergiu, quando o Brasil, o México e as assim chamadas
"economias recém-industrializadas" subitamente revelaram-se em
incumprimento
(default)
. E o pleno significado da financeirização
(financialization)
da economia global não ficou realmente evidente para a maior parte dos
observadores do imperialismo senão no fim da década de 1980.
Nesta abordagem histórica sistemática do tema do imperialismo,
tal como descrita acima por Magdoff, as intervenções militares
americanas em lugares como o Irão, Guatemala, Líbano, Vietnam e
República Dominicana não se destinavam a "proteger
cidadãos americanos" ou a combater a expansão do bloco
comunista. Elas pertenciam, antes, ao fenómeno mais vasto do
imperialismo em toda a sua complexidade histórica e ao papel americano
como a potência hegemónica do mundo capitalista. Contudo, esta
interpretação opunha-se directamente aos críticos liberais
da Guerra do Vietnam que escreviam naquela época, os quais por vezes
reconheciam que os Estados Unidos haviam-se empenhado na expansão do seu
império, mas viam isto, de acordo com toda a história dos Estados
Unidos, como casos episódicos ao invés daquele projecto (tal como
os
defensores do Império Britânico argumentavam antes). A
política externa americana, insistiam eles, era motivada primariamente
pelo idealismo e não por interesses materiais. A própria Guerra
do Vietnam era explicada por muitos destes críticos liberais como
resultante da "fraca inteligência política" de decisores
poderosos que haviam conduzido a nação para descaminhos. Em
1971, Robert W. Tucker, professor de política externa americana na
School of Advanced International Studies da Johns Hopkins University, escreveu
The Radical Left and American Foreign Policy
onde argumentou que a "salvação da honra" dos Estados
Unidos no Vietnam era o "caracter essencialmente desinteressado" com o
qual entrou na guerra (p. 28). A perspectiva de Tucker era aquela de um
oponente à guerra liberal que no entanto rejeitava
interpretações radicais do militarismo e imperialismo americano.
Os alvos principais do livro de Tucker foram William Appleman Williams, Gabriel
Kolko e Harry Magdoff. Magdoff era atacado especificamente por argumentar que
o controle de matérias-primas numa base global era crucial para as
corporações americanas e para o Estado americano que as servia.
Tucker chegou a afirmar que o erro da visão de Magdoff ficava
evidenciado quando a questão do petróleo se apresentava. Se os
Estados Unidos fossem verdadeiramente imperialistas quanto à sua
orientação para os recursos do terceiro mundo, argumentou,
tentariam controlar o petróleo do Golfo Pérsico. Desafiando
tanto a lógica como a história, Tucker declarou que tal
não era o caso. Eis como colocou isso:
De acordo com a visão radical, alguém poderia esperar que aqui
[no Médio Oriente], se tivesse de ser em algum lugar, a política
americana reflectiria fielmente interesses económicos. A realidade,
como é bem sabido, é diferente. Além das crescentes e
exitosas pressões que os países petroleiras têm empregado
para aumentar os seus royalties e os seus rendimentos fiscais (pressões
que não provocaram quaisquer contramedida significativas), o governo
americano contribuiu para a deterioração constante da
posição favorável que as companhias petrolíferas
americanas outrora desfrutaram no Médio Oriente. Um correspondente do
New York Times
, John M. Lee, escreve: "O notável para muitos observadores
é que as companhias petrolíferas e as considerações
acerca do petróleo tenham tão pouca influência na
política externa americana para com Israel" (p. 131).
O caso do petróleo do Golfo Pérsico, portanto, segundo Tucker,
desmentia a insistência de Magdoff acerca da importância de
controlar matérias-primas para o funcionamento do imperialismo
americano. O compromisso político americano para com Israel era
contrário aos seus interesses económicos, pois havia passado por
cima de todas as preocupações do capitalismo americano em
relação ao petróleo do Médio Oriente. Hoje
já não é preciso enfatizar quão absurda era esta
argumentação. Não só os Estados Unidos intervieram
repetidamente no Médio Oriente, a principiar pelo Irão em 1953,
como têm procurado continuamente promover o seu controle sobre o
petróleo e os interesses das suas corporações
petrolíferas na região. Israel, que os EUA armaram até
aos dentes e ao qual tem sido permitido desenvolver centenas de armas
nucleares, tem sido desde há muito parte desta estratégia de
controlar a região. Desde o princípio, os papel americano no
Médio Oriente foi abertamente imperialista, concebido para manter
controle sobre os recursos petrolíferos da região. Só uma
análise que reduz as ciências económicas aos preços
das mercadorias e aos rendimentos de royalties enquanto ignora a moldagem
política e militar das relações económicas
para não mencionar os fluxos tanto de petróleo como de lucros
poderia resultar em tais erros óbvios.
A NOVA ERA DO IMPERIALISMO
De facto, nada é tão revelador da nova era do imperialismo como a
expansão do Império Americano nas regiões
petrolíferas críticas do Médio Oriente e da Bacia do Mar
Cáspio. O poder americano no Golfo Pérsico foi limitado durante
os anos da Guerra Fria devido à presença da União
Soviética. A Revolução Iraniana de 1979, perante a qual
os Estados Unidos aparentemente ficaram paralisados, foi a maior derrota do
imperialismo americano (o qual contava com o Xá do Irão como uma
base
segura na região) desde a Guerra do Vietnam. Na verdade, antes de 1989
e da ruptura do bloco soviético, uma grande guerra americana teria sido
quase totalmente impensável. Isto deixava a dominância americana
na região significativamente constrangida. A Guerra do Golfo de 1991,
que foi executada pelos Estados Unidos com a aquiescência
soviética, marcou então o princípio de uma nova era do
imperialismo americano e a expansão do poder global americano.
Não é mera casualidade que o enfraquecimento da União
Soviética tenha conduzido quase imediatamente a uma
intervenção militar americana em escala total na região
onde se localizava a chave do controle do petróleo mundial, o recurso
mais
crítico e portanto crucial para qualquer estratégia de
dominação global.
É essencial entender que em 1991, quando se verificou a Guerra do Golfo,
a União Soviética estava grandemente enfraquecida e era
subserviente à política americana.
Mas ainda não estava morta
(o que se verificou no fim daquele ano) e ainda havia possibilidade, ainda que
remota, de um golpe ou mudança brusca ou viragem nos assuntos
soviéticos que fosse desfavorável aos interesses americanos. Ao
mesmo tempo, o Estados Unidos ainda estavam numa posição em que
haviam perdido terreno económico para os seus principais competidores e
portanto havia um sentimento generalizado de que a sua hegemonia
económica havia declinado seriamente, limitando a sua rota de
acção. Embora a administração de George H. W. Bush
tenha declarado uma "Nova Ordem Mundial" ninguém sabia o que
significava isto. O colapso do bloco soviético foi tão
súbito que a classe dominante americana e as elites da política
externa ficaram incertas acerca da maneira de proceder.
Durante a primeira Guerra do Golfo as elites americanas estavam divididas.
Alguns acreditavam que os EUA deveriam avançar e invadir o Iraque, como
aconselhava na altura o
Wall Street Journal
. Outros pensavam que uma invasão e ocupação do Iraque
não era então factível. Ao longo da década
seguinte o tópico dominante de discussão na política
externa americana, como testemunhado, por exemplo, pela
publicação do Council on Foreign Relations,
Foreign Affairs
, era como explorar o facto de os Estados Unidos serem agora a
superpotência única. Discussões acerca da unipolaridade
(um termo introduzido em 1991 pelo especialista neoconservador Charles
Krauthammer) e unilateralismo foram logo emparelhadas com discussões
abertas sobre o primado americano, hegemonia, império e mesmo
imperialismo. Além disso, à medida que a década
avançava, os argumentos favoráveis ao exercício de um
papel imperial pelos Estados Unidos tornaram-se cada vez mais penetrantes e
concretos. Tais questões foram discutidas desde o princípio da
nova era não em termos de finalidades mas sim em termos de
eficácia. Um exemplo particularmente notável do apelo por um
novo imperialismo pode ser encontrado num livro influente intitulado
The Imperial Temptation
, mais uma vez de Robert W. Tucker, juntamente com David C. Hendrickson,
publicado em 1992 pelo Council on Foreign Relations. Eis como Tucker e
Hendrickson explicaram sem rodeios:
Os Estados Unidos são hoje a potência militar dominante no mundo.
Quanto ao alcance e efectividade das suas forças militares, a
América compara-se favoravelmente com alguns dos maiores impérios
conhecidos da história. O Romano pouco ultrapassava a área do
Mediterrâneo, Napoleão não podia romper
em direcção ao Atlântico e acabou por ser derrotado nos
vastos espaços russos. Durante o apogeu da assim chamada Pax
Britânica, quando a Royal Navy dominava os mares, Bismarck observou que
se o exército britânico desembarcasse na costa prussiana ele teria
sido detido pela polícia local. Os Estados Unidos têm uma
colecção de forças mais formidável do que todos os
seus antecessores entre as maiores potências mundiais. Tem alcance
global. Possui as armas tecnologicamente mais avançadas, comandadas por
profissionais qualificados na arte da guerra. Pode transportar poderosos
exércitos continentais sobre distâncias oceânicas. Seus
adversários históricos estão em retirada, batidos pela
discórdia interna.
Sob estas circunstâncias, uma tentação antiga a
tentação imperial pode demonstrar-se obrigatória
para os Estados Unidos... A nação provavelmente não
será atraída pelas visões de império que animaram
potências coloniais do passado; pode no entanto considerar bastante
atraente uma visão que permita à nação assumir um
papel imperial sem cumprir os deveres clássicos da
dominação imperial (pp. 14-15).
A "tentação imperial", estes autores tornam claro,
deveria ser resistida menos devido ao facto de que isto teria
constituído uma renovação do imperialismo clássico
e sim porque os Estados Unidos estavam desejosos de seguir apenas metade do
caminho, dando rédea solta à sua força militar mas
deixando de arcar com o pesado fardo de responsabilidades da
dominação imperial associada à edificação de
países.
Proveniente de uma perspectiva de edificação de países que
recorda o liberalismo estilo Kennedy do tempo da Guerra Fria, mas que
também é atraente para alguns neoconservadores, Tucker e
Hendrickson apresentaram a justificação de que o Estados Unidos,
tendo combatido a Guerra do Golfo, deveriam imediatamente proceder à
invasão, ocupação e pacificação do Iraque,
remover o partido Baath do poder e a seguir exercer a sua responsabilidade
imperial. "A demonstração de poder militar esmagador",
escrevem eles, "deveria ter concedido aos Estados Unidos tempo para formar
e reconhecer um governo iraquiano provisório constituído por
indivíduos comprometidos com uma vasta plataforma liberal... Embora um
tal governo viesse ser dúvida a ser acusado de ser uma fantoche
americano, há boas razões para pensar que poderia ter adquirido
considerável legitimidade. Teria desfrutado de acesso, sob a
supervisão da ONU, aos rendimentos do petróleo do Iraque, os
quais teriam certamente obtido considerável apoio do povo do
Iraque" (p. 147).
Tucker and Hendrickson apesar do argumento de Tucker décadas
antes contra Magdoff, de que o malogro em apoderar-se do controle do
petróleo do Golfo Pérsico era uma evidência de que os EUA
não constituíam uma potência imperialista não
tinha ilusões acerca da razão porque uma ocupação
do Iraque seria do interesse estratégico americano, numa palavra:
"petróleo". "Não há outra mercadoria
(commodity)
", escrevem eles, "que tenha o significado crucial do
petróleo; não há paralelo para a dependência das
economias desenvolvidas e em desenvolvimento do Golfo, estes recursos
estão concentrados numa área que permanece relativamente
inacessível e altamente instável, e a posse do petróleo
permite um base financeira sem paralelo através da qual uma
potência expansionista em desenvolvimento pode conseguir realizar suas
ambições agressivas" (p. 10-11). A necessidade para os
Estados Unidos de alcançarem o domínio sobre o Médio
Oriente portanto não estava em dúvida. Se se recorria à
força sob estas condições excepcionais, dever-se-ia
fazê-lo responsavelmente pela extensão do seu
domínio também.
Este argumento decorre do lado liberal e não do conservador (ou
neoconservador) da elite da política externa americana e das
discussões da classe dominante. O debate no interior da elite é
estreito, com muitos analistas liberais de política externa, devido ao
seu pendor para a edificação de países, muito mais
próximo dos neoconservadores e mais radicais a este respeito do que
muitos conservadores. Para Tucker e Hendrickson o imperialismo é um
assunto de escolha dos decisores políticos, uma mera
"tentação imperial". Poderia resistir-se-lhe, mas se
isto não for feito então será necessário impor o
sonho liberal da edificação de países para remontar
(re-engineer)
as sociedades de acordo com os princípios liberais.
Na verdade, na década de 1990 emergiu no interior da elite do poder
americana um consenso notável acerca das suposições e
objectivos subjacentes. Tal como observou Richard N. Haass, um dos membros do
National Security Council na administração do presidente George
H. W. Bush e que foi o responsável pela redacção das mais
importantes declarações de Bush pai sobre a posição
militar americana, na edição de 1994 do seu livro
Intervention
: "Liberto do perigo de que a acção militar conduza
à confrontação com uma superpotência rival, os
Estados Unidos agora estão mais livres para intervir". Ao
considerar as limitações da potência americana, Haass
declarava: "os Estados Unidos podem fazer qualquer coisa, não
podem fazer todas as coisas" (p. 8). Sua análise avançou
para a discussão da possibilidade de intervenções para
edificar a nação no Iraque e alhures. Um outro livro de Haass,
The Reluctant Sheriff
, publicado em 1997, referia-se ao sheriff e o seu grupo, sendo o sheriff
definido como os Estados Unidos e o grupo como uma
"coligação de vontades" (p. 93). O sheriff e o grupo
não precisavam de se preocupar demasiado com a lei, ele observou, mas
apesar de tudo deve ser cuidadoso para não transpor a fronteira da
precaução
(vigilantism)
.
Ainda mais importante foi a argumentação de Haass sobre
hegemonia, a qual apontava directamente para as principais diferenças no
interior da elite acerca da afirmação americana de potência
global. Segundo Haass, os Estados Unidos constituíam claramente o
"hegemon" no sentido de ter primado global, mas a hegemonia
permanente como objecto de política externa era uma ilusão
perigosa. Em Março de 1992, um rascunho do
Defense Planning Guidance
, também conhecido como o "Pentagon Paper" foi filtrado para a
imprensa. Este documento secreto de trabalho da autoria do Departamento de
Defesa de Bush pai feito sob a supervisão de Paul Wolfowitz
(então subsecretário de Política) declarava: "Nossa
estratégia [após a queda da União Soviética] deve
agora refocar-se em impedir o surgimento de qualquer potencial futuro
competidor global" (
New York Times
, 08/Mar/1882). Questionando isto em
The Reluctant Sheriff
, Haass afirmou que esta estratégia era mal concebida pela simples
razão de que os Estados Unidos não tinham a capacidade para
impedir que surgissem novas potências globais. Tais potências
emergem junto com o crescimento dos seus recursos materiais; grandes
potências económicas terão inevitavelmente a capacidade de
se tornarem grandes potências na generalidade (em todo espectro), e a
extensão em que elas emergem como plenas potências militares
"dependerá principalmente da sua própria
percepção dos interesses nacionais, ameaças, cultura
política e fortaleza económica" (p. 54). A única
estratégia racional a longo prazo, uma vez que a
perpetuação da hegemonia ou da supremacia era impossível,
era aquilo que Madeleine Albright denominou "multilateralismo
afirmativo" ou o que o próprio Haass chamou "sheriff e
grupo", sendo o grupo constituído principalmente pelos outros
Estados principais.
Em Novembro de 2000, pouco antes de ser contratado como responsável da
política de planeamento no Departamento de Estado de Colin Powell na
administração do presidente George W. Bush, Haass apresentou um
documento em Atlanta chamado "Imperial America" sobre como os Estados
Unidos deveriam criar uma "política externa imperial" que
fizesse uso do seu "excedente de poder" para "estender o seu
controle" por toda a face do planeta. Embora negando ainda que a
hegemonia permanente fosse possível, Haass declarou que os Estados
Unidos deveriam utilizar a excepcional oportunidade que agora desfrutavam para
remoldar o mundo. "Sub-esforço imperial, não
super-esforço", argumentou ele, "parece ser o maior de ambos
os perigos".
[2]
Em 2002, Haass, ao falar para uma administração que se
preparava para invadir o Iraque, afirmava que um Estado falhado, incapaz de
controlar o terrorismo dentro do seu próprio território havia
perdido "as vantagens normais da soberania, incluindo o direito de ser
deixado sozinho dentro [do seu] próprio território. Outros
governos, incluindo os EUA, ganham o direito de intervir. No caso de
terrorismo isto pode mesmo conduzir a um direito preventivo, ou preferencias,
de autodefesa" (citado em Michael Hirsh,
At War with Ourselves
, p. 251).
Em Setembro de 2000, dois meses antes de Haass ter apresentado o seu documento
"Imperial America", o neoconservador Project for the New American
Century havia emitido um relatório intitulado
Rebuilding America's Defenses
, redigido a pedido de Dick Cheney, Donald Rumsfeld, Paul Wofowitz, Jeb, o
irmão mais novo de George W. Bush, e Lewis Libby. O relatório
declarava que "no presente os Estados Unidos não enfrentam qualquer
rival global. A grande estratégia da América deveria ter como
objectivo preservar e estender esta posição de vantagem tanto
quanto possível no futuro". O principal objectivo
estratégico dos Estados Unidos no século XXI era "preservar
a
Pax Americana
. Para alcançar este objectivo era necessário expandir o
"perímetro de segurança americano" através do
estabelecimento de novas "bases ultramarinas" e avançar
operações em todo o mundo. Acerca da questão do Golfo
Pérsico,
Rebuilding America's Defenses
não era menos explícito. "Os Estados Unidos durante
décadas têm procurado desempenhar um papel mais permanente na
segurança regional do Golfo. Enquanto o conflito não resolvido
com o Iraque proporciona a justificação imediata, a necessidade
de uma substancial força americana de presença no Golfo
transcende a questão do regime de Saddam Hussein",
Assim, mesmo antes do 11 de Setembro, a classe dominante e as suas elites de
política externa (incluindo aquelas externas aos círculos
conservadores) moveram-se para uma política explícita de
expansão do império americano, aproveitando plenamente aquilo que
era encarado como a janela limitada provocada pela morte da União
Soviética e antes que novos rivais de grande escala pudessem
ascender. A década de 1990 viu a economia americana, apesar do
amortecimento
(slow-down)
na tendência de crescimento secular, avançar mais rapidamente do
que a da Europa e do Japão. Este foi o caso, particularmente, nos anos
da bolha da última metade da década de 1990. As guerras civis na
Jugoslávia, enquanto isso, demonstraram que a Europa era incapaz de
actuar militarmente sem os Estados Unidos.
Portanto, nos finais da década de 1990, as discussões acerca do
império americano e do imperialismo foram concluídas não
tanto do lado da esquerda mas sim nos círculos liberais e
neoconservadores, onde as ambições imperiais eram abertamente
proclamadas.
[3]
A seguir ao 11 de Setembro, a disposição para executar
intervenções militares maciças a fim de promover a
expansão do poder americano, nas quais os Estados Unidos mais uma vez
colocariam a suas "botas sobre o terreno", tal como o exprimiu o
sábio neoconservador Mas Boot no seu livro sobre
The Savage Wars of Peace
acerca das primeiras guerras imperialistas americanas, tornou-se parte do
consenso da classe dominante. A declaração da
administração da
National Security Strategy
, transmitida ao Congresso em Setembro de 2002, promovia o princípio dos
ataques preventivos contra inimigos potenciais e afirmava: "Os Estados
Unidos deverão e manterão a capacidade para derrotar qualquer
tentativa de um inimigo... de impor sua vontade sua vontade aos EUA, nossos
aliados ou nossos amigos... Nossas forças serão suficientemente
fortes para dissuadir adversários potenciais de perseverarem na
acumulação de material militar com a esperança de
ultrapassar, ou igualar, o poder dos Estados Unidos".
Em
At War with Ourselves: Why America is Squandering its Chance to Build a Better
World
(2003), Michael Hirsh, editor senior da sucursal da
Newsweek
em Washington, apresenta o argumento dos políticos liberais de que
apesar de ser adequado que os Estados Unidos como potência
hegemónica intervenham onde Estados falhados estão em causa, e
onde os seus interesses estratégicos vitais estão em causa, isto
tem de ser combinado com a edificação da nação e um
compromisso para um multilateralismo mais vasto. Contudo, na realidade isto
só poder uma "unipolaridade... bem disfarçadas como
multipolaridade" (p. 245). Não se trata de um debate sobre se os
Estados Unidos deveriam estender o seu império, mas sim sobre se a
tentação imperial será acompanhada pela
afirmação da responsabilidade imperial, do modo enfatizado por
Tucker e Hendrickson. Ao comentar acerca de intervenções
edificadoras de nações, Hirsh declara: "Não
há 'czar' para Estados falhados como há para a segurança
interna ou a guerra às drogas. Talvez devesse existir" (p. 235).
Aquilo que tem sido chamado "intervenções para a
construção de nações", originalmente rejeitadas
pela administração Bush, não está mais em causa.
Isto pode ser visto no relatório do Council on Foreign Relations,
Iraq: The Day After
, publicado pouco antes da invasão americana e respeitante à
construção da nação no Iraque. Um dos membros da
força-tarefa para a elaboração daquele relatório
foi James F. Dobbins, director do Rand Corporation Center for International
Security and Defense Policy, que actuou como enviado especial da
administração Clinton durante as intervenções na
Somália, Haiti, Bósnia e Kosovo e também como enviado
especial da administração Bush II a seguir à
invasão do Afeganistão. Dobbins, um advogado das
"intervenções para a construção de
nações" a diplomacia da espada tanto nas
administrações Clinton como Bush, declarou definitivamente no
relatório do Council on Foreign Relations: "O debate
partidário sobre a construção de nações
está ultrapassado. As administrações de ambos os partidos
estão claramente preparadas para utilizar as forças militares
americanas a fim de reformas Estados vilões
(rogue states)
e reparar sociedades falidas" (p. 48).
A TEORIA DA CONSPIRAÇÃO E AS REALIDADES IMPERIAIS
Tudo isto relaciona-se com a questão que Magdoff levantou há mais
de um terço de século em
The Age of Imperialism
e que hoje está mais do que nunca presente. "Será a guerra
[do Vietnam]", perguntou, "parte de um esquema mais geral e
consistente das políticas externas dos Estados Unidos ou é uma
aberração de um grupo particular de homens no poder?"
Há agora um acordo geral dentro da própria elite de que
forças objectivas e exigências de segurança estão a
conduzir o expansionismo americano; de que é do interesse geral do alto
comando do capitalismo americano estender o seu controle sobre o mundo
por quanto tempo for possível. Segundo o relatório do Project
for the New American Century,
Rebuilding America's Defenses
, é necessário aproveitar o "momento unipolar".
A tendência mais vasta da esquerda ao longo dos últimos dois anos
no sentido de abordar esta nova expansão imperialista como um projecto
neoconservador que envolve um pequeno sector da classe dominante não
indo além da ala direita do Partido Republicano repousando nos
interesses de expansão particulares dos sectores militares e
petrolíferos é uma ilusão perigosa. No momento
não há qualquer divisão séria dentro da oligarquia
americana ou na política externa da elite, embora estas indubitavelmente
venham a desenvolver-se no futuro como resultados dos fracassos que se
verificarem no caminho. Não há conspiração, mas um
consenso enraizado nas necessidades da classe dirigente e na dinâmica do
imperialismo.
Existem, contudo, divisões entre os Estados Unidos e outros Estados
principais as rivalidades inter-capitalistas permanecem no centro da
roda imperialista. Como poderia ser de outra forma quando os Estados Unidos
estão a tentar estabelecer-se como o governo mundial substituto numa
ordem imperial global? Embora os Estados Unidos estejam a tentar reafirmar sua
posição hegemónica no mundo o país continua muito
mais fraco economicamente, relativamente aos outros Estados capitalistas
principais, do que estavam no princípio do período
pós-Segunda Guerra Mundial. "No fim da década de 1940,
quando os Estados Unidos produziam 50% do produto nacional bruto (PNB)
mundial", James Dobbins afirmava em
Iraq: The Day After
, "era capaz de executar aquelas tarefas [de intervenção
militar e construção de nações] mais ou menos por
si próprios. Na década de 1990, no rescaldo da Guerra Fria, a
América era capaz de liderar coligações muito mais vastas
e através disso repartir o fardo da construção de
nações muito mais amplamente. Os Estados Unidos não podem
permitir-se e não precisam avançar sozinhos na
construção de um Iraque livre. Contudo, só
assegurará uma participação mais vasta só se
prestar atenção às lições da década
de 1990 bem como àquelas da de 1940" (p. 48-49). Por outras
palavras, para uma economia americana estagnada que, apesar dos seus ganhos
económicos relativos do fim da década de 1990, está numa
posição económica muito mais fraca em
relação aos seus principais competidores do que nos anos que se
seguiram à Segunda Guerra Mundial, o hegemonismo categórico
está além dos seus meios, e ela permanece dependente de
"coligações de vontade".
Ao mesmo tempo, é claro que no actual período de imperialismo
hegemónico global os Estados Unidos estão engrenados acima de
tudo na expansão da sua potência imperial em toda a
extensão possível e subordinando o resto do mundo capitalista aos
seus interesses. O Golfo Pérsico e a Bacia do Mar Cáspio
representam não só o grosso das reservas mundiais de
petróleo como também uma proporção que rapidamente
está a tornar-se cada vez maior no total das reservas, pois altas taxas
de produção diminuem as reservas por toda a parte. Isto deu
grande estímulo aos Estados Unidos para ganharem maior controle destes
recursos a expensas dos seus rivais actuais e potenciais. Mas as
ambições imperiais americanas não acabam aqui, uma vez que
elas são guiadas por ambições económicas que
não têm limites. Como observou Harry Magdoff nas páginas
finais de
The Age of Imperialism
, em 1969, "este objectivo confessado" das corporações
multinacionais americanas de "controlar uma fatia tão larga do
mercado mundial quanto à fatia que controlam no mercado dos Estados
Unidos", e o seu apetite por mercados estrangeiros persiste ainda hoje. A
firma Wackenhut Corrections Corporation, com sede na Florida, ganhou contratos
de privatização de prisões na Austrália, no Reino
Unido, na África do Sul, no Canadá, na Nova Zelândia e nas
Antilhas Holandesas (Prison Industry Goes Global,
www.futurenet.org, fall 2000). A promoção dos interesses das
corporações americanas no exterior é uma das
responsabilidades primárias do Estado americano. Considere-se os casos
da Monsanto e dos alimentos geneticamente modificados, da Microsoft e da
propriedade intelectual, da Bechtel e da guerra ao Iraque. Seria
impossível exagerar quão perigoso este expansionismo dual das
corporações americanas e do Estado americano é para o
mundo como um todo. Como observou István Mészáros em
Socialism or Barbarism
, publicado em 2001, as tentativas americanas de capturar o controle global,
que é inerente na obra do capitalismo e do imperialismo, está
agora a ameaçar a humanidade com o "domínio extremamente
violento do mundo inteiro por um país imperialista hegemónico
numa base permanente... uma forma absurda e insustentável de
administrar a ordem mundial".
[4]
Esta nova era do imperialismo americano gerará as suas próprias
contradições, dentre elas tentativas de outras grandes
potências para afirmarem a sua influência, recorrendo a meios
beligerantes semelhantes e toda a espécie de estratégias por
parte de Estados mais fracos e actores não-estatais para adoptarem
formas "assimétricas" de guerra. Dada a destrutividade sem
precedentes das armas contemporâneas, as quais são difundidas de
forma cada vez mais vasta, as consequências para a
população do mundo poderiam ser muito mais devastadoras do que
qualquer coisa desde sempre já testemunhada. Ao
invés de gerar uma nova "Pax Americana" os Estados Unidos
podem estar a pavimentar o caminho para novos holocaustos globais.
A maior esperança nestas medonhas circunstâncias jaz no
levantamento de uma maré de revolta dos de baixo, tanto nos Estados
Unidos como globalmente. O crescimento do movimento
anti-globalização, que dominou a cena mundial durante dois anos a
seguir aos acontecimentos em Seattle em Novembro de 1999, foi seguido em
Fevereiro de 2003 pela maior onda global de protestos anti-guerra da
história da humanidade. Nunca antes a população do mundo
levantara-se tão rapidamente e em números tão
maciços na tentativa de travar uma guerra imperialista. A nova era do
imperialismo é também uma era de revolta. A Síndroma do
Vietnam, que preocupou os planeadores estratégicos da ordem imperial
durante décadas, agora parece não só ter deixado um legado
profundo dentro dos Estados Unidos como também ter sido acompanhada
desta vez por um movimento numa escala muito mais global algo que
ninguém realmente esperava. Isto, mais do que qualquer coisa, torna
claro que a estratégia da classe dirigente americana de expandir o
Império Americano não pode ter êxito a longo prazo, e
provará ser a sua própria esperamos que não a do
mundo ruína.
______________
NOTAS
1- Este argumento foi expresso resumidamente por Paul Baran e Paul Sweezy em
Monopoly Capital
(New York: Monthly Review Press, 1966), pp. 183202.
2-
www.brook.edu
. Para uma discussão mais pormenorizada do argumento de Haass em
Imperial America ver John Bellamy Foster,
Imperial America and War,
Monthly Review
, May 2003.
3- Para uma análise de como a intervenção dos EUA e da
NATO nas guerras civis da Jugoslávia podem ser vistas em termos de um
projecto imperialista mais vasto ver Diana Johnstone,
Fool's Crusade: Yugoslavia, NATO and Western Delusions
(New York: Monthly Review Press, 2002).
4- István Mészáros,
Socialism or Barbarism
(New York: Monthly Review Press, 2001).
[*]
Editor da Monthly Review. Autor
de
Marx's Ecology: Materialism and Nature
e de
The Vulnerable Planet
, bem como co-editor de
Hungry for Profit: The Agribusiness Threat to Farmers, Food, and Environment
, e
Ecology Against Capitalism
, todos publicados pela Monthly Review Press. Tradução de JF.
A URL do original é
http://www.monthlyreview.org/0703jbf.htm
.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.