por Octavio Rodríguez Araujo
A teoria de Huntington sobre o choque das civilizações revelou-se
falsa. Em primeiro lugar, como bem diz Aziz Al-Azmeh ("Posmodern
obscurantism and 'the Muslim question' ", em Socialist Register, 2003),
não há uma civilização islâmica e sim
diferentes posições dentro do islamismo, e muçulmanos
dentro e fora dos países predominantemente islâmicos em termos
religiosos. E em segundo lugar porque ficou perfeitamente claro, inclusive
para os ingénuos, que a agressão imperialista e dos seus aliados
contra o Iraque nada tem a ver com problemas de civilização.
O que está em causa e por trás da invasão do Iraque
não é nenhum problema quanto a civilizações,
baseadas estas em estereótipos absurdos resultantes da ignorância
que difundem as hoje censuradas cadeias estadunidenses de notícias e da
propaganda bélica dos epígonos do professor de Harvard a partir
da destruição das torres de Nova York. Estes
estereótipos, parafraseando Al-Azmeh, são tão
ridículos como dizer que todos os estadunidenses são cowboys,
todos os alemães skinheads ou todos os mexicanos broncos a cavalo que
tomam tequila. Nos países predominantemente muçulmanos há
burguesia, camadas médias, trabalhadores urbanos e do campo,
relações comerciais, produção para o mercado
mundial, ruas pavimentadas, edifícios com ar condicionado e
automóveis.
No que se refere ao fundamentalismo muçulmano, que certamente existe,
só haveria que recordar que nos próprios Estados Unidos há
agrupamentos fundamentalistas cristãos como Church of Jesus Christ
Christian: Aryan Nations / Tabernacle of the Phineas Priesthood, fundado por
Richard Butler, que além de religiosa é uma
organização neonazi. E tal como esta poderia mencionar mais
outras 10 espalhadas por quase todos os estados da União Americana.
O professor Huntington e seus publicistas quiseram desviar a
atenção do verdadeiro problema desta guerra de expansão
imperialista encabeçada pelos governo do seu país. Trata-se,
como já se disse numa grande quantidade de análises, da
construção de uma nova ordem mundial sustentada na hegemonia dos
Estados Unidos, no mais velho estilo imperialista. Ou seja, pelo
domínio de matérias-primas estratégicas e de mercados para
vencer os seus competidores, principalmente a União Europeia, que hoje
é o principal obstáculo aos grandes capitais estadunidenses para
estenderem-se a todo o mundo. Japão, China e Rússia,
separadamente, ainda não são obstáculos.
A colocação estratégica começou depois do já
famoso 11 de Setembro, quando Bush instou os governos da Terra a ficarem com ele
ou contra ele na sua luta contra o terrorismo. Com essa lógica os
assessores do inquilino da Casa Branca pensaram que ao "declarar" a
guerra ao Iraque obteriam o mesmo resultado ou, no plano B, conseguiriam o que
já obtiveram para o seu chefe: a divisão dos países que
compõem a União Europeia. O plano B funcionou... até
agora. Já veremos o que se passará após a guerra. E
funcionou porque os outros países também poderosos têm
interesse no petróleo do Iraque e uma lógica diferente da dos
Estados Unidos para defender os seus interesses no Oriente próximo. Mas
o jogo de xadrez (inventado pelos árabes, certamente) não termina
aí.
Pretende-se apresentar a luta, como sempre fez a burguesia imperialista
(diferente da colonialista), como um problema superestrutural: democracia e
liberdades, e como um racismo mal dissimulado: incorporar o povo iraquiano
à civilização ocidental que, na lógica racista
moderada (porque o racismo nazi não tinha esta
contemplações), quer dizer extensão da economia
estadunidense à dos países "atrasado" para
subordiná-la, para deixar de lado o capital nacional (iraquiano, neste
caso) na produção de bens no futuro e converter este capital em
comprador ou, no melhor dos casos, em sócio menor. No México e
em toda a América Latina sabemos muito bem como funciona esta
estratégia.
O que dirão Negri, Hardt e aqueles que afirmaram há pouco que os
estados nacionais e o imperialismo já não existiam? Estariam a
pensar, como Huntington, que o problema mundial actual é de
civilizações contrapostas? As teorias de que a dependência
dos países do Terceiro Mundo já não existe, e sim de que
se trata de um mundo interdependente, continuarão em uso? E se assim
fosse, então, para que a invasão do Iraque?
Publicado no diário mexicano
La Jornada.
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