Uma derrota planetária:
O fracasso da reforma do ambiente global
por John Bellamy Foster
[*]
Este artigo é uma reconstituição a partir de
anotações de várias palestras efectuadas em Joanesburgo,
África do Sul, durante os eventos da Conferência Mundial sobre o
Desenvolvimento Sustentável, em Agosto-Setembro de 2002. J.B.F.
A primeira Cimeira da Terra, no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992, gerou
esperanças de que o mundo iria finalmente encarar os seus problemas
ecológicos globais e introduzir um processo de desenvolvimento
sustentável. Agora, com uma segunda cimeira realizada dez anos depois
em Joanesburgo, tal sonho em grande medida desvaneceu-se. Mesmo os principais
apoiantes deste processo tornaram claro que eles não esperavam que fosse
alcançado muito em resultado da cimeira de Joanesburgo, a qual
provavelmente afundar-se-á na história como um fracasso absoluto.
Precisamos perguntar-nos porque.
A primeira razão é talvez a mais óbvia, pelo menos para os
ambientalistas. A década entre o Rio e Joanesburgo assistiu ao fracasso
quase total da Cimeira da Terra do Rio e da sua Agenda 21 em termos de
resultados significativos. Isto pôs em relevo as fraquezas inerentes
às cimeiras globais sobre ambiente.
Segundo, a recusa dos EUA em ratificar o Protocolo de Quioto e a
Convenção sobre Diversidade Biológica as duas
principais convenções saída dos Rio levantou
questões acerca da capacidade do capitalismo para enfrentar a crise
ambiental mundial. Os Estados Unidos, como potência hegemónica do
sistema capitalista, mais uma vez assinalaram a sua rejeição da
reforma ambiental global ao anunciarem que o presidente Bush não
compareceria à cimeira de Joanesburgo.
Terceiro, tanto a globalização rápida da agenda neoliberal
na década de 1990 como a emergência de um maciço movimento
anti-globalização em Seattle em Novembro de 1999 destacaram o
antagonismo do sistema em relação a todas as tentativas de
promover justiça económica e ambiental.
Quarto, a Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável
ocorreu num período de crise económica e financeira que é
de mau agouro para aqueles preocupados com as questões do ambiente e do
desenvolvimento do terceiro mundo. O mundo capitalista como um todo
está a experimentar recessão global. Os mais duramente atingidos
são os países do Sul global, os quais graças
à globalização neoliberal estão presos em
crises económicas agravadas sobre as quais eles têm cada vez menos
controle.
Quinto, estamos a testemunhar o crescimento de uma nova e virulenta onda de
imperialismo pois os Estados Unidos começaram uma guerra mundial ao
terrorismo em resposta aos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001. Isto
está a tomar a forma de intervenções militares americanas
não só no Afeganistão mas também potencialmente
contra o Iraque, juntamente com avanços de actividades militares
americanas em locais por todo o terceiro mundo. Sob tais circunstâncias,
é provável que a guerra triunfe sobre o ambiente.
Sexto, a África do Sul, que há cerca de dez anos tornou-se um
símbolo da liberdade humana com a derrubada do apartheid, foi escolhida
sobretudo por esta razão como local da Segunda Cimeira da Terra. Para
muitos, ela passou a simbolizar algo bastante diferente: o crescimento
voraz do neoliberalismo e a recusa em enfrentar as grandes crises ambiental e
social.
A sabotagem do Rio
A incapacidade da Cimeira da Terra de 1992, no Rio, para por em movimento
processos que conduzissem a um genuíno desenvolvimento
sustentável afectou negativamente percepções do que seria
possível como resultado da cimeira de Joanesburgo. Nas palavras de 16
ambientalistas que contribuíram para o Jo'burg Memo, escritas para a
Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável e editadas por
Wolfgang Sachs:
O Rio 1992 revelou-se uma vã promessa. Enquanto governos na Cimeira da
Terra comprometeram-se frente aos olhos e aos ouvidos do mundo a reduzirem o
declínio ambiental e o empobrecimento social, nenhuma reversão
destas tendências foi observada uma década depois. Pelo
contrário, o mundo está a afundar-se cada vez mais profundamente
na pobreza e no declínio ecológico, não obstante o aumento
da riqueza em lugares específicos... Daqui a 50 anos, quando a Terra
provavelmente estiver com temperaturas mais elevadas, mais pobre em diversidade
de seres vivos, e menos hospitaleira para muitas pessoas, o Rio poderá
ser visto como a última saída fracassada no caminho para o
declínio.
[1]
Como pôde a Cimeira do Rio, que dez anos atrás era encarada como
um marco de uma mudança decisiva na relação humana com o
ambiente, ter passado a ser encarada como um fracasso colossal? A resposta
é que estava minada pelo capital global, tanto por dentro como
por fora.
Um exame minucioso da cimeira do Rio revela que esta estava longe do
fenómeno de amizade pela terra que pretendia ser. A
Convenção sobre Diversidade Biológica destinava-se muito
mais a decidir quem deveria ter o direito de explorar a natureza viva do que a
protegera biodiversidade da terra. (Apesar disso os Estados Unidos opuseram-se
à Convenção porque esta apoiou os direitos do Sul aos seus
recursos genéticos em detrimento das exigências da
indústria americana de biotecnologia). A Estrutura das
Nações Unidas para a Mudança Climática, que
posteriormente tornou-se o Protocolo de Quioto, enfrentou a resistência
dos Estados Unidos e de outros países devido aos seus ataques à
economia do automóvel-petróleo. O Acordo de Princípios
sobre Florestas, que emergiu do Rio, nunca chegou sequer a mencionar o problema
da desflorestação nos seus "princípios
florestais", mas preocupava-se muito mais com o direito soberano de cada
país usar/explorar as suas florestas com quisesse. Os 40
capítulos da Agenda 21 apresentavam o crescimento económico sob
princípios do mercado livre como sendo o objectivo primário,
dentro do qual um compromisso com o ambiente deveria ser situado. "A
economia de mercado mundial" era vista como o lugar em que todos os
problemas ambientais deveriam ser situados. Como observaram Pratap Chatterjee
e Matthias Finger em The Eart Brokers, a principal crítica da Cimeira do
Rio, "A única menção às
corporações na Agenda 21 foi no sentido de promover o seu papel
no desenvolvimento sustentável. Não foi feita qualquer
menção ao papel das corporações na
poluição do planeta" (p. 116)
Estes resultados decorrem em parte da pressão directa exercida pelo
capital. Um lobby importante proveio do Business Council for Sustainable
Development, dirigido pelo industrial suíço Stephan Schmidheiny.
Dentre os membros do Business Council incluíam-se alto
responsáveis de importante corporações multinacionais:
Chevron Oil, Volkswagen, Mitsubishi, Nissan, Nippon Steel, S.C. Johnson and
Son, Dow Chemical, Browning-Ferris Industries, ALCOA, Dupont, Royal/Dutch
Shell, e outras. O livro de 1992 de Schmidheiny, Changing Course, escrito sob
a influência da Cimeira do Rio, promovia uma visão de que o
mecanismo de mercado, se lhe fosse permitido operar livremente, era o
único meio concebível de alcançar o desenvolvimento
sustentável. Os agentes primários de tal transição
para um mundo mais sustentável deveriam ser as corporações
multinacionais, a quais supostamente estenderiam princípios de
administração da qualidade total e fixação de
preços de acordo com os custos para acompanhar as
preocupações ambientais. O Business Council for Sustainable
Development desempenhou um papel, por meio das corporações a ele
associadas, no financiamento da Cimeira da Terra de 1992, e foi conduzido
directamente para dentro do núcleo central do planeamento da cimeira.
Se a cimeira do Rio foi transformada a partir de dentro num veículo para
servir principalmente os interesses do capital, os processos que continuaram do
lado de fora da cimeira enfraqueceram ainda mais quaisquer tentativas de
reforma do ambiente global. Mesmo no momento em que a cimeira do Rio estava a
ter lugar, as negociações do Uruguay Round of the General
Agreement on Tariffs and Trade (GATT) estavam a decorrer. Com o
estabelecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC)
em 1995, os principais estados capitalistas criaram uma estrutura internacional
para promover os princípios neoliberais do mercado livre, tornando as
reformas ambientais em países individuais muito mais difíceis. A
globalização do capitalismo destinava-se a suplantar os controles
locais, os países estavam a ser encorajados a explorar os seus recursos
naturais ao máximo, os bens públicos deveriam ser abertos
à implacável privatização, e as
regulamentações ambientais deviam ser estabelecidas no mais baixo
denominador comum a fim de não interferir com o livre comércio.
Pretendia-se que a OMC assinalasse o triunfo total do capitalismo, limitando as
políticas de ambiente e de desenvolvimento no terceiro mundo só
àquelas aceitáveis aos interesses que dirigem os estados
capitalistas ricos.
A promessa de desenvolvimento na periferia da economia do mundo capitalistas
era invariavelmente utilizada como justificação para diluir e
efectivamente eliminar mudanças ambientais globais que tivessem
significado. Tal como a concebiam os centro do capital mundial, o
desenvolvimento só podia ser sustentado através do prosseguimento
da agenda neoliberal de abertura de todos os países e todas as esferas
de actividades económica às forças do mercado. Contudo,
longe de desenvolver o Sul global, esta estratégia só serviu para
aprofundar a estagnação económica ou o declínio da
maior parte dos países do terceiro mundo e para reforçar um fosso
crescente entre os países ricos e pobres juntamente com a
destruição acelerada do ambiente. Além disso, na medida
em que servia os interesses económicos dos países ricos, era
tratada pela potências dominantes como um êxito absoluto.
Um rápido olhar às tendências globais em
relação ao ambiente e ao desenvolvimento mostra quão
desastroso demonstrou ser este período de capitalismo global sem peias
ao longo destes últimos dez anos. Os níveis de dióxido de
carbono na atmosfera estão no seu ponto mais alto dos últimos 420
mil anos. As emissões de CO
2
(excluindo outros gases com efeito estufa)
aumentaram 9% globalmente entre 1990 e 2000 e nos Estados Unidos ao dobro
daquela taxa. Os 14 anos mais quentes registados desde que as
medições começaram em 1866 verificaram-se a partir de
1980, com a década de 1990 com os registos mais quentes. O consumo
global de água está a duplicar a cada 20 anos, muito mais
rápido do que o crescimento populacional. Em meados da década de
1990 cerca de 40% da população mundial, em cerca de 80
países, estavam a sofrer de séria escassez de água. As
Nações Unidas projectaram que por volta de 2025 dois
terços da população mundial poderá estar a sofrer
de crise de água. Lençóis de água estão a
baixar em grandes extensões de terra agrícola na China, na
Índia e nos Estados Unidos devido à super-extracção
de águas subterrâneas para rega. A taxa de extinção
de espécies inteiras é agora pelo menos um milhar de vezes (e
talvez até mesmo umas dez mil vezes) mais rápida do que a taxa
norma ou anterior de extinção. A destruição do
habitat, particularmente de florestas tropicais, ameaça até
metade das espécies mundiais no decorrer deste século. Recifes
de corais, os segundos após as florestas em riqueza biológica,
estão a ser degradados a uma taxa alarmante. Mais de um quarto dos
recifes de coral já foram perdidos, uma subida em relação
aos 10% de 1992, e espera-se que a perda ascenda a 40% em 2010. Colheitas
geneticamente modificadas colocam mais uma vez a questão dos aprendizes
de feiticeiro, pois o agribusiness continua a alterar as bases da vida e nossa
oferta de alimentos de formas radicalmente contrários ao processo
evolutivo. As tecnologias comerciais estão a alterar a
composição genética e química daquilo que comemos,
com muito pouca consideração pelas consequências que
estão além da questão da lucratividade.
[2]
Naquilo que concerne ao próprio desenvolvimento, não tem havido
ganhos apreciáveis na posição relativa do Sul global, o
qual, tomado como um todo, está a cair muito atrás do
países ricos. A desigualdade de rendimento tem estado a aumentar
rapidamente tanto dentro dos países como dentre países ao longo
das últimas duas décadas. Cinquenta e dois países
experimentaram crescimento negativo ao longo da década de 1990. Entre
1975 e 2000 o rendimento per capita na África sub-sahariana (em termos
de paridade poder de compra) caiu de um sexto para apenas um catorze avos
daquela dos países ricos da Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). O
rendimento dos 10% mais ricos da população dos EUA (cerca de 25
milhões de pessoas) agora iguala aquele dos 43% mais pobres da
população mundial ou uns 2 mil milhões de pessoas
(Nações Unidas, Relatório do Desenvolvimento Humano 2002,
pp. 17-19),
A Cimeira de Joanesburgo: Comendo a palha com prazer
Com este lúgubre quadro geral dos cumprimentos passados, há
razões para questionar o que pode ser cumprido em resultado da cimeira
de Joanesburgo. O que é que pode nos levar a acreditar que o registo
daqui a dez anos não será ainda pior do que aquele com que somos
confrontados hoje uma década após o Rio? Mesmo entre aqueles
ambientalistas que são críticos agudos do neoliberalismo global,
das corporações multinacionais, do FMI, do Banco Mundial e da
OMC, há uma tendência para procurar alguma espécie de
compromisso em face da derrota. Os ambientalistas foram conduzidos a um tal
estado que muitas vezes eles procuram a salvação exactamente nas
instituições às quais eles atribuem os males presentes.
Um exemplo disso é o Jo'burg Memo. Os ambientalistas autores deste
memorando estão à esquerda no sentido de que se identificam com o
movimento anti-globalização. Eles argumentam que o
neoliberalismo e particularmente a OMC esmagou o programa de reforma ambiental
global introduzido no Rio. Acreditam que o mundo necessita de colocar em
primeiro lugar a justiça ambiental e social. Mas as suas
soluções para a Cimeira Mundial do Ambiente Sustentável
soam como uma tentativa de encontrar um terreno comum com políticas
económicas actuais, sem desafiar os fundamentos do projecto neoliberal,
muito menos a lógica da própria acumulação de
capital.
O que esmagou as esperanças engendrada pelo Rio, segundo o Jo'burg Memo,
foi "um funesto estilo de economia". O que é
necessário portanto é um novo estilo de economia, menos oposta
à sustentabilidade. O que envolveria este novo estilo de economia? Sua
propostas mais gerais em relação a isso derivam do trabalho do
ambientalista americano e empresário Paul Hawken, um dos que
contribuíram para o memorando, o qual argumenta em favor do que ele
chama "capitalismo natural" ou capitalismo que incorpore
plenamente a natureza dentro do seu sistema de valor (Mother Jones, Abril
1997). Tal como declara o Jo'burg Mesmo, "na medida em que os interesses
a curto e médio prazo das corporações divergem do
interesse público, nenhum conserto, reforma,
regulamentação, ou Cimeiras Mundiais mudarão o status
quo". O problema então transmuta-se em assegurar que as
corporações conformar-se-ão aos interesses públicos
em relação ao ambiente. Isto pode ser alcançado pela
transformação de valores
(amenities)
ambientais, que não têm valor do ponto de vista do mercado, em
bens que têm valor de mercado. Um sistema económico não
é plenamente "capitalista", somos informados, a menos que
todas as coisas incluindo a natureza sejam tratadas como capital.
Além disso, o potencial para "a produtividade radical dos
recursos" a utilização mais eficiente de energia e
materiais através de nova tecnologia significa que não
há incompatibilidade entre crescimento rápido e ilimitado da
economia capitalista e sustentabilidade ambiental. A reforma ambiental deve
portanto chegar à "incomparável eficiência" dos
mercados.
A um nível internacional, segundo o Jo'burg Memo, o que é
necessário é um "negócio global",
particularmente entre o Norte global e o Sul global, o que tornaria o
desenvolvimento sustentável, e simultaneamente potenciaria as
oportunidades de desenvolvimento do Sul.
[3]
Dentre as propostas está a noção de que é
necessário "forjar a sustentabilidade da OMC". Assim, a OMC,
que até agora tem estado preocupada somente com a
penetração do capital em todos os cantos escondidos do globo,
deve ser convertida numa instituição de âmbito muito mais
vasto preocupada com a sustentabilidade ambiental. Isto deveria ser cumprido
pelo lançamento, através da OMC, de um "Acordo Multilateral
sobre Investimento Sustentável", o qual estabeleceria linhas
directivas verificáveis para o investimento directo estrangeiro das
corporações multinacionais. Tão pouco os planos de
reforma param na OMC. "Tanto o FMI como o Banco Mundial", declara o
mesmo, "precisam ser redireccionados, democratizados e
re-estruturados" para levar em conta as necessidades ambientais. O FMI
deveria abandonar seus programas de ajustamento estrutural. Além disso,
precisa ser estabelecido um "equilíbrio de poder" entre as
instituições de Bretton Woods, nomeadamente o FMI, o Banco
Mundial, o GATT e o sistema das Nações Unidas. Isto tornaria
possível um equilíbrio entre objectivos financeiros e objectivos
mais universais, tais como aqueles do ambiente e da justiça social. Um
grande passo em frente, sugere-se ali, seria a criação de uma
Organização Ambiental Mundial dentro do sistema da ONU. Uma
outra proposta do Jo'burg Mesmo é estabelecer uma
convenção sobre contabilidade empresarial que permitiria a
correcção legal frente aos delitos das corporações.
Propostas de mudança semelhantes foram introduzidas pelo International
Forum on Globalization, uma importante organização
anti-globalização baseada em São Francisco e dirigida por
John Cavanagh e Jerry Mander. Nas suas "Intrinsic Consequences of
Economic Globalization on the Environment", preparadas para a cimeira de
Joanesburgo, o International Forum on Globalization recomenda "dominar o
poder das corporações". Além da
criação de uma Organização para a Contabilidade
Empresarial, a qual monitoraria as corporações forneceria
informação sobre suas práticas de negócios, eles
propõem cortar as equipes do FMI e do Banco Mundial e criar uma
Organização Financeira Internacional separada sob o sistema das
Nações Unidas. A principal falha da actual economia mundial,
dizem-nos, é sua ênfase sobre a globalização das
relações económicas. Ao invés disso, um
princípio de localização deveria ser aplicado sempre que
possível a fim de promover o bem-estar ecológico e o
desenvolvimento sustentável.
Não há dúvida de que a intenção destas
reformas propostas é promover a justiça social e ambiental.
Ainda assim, tais propostas procuram descobrir um acordo com
instituições neoliberais e ao mesmo tempo deixar intacta a
lógica subjacente do sistema. Uma coisa deveria ficar clara para
aqueles que não negam simplesmente as cruéis realidade do
capitalismo do século XXI: que a OMC e as suas
instituições irmãs não podem promover a
sustentabilidade uma vez que isto contradiria toda a sua razão de ser.
O seu papel é facilitar a acumulação do capital global e
proteger os grandes bancos e centros financeiros do Norte. Uma
estratégia de "equilíbrio de poder" que põe as
instituições do sistema das Nações Unidas contra as
instituições de Bretton Woods inevitavelmente fracassará,
pois está baseada na vã ilusão de que o poder real repousa
nestas instituições e não nos interesses a que elas servem.
A principal lição a ser retirada do fracasso da reforma do
ambiente global associada à cimeira do Rio é que não
há possibilidade de um movimento efectivo por justiça social e
sustentabilidade separado da luta para criar uma sociedade alternativa. Uma
abordagem que reconheça o fracasso da reforma ecológica global e,
ao mesmo tempo, adopte a posição tornada famosa pela Margaret
Thatcher, de que "Não há alternativa" à presente
ordem conduzida pelo mercado, tem pouco a oferecer no caminho das
mudanças reais. Suas iniciativas são limitadas a umas poucas
alterações ou adições a organizações
internacionais, para a conversão mítica de
corporações em "cidadãos públicos", ou
para a ilusão de que a salvação da terra consiste em
tratar a natureza (e portanto todas as coisas que existem) como capital.
A luta real
A verdade é que nenhum "negócio global" será
conseguido em resultado da cimeira de Joanesburgo. As principais
potências capitalistas não estão preparadas para forjar um
trato que interferiria com oportunidades para fazer cada vez mais lucros. A
questão principal supostamente sobre a mesa é aquela do livre
comércio e do desenvolvimento. Os países do Sul estão a
exigir que os do Norte cumpram os seus próprios princípios
removendo barreiras tarifárias e não-tarifárias que
protegem a indústria nortista, precisamente no mesmo estilo em que o
Norte exige que medidas proteccionistas sejam removidas no Sul. Apesar disso,
nem genuíno comércio livre nem sustentabilidade ambiental
poderão avançar por conversações em cimeiras. Os
países ricos no centro do sistema capitalista mundial não
estão prestes a aplicar a si próprios as mesmas regras que
impõem aos Estados pobres na periferia. Seu objectivo é
continuar a extrair excedente
(surplus)
da periferia. Brincar nervosamente com as suas próprias barreiras
comerciais não é um meio de atingir aquele objectivo.
O que veremos, como sempre, são novas promessas da parte dos Estados
capitalistas ricos no sentido de proporcionar capital na forma de
empréstimos, assistência tecnológica, e algum alívio
da dívida aos países mais pobres entre os pobres (aqueles que
são completamente incapazes de pagá-la). Em troca disso os
países ricos insistirão na eliminação de todas as
barreiras ao capital erguidas nos Estados do terceiro mundo, incluindo coisas
tais como subsídios alimentares aos pobres, os quais são vistos
como distorções dos mercados. A privatização da
água e dos alimentos é percebida como solução,
não como problema.
O modo como a luta global sobre o desenvolvimento sustentável
está agora a ser efectuado pode ser visto muito claramente no caso da
África do Sul, que durante os preparativos para a cimeira de Joanesburgo
comprometera-se a torná-la uma verdadeira cimeira do Sul. Tragicamente,
o Estado sul africano tem vindo a simbolizar cada vez mais os actual
período de neoliberalismo global e expansão imperial.
Está actualmente numa batalha com a sua população acerca
da privatização da água e de serviços
básicos tais como a electricidade. Isto está em agudo contraste
com o que fora imaginado há apenas uma década atrás,
quando a derrubada do apartheid tornou a África do Sul um dos principais
símbolos do avanço da liberdade humana. Hoje a África do
Sul é a principal força sub-imperialista por trás da
penetração neoliberal no continente africano através da
New Partnership for Africa's Development (NEPAD). É com esta
África do Sul sub-imperialista que os Estados Unidos estão cada
vez mais desejosos de negociar, pois os seus objectivos não são
incompatíveis com aqueles do Império Americano. Nada disto,
contudo, tem qualquer coisa a ver com autêntico desenvolvimento
sustentável.
Mas há também uma outra África do Sul. Nos
últimos poucos anos um movimento de massas militante tem-se levantado na
África do Sul contra o neoliberalismo e o NEPAD um movimento que
tem suas raízes nas mesmas cidades que se destacaram no combate ao
apartheid. Esta nova luta anti-neoliberal e anti-globalização
é animada por uma espírito de socialismo e justiça
ambiental de uma forma que desmente a visão de que não há
alternativa. Se a segunda cimeira da terra, apesar de tudo, ainda oferece uma
base racional para a esperança, isto tem menos a ver com o processo da
própria cimeira do que com a acção social de massa que
está a ocorrer na ruas de Joanesburgo, Durban e por todo o mundo. No
fim há apenas uma certeza absoluta no nosso incerto futuro de que
a luta global por um futuro justo e sustentável continuará.
__________
Notas
[1] Além de Sachs, outros bem conhecidos ambientalistas como Hilary
French, Paul Hawken, Hazel Henderson, e Anita Roddick (de The Body Shop)
estiveram entre os 16 contribuidores do Jo'burg Memo. O memorando está
disponível em
http://www.joburgmemo.org
.
[2] United Nations Environment Programme, Global Outlook 3 (Sterling, VA:
Earthscan, 2002), pp. 15052; Worldwatch Institute, State of the World
2002 (New York: W. W. Norton, 2002), pp. 512; International Forum on
Globalization, Intrinsic Consequences of Economic Globalization on the
Environment: Interim Report (San Francisco: IFG, 2002), pp. 101, 146; Lester R.
Brown, Eco-Economy (New York: W .W. Norton, 2001), pp. 9, 27, 71.
[3] O Worldwatch Institute também defende um negócio global
razoável no seu relatório preparado para a cimeira de
Joanesburgo. No caso da Worldwatch isto significa novos
"partenariados" entre corporações multinacionais, ONGs,
governos e organizações internacionais. Ver Worldwatch, State of
the World 2002, pp. 183, 198.
[*]
Editor da
Monthly Review
. Autor de
"Marx's Ecology - Materialism and Nature"
.
O original deste artigo encontra-se em
http://www.monthlyreview.org/0103jbf.htm
.
Tradução de J. Figueiredo.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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