Hegemonia americana:
Declínio contínuo, Perigo duradouro
por Richard B. Du Boff
[*]
A "hegemonia global" pode ser definida como uma
situação na qual um Estado-nação desempenha um
papel predominante em organizar, regular e estabilizar a economia
política mundial. A utilização da força armada
sempre foi uma parte inseparável da hegemonia, mas o poder militar
depende dos recursos económicos à disposição do
Estado. Ela não pode ser posta em acção para responder a
toda ameaça a interesses geopolítico e económicos, e
aumenta o perigo de a reacção imperial ir demasiado longe, como
foi o caso para a Grã-Bretanha na África do Sul (1899-1902) e
para os Estados Unidos no Vietnam (1962-1975).
A Grã-Bretanha dominou os mares de 1815 a 1913, mas por volta da
década de 1890 ela enfrentava o desafio económico dos Estados
Unidos e da Alemanha, e entre as duas guerras mundiais deixou de ser capaz de
funcionar como fiador do sistema mundial. A hegemonia americana principiou
durante a Segunda Guerra Mundial e atingiu um pico cerca de trinta anos mais
tarde. Os Estados Unidos ainda têm imenso inigualado poder
em economia e política internacional, mas mesmo como superpotência
única descobre-se menos capaz do que outrora para influenciar e
controlar o curso dos acontecimentos no exterior. A sua supremacia militar
já não é acompanhada nas esferas económicas e
políticas, e é de duvidoso valor na preservação da
ordem económica global e na aposta que o capital americano nela tem.
Mesmo durante os dias dourados de 1944-1971 os Estados Unidos foram incapazes
de evitar a derrota militar no Vietnam e uma retirada na Coreia.
FUSÃO LENTA DAQUI PARA A FRENTE:
A HEGEMONIA A PARTIR DOS ANOS 1970
Pode-se ter uma ideia do declínio da potência económica
americana a partir dos dados que se seguem:
[1]
-
Em 1950 os Estados Unidos forneciam a metade do produto bruto mundial, contra
21 por cento no presente. Sessenta por cento da produção
manufactureira mundial em 1950 provinha dos Estados Unidos, contra 25 por cento
em 1999. A participação americana nas exportações
de serviços comerciais, a parte que cresce mais rapidamente na economia
mundial, mantinha-se em 24 por cento em 2001, ao passo que a União
Europeia (UE) detinha 23 por cento 40 por cento se as
exportações intra-UE forem contadas.
-
Companhias não-americanas dominavam as maiores indústrias em
2002, contabilizando nove dos dez maiores fabricantes de equipamentos
electrónicos e eléctricos; sete dos dez maiores refinadores de
petróleo; seis das dez companhias de telecomunicações;
cinco das dez firmas farmacêuticas; quatro dos seis produtores
químicos; quatro de sete companhias de aviação. Dos 25
maiores bancos do mundo, 19 eram bancos não-americanos, embora os dois
maiores fossem o Citigroup e o Bank of America.
-
Das 100 principais corporações no mundo em 2000, classificadas
pela propriedade de activos estrangeiros, 23 eram americanas. Juntas, a
Alemanha, França, Reino Unidos e Holanda, com um produto interno bruto
(PIB) combinado de sete décimos daquele dos Estados Unidos, têm
40, o Japão tem 16. Durante os anos 1990, a participação
das multinacionais americanas no comércio exterior das 100 maiores
multinacionais do mundo reduziu-se de 30 para 25 por cento, a
participação das companhias baseadas na UE aumentou de 41 para 46
por cento.
-
21 por cento do stock mundial de investimento directo em outros países
era americano em 2001, comparado com 47 por cento em 1960. No período
1996-2001, 17 por cento de todo novo investimento directo no estrangeiro veio
dos Estados Unidos e 16 por cento da Grã-Bretanha; juntas, a
França, Bélgica e Luxemburgo forneceram 21 por cento.
-
Das 25 maiores fusões e aquisições (F&As) nos Estados
Unidos em 1998-2000, cinco envolveram tomadas
(takeovers)
por multinacionais estrangeiras (três britânicas, duas
alemãs). Das 20 principais corporações envolvidas em F&As
com atravessamento de fronteiras desde 1987 até 2001, somente duas eram
americanas (General Electric e Citigroup), elas representaram 5 por cento do
valor de todos os acordos de F&A durante esses anos.
Nas finanças globais, os Estados Unidos estão não só
menos dominantes mas também vulneráveis. O elo fraco é o
dólar, cujo estatuto como divisa chave mundial tem estado a erodir-se
desde os anos 1970, irregularmente e com recuperações
periódicas. Entre 1981 e 1995, a participação das
poupanças privadas mundiais possuídas em divisas europeias
aumentou de 13 para 37 por cento, enquanto a participação do
dólar caiu de 67 para 40 por cento. Quarenta e quatro por cento dos
novos títulos foram emitidos em euros desde que a nova divisa foi
introduzida em 1999, aproximando-se dos 48 por cento emitidos em
dólares. Metade das reservas de divisas externas possuídas pelos
bancos centrais do mundo era composta de dólares em 1990 em
comparação com os 76 por cento de 1976; a
proporção ascendeu outra vez para 68 por cento em 2001 devido ao
faseamento para a saída dos ecus (reservas emitidas para bancos europeus
pelo Instituto Monetário Europeu) para abrir caminho ao euro.
[2]
Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial há uma outra fonte de
pagamento e liquidez universalmente aceitável na economia mundial
num momento em que a balança de pagamentos internacional americana
está a registar défices.
Desde 1971, quando pela primeira vez em 78 anosos Estados Unidos tiveram um
défice no seu comércio de bens (mercadorias), as
exportações excederam as importações apenas em 1973
e 1975. Uma nação pode incorrer em défices no seu
comércio de bens e ainda assim estar em equilíbrio global nos
seus negócios com países estrangeiros. Défices no
comércio de bens podem ser compensados tendo uma balança positiva
nas vendas de serviços para o exterior (financeiros, seguros,
telecomunicações, publicidade e outros serviços de
negócios) e/ou rendimentos de investimentos além mar (lucros,
dividendos, juros, royalties e afins). Mas o défice americano em
mercadorias tornou-se demasiado grande para ser pago através de
serviços vendidos a estrangeiros mais remessas por investimentos. A
conta corrente americana (a soma das balanças no comércio de bens
e serviços mais o rendimento líquido do investimento além
mar), quase constantemente em excesso desde 1895 até 1977, está
agora a deteriorar-se agudamente; o défice em mercadorias tornou-se
demasiado grande para ser pago por serviços vendidos aos estrangeiros.
E desde 1990 o balanço positivo do rendimento do investimento tem estado
a encolher pois o investimento estrangeiro nos Estados Unidos tem estado a
crescer mais rapidamente do que o investimento americano no exterior. Em 2002,
a balança tornou-se negativa: pela primeira vez os Estados Unidos
estão a pagar aos estrangeiros mais rendimentos de investimento pelos
seus haveres aqui do que recebem dos seus próprios investimentos no
exterior.
Como a maior parte das diferenças entre rendimentos e despesas, o
défice em conta corrente é coberto por empréstimos. Em
2002, os Estados Unidos tomaram emprestaram US$ 503 mil milhões do
estrangeiro, um récorde de 4,8 por cento do PIB. Quando estrangeiros
recebem dólares de transações com residentes nos EUA
(indivíduos, companhias, governos), eles podem utilizá-los para
comprar activos americanos (títulos do Tesouro americano, títulos
e acções corporativos, companhias e imóveis). Foi assim
que os Estados Unidos em 1966 tornaram-se uma nação devedora; os
activos possuídos por estrangeiros nos Estados Unidos agora valem US$
2,5 milhões de milhões
(trillions)
mais do que os activos possuídos pelos americanos no exterior. Em
meados de 2003 os estrangeiros possuíam 41 por cento da dívida
comercializável de títulos do Tesouro americano, 24 por cento de
todos os títulos corporativos americano, e 13 por cento das
acções corporativas. As companhias americanas continuam a
investir no exterior, mas ao contrário do Império Britânico
nas décadas anteriores à Primeira Guerra Mundial, os Estados
Unidos são incapazes de financiar estes investimentos a partir da sua
conta corrente. Em contraste, a conta corrente da Grã-Bretanha
manteve-se com excedente, numa média de 3 a 4 por cento do PIB durante
todos os anos desde 1850 até 1913, quando o rendimento de
serviços e investimento estrangeiro era maior do que os seus
défices comerciais em mercadorias.
[3]
Até agora a classe dos investidores globais tem parecido desejosa de
financiar os défices externos dos EUA, mas pode não ser assim para
sempre. Os défices estão a exercer uma pressão
baixista sobre o dólar, levantando a suspeição de que
os Estados Unidos favorecem um dólar mais barato para ajudar a pagar o
seu défice comercial crescente. Na medida em que o dólar declina
em valor, cai o retorno para investidores estrangeiros sobre os activos
denominados em dólar. Os investimentos alemães em propriedades
selectas em Nova York, S. Francisco e outros lados foram cortados drasticamente
em 2003. Enquanto os edifícios estavam a tornar-se mais baratos em
euros, os alugueres reduziam-se quando convertidos do dólar a fim de
serem
repatriados. "Podemos obter o mesmo retorno na Grã-Bretanha e nos
países nórdicos, assim por que ir para os Estados Unidos onde o
risco com a divisa é maior?", perguntou o responsável chefe
de um fundo de propriedades com sede em Munique.
[4]
Até recentemente toda a Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP) vendia o seu óleo só por
dólares; o Iraque comutou para o euro em 2000 (presumivelmente terminou
com extremo prejuízo em Março de 2003), e o Irão tem
considerado a conversão desde 1999. Num discurso na Espanha em Abril de
2002, o responsável pelo Departamento de Análise de Mercados da
OPEP, Javad Yarjani, viu pouca probabilidade de mudança "no futuro
próximo... [mas] no longo prazo o euro não está em
desvantagem frente ao dólar. A Euro-zona tem uma maior fatia do
comércio global do que os EUA e... uma posição nas contas
externas mais equilibrada". A adopção do euro pelos
principais produtores de petróleo da Europa, a Noruega e a
Grã-Bretanha, podia criar "um impulso para mudar o sistema de
apreçamento do petróleo para o euro". Então,
concluiu Yarjani, "a OPEP não descartará inteiramente a
possibilidade de no futuro adoptar preços e pagamentos em euro".
[5]
Se os investidores estrangeiros ficassem com medo, cessando de investir nas
indústrias americanas ou vendendo os seus haveres em dólares, o
dólar começaria a cair mais rapidamente. As taxas de juro nos
Estados Unidos podem agitar-se, tomar dinheiro emprestado tornar-se-ia mais
difícil, e os consumidores pagariam mais por bens importados, drenando
rendimento de outras compras e desestimulando a economia. Uma fuga ao
dólar podia levar investidores nervosos a afundar as
acções e títulos americanos, lançando Wall Street
num mergulho. Em qualquer caso o dólar agora é percebido ser
tão arriscado como activo como o euro e possivelmente duas ou três
outras divisas (yen, esterlino, franco suíço).
O COMERCIANTE IANQUE NOS MERCADOS MUNDIAIS
Com a sua proeminência económica desafiada e escorregando desde a
década de 1970, os Estados Unidos viraram-se para uma política de
comércio internacional mais beligerante. Sob a Secção 301
do Trade and Tariff Act de 1974, o presidente, actuando como acusador, juiz e
júri, pode pedir reparação a qualquer nação
que viole "os direitos dos Estados Unidos sob qualquer acordo
comercial" e retaliar contra actividade estrangeira que seja
"injustificável, não-razoável ou
discriminatória... e dificulte ou restrinja o comércio dos
Estados Unidos". Entre as novas armas comerciais estavam os
"submissos acordos de marketing" alcançados com a Coreia do
Sul, Hong Kong e Taiwan em 1973 no sentido de impor restrições
"voluntárias" às suas exportações de
algodão e têxteis sintéticos para os Estados Unidos; em
1981 o Japão concordou em reduzir suas exportações
automóveis. Quando uma reunião do General Agreement on Tariffs
and Trade em 1982 sobre uma nova rodada de
negociações foi adiada sem acordo devido à
resistência europeia às
propostas americanas, os Estados Unidos anunciaram que daí em diante
expandiriam o comércio numa abordagem de "duas pistas"
("two-track")
alcançando acordos bilaterais com países individuais
enquanto, ao mesmo tempo, buscavam acordos multilaterais para alcançar
um sistema de comércio aberto. Este movimento em direcção
ao bilateralismo conduziu à Caribbean Basin Initiative de 1984
concedendo preferências comerciais para países na região, a
um pacto comercial com Israel um ano mais tarde, e ao CanadaUnited States
Free Trade Agreement (1988), estendido ao México em 1994 através
do North American Free Trade Agreement (NAFTA).
Em 1990, mais de uma centena de investigações haviam sido
iniciadas sob a Secção 301, com resultados mistos. Uma grande
pressão 301 começou em Outubro de 1993 contra o Japão, o
qual estava agora a ultrapassar o seu acordo "voluntário" de
1981 através da produção de automóveis dentro dos
Estados Unidos. Uma tarifa de 100 por cento estava para ser imposta sobre os
valores de treze automóveis de fabricação japonesa a menos
que o Japão desregulasse seu mercado de auto peças e importasse
anualmente pelo menos uma centena de milhar de modelos de
fabricação americana. Apesar daquilo que a
administração Clinton chamou a "aspereza ocasional" das
conversações, e das críticas "insinceras" dos
japoneses, foi alcançado um acordo em Junho de 1995, exactamente quando
tarifas punitivas estavam para entrar em vigor. Nenhumas novas tarifas ou
quotas foram impostas; em contrapartida, o Japão fez vagas promessas no
sentido de mudar o seu sistema de fornecimento de peças e de aumentar o
número de comerciantes de carros de fabricação americana.
"Em Tóquio, o acordo era geralmente encarado como não
exigindo aos principais fabricantes de automóveis do Japão que
fizessem muito mais do que teriam feito de qualquer maneira".
[6]
Em 1998 os Estados Unidos foram abalados por três derrotas na
Organização Mundial do Comércio (OMC). Em Janeiro, um
júri
(panel)
da OMC decidiu que o apoio do Japão à Fuji Film na sua
competição com a Kodak não constituía uma barreira
comercial. Em Maio, outro júri considerou que os Estados Unidos
não podiam travar importações de camarões
capturados em redes que dizimam tartarugas marinhas. A seguir, em Junho, um
júri de recurso permitiu à UE reclassificar computadores e
peças como equipamento de telecomunicações a fim de
proteger estas indústria por meio de tarifas. Os Estados Unidos
tentaram retaliar no comércio que envolvia bananas e carne de gado
engordada com hormonas. A disputa da banana começou em 1993 quando
distribuidores americanos da fruta latino-americana (conduzidos pelo executivo
chefe da Chiquita Brands, Carl Lindner, um grande contribuidor financeiro tanto
do partido Democrata como do Republicano) reclamou que lhes fora negado acesso
a mercados europeus porque a quota da UE e o sistema de licenciamento favorecia
as bananas cultivada nas antigas colónias europeias no Caribe e na
África. Os Estados Unidos também atacaram o banimento da UE da
utilização de hormonas de crescimento na carne, uma
proscrição que se aplica tanto à produção
interna da UE como às importações.
Em Abril de 1999 a OMC deu aos Estados Unidos uma vitória parcial na
guerra da banana não indemnizações punitivas mas um
acesso mais amplo a mercados europeus e redução do status de
comércio preferencial para os produtores do Caribe e da África.
Na guerra da hormona, a proscrição europeia foi declarada ilegal
mas os US$ 900 milhões em danos reclamados pelos Estados Unidos e pelo
Canadá foram reduzidos para US$ 128 milhões, e a disputa
permanece não resolvida.
A UE retaliou. Em Julho de 1999 um júri da OMC decidiu que a lei
U.S. Foreign Sales Corporation, promulgada em 1971, constituía um
subsídio ilegal à exportação e ordenou que fosse
abolida, assinalando a maior derrota comercial de sempre para os Estados
Unidos. Sob a FSC, cerca de seis mil companhias americanas que agora
são responsáveis por mais de 30 por cento do rendimento das
exportações evadem os impostos americanos pela
criação de subsidiárias offshore para
exportações em paraísos fiscais como Bermuda e Barbados.
As poupanças fiscais estimadas de 1991 a 2000 totalizavam US$ 1000
milhões para a Boeing e General Electric; US$ 300 milhões para a
Motorola, Honeywell, Caterpillar e Cisco. O valor anual da brecha fiscal para
todas as companhias alcançou um valor estimado de US$ 5 mil
milhões em 2002. Qualquer tentativa da UE de impor
sanções desta ordem detonaria uma "arma nuclear sobre o
sistema comercial", advertiu o representante comercial americano Robert
Zoellick.
[7]
No entanto, em Agosto de 2002 a OMC decidiu que a UE podia impor US$ 4 mil
milhões em penalidades; tarifas superiores a 100 por cento podiam ser
impostas sobre 1600 ítems, incluindo lacticínios e produtos da
carne, açúcar, cereal, vestuário e maquinaria.
Os líderes europeus agora tem um clube para utilizar contra os Estados
Unidos; em breve teriam mais um. Numa outra ruptura unilateral das regras
comerciais, em Março de 2002 o presidente George W. Bush impôs
tarifas de aproximadamente 30 por cento sobre a maior parte dos tipos de
aço importados da Europa, da Ásia e da América do Sul, a
maior acção de protecção a uma industria em
várias décadas. A UE, juntamente com o Japão, China,
Coreia do Sul, Nova Zelândia, Suíça, Noruega e Brasil
ameaçaram retaliação, e as companhias americanas que
utilizavam o aço queixaram-se de que elas não podiam mais obter
os produtos especiais de que precisavam. Sob pressão, os Estados Unidos
recuaram e excluíram 178 produtos de aço das tarifas de
Março de 2002, mas a seguir impuseram novas tarifas, tão elevadas
como 369 por cento, sobre importações de jantes de aço do
Canadá, Brasil, México e Ucrânia. Em Julho de 2003 a OMC
decidiu que as tarifas do aço eram ilegais, uma outra grande perda para
os Estados Unidos na OMC.
Mas os Estados Unidos também renovavam a sua ofensiva na agricultura.
Dois meses depois de impor tarifas sobre o aço, o presidente Bush
assinou um subsídio agrícola récorde, aumentando os gastos
em 80 por cento sobre os níveis existentes e com um custo estimado de
US$ 190 mil milhões ao longo de dez anos. Isto minou um esforço
global, na OMC em Genebra, para reduzir subsídios agrícolas,
não só nos Estados Unidos mas também na UE, Japão e
Coreia do Sul. Em Maio de 2003 os Estados Unidos, junto com o Canadá e
a Argentina, abriram processo na OMC contra a moratória de cinco anos da
UE sobre alimentos geneticamente modificados, reclamando que os seus
agricultores estavam a perder vendas de milho e soja biomodificados. Ter um
país em desenvolvimento era considerado crucial para o caso americano,
mas o Egipto retirou-se sob a pressão dos seus principais parceiros
comerciais, a Europa, e uma enfurecida Casa Branca imediatamente traçou
planos para um acordo de livre comércio com o Cairo. Os europeus
apontaram o facto de que os Estados Unidos haviam recusado juntar-se a uma
centena de nações na assinatura do Protocolo de Cartagena sobre
Biosegurança, em 2000, e que a UE está actualmente a processar
aplicações para a venda de variedades de alimentos geneticamente
modificados. Ao invés de responder a estas declarações, o
presidente Bush acusou a Europa de "atrasar a grande causa de acabar com a
fome na África".
[8]
Então há a batalha de longo prazo sobre a mãe de todos os
mercados Boeing versus Airbus.
Um consórcio de quatro nações europeias criado em 1970
como um desafio directo à Boeing, a Airbus Industrie (AI) foi
construída na base de subsídios governamentais e
empréstimos. Os Estados Unidos combateram-na em todos os passos do
caminho. A AI replicou que a Boeing beneficiava de considerável ajuda
governamental, a partir do desenvolvimento de aeronaves para os militares e o
programa espacial americano. O acordo Airbus de 1992 foi basicamente uma
vitória para a AI, legitimando os subsídios mas encobrindo-os,
num momento em que a AI estava a obter 30 por cento das novas encomendas de
aeronaves por todo o mundo. Um problema que enfrentavam os americanos era a
integração do negócio por cima do Atlântico.
Algumas partes da indústria americana fabricantes de motores como
a General Electric bem como companhias aéreas tinham um direito
adquirido no êxito da AI e opunham-se a acções comerciais
contra ela. A Lockheed Martin estava a explorar a possibilidade de se tornar
um quinto parceiro da AI e concordara em unir-se à Aérospatiale
Matra francesa, uma firma do consórcio AI, para concorrer a um
avião-cisterna estratégico. Em 1997 a Boeing estava a comprar
US$ 2 mil milhões em materiais de países europeus, gerando 60 mil
empregos na Europa, e 30 por cento de uma típica aeronave AI estava a
ser feita por companhias americanas ou suas subsidiárias europeias. A
AI atingiu a paridade com a Boeing em encomendas de jactos comerciais em 2001.
Duas anos depois moveu-se para a frente em termos de entregas, conseguiu o seus
primeiro grande contrato militar para produzir 180 aviões de transporte
para sete países europeus, e é agora o principal fabricante de
aviões comerciais do mundo.
Outro monopólio americano sob desafio é o Global Positioning
System (GPS), com dez anos de idade. Trata-se de um sistema de
navegação por satélite financiado e controlado pelo
Departamento de Defesa dos EUA e que fornece sinais codificados que permitem a
um receptor computarem posição, velocidade e tempo em qualquer
lugar sobre a Terra. Concebido para os militares americanos, ele serve agora
milhares de utilizadores empresariais e individuais no mundo todo. Em 2000 a
UE anunciou planos para lançar o seu próprio sistema de
navegação por satélite, o Galileu, "um programa civil
sob controle civil que permite à UE livrar-se da dependência [do
GPS]... e estar presente no cenário internacional em todos os aspectos
das tecnologias de vanguarda", declarou a comissária dos
Transportes da UE, Loyola del Palacio. Os Estados Unidos também
tentaram bloquear este projecto. O vice-secretário da Defesa, Paul
Wolfowitz, em 2001 advertiu os seus homólogos da UE que o Galileu
interferiria com o GPS (está planeado ser compatível), e que isto
apresentaria "sérios desafios e problemas para a aliança da
NATO".
[9]
A administração Bush tentou desacreditar um relatório da
firma de contabilidade americana PricewaterhouseCoopers de que o Galileu podia
ganhar 8 mil milhões ou mais de lucros ao longo de 20 anos e criar
140 mil novos empregos. Em Março de 2002 a UE anunciou que prosseguiria
com o projecto Galileu de 3,6 mil milhões, agendado para estar
operacional em 2008, sincronizando transmissão de dados e controlando
tráfego em terra e no mar com uma precisão posicional de um metro.
As batalhas Airbus e Galileu estão extravasando para um outro campo de
competição F&As corporativas. A UE revê
fusões que possam criar uma posição dominante no mercado
europeu, sem considerar a nacionalidade das companhias envolvidas. Em 1997, o
responsável do Controle de Regulações de Fusões da
UE (Karel Van Miert) principiou a bloquear a fusão das companhias
americanas Boeing e McDonnell Douglas. A Boeing salvou o negocio
através da capitulação a várias exigências da
UE, principalmente no sentido de que abandonasse os seus contratos, que
perduravam há 20 anos, de fornecedor exclusivo da Delta, Continental e
American Airlines. Em 1998, Van Miert anunciou uma investigação
da planeada fusão de duas firmas de contabilidade americanas, Ernst &
Young e KMPG Peat Marwick; um mês depois a Ernst & Young desistiu do
negócio. Em 2000 a Comissão de Competição da UE
(CCUE) travou dois negócios americanos (a fusão da WorldCom com a
Sprint e a tomada da Honeywell pela General Electric), bem como uma
fusão de fabricantes suecos de camiões (Scania e Volvo). Depois
de em 2001 a administração Bush ter arrumado o processo
anti-trust contra a Microsoft, deixando cair várias das penalidades
propostas, a CCUE anunciou que continuaria sua própria
investigação do gigante do software, por dominar ilegalmente o
mercado para software de servidores e atar o seu próprio software de
música, vídeo e mensagens instantâneas ao monopólio
do sistema Windows.
Finalmente, as sanções económicas americanas contra outros
países aguentavam-se bem até 1970 antes de ficarem debaixo de
fogo; por volta da década de 1980 elas tiveram êxito menos de 10
por cento do tempo.
[10]
O boicote a Cuba é amplamente ignorado, mesmo pelos britânicos,
que em 1982 lideraram a oposição com êxito ao embargo
às exportações de firmas europeias filiadas a americanas
de turbinas e outros equipamentos para a União Soviética
destinados ao seu gasoduto para a Alemanha Ocidental. Em 1998 os Estados
Unidos foram obrigados a fugir das suas sanções contra quaisquer
firmas que usassem "propriedade confiscada" em Cuba ou investissem em
projectos de energia no Irão e na Líbia; em contrapartida, a UE
concordou em endurecer exportações de tecnologias de armas para o
Irão e a Líbia. Abandonadas no frio, as companhias americanas
protestaram junto ao seu próprio governo afirmando que os competidores
europeus estavam a obter lucros do comércio com estes países.
A 'NOVA ECONOMIA' DA DÉCADA DE 1990: O QUE SUBIU...
O declínio a longo prazo no poder económico relativo dos Estados
Unidos foi obscurecido por algum tempo pela rápida expansão dos
finais da década de 1990. Mas quando a economia afundou na
recessão, em Março de 2001, em meio à
destruição de riqueza do colapso da bolha do mercado de
acções, o véu foi arrancado. Murmúrios renovados
acerca do declínio americano já podem ser ouvidos.
A China está "a corroer mais de 50 anos de domínio
[económico] americano na Ásia", pois ela arrasta grande
parte do novo investimento externo, exportações baratas, bens
manufacturados, importações de produtos high-tech de Singapura e
do Japão e lança esforços diplomáticos para
estabelecer uma zona de livre comércio no Extremo Oriente, agora a
região com o crescimento comercial mais rápido do mundo. "A
influência política dos Estados Unidos como o grande mercado
certamente vai declinar", observa James Castle, líder há
muito da Câmara de Comércio Americana na Indonésia. A
Europa está a desafiar os Estados Unidos no seu próprio quintal
a América Latina. Das 25 maiores companhias estrangeiras na
América Latina em 2000, 14 eram europeias, 11 americanas, e as entradas
de investimento da Europa estavam a começar a ultrapassar aquelas do
Norte.
[11]
Num outro desvio comercial para longe do multilateralismo, os Estados Unidos
estão à procura de pactos bilaterais, um por um, com o Chile,
Colômbia, República Dominicana e o os cinco países da
América Central para intimidá-los a fim de abrir caminho para a
sua própria Área de Livre Comércio das América
(ALCA), desde o Alasca até a Terra do Fogo, até 2005. Mas as
duas maiores economias sul-americanas, Brasil e Argentina, com Uruguai e
Paraguai, formaram o seu próprio bloco de comércio regional em
1991, o Mercosul (Mercado Comum do Sul). Agora o terceiro maior grupo
comercial do mundo (após a UE e a NAFTA), o Mercosul tem estado a
estender a mão à UE a fim de negociar arranjos comerciais, e
está a trabalhar para forma uma área de livre comércio
sul-americano para dar a todo o continente maior influência
económica contra os Estados Unidos.
Nos fins dos anos 90 muitos europeus acreditaram que as
corporações americanas haviam atravessado com êxito uma
fase de reestruturação de duas décadas, tornando-se
dominantes em muitas indústrias em termos de tecnologia, produtividade e
retorno sobre o capital, o que estaria a deixar a Europa irremediavelmente para
trás. Mas com a "nova economia" a encolher-se até
reduzir-se ao essencial uma subida cíclica em crescimento da
produtividade, difusão mais rápida das tecnologias de
informação nos lugares de trabalho e instalações de
produção, casas e escolas e com escândalos
financeiros, fraudes contabilísticas e bancarrotas a propagarem-se entre
as suas legiões, a corporação americana parece longe de
invulnerável. Nas altas tecnologias, um laboratório
japonês construiu um computador que ultrapassa o poder de processamento
combinado dos vinte mais rápidos computadores americanos. Ele
ultrapassa de longe o líder anterior (uma máquina IBM) e tem
aplicações práticas e científicas que reflectem
"um nível de vontade que nós não atingimos",
segundo o arquitecto do supercomputador do California Institute of Technology,
Thomas Sterling. "Estes rapazes estão a apagar-nos e precisamos
abrir os olhos", disse ele. No crescimento da Internet, os Estados Unidos
têm porcentagens de largura de banda para os utilizadores mais baixas do
que o Canadá, o Japão, a Coreia do Sul, Formosa e países
escandinavos e fica atrás de dez países na
utilização per capita da Internet. Por menos de 25
dólares por mês, metade do custo nos Estados Unidos, clientes no
Japão e na Coreia do Sul conectam-se à Internet a uma velocidade
de dez megabits por segundo dez vezes tão rápido como a
típica largura de banda de serviço nos Estados Unidos.
[12]
A perturbação em curso para a economia americana provem do ataque
ao governo federal, principiado com a administração Reagan na
década de 1980 e que atingiu uma ferocidade sem precedentes no reino de
Bush II. Três cortes fiscais desde 2001, destinados aos ricos, ajudaram a
eliminar os excedentes do orçamento federal de 1998-2001 e a provocar
défices de US$ 374 mil milhões em 2003 e para mais de US$ 450 mil
milhões em 2004-2006. O problema não está nos
défices em si próprios: fossem eles gastos com
educação, transportes, ambientes e cuidados de saúde
produziriam não só uma economia mais forte e mais estável
como também melhorariam amplamente o bem estar dos quatro quintos da
base na escala de rendimentos. Mas são precisamente estes que Bush e
companhia querem destruir: os cortes fiscais são destinados a privar o
governo federal de recursos e força-lo a cortar gastos em todas as
coisas excepto as militares.
Estas políticas estão a alimentar uma "perfeita tempestade
fiscal". A explosão dos défices orçamentais reduz
a poupança nacional, aprofunda o défice internacional do
país e aumenta sua dependência em relação ao
capital estrangeiro para pagar o consumo interno e o investimento. O dano
dentro de casa vem do esmagamento fiscal dos governos estaduais e locais (GEL),
o
pior desde a década de 1930. Os cortes na ajuda federal aos GELs, nas
pegadas do fim da partilha de rendimentos de 1986, chegaram num momento em que
o governo federal está a abandonar as responsabilidades fiscais mais
pesadas para com os GELs, principalmente para Medicaid, Social Segurity
Insurance para famílias de baixo rendimento, e novas medidas de
segurança interna na sequência do 11 de Setembro. Os governos
estaduais agora enfrentam défices que totalizam US$ 60 a US$ 85 mil
milhões para o próximo ano 13 a 18 por cento das despesas
estaduais. Uma vez que a todos os estados, excepto Vermont, é exigido
pela constituição ou por estatutos que tenham orçamentos
equilibrados, os défices estão a forçar os GELs a
efectuarem cortes profundos nos gastos em educação,
segurança pública, bibliotecas e parques, bem como a aumentar
impostos para enfrentar a recessão o oposto do que um
médico receitaria. Assim, políticas discordantes e mesmo
contraditórias são adoptadas pelos diferentes níveis de
governo, resultando na deterioração do funcionamento do sistema
económico como um todo. Se hegemonia depende da eficiência
económica, o sistema americano de governo deixa algo a desejar, e a sua
manipulação pela oligarquia radical de extrema-direita agora no
poder equivale à "loucura"
("lunacy")
, como chama a isto um porta-voz do capital global, o Finantial Times.
[13]
UM REMÉDIO MILITAR PARA A RETIRADA ECONÓMICA?
Poderá a supremacia militar da América ser utilizada para
reconstruir a hegemonia económica? Poderá ela servir os
interesses do capital global em todo o mundo?
Durante mais de 50 anos o establishment militar americano tem sido uma base de
apoio para o capital multinacional, e para alianças cuja lógica
é preservar um comércio aberto e um sistema de investimentos por
todo o mundo. A presença militar americana ainda protege interesses
económicos, especialmente na Arábia Saudita e outras
satrápias do petróleo, e pode agora permitir aos Estados Unidos
controlarem os campos de petróleo do Iraque, mas as extensão e a
duração deste controle, e se ele aumentará a
influência dos Estados Unidos sobre os abastecimentos e preços nos
mercados do petróleo mundiais, permanece altamente problemática.
A Pax Americana sempre foi uma benção a meias para os aliados
americanos: ela tem sido mantida parcialmente pelo poder militar,
enfraquecendo esforços dos aliados dos americanos na Europa e no
Japão para forjarem políticas externas independentes. Com a
morte da União Soviética, os Estados Unidos tornaram-se "a
única superpotência ainda de pé" e rapidamente
começaram a utilizar a nova configuração de poder no mundo
para reafirmar e expandir o seu domínio sobre todos os possíveis
rivais.
Em 1990-1991 os Estados Unidos remendaram uma coligação conjunta
para travar a primeira Guerra do Golfo ("Por Deus, nós
expulsámos a síndrome do Vietnam de uma vez por todas",
exclamou o presidente George Bush no dia que a guerra terminou), mas não
pagaram por ela e queixaram-se quando os seus aliados começaram a renegar
compromissos de US$ 37 mil milhões. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos
estavam à procura de meios para manter viva a aliança da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), embora o
argumento para a sua fundação em 1949 a União
Soviética tivesse desaparecido. Segundo um documento de 1992 do
Pentagon Defense Planning, "É de fundamental importância
preservar a NATO como o instrumento primário da defesa e da
segurança ocidentais, bem como o canal para a influência e
participação americana nos assuntos de segurança
europeus... [e] devemos manter os mecanismos para coibir potenciais
competidores de sequer aspirarem a um papel regional ou global mais
amplo".
[14]
Sete anos mais tarde os Estados Unidos utilizaram a NATO para lançar
uma guerra aérea sobre a Jugoslávia por recusar os termos de
Washington para a resolução de disputas étnicas e
territoriais no Kosovo uma província da Jugoslávia.
[15]
A seguir a desunião e a brutalmente inferior capacidade militar da
Europa foram exploradas para mantê-la atada aos Estados Unidos, num papel
declaradamente subordinado. A presença dominadora americana
reforçou-se dentro da UE, um polo rival do capitalismo global. Em
Outubro de 2001 os Estados Unidos iniciaram a sua "guerra ao
terrorismo", bombardeando e invadindo o Afeganistão para eliminar a
rede al-Qaeda, responsabilizada pelos ataques em Nova York e Washington. Um
ano depois a administração Bush declarou que utilizará
força militar contra quaisquer "adversários potenciais...
que aspirassem construir um poder militar com a esperança de
ultrapassar, ou equalizar, o poder dos Estados Unidos" (The National
Security Strategy of the United States, Setembro 2002).
Na corrida para a segunda guerra ao Iraque, em Março de 2003, os Estados
Unidos tentaram sequestrar as Nações Unidas através da
obtenção de uma resolução autorizando a
utilização da força para "desarmar" o Iraque. O
esforço acabou uma derrota diplomática total. Com a
oposição de três membros do Conselho de Segurança
(França, China e Rússia), os Estados foram incapazes de coagir
qualquer dos "seis do meio" Angola, Camarões,
Guiné, Chile, México, Paquistão a votar em seu
favor, mesmo com enormes pressões diplomáticas e subornos
descarados. A Turquia negou aos Estados Unidos permissão para utilizar
o seu território como uma área de preparação para
operações militares.
Após a guerra ficou claro que os Estados Unidos não tinham meios
efectivos de represália contra a Turquia ou a França e a
Alemanha. Mais uma vez os Estados Unidos mostraram que podiam explorar
divisões dentro da Europa; os governos (não os povos) da
Grã-Bretanha, Espanha e Polónia apoiaram a guerra, mas só
a Grã-Bretanha forneceu apoio militar substancial. A
ocupação do Iraque demonstrou-se logo estar além dos meios
militares que os Estados Unidos colocaram no país. O Afeganistão
não parecia melhor uma vez que a guerra americana ia por água
abaixo; já em Novembro de 2002 o país caia outra vez no caos,
insegurança e controle dos senhores-da-guerra, e a al-Qaeda estava a
reagrupar-se na província Paktika.
Enquanto isso, dois anos de "guerra ao terrorismo" haviam arrebentado
a legitimidade dos Estados Unidos por todo o mundo, dando um golpe, com efeito,
à ideologia e cultura do imperialismo americano. A guerra ao Iraque,
descobriu um inquérito da Pew Global Attitudes, "aprofundou o fosso
entre americanos e europeus ocidentais, mais uma vez inflamou o mundo
muçulmano, abrandou o apoio para a guerra ao terrorismo, e enfraqueceu
significativamente o apoio público global para a Aliança Norte
Atlântica". Apenas sete dos vinte países estrangeiros
inquiridos têm uma visão favorável dos Estados Unidos, e
naquelas países (Grã-Bretanha, Israel, Kuwait, Canadá,
Nigéria, Itália, Austrália) o apoio estava a cair. Numa
amostragem de opinião da British Broadcasting Corporation em onze
países, incluindo os Estados Unidos e apenas uma nação
árabe (Jordânia), dois terços dos inquiridos viam os
Estados Unidos como uma superpotência arrogante que apresenta uma maior
ameaça à paz do que a Coreia do Norte e o Irão (os dois
membros sobreviventes do "eixo do mal"), e apenas 25 por cento,
excluindo os americanos, disseram que os militares americanos podem tornar o
mundo mais seguro. Um Inquérito de Tendências
Transatlânticas efectuado em Julho de 2003 pelo German Marshall Fund of
the United States e pela Compagnia di San Paolo, uma fundação de
Turim (Itália) mostrou que apenas 8 por cento de todos os europeus
questionados pensavam ser "muito desejável" que os Estados
Unidos exercessem forte liderança no mundo dos negócios; 70 por
cento em França e 50 por cento na Alemanha e na Itália
consideravam isto "indesejável".
[16]
"Os Estados Unidos sempre estiveram prontos para usar o seus poder militar
superior", como observa Gabriel Kolko, "na sua vã e nunca
acabada tentativa... de resolver instabilidades sociais e políticas que
desafiam os seus interesses como eles as definem... As mesmas políticas
que em variados graus têm produzido desastres para os Estados Unidos
são ainda consideradas o único caminho para reagir aos
contínuos e crescentes problemas de um mundo que já era demasiado
complexo para administrar há cinquenta anos atrás".
[17]
No mundo pós-Guerra Fria as rivalidades inter-imperialistas não
são mais contidas pela sua subordinação às
questões de segurança da Guerra Fria. Nestes dias e nesta
época os conflitos entre Estados capitalistas rivais têm maior
probabilidade de desestabilizar o capital global, ao questionar a
constelação de empresas multinacionais cujos interesses comuns
reduzem a zero a lealdade a qualquer Estado porque elas incorporam segmentos de
economias nacionais sobre todos os continentes. Cada nação
representa e apoia o seu próprio capital, mas todos os capitais
nacionais na medida em que eles permaneçam nacionais
estão mutuamente dependente da produção, comércio e
finanças por cima das fronteiras. Quase qualquer investida imperialista
pelos Estados Unidos está fadada a ameaçar mercados abertos,
estabilidade políticas e instituições internacionais
aceites das quais depende o capital global, e que serviu aos interesses dos
próprios Estados Unidos desde a década de 1940.
Os Estados Unidos enfrentam agora um rival formidável a UE, seu
igual em produção e comércio. A UE também é
uma entidade política emergente, ancorada pela França e pela
Alemanha e inclinada a maior competição com os Estados Unidos
apesar do descompasso em poder militar. Os países asiáticos
estão a moldar-se numa zona económica regional em torno do
Japão e da China, ladeada pela Índia como um centro terciarizado
para manufacturas, software e serviços computacionais. Na
Conferência Ministerial da OMC em Cancún, no México, em
Setembro de 2003, o Brasil emergiu como o organizador e líder dos 22
países em desenvolvimento, incluindo a China e a Índia, que se
rebelaram contra as "questões de Singapura" (regras para
investimento, comércio, competição e
aquisições governamentais para promover os interesses das
multinacionais nos países em desenvolvimento) e os enormes programas de
subsídios agrícolas dos Estados Unidos, da UE e do Japão.
Os países ricos estavam a pressionar pelas primeiras enquanto evitavam
concessões até mesmo insignificantes sobre as segundas. O
colapso das conversações de Cancún foi também um
sinal do retrocesso pós-iraquiano contra os Estados Unidos. A
aliança Mercosul emergiu de Cancún com nova força,
apoiando uma proposta peruana para uma área comercial da
"Nação Sul Americana", unindo o Mercosul e
países da Comunidade Andina (Peru, Bolívia, Colômbia,
Equador, Venezuela) como um contrapeso para o plano americano de trancar as
América dentro de uma área de livre comércio de sua
própria fabricação.
A guerra do Vietnam coincidiu com os primeiros estilhaçamentos da
hegemonia americana e a "guerra ao terrorismo" acelerará o
declínio. Os Estados Unidos não podem mais controlar um mundo
multipolar através da acção multilateral, militar ou de
outra natureza; eles podem somente trazer devastação e desordem
e impedir quaisquer outras regras do jogo de se materializarem, se eles assim
preferirem. Resistir ao novo imperialismo americano é dar
esperança à suas vítimas, e às forças
progressistas agora a movimentar-se no mundo em desenvolvimento, bem como no
primeiro.
____________
NOTAS
1- Os dados que se seguem foram retirados principalmente do World Bank,
Development Indicators 2003
(New York: Oxford University Press, 2003); World Trade Organization,
International Trade Statistics 2002
(Geneva: WTO, 2002); Fortune, July 21, 2003;
The Banker
, July 2003; United Nations Conference on Trade and Development,
World Investment Report 2002
(New York: UN, 2002). A União Europeia (UE) inclui todos os
países da Europa Ocidental excepto a Noruega e a Suíça,
ver www.eurunion.org.
2-
Eurecom
, May 1997, at www.eurunion.org; International Monetary Fund,
Annual Report 2002
(Washington: IMF, 2002), Table 1.2
3- Imports of goods exceeded exports every year except 1870; B. R. Mitchell,
British Historical Statistics
(New York: Cambridge University Press, 1988), 869870.
4-
Auf Wiedersehen
, Park Avenue,
Business Week
, July 7, 2003.
5- The Choice of Currency for Denomination of the Oil Bill, at
www.opec.org (then News & Info, Speeches).
6-
Economic Report of the President 1995
(Washington: U.S. Government Printing Office, 1995), 231235; A
Deal on Auto Trade,
New York Times
, June 29, 1995.
7- Exporters Fear Loss of Subsidy,
Wall Street Journal
, May 1, 2002; US sends top official to help resolve trade dispute,
Financial Times
, November 27, 2001.
8- Bush Links Europe's Ban on Bio-Crops with Hunger,
New York Times
, May 22, 2003.
9- Les Etats-Unis multiplient les pressions contre le project
européen 'Galileo,'
Le Monde
, December 19, 2001.
10- Kimberley Elliott and G. Hufbauer, Same Song, Same Refrain? Economic
Sanctions in the 1990s,
American Economic Review
89 (May 1999); U.S. Backs Off Sanctions, Seeing Poor Effect,
New York Times
, July 31, 1998.
11- Asian Leaders Find China a More Cordial Neighbor,
New York Times
, October 18, 2003; China Emerges as Rival to U.S. in Asian Trade,
New York Times, June 28, 2002; Latin America Tops Asia in Luring Foreign
Investors,
Wall Street Journal
, February 22, 2000.
12- Japanese Computer is World's Fastest, as U.S. Falls back, New
York Times, April 20, 2002; What's Slowing Us Down?
Wall Street Journal
, October 13, 2003.
13- Editorial,
Financial Times
, May 23, 2003.
14- U.S. Strategy Calls for Insuring No Rivals Develop,
New York Times
, March 8, 1992.
15- See Diana Johnstone,
Fools' Crusade
(New York: Monthly Review Press, 2002).
16- World's View of U.S. Sours after Iraq War,
New York Times
, June 4, 2003; U.S. is arrogant, poll in 11 nations says,
Philadelphia Inquirer
, June 19, 2003; www.transatlantictrends.org.
17- Gabriel Kolko,
Another Century of War?
(New York: New Press, 2002), ixx, 87.
[*]
Richard B. Du Boff is Professor Emeritus of Economics, Bryn Mawr College.
O original encontra-se em
http://www.monthlyreview.org/1203duboff.htm
.
Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.
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