A contracção económica mundial
e a guerra que se avizinha

por Arturo Huerta G. [*]

Os novos cavaleiros do apocalipse.

Entrámos numa época de contracção económica, numa época de guerra, de violenta luta de classes, de crise do processo de globalização, de domínio económico, político e militar crescente do poderio estadunidense a nível mundial, bem como de amplas e crescentes mobilizações contra a globalização e a guerra.

Uma guerra em grande escala está para irromper a qualquer momento. No caso do Vietnam era a ameaça do comunismo, hoje em dia é a desculpa da ameaça do terrorismo. Ambas as guerras são comandadas pela superpotência económica e militar no altar da sua expansão e controle do maior número de países possível. A justificação da invasão do Iraque é que tem armas de destruição maciça. Cabe assinalar que há um grande número de países que têm esse tipo de armas, a começar pelos Estados Unidos. Porque este país disse que começará por desarmar e atacar os países do "eixo do mal"? Simplesmente porque o Iraque e a Coreia do Norte não estão dentro da sua área de influência. Disseram não ao capitalismo, disseram não ao processo de globalização comandado pelos EUA, impedindo a passagem à expansão e ao domínio económico deste país. Os EUA não precisaram invadir a Rússia para subordiná-las aos seus interesses. Foi através do económico, do processo de globalização, que a Rússia e o resto dos países ex-socialistas se abriram às chamadas forças livres do mercado, entraram em grave crise económica e estão agora subordinadas aos interesses do grande capital internacional. O mesmo fez os EUA com o Japão, que estava a disputar-lhe a hegemonia económica nos anos setenta e oitenta. Foi a partir da liberalização financeira que os EUA impuseram ao Japão em 1985 que este abriu os seus mercados financeiros ao capital internacional, os quais geraram práticas especulativas e boom no mercado de acções e no mercado de bens de raiz, que desembocaram no crack bolsista e na desvalorização do yen em 1991, conduzindo a uma crise nesse país. Isto obrigou o Japão a permitir a participação do investimento estrangeiro (estadunidense) em áreas que antes eram exclusivamente só para os nacionais. O mesmo ocorreu com os países do Sudeste Asiático que também estavam a disputar o mercado internacional aos Estados Unidos. Foi a partir da abertura e da liberalização financeira instrumentada em 1993-94 que passaram a enfrentar uma crise em 1997, dando assim por findas décadas de crescimento sustentado, vendo-se obrigados a receber créditos norte-americanos condicionados à maior participação do investimento estadunidense em tais países.

O processo de globalização permitiu aos Estados Unidos retomar e fortalecer como nunca sua hegemonia económica. Os Estados Unidos foram o único país desenvolvido que pôde crescer a taxas elevadas desde 1992 a 2000. O Japão teve uma década perdida e a Europa não pôde crescer além dos 2% em média anual. As crises financeiras mundiais derivadas do processo de globalização levaram o capital financeiro internacional a refugiar-se nos mercados financeiros dos Estados Unidos, permitindo a este país receber recursos financeiros a baixo custo para promover sua dinâmica económica.

A própria lógica do capitalismo levou a economia dos EUA a travar seu crescimento em 2001. O grande dinamismo e as próprias expectativas de crescimento implicam crescentes níveis de endividamento que terminam por originar problemas de sobre-endividamento e insolvência, em consequência do facto de que a própria dinâmica reduz a taxa de lucro e portanto o rendimento das empresas, comprometendo assim a capacidade de pagamento. Isto recrudesceu devido ao aumento da taxa de juros instrumentado pela Reserva Federal diante da sua preocupação de que o crescimento sustentado por tantos anos no referido país traduzir-se-ia em pressões inflacionária que debilitariam o dólar e a economia. Contudo, a alta da taxa de juros agudizou os problemas de insolvência, levando os devedores a ter que diminuir seu consumo e investimento para poderem pagar suas dívidas. Isto reduziu a procura conduzindo ao menor crescimento económico nesse país a partir de 2001.

Os mercados de capitais internacionais têm vindo a mostrar fortes quedas no seu comportamento, desvalorizando assim activos financeiros e reais, os quais descapitalizam empresas e os que nele participam, o que se traduziu em menor investimento e procura, impedindo a retomada de condições para o crescimento económico.

Apesar de os Estados Unidos estarem a diminuir a taxa de juros e os impostos, e terem aumentado a despesa pública para reactivar sua economia, não o conseguiram. A referida economia enfrenta um crescente défice de comércio externo, cerca de 4,5% do PIB, o qual actua em detrimento do crescimento económico. O sector privado encontra-se altamente endividado e está contraindo seu consumo e investimento para poder pagar, pelo que não pode constituir-se no motor do crescimento. A economia não tem condições endógenas que lhe permitam recuperar o crescimento económico, pelo que cabe ao governo assumir o referido papel através do maior gasto deficitário. Neste momento desenha-se o cenário de uma guerra longa e de proporções. A guerra de expansão e de domínio por parte dos Estados Unidos dos recursos não renováveis e de mercados apresenta-se quando não se encontram saídas para o crescimento económico e quando a política económica instrumentada não dá o resultado esperado.

Os governos e defensores do modelo económico predominante jamais irão aceitar que este não propicia condições internas de crescimento. Nos países subdesenvolvidos o referido modelo levou-nos a depender cada vez mais da entrada de capitais, para o que se procedeu à venda não só de activos públicos estratégicos como também a estrangeirização de empresas privadas nacionais para assim obterem capitais a fim de financiar os desequilíbrios do sector externo gerados por nossa incapacidade competitiva para sairmos airosos do processo de competição desleal em que nos colocou a descapitalização dos sectores produtivos, a maiores níveis de endividamento interno e externo, assim como a maiores níveis de estrangeirização da economia, maiores taxas de desemprego e miséria.

Os Estados Unidos aumentaram o seu poderio como nunca se teria imaginado e, não obstante, enfrentam problemas de crescimento interno e da economia mundial em consequência das próprias contradições do sistema capitalista. E diante da inoperabilidade das suas políticas económicas para a retomada do crescimento económico dos seu países e da economia mundial, coloca-se a guerra. Ou seja, esta é inerente ao capitalismo, às necessidades de expansão do imperialismo.

Uma guerra de grande escala está para começar e desenvolver-se através do Médio Oriente. O Iraque será o primeiro a ser invadido, para continuar com o resto daqueles países da área que não estão subordinados aos interesses estadunidenses, na perspectiva de colocar governos servis, que lhes permitam a apropriação do petróleo, e assim controlar sua produção e distribuição e subordinar aqueles países europeus e asiáticos que representam contrapesos económicos aos Estados Unidos. Em países como a Alemanha e a França, parte substancial do seu abastecimento de petróleo provem do Iraque, pelo que o controle pelos EUA dos referido petróleo permitir-lhe-á determinar sua comercialização e o preço ao qual será vendido. Isto fará com que possa enfraquecer a Europa, agora que o euro está a avançar em relação ao dólar e tende a disputar-lhe terreno como moeda de curso legal internacional e portanto enfraquecer e deslocar o dólar. A partir daí, ao tomar o controle de grande parte do fornecimento do petróleo aos países europeus e ao determinar-lhes o preço (em função dos interesses de competitividade dos EUA), enfraquecerá a economia europeia e a sua moeda, impondo uma vez mais a hegemonia do dólar.

Ao assumirem os Estados Unidos o controle do petróleo (recurso não renovável e logo em extinção) poderão determinar (mais do que o fizeram até agora) o destino do mundo e poderão sujeitar e controlar aqueles países que até agora lhe foram hostis e mostraram resistência.

Apenas a invasão do Iraque e a despesa que o governo dos EUA realizará com isto não é suficiente para reactivar sua economia. A guerra do Vietnam, apesar dos grandes montantes nela gastos, só impactou em um ponto percentual o crescimento da economia dos EUA. A Guerra do Golfo Pérsico não teve impacto sobre a economia estadunidense. A Segunda Guerra Mundial foi relevante porque permitiu aos países desenvolvidos e subdesenvolvidos deixarem a Grande Depressão e o contexto depressivo dos anos trinta, bem como o modelo neoliberal que a gerou, para dar lugar às políticas de intervenção do Estado na ingerência económica, que permitiram retomar o crescimento económico sustentado por várias décadas.

Hoje em dia encontramo-nos numa situação semelhante. A economia estadunidense e a economia mundial não encontram saída para o contexto de contracção económica e de desemprego crescente. O Japão está em crise desde 1991 e até à data não consegue sair da sua crise. Apesar de o governo haver aumentado sua despesas e trabalhar com défice fiscal de cerca de 8% do PIB, a sua economia não se reactiva. O sector privado continua sem aumentar seu consumo e investimento. A Europa, por seu lado, preocupada com a sua união económica e monetária, não pode expandir a despesa pública, nem diminuir significativamente sua taxa de juros, o que se traduz em taxas de crescimento muito baixas e desemprego crescente. Os EUA, ao que parece, optaram pela guerra como forma de reactivação a fim de que esta lhe permita ampliar e consolidar seu domínio imperial, o que é factível pois não tem contrapeso militar algum.

A crise económica é do modelo económico predominante, e esses problemas não se resolvem com a guerra. Ao invés de encarar e resolver os problemas medulares que estão por trás da contracção económica mundial, o que implicaria fazer marcha atrás nos processos de liberalização comercial e financeira promovidos pela globalização e em consequência balizar a lógica do capital, o governo estadunidense opta pela guerra, pois não pode ir contra os seus próprios interesses.

Para que uma guerra possa actuar como motor do crescimento tem que ser de grandes proporções, tal como o foi a Segunda Guerra Mundial. Daí dizermos que o Iraque será o início de toda uma estratégia de expansão e dominação, que começará pelo controle da produção e fornecimento de petróleo e, a partir daí, ampliar a fronteira de influência do investimento norte-americano, e impor as regras do capitalismo àqueles países que continuarem a opor o socialismo ao capitalismo, como a Coreia do Norte e outros e impor a globalização àqueles países que ainda apresentam resistências em alguns dos seus sectores, como a China e a Índia.

Estamos a viver mais uma vez uma etapa histórica em que o capitalismo utiliza suas armas para abrir mercados, para apropriar-se de recursos naturais, para continuar a manter um sistema que cada vez mais se evidencia não proporcionar condições de crescimento económico sustentado, nem muito menos crescimento soberano e equitativo, nem diminui as diferenças entre desenvolvidos e subdesenvolvidos, antes pelo contrário, acentua essas diferenças.

Será através da guerra e do seu maior domínio que travará a desvalorização de 20% que o dólar teve frente ao euro nos últimos meses e poderá restaurar a fortaleza e a confiança do dólar no sistema financeiro internacional, e impedir que o euro possa fazer-lhe contrapeso, o que lhe permitirá continuar a emitir dívida na sua própria moeda para financiar não só a guerra como também sua recuperação económica.

O poder dos Estados Unidos e do grande capital financeiro internacional levou a que, apesar das crises económicas e das vitórias de partidos democráticos no mundo, não se dê mudança alguma da política económica predominante. E diante do maior poder económico e militar que se avizinha, menor capacidade terá qualquer país para retomar o manejo soberano da sua política económica a fim de atender às exigências nacionais. A globalização levou-nos não só à perda do manejo soberano da política económica na determinação dos rumos nacionais como também ao maior domínio do capital transnacional nas nossas economias. Assim como os maiores desequilíbrios no sector externo levaram-nos a depender mais da entrada de capitais e das decisões de investimento do capital externo, permitindo aos Estados Unidos pressionar o resto mundo a que o apoiem na sua acção bélica frente ao Iraque, quer para que prestem os seus territórios para o estabelecimento de bases militares para o referido ataque, quer para conseguir o voto de aprovação no Conselho de Segurança das Nações Unidas [1] . Dessa forma, a grande maioria dos países perdeu não só o manejo soberano da política económica como também da política internacional, passado também esta a subordinar-se aos interesses estadunidenses, o que nos leva a um círculo vicioso de maior globalização, subordinação, estrangeirização e espoliação.

Se se verificar o controle do petróleo por parte dos EUA no Iraque, permitir-lhe-á aumentar sua produção para embaratecer o seu preço a níveis tais que possa embaratecer custos de produção e aumentar lucros em sectores petroquímicos e em outras áreas produtivas para reactivar investimento e crescimento económico. Contudo, os problemas enfrentados pela economia mundial não se deve à alta do preço do petróleo e sim à baixa procura, baixo lucro, alto endividamento, perda de competitividade, problemas crescentes de balança de pagamentos em muitos países, dentre outros, que não seriam revertidos por uma baixa do preço do petróleo. Num contexto de guerra prolongada na referida área, os preços do petróleo poderiam flutuar em altos níveis, tendo isto impacto negativo sobre a economia dos países desenvolvidos (dada a sua dependência deste insumo), assim como da economia mundial. Teria impactos inflacionários e de altas taxas de juros, que contrairiam mais o poder aquisitivo, o consumo e o investimento, e portanto o crescimento económico. Isto levaria à busca de saídas rápidas, através de armas nucleares para encurtar tempos e controlar no menor tempo possível as jazidas petrolíferas e assim sua produção e seu preço, para evitar contextos de crises económicas profundas, o que evidenciaria que para eles o preço em vidas humanas e ecológico não importa, se não os afectar, desde que consigam seus objectivos de dominação mundial.

A actual situação de estancamento económico, a inviabilidade de encontrar saída para crescimento económico através do processo de globalização imperante e o início iminente da estratégia belicista dos Estados Unidos são uma oportunidade histórica para dizer não não só à guerra como também ao processo de globalização e ao sistema capitalista do qual emanam.

A cúpula empresarial no México pronunciou-se a favor do apoio governamental à resolução dos Estados Unidos, a fim de evitar represálias que pudessem afectar seus interesses. O próprio governo mexicano assinalou que tomará a melhor decisão para o país [1] . Isto reflecte as posições mercantilistas e pragmáticas predominantes do grupo económico no poder, deixando de lado os princípios históricos que deram identidade, ética moral e respeito ao México por suas posições de não intervenção e não ingerência em outros países, de respeito à autodeterminação dos povos e à solução pacífica de conflitos. Deixa-se isso de lado e há grupos que tentam tirar vantagens da iminente invasão do Iraque pelos EUA, e negociar o voto a partir de acordos migratórios em favor dos con-nacionais que vivem no referido país, assim como revisão do Tratado de Livre Comércio [2] no que se refere ao capítulo agrícola exigido pelas organizações camponesas, tal como fluxos financeiros para assegurar o financiamento do défice do sector externo e travar as pressões sobre o peso. Aos sectores empresariais e governamentais que estão a favor do voto pelos Estados Unidos e por tirar proveito disto, não só deixam para trás a moral, a história e os princípios que nos deram pátria que proporcionaram um papel preponderante ao nosso país no plano internacional, como também estão pondo o país numa guerra que não é nossa, que obedece aos interesses imperialistas dos EUA, e que nos levará a sermos também sujeitos a ataques e represálias da parte daqueles que serão afectados pela guerra que começa nos Estados Unidos. Aqueles que estão a favor de que o governo mexicano se some aos Estados Unidos para assim tirar proveito económico do mesmo não se dão conta (ou não querem reconhecer) que os problemas que enfrentamos são consequência das políticas predominantes, da nossa crescente integração e subordinação aos interesses dos Estados Unidos, pelo que aprofundar nossa relação com tal país nos levará à maior descapitalização dos processos produtivos, à maior estrangeirização da economia, ao aprofundar dos problemas do subdesenvolvimento, a mais dependência do capital transnacional e à maior subordinação da economia. Esse é o projecto de nação que defendem aqueles que estão a favor de que o México vote a favor dos EUA.

O México deve dizer não à invasão do Iraque. Os Estados Unidos não poderiam adoptar represálias contra o nosso país, pois estariam a afectar os seus próprios investidores aqui estabelecidos. Além disso estariam a violentar o Tratado de Livre Comércio, o que deveria ser utilizado pelo governo mexicano para dar por terminado o referido tratado a fim de poder retomar o manejo soberano da política económica e da política internacional para mudar de rumo. Se os EUA tomarem represálias contra aqueles países que não endossarem sua proposta belicista isto deve dar lugar a que os países afectados recoloquem sua inserção no processo de globalização, bem como o pagamento do serviço da dívida externa, para diminuir nossa integração comercial e financeira internacional e os níveis de vulnerabilidade e dependência que isto configurou. Tal decisão nos permitiria retomar o manejo soberano da política económica em nosso favor, para redefinir estratégias de desenvolvimento mais endógenas e auto-sustentadas, que travem o processo de descapitalização, estrangeirização e depauperação das nossas economias.

Temos uma oportunidade histórica que pode ser um divisor de águas, o qual pode ser aproveitado para retomar e defender nossa soberania em todos os seus níveis e por distância aos interesses belicistas e à dominação dos Estados Unidos. Se não for assim, ou seja, se se optar pela maior subordinação do país, continuaremos a desfazer-nos como país soberano, um país que continua a aceitar que tanto a sua política económica como a internacional sejam determinadas em Washington e não através de processos democráticos internos.

[*] Economista, Professor da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM). Intervenção apresentada no Seminário Internacional Partidos e Sociedade, realizado na cidade do México em Março de 2003.

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Notas

1- O texto é anterior à invasão do Iraque. Como se recorda, não houve votação no Conselho de Segurança da ONU porque os EUA e a Grã-Bretanha retiraram o projecto de resolução que haviam elaborado. No entanto, o presidente Fox declarou naqueles dias que o México discordava da guerra como solução para "desarmar o Iraque" e defendia a continuação do trabalho dos inspectores da ONU. [NT]

2- Refere-se ao Acordo Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta), assinado em 1994 pelo México, EUA e Canadá. O Nafta foi apresentado como a salvação da economia mexicana mas, depois de nove anos de vigência, mais da metade dos mexicanos vive na pobreza e o desemprego continua a aumentar. Durante os anos do Nafta o cabaz alimentar básico aumentou 560%, ao passo que os salários cresceram apenas 136%. [NT]


Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

14/Jul/03