Quão severa será a crise económica?
por Monthly Review
A crise das hipotecas subprime iniciada no último Verão emergiu
nos Estados Unidos levou a uma convulsão maciça do sistema
financeiro mundial com consequências espantosas desde então. Isto
agora transportou-se para a "economia real" dos empregos e do
rendimento. Como dizia o
Wall Street Journal
de 4 de Abril, "O National Bureau of Economic Research provavelmente
não dirá isto durante meses. Mas por que esperar? A economia
estado-unidense caiu em recessão em Janeiro último"
("Mercado de trabalho sugere que começou a recessão").
O crescimento económico global como um todo espera-se que decline
agudamente este ano.
A pergunta natural nesta altura é: Quão severa será a
crise económica?
A resposta sumária é que ninguém sabe realmente. Alguns,
acreditando que podemos estar direccionados para um colapso económico
maciço, sublinham os perigos sem precedentes associados com um sistema
financeiro que desenvolveu novos e complexos veículos de investimento
para além da compreensão de qualquer pessoa. As
relações tradicionais de concessão de empréstimo
dominadas pelos bancos foram agora tomadas por aquilo que Bill Gross,
responsável chefe de investimento da Pimco, uma importante firma de
gestão de títulos, chama o "sistema bancário sombra
(ou seja, hedge funds, veículos de investimento estruturado, toda
espécie de canais financeiros)" ("O grande quadro não
é bonito", Kipsinger Personal Finance, Abril de 2008).
Este novo mundo de investimentos especulativos exóticos é
retratado como cheio de "nitroglicerina", recheado de "armas de
destruição em massa" e carregado de "vírus"
letais para mencionar apenas umas poucas das alarmantes metáforas
agora utilizadas habitualmente pela imprensa financeira ("O que criou este
monstro?",
New York Times,
23/Março/2009). Com dezenas de milhões de milhões
(trillions)
de dólares nominais em só em credit default swaps (CDSs) a
circularem sem mencionar outros créditos derivativos e
instrumentos financeiros este sistema de finanças sombras
tornou-se maciço, opaco e imprevisível.
As instituições financeiras estão a ter dificuldade
crescente em avaliar os seus activos ou em compreender a reacção
em cadeia dos incumprimentos que elas podem estar a enfrentar. Seria uma
atenuação dizer que sob tais circunstâncias os possuidores
do capital estão preocupados. Com uma recessão em
desenvolvimento e com a estabilidade do dólar cada vez mais
comprometida, uma dissolução financeira e um colapso
económico mundial de proporções que marcam uma
época são pelo menos imagináveis.
Outros, contudo, vêm a situação mais próxima de algo
como uma baixa no ciclo norma de negócios uma que o Estado
interveio para afastar o colapso financeiro. Eles apontam as
extraordinárias intervenções do Federal Reserve Board, a
mais dramática na administração do salvamento do Bear
Stearns e sua absorção pelo JPMorgan Chase em Março. O
Fed, em conjunto com os bancos centrais em outros países capitalistas
avançados, tem estado a expandir rapidamente seu papel como financiador
de último recurso, emprestando centenas de milhares de milhões de
dólares em títulos governamentais enquanto toma como colateral
títulos baseados em hipotecas para os quais não existe mercado.
Todos sabem que o governo acabará por assumir as perdas de milhares de
milhões de dólares deste colateral mais claramente na
dívida colaterizada emitida no caso do Bear Stearns como
"não recurso" (ou seja, o tomador do empréstimo
não precisa repagar o "empréstimo" para além do
colateral). A mensagem para os mercados financeiros é clara: as vastas
perdas iminentes, que de outra forma cairiam sobre as principais
instituições financeiras, serão socializadas. Se uma tal
mensagem não desse "confiança" aos actores chave do
mercado financeiro a situação na verdade seria verdadeiramente
grave.
Como dissemos, uma aparência de confiança foi pela primeira vez
restaurada. Destacando a rápida recuperação da crise
financeira anterior (provocada pela explosão da bolha do mercado de
acções da Nova Economia em 2000), os analistas mais optimistas
argumentam que o sistema financeiro já está a estabilizar que
este período de baixa provavelmente será curto. No entanto,
mesmo os principais porta-vozes desta posição, tais como o
presidente do Federal Reserve, Bern Bernanke, admitem que há
consideráveis "riscos... de declínio" no actual clima
de incerteza económica os quais poderiam resultar em "danos"
severos para a economia e "a deterioração de
posição" por todo o sistema financeiro (Bernanke,
"Testemunho perante o Joint Economic Commitee, U.S. Congress",
02/Abril/2008).
Mas se a direcção que tomará a actual crise
económica ainda é desconhecida, a coisas são muito mais
claras quando nos voltamos para o longo prazo, a enfermidade estrutural do
sistema, da qual a actual retracção é sintomática
sob muitos aspectos. De acordo com um argumento que temos apresentado
há décadas nestas páginas (mais recentemente em "A
financiarização do capital e a crise" no número de
Abril de 2008 da MR), a financiarização do processo de
acumulação de capital que tem estado a verificar-se desde a
década de 1970 está enraizada na tendência subjacente para
a estagnação das economias capitalistas avançadas.
No essencial, o sistema é tão produtivo e os resultados desta
enorme e crescente produtividade são tão desigualmente
distribuídos (os salários reais da maior parte dos trabalhadores
nos Estados Unidos estagnaram durante trinta anos ao passo que os lucros
ascenderam) que há uma contínua acumulação de
excedente à procura de investimento nos cofres das
corporações e nas mãos de indivíduos ricos. Na
falta de suficientes saída para este vasto excedente na "economia
real", o capital tem estado a ser despejado na superestrutura financeira,
onde foram desenvolvidos novos instrumentos financeiros derivativos para
absorver este excesso de capital dinheiro. Isto serviu para alçar a
economia desde os anos 1970. Contudo, a consequência foi a
criação ao longo das últimas poucas década (e ainda
mais rapidamente nos últimos anos) de uma vasta economia financeira
sombra acima e para além da economia real. A explosão da bolha
habitacional, a crise das hipotecas subprime e a crise financeira geral que se
seguiu pode ser encarada como sinais de uma crise neste processo de
financiarização.
O melhor que os mestres do sistema estado-unidense podem esperar para os
próximos anos é uma fase de estagnação
económica mais profunda e mais prolongada, isto é, crescimento
lento, emprego fraco e excesso de capacidade produtiva crescente. Como os
Estados Unidos se movem e isto acontecerá para empurrar o
fardo da sua crise financeira para o resto do mundo, as tensões
resultantes são obrigadas a serem globais e inevitáveis dentro da
lógica da globalização capitalista realmente existente.
Àqueles que procuram desesperadamente uma solução para
este problema dentro do sistema temos a dizer, francamente, que não
podemos pensar em nenhuma. O máximo que se pode fazer é alterar
radicalmente a natureza do próprio sistema: uma drástica
redistribuição do rendimento e da riqueza em favor daqueles menos
ricos e um programa maciço de investimento social em favor daqueles que
mais precisam dele. Mas o capitalismo só é capaz de seguir esta
estrada numa extensão limitada e só sob coacção
extrema e uma vez anulada a pressão ele reverte para os seus
velhos caminhos. Mais cedo ou mais tarde (desde que uma catástrofe
nuclear ou ambiental não pare o relógio) o mundo será
forçado a procurar um caminho melhor e mais humano.
06/Abril/2008
O original encontra-se em
http://monthlyreview.org/nfte080501.php
Este editorial encontra-se em
http://resistir.info/
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