Uma derrota planetária:
O fracasso da reforma do ambiente global

por John Bellamy Foster [*]

Este artigo é uma reconstituição a partir de anotações de várias palestras efectuadas em Joanesburgo, África do Sul, durante os eventos da Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, em Agosto-Setembro de 2002. — J.B.F.


John Bellamy Foster A primeira Cimeira da Terra, no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992, gerou esperanças de que o mundo iria finalmente encarar os seus problemas ecológicos globais e introduzir um processo de desenvolvimento sustentável. Agora, com uma segunda cimeira realizada dez anos depois em Joanesburgo, tal sonho em grande medida desvaneceu-se. Mesmo os principais apoiantes deste processo tornaram claro que eles não esperavam que fosse alcançado muito em resultado da cimeira de Joanesburgo, a qual provavelmente afundar-se-á na história como um fracasso absoluto. Precisamos perguntar-nos porque.

A primeira razão é talvez a mais óbvia, pelo menos para os ambientalistas. A década entre o Rio e Joanesburgo assistiu ao fracasso quase total da Cimeira da Terra do Rio e da sua Agenda 21 em termos de resultados significativos. Isto pôs em relevo as fraquezas inerentes às cimeiras globais sobre ambiente.

Segundo, a recusa dos EUA em ratificar o Protocolo de Quioto e a Convenção sobre Diversidade Biológica — as duas principais convenções saída dos Rio — levantou questões acerca da capacidade do capitalismo para enfrentar a crise ambiental mundial. Os Estados Unidos, como potência hegemónica do sistema capitalista, mais uma vez assinalaram a sua rejeição da reforma ambiental global ao anunciarem que o presidente Bush não compareceria à cimeira de Joanesburgo.

Terceiro, tanto a globalização rápida da agenda neoliberal na década de 1990 como a emergência de um maciço movimento anti-globalização em Seattle em Novembro de 1999 destacaram o antagonismo do sistema em relação a todas as tentativas de promover justiça económica e ambiental.

Quarto, a Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável ocorreu num período de crise económica e financeira que é de mau agouro para aqueles preocupados com as questões do ambiente e do desenvolvimento do terceiro mundo. O mundo capitalista como um todo está a experimentar recessão global. Os mais duramente atingidos são os países do Sul global, os quais — graças à globalização neoliberal — estão presos em crises económicas agravadas sobre as quais eles têm cada vez menos controle.

Quinto, estamos a testemunhar o crescimento de uma nova e virulenta onda de imperialismo pois os Estados Unidos começaram uma guerra mundial ao terrorismo em resposta aos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001. Isto está a tomar a forma de intervenções militares americanas não só no Afeganistão mas também potencialmente contra o Iraque, juntamente com avanços de actividades militares americanas em locais por todo o terceiro mundo. Sob tais circunstâncias, é provável que a guerra triunfe sobre o ambiente.

Sexto, a África do Sul, que há cerca de dez anos tornou-se um símbolo da liberdade humana com a derrubada do apartheid, foi escolhida sobretudo por esta razão como local da Segunda Cimeira da Terra. Para muitos, ela passou a simbolizar algo bastante diferente: o crescimento voraz do neoliberalismo e a recusa em enfrentar as grandes crises ambiental e social.

A sabotagem do Rio

A incapacidade da Cimeira da Terra de 1992, no Rio, para por em movimento processos que conduzissem a um genuíno desenvolvimento sustentável afectou negativamente percepções do que seria possível como resultado da cimeira de Joanesburgo. Nas palavras de 16 ambientalistas que contribuíram para o Jo'burg Memo, escritas para a Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável e editadas por Wolfgang Sachs:

O Rio 1992 revelou-se uma vã promessa. Enquanto governos na Cimeira da Terra comprometeram-se frente aos olhos e aos ouvidos do mundo a reduzirem o declínio ambiental e o empobrecimento social, nenhuma reversão destas tendências foi observada uma década depois. Pelo contrário, o mundo está a afundar-se cada vez mais profundamente na pobreza e no declínio ecológico, não obstante o aumento da riqueza em lugares específicos... Daqui a 50 anos, quando a Terra provavelmente estiver com temperaturas mais elevadas, mais pobre em diversidade de seres vivos, e menos hospitaleira para muitas pessoas, o Rio poderá ser visto como a última saída fracassada no caminho para o declínio. [1]

Como pôde a Cimeira do Rio, que dez anos atrás era encarada como um marco de uma mudança decisiva na relação humana com o ambiente, ter passado a ser encarada como um fracasso colossal? A resposta é que estava minada pelo capital global, tanto por dentro como por fora.

Um exame minucioso da cimeira do Rio revela que esta estava longe do fenómeno de amizade pela terra que pretendia ser. A Convenção sobre Diversidade Biológica destinava-se muito mais a decidir quem deveria ter o direito de explorar a natureza viva do que a protegera biodiversidade da terra. (Apesar disso os Estados Unidos opuseram-se à Convenção porque esta apoiou os direitos do Sul aos seus recursos genéticos em detrimento das exigências da indústria americana de biotecnologia). A Estrutura das Nações Unidas para a Mudança Climática, que posteriormente tornou-se o Protocolo de Quioto, enfrentou a resistência dos Estados Unidos e de outros países devido aos seus ataques à economia do automóvel-petróleo. O Acordo de Princípios sobre Florestas, que emergiu do Rio, nunca chegou sequer a mencionar o problema da desflorestação nos seus "princípios florestais", mas preocupava-se muito mais com o direito soberano de cada país usar/explorar as suas florestas com quisesse. Os 40 capítulos da Agenda 21 apresentavam o crescimento económico sob princípios do mercado livre como sendo o objectivo primário, dentro do qual um compromisso com o ambiente deveria ser situado. "A economia de mercado mundial" era vista como o lugar em que todos os problemas ambientais deveriam ser situados. Como observaram Pratap Chatterjee e Matthias Finger em The Eart Brokers, a principal crítica da Cimeira do Rio, "A única menção às corporações na Agenda 21 foi no sentido de promover o seu papel no desenvolvimento sustentável. Não foi feita qualquer menção ao papel das corporações na poluição do planeta" (p. 116)

Estes resultados decorrem em parte da pressão directa exercida pelo capital. Um lobby importante proveio do Business Council for Sustainable Development, dirigido pelo industrial suíço Stephan Schmidheiny. Dentre os membros do Business Council incluíam-se alto responsáveis de importante corporações multinacionais: Chevron Oil, Volkswagen, Mitsubishi, Nissan, Nippon Steel, S.C. Johnson and Son, Dow Chemical, Browning-Ferris Industries, ALCOA, Dupont, Royal/Dutch Shell, e outras. O livro de 1992 de Schmidheiny, Changing Course, escrito sob a influência da Cimeira do Rio, promovia uma visão de que o mecanismo de mercado, se lhe fosse permitido operar livremente, era o único meio concebível de alcançar o desenvolvimento sustentável. Os agentes primários de tal transição para um mundo mais sustentável deveriam ser as corporações multinacionais, a quais supostamente estenderiam princípios de administração da qualidade total e fixação de preços de acordo com os custos para acompanhar as preocupações ambientais. O Business Council for Sustainable Development desempenhou um papel, por meio das corporações a ele associadas, no financiamento da Cimeira da Terra de 1992, e foi conduzido directamente para dentro do núcleo central do planeamento da cimeira.

Se a cimeira do Rio foi transformada a partir de dentro num veículo para servir principalmente os interesses do capital, os processos que continuaram do lado de fora da cimeira enfraqueceram ainda mais quaisquer tentativas de reforma do ambiente global. Mesmo no momento em que a cimeira do Rio estava a ter lugar, as negociações do Uruguay Round of the General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) estavam a decorrer. Com o estabelecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995, os principais estados capitalistas criaram uma estrutura internacional para promover os princípios neoliberais do mercado livre, tornando as reformas ambientais em países individuais muito mais difíceis. A globalização do capitalismo destinava-se a suplantar os controles locais, os países estavam a ser encorajados a explorar os seus recursos naturais ao máximo, os bens públicos deveriam ser abertos à implacável privatização, e as regulamentações ambientais deviam ser estabelecidas no mais baixo denominador comum a fim de não interferir com o livre comércio. Pretendia-se que a OMC assinalasse o triunfo total do capitalismo, limitando as políticas de ambiente e de desenvolvimento no terceiro mundo só àquelas aceitáveis aos interesses que dirigem os estados capitalistas ricos.

A promessa de desenvolvimento na periferia da economia do mundo capitalistas era invariavelmente utilizada como justificação para diluir e efectivamente eliminar mudanças ambientais globais que tivessem significado. Tal como a concebiam os centro do capital mundial, o desenvolvimento só podia ser sustentado através do prosseguimento da agenda neoliberal de abertura de todos os países e todas as esferas de actividades económica às forças do mercado. Contudo, longe de desenvolver o Sul global, esta estratégia só serviu para aprofundar a estagnação económica ou o declínio da maior parte dos países do terceiro mundo e para reforçar um fosso crescente entre os países ricos e pobres — juntamente com a destruição acelerada do ambiente. Além disso, na medida em que servia os interesses económicos dos países ricos, era tratada pela potências dominantes como um êxito absoluto.

Um rápido olhar às tendências globais em relação ao ambiente e ao desenvolvimento mostra quão desastroso demonstrou ser este período de capitalismo global sem peias ao longo destes últimos dez anos. Os níveis de dióxido de carbono na atmosfera estão no seu ponto mais alto dos últimos 420 mil anos. As emissões de CO 2 (excluindo outros gases com efeito estufa) aumentaram 9% globalmente entre 1990 e 2000 e nos Estados Unidos ao dobro daquela taxa. Os 14 anos mais quentes registados desde que as medições começaram em 1866 verificaram-se a partir de 1980, com a década de 1990 com os registos mais quentes. O consumo global de água está a duplicar a cada 20 anos, muito mais rápido do que o crescimento populacional. Em meados da década de 1990 cerca de 40% da população mundial, em cerca de 80 países, estavam a sofrer de séria escassez de água. As Nações Unidas projectaram que por volta de 2025 dois terços da população mundial poderá estar a sofrer de crise de água. Lençóis de água estão a baixar em grandes extensões de terra agrícola na China, na Índia e nos Estados Unidos devido à super-extracção de águas subterrâneas para rega. A taxa de extinção de espécies inteiras é agora pelo menos um milhar de vezes (e talvez até mesmo umas dez mil vezes) mais rápida do que a taxa norma ou anterior de extinção. A destruição do habitat, particularmente de florestas tropicais, ameaça até metade das espécies mundiais no decorrer deste século. Recifes de corais, os segundos após as florestas em riqueza biológica, estão a ser degradados a uma taxa alarmante. Mais de um quarto dos recifes de coral já foram perdidos, uma subida em relação aos 10% de 1992, e espera-se que a perda ascenda a 40% em 2010. Colheitas geneticamente modificadas colocam mais uma vez a questão dos aprendizes de feiticeiro, pois o agribusiness continua a alterar as bases da vida e nossa oferta de alimentos de formas radicalmente contrários ao processo evolutivo. As tecnologias comerciais estão a alterar a composição genética e química daquilo que comemos, com muito pouca consideração pelas consequências que estão além da questão da lucratividade. [2]

Naquilo que concerne ao próprio desenvolvimento, não tem havido ganhos apreciáveis na posição relativa do Sul global, o qual, tomado como um todo, está a cair muito atrás do países ricos. A desigualdade de rendimento tem estado a aumentar rapidamente tanto dentro dos países como dentre países ao longo das últimas duas décadas. Cinquenta e dois países experimentaram crescimento negativo ao longo da década de 1990. Entre 1975 e 2000 o rendimento per capita na África sub-sahariana (em termos de paridade poder de compra) caiu de um sexto para apenas um catorze avos daquela dos países ricos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). O rendimento dos 10% mais ricos da população dos EUA (cerca de 25 milhões de pessoas) agora iguala aquele dos 43% mais pobres da população mundial ou uns 2 mil milhões de pessoas (Nações Unidas, Relatório do Desenvolvimento Humano 2002, pp. 17-19),

A Cimeira de Joanesburgo: Comendo a palha com prazer

Com este lúgubre quadro geral dos cumprimentos passados, há razões para questionar o que pode ser cumprido em resultado da cimeira de Joanesburgo. O que é que pode nos levar a acreditar que o registo daqui a dez anos não será ainda pior do que aquele com que somos confrontados hoje uma década após o Rio? Mesmo entre aqueles ambientalistas que são críticos agudos do neoliberalismo global, das corporações multinacionais, do FMI, do Banco Mundial e da OMC, há uma tendência para procurar alguma espécie de compromisso em face da derrota. Os ambientalistas foram conduzidos a um tal estado que muitas vezes eles procuram a salvação exactamente nas instituições às quais eles atribuem os males presentes.

Um exemplo disso é o Jo'burg Memo. Os ambientalistas autores deste memorando estão à esquerda no sentido de que se identificam com o movimento anti-globalização. Eles argumentam que o neoliberalismo e particularmente a OMC esmagou o programa de reforma ambiental global introduzido no Rio. Acreditam que o mundo necessita de colocar em primeiro lugar a justiça ambiental e social. Mas as suas soluções para a Cimeira Mundial do Ambiente Sustentável soam como uma tentativa de encontrar um terreno comum com políticas económicas actuais, sem desafiar os fundamentos do projecto neoliberal, muito menos a lógica da própria acumulação de capital.

O que esmagou as esperanças engendrada pelo Rio, segundo o Jo'burg Memo, foi "um funesto estilo de economia". O que é necessário portanto é um novo estilo de economia, menos oposta à sustentabilidade. O que envolveria este novo estilo de economia? Sua propostas mais gerais em relação a isso derivam do trabalho do ambientalista americano e empresário Paul Hawken, um dos que contribuíram para o memorando, o qual argumenta em favor do que ele chama "capitalismo natural" — ou capitalismo que incorpore plenamente a natureza dentro do seu sistema de valor (Mother Jones, Abril 1997). Tal como declara o Jo'burg Mesmo, "na medida em que os interesses a curto e médio prazo das corporações divergem do interesse público, nenhum conserto, reforma, regulamentação, ou Cimeiras Mundiais mudarão o status quo". O problema então transmuta-se em assegurar que as corporações conformar-se-ão aos interesses públicos em relação ao ambiente. Isto pode ser alcançado pela transformação de valores (amenities) ambientais, que não têm valor do ponto de vista do mercado, em bens que têm valor de mercado. Um sistema económico não é plenamente "capitalista", somos informados, a menos que todas as coisas — incluindo a natureza — sejam tratadas como capital. Além disso, o potencial para "a produtividade radical dos recursos" — a utilização mais eficiente de energia e materiais através de nova tecnologia — significa que não há incompatibilidade entre crescimento rápido e ilimitado da economia capitalista e sustentabilidade ambiental. A reforma ambiental deve portanto chegar à "incomparável eficiência" dos mercados.

A um nível internacional, segundo o Jo'burg Memo, o que é necessário é um "negócio global", particularmente entre o Norte global e o Sul global, o que tornaria o desenvolvimento sustentável, e simultaneamente potenciaria as oportunidades de desenvolvimento do Sul. [3] Dentre as propostas está a noção de que é necessário "forjar a sustentabilidade da OMC". Assim, a OMC, que até agora tem estado preocupada somente com a penetração do capital em todos os cantos escondidos do globo, deve ser convertida numa instituição de âmbito muito mais vasto preocupada com a sustentabilidade ambiental. Isto deveria ser cumprido pelo lançamento, através da OMC, de um "Acordo Multilateral sobre Investimento Sustentável", o qual estabeleceria linhas directivas verificáveis para o investimento directo estrangeiro das corporações multinacionais. Tão pouco os planos de reforma param na OMC. "Tanto o FMI como o Banco Mundial", declara o mesmo, "precisam ser redireccionados, democratizados e re-estruturados" para levar em conta as necessidades ambientais. O FMI deveria abandonar seus programas de ajustamento estrutural. Além disso, precisa ser estabelecido um "equilíbrio de poder" entre as instituições de Bretton Woods, nomeadamente o FMI, o Banco Mundial, o GATT e o sistema das Nações Unidas. Isto tornaria possível um equilíbrio entre objectivos financeiros e objectivos mais universais, tais como aqueles do ambiente e da justiça social. Um grande passo em frente, sugere-se ali, seria a criação de uma Organização Ambiental Mundial dentro do sistema da ONU. Uma outra proposta do Jo'burg Mesmo é estabelecer uma convenção sobre contabilidade empresarial que permitiria a correcção legal frente aos delitos das corporações.

Propostas de mudança semelhantes foram introduzidas pelo International Forum on Globalization, uma importante organização anti-globalização baseada em São Francisco e dirigida por John Cavanagh e Jerry Mander. Nas suas "Intrinsic Consequences of Economic Globalization on the Environment", preparadas para a cimeira de Joanesburgo, o International Forum on Globalization recomenda "dominar o poder das corporações". Além da criação de uma Organização para a Contabilidade Empresarial, a qual monitoraria as corporações forneceria informação sobre suas práticas de negócios, eles propõem cortar as equipes do FMI e do Banco Mundial e criar uma Organização Financeira Internacional separada sob o sistema das Nações Unidas. A principal falha da actual economia mundial, dizem-nos, é sua ênfase sobre a globalização das relações económicas. Ao invés disso, um princípio de localização deveria ser aplicado sempre que possível a fim de promover o bem-estar ecológico e o desenvolvimento sustentável.

Não há dúvida de que a intenção destas reformas propostas é promover a justiça social e ambiental. Ainda assim, tais propostas procuram descobrir um acordo com instituições neoliberais e ao mesmo tempo deixar intacta a lógica subjacente do sistema. Uma coisa deveria ficar clara para aqueles que não negam simplesmente as cruéis realidade do capitalismo do século XXI: que a OMC e as suas instituições irmãs não podem promover a sustentabilidade uma vez que isto contradiria toda a sua razão de ser. O seu papel é facilitar a acumulação do capital global e proteger os grandes bancos e centros financeiros do Norte. Uma estratégia de "equilíbrio de poder" que põe as instituições do sistema das Nações Unidas contra as instituições de Bretton Woods inevitavelmente fracassará, pois está baseada na vã ilusão de que o poder real repousa nestas instituições e não nos interesses a que elas servem.

A principal lição a ser retirada do fracasso da reforma do ambiente global associada à cimeira do Rio é que não há possibilidade de um movimento efectivo por justiça social e sustentabilidade separado da luta para criar uma sociedade alternativa. Uma abordagem que reconheça o fracasso da reforma ecológica global e, ao mesmo tempo, adopte a posição tornada famosa pela Margaret Thatcher, de que "Não há alternativa" à presente ordem conduzida pelo mercado, tem pouco a oferecer no caminho das mudanças reais. Suas iniciativas são limitadas a umas poucas alterações ou adições a organizações internacionais, para a conversão mítica de corporações em "cidadãos públicos", ou para a ilusão de que a salvação da terra consiste em tratar a natureza (e portanto todas as coisas que existem) como capital.

A luta real

A verdade é que nenhum "negócio global" será conseguido em resultado da cimeira de Joanesburgo. As principais potências capitalistas não estão preparadas para forjar um trato que interferiria com oportunidades para fazer cada vez mais lucros. A questão principal supostamente sobre a mesa é aquela do livre comércio e do desenvolvimento. Os países do Sul estão a exigir que os do Norte cumpram os seus próprios princípios removendo barreiras tarifárias e não-tarifárias que protegem a indústria nortista, precisamente no mesmo estilo em que o Norte exige que medidas proteccionistas sejam removidas no Sul. Apesar disso, nem genuíno comércio livre nem sustentabilidade ambiental poderão avançar por conversações em cimeiras. Os países ricos no centro do sistema capitalista mundial não estão prestes a aplicar a si próprios as mesmas regras que impõem aos Estados pobres na periferia. Seu objectivo é continuar a extrair excedente (surplus) da periferia. Brincar nervosamente com as suas próprias barreiras comerciais não é um meio de atingir aquele objectivo.

O que veremos, como sempre, são novas promessas da parte dos Estados capitalistas ricos no sentido de proporcionar capital na forma de empréstimos, assistência tecnológica, e algum alívio da dívida aos países mais pobres entre os pobres (aqueles que são completamente incapazes de pagá-la). Em troca disso os países ricos insistirão na eliminação de todas as barreiras ao capital erguidas nos Estados do terceiro mundo, incluindo coisas tais como subsídios alimentares aos pobres, os quais são vistos como distorções dos mercados. A privatização da água e dos alimentos é percebida como solução, não como problema.

O modo como a luta global sobre o desenvolvimento sustentável está agora a ser efectuado pode ser visto muito claramente no caso da África do Sul, que durante os preparativos para a cimeira de Joanesburgo comprometera-se a torná-la uma verdadeira cimeira do Sul. Tragicamente, o Estado sul africano tem vindo a simbolizar cada vez mais os actual período de neoliberalismo global e expansão imperial. Está actualmente numa batalha com a sua população acerca da privatização da água e de serviços básicos tais como a electricidade. Isto está em agudo contraste com o que fora imaginado há apenas uma década atrás, quando a derrubada do apartheid tornou a África do Sul um dos principais símbolos do avanço da liberdade humana. Hoje a África do Sul é a principal força sub-imperialista por trás da penetração neoliberal no continente africano através da New Partnership for Africa's Development (NEPAD). É com esta África do Sul sub-imperialista que os Estados Unidos estão cada vez mais desejosos de negociar, pois os seus objectivos não são incompatíveis com aqueles do Império Americano. Nada disto, contudo, tem qualquer coisa a ver com autêntico desenvolvimento sustentável.

Mas há também uma outra África do Sul. Nos últimos poucos anos um movimento de massas militante tem-se levantado na África do Sul contra o neoliberalismo e o NEPAD — um movimento que tem suas raízes nas mesmas cidades que se destacaram no combate ao apartheid. Esta nova luta anti-neoliberal e anti-globalização é animada por uma espírito de socialismo e justiça ambiental de uma forma que desmente a visão de que não há alternativa. Se a segunda cimeira da terra, apesar de tudo, ainda oferece uma base racional para a esperança, isto tem menos a ver com o processo da própria cimeira do que com a acção social de massa que está a ocorrer na ruas de Joanesburgo, Durban e por todo o mundo. No fim há apenas uma certeza absoluta no nosso incerto futuro — de que a luta global por um futuro justo e sustentável continuará.

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Notas

[1] Além de Sachs, outros bem conhecidos ambientalistas como Hilary French, Paul Hawken, Hazel Henderson, e Anita Roddick (de The Body Shop) estiveram entre os 16 contribuidores do Jo'burg Memo. O memorando está disponível em http://www.joburgmemo.org .

[2] United Nations Environment Programme, Global Outlook 3 (Sterling, VA: Earthscan, 2002), pp. 150–52; Worldwatch Institute, State of the World 2002 (New York: W. W. Norton, 2002), pp. 5–12; International Forum on Globalization, Intrinsic Consequences of Economic Globalization on the Environment: Interim Report (San Francisco: IFG, 2002), pp. 101, 146; Lester R. Brown, Eco-Economy (New York: W .W. Norton, 2001), pp. 9, 27, 71.

[3] O Worldwatch Institute também defende um “negócio global razoável” no seu relatório preparado para a cimeira de Joanesburgo. No caso da Worldwatch isto significa novos "partenariados" entre corporações multinacionais, ONGs, governos e organizações internacionais. Ver Worldwatch, State of the World 2002, pp. 183, 198.

[*] Editor da Monthly Review . Autor de "Marx's Ecology - Materialism and Nature" .

O original deste artigo encontra-se em http://www.monthlyreview.org/0103jbf.htm .
Tradução de J. Figueiredo.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info

06/Jan/03