A nova face do capitalismo: Crescimento lento, excesso de capital e uma montanha de dívida

pelos Editores de Monthly Review
tradução de J. Figueiredo

Desde há muito, a economia dos EUA e as economias do conjunto dos países capitalistas avançados experimentam uma desaceleração do crescimento económico em relação ao quarto de século que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. É verdade que tem havido ascenços cíclicos e períodos longos de expansão que têm sido tratados como "booms económicos" de pleno direito, mas a desaceleração na taxa de crescimento da economia manteve-se durante décadas.

Apreender este facto é crucial para quem quiser entender a contínua reestruturação económica verificada nos últimos 30 anos, a rápida pioria das condições na maior parte do mundo subdesenvolvido para o qual as crises foram exportadas e o significado mais amplo do presente declínio cíclico do capitalismo mundial.

A desaceleração do crescimento

Gráfico 1 A fim de ilustrar o que está a acontecer ao crescimento no capitalismo avançado, as alterações no crescimento do Produto Interno Bruto dos Estados Unidos ao longo de todo o período pós-Segunda Guerra Mundial, examine-se o Gráfico 1.
O eixo vertical do gráfico mostra taxas de mudança. Trata-se de um gráfico semi-logarítmico, em que a escala vertical difere escala aritmética habitual. Assim, a diferença entre 2000 e 3000 representa um aumento de 50%, ao passo que a distância entre 3000 e 4000 mostra um aumento de 33,3%. Nesta espécie de gráfico, a linha recta retracta uma taxa de mudança igual no período de 1950 a 1970, aplainando flutuações menores. Os anos individuais estão portanto ligeiramente acima ou abaixo da linha de tendência, mas há uma razoável consistência na taxa média de crescimento do total de bens e serviços produzidos nas primeiras duas décadas. Olhe agora para o intervalo cada vez maior entre a tendência de 1950-1970 e as taxas de crescimento reais entre 1980 e 2000. A implicação da desaceleração é indicada pelo facto de que se a taxa de crescimento de 1950-1970 se tivesse mantido constante, o PIB teria sido cerca de 20% maior do que realmente foi no ano 2000.

Tais mudanças ocorreram durante anos de guerra de classe imposta de cima para baixo. Ao comentar acerca dos planos do establishment para endurecer as condições económicas da generalidade da população sob a capa do actual fervor patriótico, o jornalista Bill Moyers considerou: "A nossa classe empresarial e política deve-nos mais do que isso. Afinal de contas, foram eles que declararam a guerra de classe 20 anos atrás, e foram eles que a venceram. Eles estão no topo". ( The Nation , 19/Nov/01).

Esta notável desaceleração ocorreu em simultâneo com um enorme salto tecnológico (a chamada New Economy) e com a expansão globalizadora que aumentou a exploração do terceiro mundo. Os avanços na tecnologia da informação, como os computadores e a Internet — com todos os seus impactos no trabalho administrativo, gestão de stocks, etc — ainda não proporcionaram o grande estímulo que o capitalismo exige para manter altas taxas de crescimento. As contribuições da tecnologia da informação para o crescimento da economia não se assemelharam aos efeitos estimulantes a longo prazo do desenvolvimento do sistema de transporte terrestre centrado no automóvel, que dominou a história económica de grande parte do século XX.

Nos países centrais o capital certamente lucrou muito com a tendência para a globalização das últimas décadas, apesar da tendência para estagnação. Mas isto não aconteceu no terceiro mundo, como se pode ver na Tabela 1.

Tabela 1: Média móvel anual das taxas de crescimento do rendimento per capita, OCDE e países em desenvolvimento a
  1960-1979 1980-1998
OCDE b 3,4 1,8
Países em desenvolvimento c 2,5 0,0
a) Os números mostrados nesta tabela representam valores medianos para o rendimento médio anual per capita dos países nos anos indicados. O valor mediano é o ponto no qual metade de todos os países no grupo estão acima da taxa de crescimento médio indicada, enquanto metade está abaixo
b) Compreende as principais economias industrializadas da Europa, os EUA, Japão, Canadá, Austrália e Nova Zelândia
c) Países em desenvolvimento aqui abrange todos os países em desenvolvimento, incluindo a China e estados ex-comunistas na Europa do Leste e Ásia Central.
Fonte: Robert Hunter Wade, "Is Globalization Making World Income Distribution More Equal?" (Development Studies Institute, London School of Economics and Political Science). Fonte original: William Easterly, "The Lost Decade: Explaining Developing Countries Stagnation 1980-1998", minuta, World Bank, Janeiro 2000, http://www.worldbank.org/research/growth/padate.htm

Nesta tabela destacam-se três pontos importantes:
(1) O declínio nas taxas de crescimento desde a década de 1980 é típico dos países industrializados em geral;
(2) A procura de produtos primários por parte das nações ricas em crescimento rápido contribuiu para o crescimento significativo dos países pobres que haviam acabado de passar pela experiência da descolonização. Além disso, o fluxo de empréstimos e investimento estimulou o crescimento inicial.
(3) Entretanto, as condições de troca desigual e o desenvolvimento do subdesenvolvimento finalmente aprisionaram os países pobres. Muitos deles adoptaram a estratégia imposta pelo Norte: um crescimento das exportações manufactureiras graças a corporações multinacionais à procura de força de trabalho com baixos salários e ao financiamento de bancos estrangeiros à procura de novos mercados para empréstimos.

Isto significa que cada vez mais excedente económico era extraído como pagamento de lucros e de serviços de dívida destinados aos países ricos. Termos comerciais desfavoráveis, crescente competição pelos mesmos mercados e uma desaceleração nas economias centrais conduziram a crises de dívida do terceiro mundo e a um declínio decisivo nas taxas de crescimento, com muitos países pobres a experimentarem taxas de crescimento negativas.

Os países do terceiro mundo têm portanto sofrido, com poucas excepções, de duas décadas de declínios severos nas taxas de crescimento, com muitos deles caindo para crescimento abaixo de zero. Agora, com um novo período de desaceleração global, suas condições passaram de sérias para críticas, como o testemunhou a Argentina com a sua crise económica profunda e a maior cessação de pagamentos (default) de sempre de dívida externa. No ano 2000, em "The Return of Depression Economics", o economista liberal Paul Krugman escreveu que o problema subjacente que desestabilizava as finanças e ameaçava particularmente os países subdesenvolvidos não havia desaparecido, que as crises financeira/de dívida externa do México em 1995 e da Ásia em 1997-1998 eram provavelmente apenas os dois primeiros actos de uma peça em três actos. O desastre que afundou o peso argentino em 2001-2002 representa claramente o princípio do terceiro acto — mas ainda não sabemos como se desenrolará o resto desta peça.

A tendência para o excesso de capital

Durante a segunda metade da década de 1990, um certo número de economistas sugeriu que o ciclo de negócios poderia ser uma coisa do passado. A "Nova Economia" da "Era da Informação" seria tão eficiente que os capitalistas tomariam decisões mais racionais com um conhecimento mais correcto das condições actuais e futuras. No entanto, a percepção aguda de Karl Marx de que "a barreira real para a produção capitalista é o próprio capital" ainda permanece verdadeira. Uma das causas mais comuns de desaceleração económica é o facto de que a taxa de investimento tende a exceder o crescimento da procura final. O crescimento rápido do produto necessário para satisfazer o ligeiro crescimento da procura e para aumentar a participação de mercado durante uma alta económica conduz à criação de excesso de capacidade produtiva (instalações e equipamentos ociosos). Em algum ponto o crescimento da procura deixa de corresponder às projecções, deixando as corporações com quantidades maciças de capacidade não utilizada e de stocks não vendidos. O novo investimento é então impedido porque as corporações relutam em investir devido ao grande excesso de capacidade — por vezes denominado "capacidade produtiva ociosa" ("capital overhang") . Como se afirma em "The Economic Report of the Presidente, 2002", preparado pelo Conselho de Consultores Económicos do presidente: "Um capital overhang desenvolve-se quando a quantidade de capital na economia excede a quantidade que os negócios desejam para a produção de bens e serviços. A emergência de um tal excesso complica tanto o planeamento dos negócios como a elaboração de políticas. Os negócios têm frequentemente de alterar os seus planos de gastos de capital e cortar seus gastos de investimento — por vezes de forma bastante abrupta. (pg. 39)

O que deveria ficar claro é que não há nenhuma resposta real para este problema da super-expansão da capacidade produtiva sob o capitalismo monopolista, pois o capital é continuamente confrontada com o facto de que a principal barreira para o investimento é o próprio investimento. Por mais útil que o investimento possa ser, ele está limitado pela saturação final do mercado para o seu produto final. O avanço da competição e a luta de cada uma das corporações gigantes por uma maior fatia de mercado torna então a contribuição útil do investimento no seu oposto. Dadas estas circunstâncias, o excesso de capacidade desempenha um papel particularmente importante em qualquer redução do ritmo da actividade económica (economic slowdown) sob o capitalismo monopolista. Grandes firmas que procuram proteger as suas margens de lucro tendem a responder a uma depressão (downturn) com o corte na sua capacidade de utilização ao invés de reduzir preços (como a teoria económica ortodoxa levaria a esperar). [*]

Gráfico 2 O declínio prolongado na capacidade de utilização na indústria manufactureira pode ser visto no gráfico 2 , que apresenta isto em termos de médias móveis decenais. Durante o período mostrado no gráfico, o ponto alto foi o período de dez anos 1964-1975, ao passo que o ponto baixo foi o de 1975-1984. Dados preliminares indicam que 2001 registou o mais baixo nível de capacidade de utilização (ou o mais alto nível de excesso de capacidade) desde 1983.

Como foi mencionado acima, as depressões tornam-se auto-reforçadoras porque as corporações são extremamente relutantes em investir quando se deparam com quantidades substanciais de excesso de capacidade e de stocks. Esta situação é particularmente evidente hoje na alta tecnologia, sobretudo nas telecomunicações. "Alguns negócios, especialmente no sector da informação e das tecnologias de comunicação", afirma The Economic Report of the President, 2002, "podem ter superestimado o potencial da "Nova Economia" e portanto super-investido em capacidade produtiva. Além disso, os negócios em toda a economia foram surpreendidos pela extensão do declínio na procura agregada em 2000 e 2001 e, portanto, eles tiveram de rever para baixo os planos dos stocks de capital que desejavam" (pg. 40).

A panaceia da produtividade

Defrontados com um declínio crescente, os economistas muitas vezes apontam o aumento da produtividade como panaceia. A indústria manufactureira geralmente é concebida como o motor da economia capitalista, pois espera-se que opere no núcleo do mecanismo da auto-expansão do sistema. Ela é suposta trabalhar como se segue: (1) Melhorias na tecnologia e/ou intensidade acrescida de trabalho produzem produtividade do trabalho cada vez maior. (2) O excedente resultante acumulando-se ao capital é utilizado para reduzir preços e/ou aumentar salários. (3) Qualquer das duas medidas conduz a uma procura acrescida. (4) A procura acrescida é um estímulo ao capital à procura de lucro para expandir a produção.

Gráfico 3 Essa é a doutrina padrão. Mas o que realmente aconteceu entre 1980 e 2000 não se ajusta a este quadro. O gráfico 3 é um índice da produtividade manufactureira (produção por hora) comparado com um índice da compensação horária dos trabalhadores manufactureiros (ajustado aos preços). Agora considere o surpreendente afastamento entre as duas linhas a partir de 1980. Os preços não diminuíram nem houve um ascenço nos salários que suportasse um ascenço significativo da procura. Este alargamento do fosso entre produção por hora e compensação horária real, enraizado na estagnação dos salários reais, significa que quase todo o ganho do aumento de produtividade desde 1980 foi apropriado como excedente pelo capital. O sector manufactureiro nem baixou os preços nem aumentou os salários de acordo com a crescente produção por trabalhador. Isto (juntamente com a falta de novos empregos fabris) não ajudou a criar procura efectiva para o crescimento do produto. Ao invés disso, como se mostra no gráfico 4 , o emprego manteve-se em expansão no sector de serviços, onde uma porção significativa dos empregos são notoriamente mal pagos ou em tempo parcial.
Gráfico 4

Dívida crescente

A dívida é um ingrediente normal, na verdade necessário, de uma economia capitalista. Ela desempenha um papel de agilização do comércio externo, fornecendo fundo de maneio (working capital) às indústrias sazonais, complementando investimentos em empresas privadas e, naturalmente, através da dívida nacional, ajudando a regular os desequilíbrios entre receitas e despesas. A dívida também pode estimular a economia. Exemplo: a maior parte das pessoas não tem poupanças suficientes para comprar uma nova casa, um carro ou uma nova mobília para o apartamento. Quando estas compras são efectuadas a crédito, verifica-se actividade económica que não teria acontecido sem a hipoteca da casa, do carro ou de empréstimos com cartão de crédito. Quando capitalistas tomam dinheiro emprestado e constróem uma nova fábrica ou uma loja de retalho ou um hospital constróem uma nova ala da economia, esta é à partida estimulada pela criação de empregos durante a construção e depois pela contratação de pessoal e pelo abastecimento da nova instalação.

Gráfico 5 Como se mostra no gráfico 5 , ocorreu uma mudança acentuada no papel da dívida entre 1980 e 2000 — o mesmo período em que, como foi mostrado no gráfico 1, houve um declínio claro no crescimento do Produto Interno Bruto. Desde 1945 até 1980, o total da dívida não paga como porcentagem do Produto Interno Bruto permaneceu praticamente constante. O declínio na dívida governamental, associada sobretudo com as despesas da Segunda Guerra Mundial, foi compensado por um aumento correspondente em todas as outras dívidas: empresariais, dos consumidores, das instituições financeiras. Mesmo antes de 1980, o relativamente rápido crescimento da economia estava portanto cada vez mais dependente do uso da dívida privada (em oposição à pública). Tais dívidas actuam como um estímulo às compras do consumidor, como um incitamento à construção de capacidade produtiva adicional, e como um impulso para a actividade especulativa. Mas depois de 1980 o crescimento da dívida privada não paga voltou-se para cima a uma taxa muito mais rápida. Por outras palavras: tornou-se um elemento cada vez mais importante para manter a economia em andamento. Em 2000, a dívida privada não paga é 2,25 vezes o PIB, enquanto o total da dívida não paga — privada mais governo — chega a ser quase três vezes do PIB. A economia produtiva agora está completamente dependente dela e esmagada por uma montanha de dívida, a qual assumiu uma vida própria com base no facto de que a dívida aumenta a procura por mais dívida.

Gráfico 6 Um aspecto particularmente nefasto desta crescente dependência em relação à dívida é que o sector financeiro tornou-se responsável por uma proporção cada vez maior da dívida total. Aqui, mais uma vez, podemos ver o ano de 1980 como um ponto crítico para mudanças na economia. Como se pode verificar no gráfico 6 , de 1945 a 1980 a dívida financeira como porcentagem do PIB ascendeu 20 pontos. A seguir, nas duas décadas seguintes, ascendeu quase 70 pontos. O total da dívida não paga do sector financeiro sozinho é agora quase 90 por cento do PIB e representa mais de 35 por cento do total da dívida governamental não paga.

A dívida das empresas (incluindo as financeiras) não é o único problema. A crescente dívida no sector do consumo mesmo em meio a recessão é uma das principais razões porque esta tem sido relativamente suave até agora. Os trabalhadores procuraram manter os seus gastos apesar dos poucos ganhos em termos de salários reais e apesar do crescente desemprego. É improvável, contudo, que isto possa continuar por muito mais sem que haja uma interrupção súbita. Na década de 1990, a dívida das famílias ascendeu, pela primeira vez, acima de 100 por cento do rendimento pessoal disponível nos Estados Unidos e chega mesmo a ser mais elevada do que em alguns outros países capitalistas avançados, inclusive o Japão, a Alemanha e a Grã Bretanha (Economist, 26 de Janeiro de 2002, pgs. 22-23).

Capitalismo de casino

Tal como discutido acima, o sector de serviços da economia foi uma das principais áreas para o investimento e o emprego. A outra saída foi a especulação — na realidade, apenas uma outra palavra para jogatina. O sector financeiro da economia capitalista já não está confinado às necessidades da produção, emprego e investimento. Principiando na década de 1980, tornou-se uma forma cada vez mais autónoma de fazer dinheiro, particularmente evidente no crescimento dos mercados de derivados (derivatives) . Um derivado é um instrumento financeiro que "deriva" o seu valor de um outro instrumento financeiro. Um futuro financeiro (financial future) , por exemplo, é um acordo para comprar algum outro instrumento financeiro, digamos uma acção ou um título, em algum dado ponto no futuro.

Os derivados tendem a exagerar ganhos e perdas. Se uma taxa de juros ou o preço de uma acção no qual um derivado se baseia sobe, os ganhos obtidos através de um derivado podem subir como um foguete. Por outro lado, se os activos subjacentes declinam, o valor de um derivado afunda. A velocidade da ascenção e queda dos valores financeiros acresce o risco dos apostadores individuais. Tal como numa corrida de cavalo, alguns apostadores perdem, outros ganham. O risco aqui é para o sector financeiro como um todo ou para uma parte importante do mesmo, e portanto um risco para a economia como um todo. Motivo: estas especulações são altamente alavancadas. Exemplo: o comprador de um derivado pode aplicar 5 por cento, enquanto um empréstimo bancário proporciona o resto.

O fiasco da Enron sublinhou, recentemente, quão grandes se tornaram os mercados de derivados. Em depoimento perante o United States Senate Committee on Governmental Affairs, a 24/Janeiro/2002, Frank Partnoy, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de San Diego, explicou: "A Enron era, no seu núcleo, uma firma de comercialização de derivados. Nada pode tornar isto mais claro que o projecto do extravagante novo edifício da Enron — ainda não terminado actualmente, mas ocupado na sua maior parte — onde os gabinetes dos executivos de topo no sétimo piso foram concebidos de forma a dar uma vista panorâmica à jóia da coroa do império Enron: uma cavernosa arena (pit) para a comercialização de derivados localizada no sexto piso.

A explicação de Partnoy acerca da natureza e da extensão do mercado de derivados no contexto do seu depoimento sobre o colapso da Enron proporciona um visão pormenorizada do crescimento do mercado de derivados, os quais agora permeiam os negócios dos EUA.

Os derivados são instrumentos financeiros complexos cujo valor é baseado sobre uma ou mais variáveis subjacentes, tais como o preço de uma acção ou o custo do gás natural. Os derivados podem ser comercializados de duas formas: em transações regulamentadas ou em mercados não regulamentados over-the-counter (OTC) ...

A dimensão dos mercados de derivados é medida tipicamente em termos do valor imaginário (notional) dos contratos. Estimativas recentes da dimensão do mercado de derivados de comercialização de câmbios, os quais incluem todos os contratos comercializados sobre os câmbios das principais opções e futuros, vão de US$ 13 a US$ 14 triliões (milhão de milhões) em valores imaginários. Em contraste, a quantia imaginária estimada dos derivados OTC não pagos no fim de 2000 era de US$ 95,2 triliões (milhão de milhões). E esta estimativa está provavelmente subestimada.

Por outras palavras, os mercados de derivados OTC, os quais na maior parte não existiam 20 anos atrás (ou, em alguns casos, há dez anos), agora abrangem cerca de 90 por cento do mercado de derivados agregados, com triliões de dólares em risco todos os dias... A Enron pode ter sido apenas uma empresa de energia quando foi criada em 1985, mas no fim tornou-se uma firma comercializadora de derivados OTC em plena explosão. Os seus activos e passivos relacionados com derivados OTC aumentaram mais de cinco vezes só durante o ano 2000.


A enorme expansão da dívida das corporações dos EUA, inclusive das instituições financeiras, está claramente limitada por esta extensiva e crescente actividade especulativa. A Enron foi simplesmente um exemplo exagerado disto. O resultado é uma estrutura financeira que é cada vez mais instável, mais propensa ao desastre se a economia subjacente enfraquece e se novas formas de instrumentos financeiros, concebidos para adiar o dia do ajuste de contas, não forem constantemente introduzidos.

Para onde isto tudo conduzirá, ninguém sabe. Na melhor hipótese, o acumular de dívidas e a natureza cada vez mais instável da estrutura da dívida coloca limitações às economias que lutam para emergir de uma depressão cíclica. Na pior, um sério colapso (meltdown) financeiro poderia mais uma vez desestabilizar a economia do mundo capitalista. Acerca disto é crucial entender que não só a economia dos EUA caracteriza-se por quebras de produção e uma explosão insustentável de dívida, como também a economia mundial em geral, pois surgiu uma recessão mundial sincronizada.

Excesso de capacidade e volatilidade financeira tornaram-se fenómenos quase universais num ambiente económico cada vez mais globalizado. "O actual declínio global", observou a revista Economist em 25/Agosto/2001, "distingue-se das outras do meio século anterior em que

a vulnerabilidade económica está mais difundida do que nas anteriores depressões. Na 'recessão mundial' de 1991, por exemplo, a economia americana afundou, mas o Japão, a Alemanha e os Estados emergentes da Ásia continuaram a crescer, o que ajudou a absorver a procura mundial. Até agora esta recessão não é profunda, mas pode ser a mais sincronizada desde a década de 1930. Nisto situa-se o grande risco. As economias tornaram-se cada vez mais integradas devido ao comércio e ao investimento nos anos recentes... O lado negativo desta globalização é que a recessão económica em todo o mundo está agora a provar-se auto-reforçante, ampliando a queda inicial da procura. Como o investimento entrou em colapso nos EUA e no Japão, estes países cortaram suas importações dos produtores asiáticos. Mas a procura mais fraca nos países asiáticos está a fazer com que eles, por sua vez, restrinjam suas importações, não apenas dos EUA e do Japão como também da Europa. As probabilidades de uma recessão americana (e global) portanto aumentaram consideravelmente (pgs. 11-12).


Como sempre, são os países mais pobres na periferia do sistema os que mais sofrem numa crise geral da economia mundial. Tal como fora indicado anteriormente, as taxas de crescimento económico per capita estagnaram nos últimos vinte anos nos países subdesenvolvidos (com apenas umas poucas excepções notáveis), criando problemas económicos ainda piores.

O campo de visão

O neoliberalismo insiste em que a criação de um mercado livre — o que significa a eliminação de todas as tentativas dos Estados de restringirem o mercado — acabará por beneficiar todos os países. Um axioma fundamental da economia corrente é que o mercado actua como um regulador. Se e quando isto funciona assim aplica-se sobretudo aos preços, na produção e venda de mercadorias (commodities) .

O uso do excedente, contudo, não tem uma relação tão clara com o mecanismo regulatório dos mercados.

Isto está a tornar-se cada vez mais evidente na medida em que persiste a tendência para a estagnação. Como as oportunidades para investimento na produção de bens e serviços diminuem, apesar das oportunidades proporcionadas pela nova tecnologia, cada vez mais excedente é destinada a uma vasta expansão das finanças. Ajudados pela tecnologia da informação, os mercados financeiros tornam-se cada vez mais internacionais.

A globalização está na ordem do dia pois o capital pesquisa todos os cantos do globo à procura de oportunidades para lucro. A ideologia dominante celebrou a velocidade da globalização apregoando que uma maré crescente eleva todos os navios — até mesmo mais para o países subdesenvolvidos se estes adoptassem a ideologia do livre mercado dos países centrais. O resultado — muitíssimo diferente do que fora prometido — foi afundar as taxas de crescimento na maior parte dos casos.

Para aqueles cuja visão do futuro está confinada às fronteiras aceitáveis para o capitalismo, tudo isto será certamente encarado como um retracto totalmente sombrio. A globalização sob regimes neoliberais significou de muitos modos a globalização das tendências de estagnação e de crise financeira. A economia do mundo capitalista está confrontada em toda a parte com capacidade produtiva não utilizada e com montanhas de dívida. Não existe qualquer solução óbvia para este problema dentro do contexto do sistema. Para culminar tudo isso, as consequências sociais desta última fase da crise estão ainda por emergir.

É sobre tais consequências sociais que todos aqueles cuja visão do futuro não está confinada ao capitalismo fixam suas esperanças — a abertura de caminhos alternativos através da luta. Não sabemos o que o futuro nos trará, nem quantas lutas serão necessárias para alcançar uma sociedade governada pelo povo e concebida para atender as necessidades das populações de todo o mundo. Podemos, entretanto, ter a certeza de duas coisas: que este objectivo não será alcançado sem a luta militante de classe, e que uma economia capitalista mundial justa e sustentável não é o futuro da humanidade.


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[*] Sob o capitalismo monopolista, não se pode considerar o excesso de capacidade simplesmente como um fenómeno temporário associado com os fossos do ciclo de negócios. Tal como argumentou Josef Steindl em Maturity and Stagnation in American Capitalism (Nova York, Monthly Review Press, 1976), pgs. 10-12, "para propósitos práticos... é permanente", ligado à tendência subjacente para a estagnação. Cortando na produção e diminuindo a capacidade de utilização durante uma recessão económica, as firmas monopolistas são capazes de ajustar-se às quedas da procura enquanto mantêm margens de lucro — evitando assim os perigos de uma plena competição de preços.

Durante uma expansão, estas mesmas firmas podem adoptar um certo grau de "excesso de capacidade planeada", construindo por antecipação à procura a fim de capturar um mercado maior (e maior fatia de mercado). Contudo, o super-investimento em que isto se converte apenas faz com que o "indesejado excesso de capacidade" que as corporações acabam por manter durante o declínio seguinte seja maior que o anterior.

All material copyright ©2002 by Monthly Review.
A publicação em português foi autorizada pelo editor.
O original encontra-se no nº 11, volume 53, da Monthly Review .


Este artigo encontra-se em http://resistir.info

11/Jun/02