A reunião da OMC, em Cancún
Começa hoje em
Cancún (México) a nona ronda de negociações da
Conferência Ministerial da Organização Mundial de
Comércio (OMC), que agrupa 146 países membros. A reunião
prolongar-se-á até 17 de Setembro.
Surgida em 1995 como parte da
estratégia neo-liberal de dominação traçada no
Consenso de Washington, a OMC agrupa os membros do finado GATT
(sigla em inglês do Acordo Geral de Comércio e Tarifas). A sua
trama de complexas negociações e regulamentações,
quase ininteligível, salvo para especialistas, constitui em definitivo
em conjunto com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, parte
substancial dos instrumentos de subjugação da soberania dos povos
dos países dependentes pelo imperialismo.
Da mesma forma que, tanto o
Banco Mundial como o FMI, concedem os chamados empréstimos
stand-by, eufemismo em inglês para
empréstimo condicionado
, pelos quais estes organismos concedem créditos leoninos
sobretudo aos países dependentes, com a condição de
submeterem a sua política económica e social aos seus ditames e
aceitarem o férreo controle da sua gestão por meio de
missões de fiscalização, a OMC pretende também
fixar as regras do comércio mundial.
FAZ O QUE EU TE DIGO E NÃO OLHES AO QUE EU FAÇO
É um velho ditado que
retrata como poucos a hipocrisia das potências capitalistas quando falam
em fixar regras claras e equitativas para o comércio mundial.
De acordo com o evangelho
neo-liberal, a fixação dos preços das mercadorias
deve ser deixada ao livre jogo do mercado. Por isso mesmo e em
consequência não é desejável que o Estado intervenha
nessa livre interacção da oferta e da procura. Em resumo e
falando claro: não pode haver pautas de importação ou
subsídios às exportações que protejam a
produção nacional da concorrência de outros países,
sem importar as assimetrias que resultem da sua diferente escala de país
e grau de desenvolvimento económico. Trata-se, uma vez mais da velha
fábula da igualdade entre o tubarão e a sardinha, que
nos pretendem impor como verdade absoluta a Santíssima
Trindade (ou Tripla Aliança?) das potências europeias, dos
EUA e do Japão.
Mesmo não tendo em conta
a mencionada assimetria, seriam coerentes com as suas palavras se nos
propusessem a eliminação de barreiras tarifárias e de
subsídios às exportações para todos por igual.
Mas os números,
teimosos, mostram algo muito diferente. O próprio Banco Mundial publicou
um relatório sobre aquilo que se avançou em matéria de
comércio mundial desde a anterior Conferência Ministerial
realizada em Novembro de 2001 em Doha (Qatar), sob o lema "As perspectivas
económicas mundiais e os países em desenvolvimento 2004:
cumprindo a promessa do Programa de Doha". Neste documento torna-se
evidente como os países industrializados se negam a baixar ou a eliminar
as tarifas sobre os produtos que importam (fundamentalmente
matérias-primas) provenientes dos países dependentes, e por sua
vez, exigem destes que não protejam as suas economias fixando tarifas
sobre os produtos manufacturados de importação, com que as
potências os inundam, causando a ruína das indústrias
locais, com o consequente desemprego e miséria.
Diz-se que o Governo dos EUA
dá mais dinheiro aos seus agricultores que todo o que destina para a sua
ajuda à África; e que enquanto os países industrializados
cobram em média cerca de um por cento sobre os produtos manufacturados
importadas entre si, cobram 2 por cento aos provenientes da América
Latina, 5 por cento aos da Ásia Oriental e 6 por cento aos do
Médio Oriente.
"A Mongólia, por exemplo, paga tarifas aos Estados Unidos quase do
mesmo montante em dólares que a Noruega, apesar de vender apenas 3 por
cento do que vende a Noruega aos EUA. Pode alguém defender que este
sistema cumpre a sua função de desenvolvimento para com os
pobres?" Defende-o Richard Newfarmer, assessor do Banco Mundial e
principal autor do relatório.
[1]
Na agricultura, esta duplicidade de discurso é especialmente
escandalosa. Exactamente no sector produtivo mais importante para os
países dependentes, uma vez que mais de 140 milhões de pessoas
dependem dessa actividade produtiva. Os países industrializados pagam
fortunas por ano aos seus agricultores que, de acordo com os seus custos de
produção, têm prejuízos, mas obtêm avultados
benefícios graças a esses subsídios. A União
Europeia por exemplo destina 100.000 milhões de dólares por ano
para subsidiar os seus agricultores, e nos EUA só os plantadores de
algodão recebem à sua conta subsídios à
produção no valor de 3.000 milhões de dólares por
ano. Isto explica a baixa de preços internacionais dos produtos
agrícolas e que encontremos, por exemplo, latas de pêssego em
calda europeias a preços mais baixos que os de produção
nacional nas prateleiras dos supermercados, com as previsíveis ruinosas
consequências para os nossos agricultores.
OS OUTROS PERIGOS QUE NOS AMEAÇAM
Mas isto ainda não
é tudo. A OMC é portadora de outros vírus
letais para as nossas economias, sob siglas em inglês aparentemente
inofensivas; por exemplo TRIPS (acordos de propriedade intelectual relacionados
com o comércio), o GATS (acordo sobre o comércio e
serviços). Isto é a tentativa de implantar novas regras em
matéria de patentes ou serviços, em benefício das grandes
corporações transnacionais, tal como tentaram em 1998 com o AMI
(Acordo Multilateral de Inverstimentos), negociado em segredo e frustrado logo
a seguir, devido a fuga de informação através da Internet,
o que provocou uma grande mobilização de repúdio em todo o
mundo.
Utilizando o TRIPS, tentaram
apropriar-se da nossa biodiversidade, com os grandes laboratórios
farmacêuticos a registarem patentes inclusive de ervas medicinais que
integram o acervo cultural milenário dos nossos povos autóctones.
Ou recordemos a batalha que travou o Brasil com os EUA sobre patentes de
informática que as grandes corporações do Norte pretendiam
impor-lhe em detrimento do seu próprio desenvolvimento
tecnológico.
Através do GATS, por
exemplo, pretende-se que os países mais empobrecidos abram os seus
mercados de serviços que abarcam tudo, desde energia,
combustíveis, telecomunicações, água
potável, televisão e entretenimento às empresas
transnacionais. Decerto que é apenas por acaso que estas
privatizações fazem parte das amáveis
recomendações que nos receita o FMI em cada carta de
intenção...
Estimados leitores: entendem melhor agora a lei de associação da
ANCAP do divertido superior governo, que deveremos repelir no próximo 7
de Dezembro? Ou a licitação do Aeroporto Nacional (?) de Carrasco
[2]
, a do cais de contentores do porto e a sua dragagem, a PLUNA
[3]
, a mega-concessão, etc, etc?
Ante este novo atropelo e para
combater estes vírus que nos querem inocular, só pode
aplicar-se o remédio infalível da
informação e da mobilização organizada dos nossos
povos em defesa da sua soberania, em torno de um programa de profundas
mudanças do qual se consciencializem, para a seguir poderem defende-lo
até às últimas consequências.
__________
NOTAS
[1] citação do relatório publicado em "El
Tiempo", de Bogotá, de 03/Set/03.
[2] Principal aeroporto do Uruguai [NT]
[3] Primeras Lineas Uruguayas de Navegación Aérea [NT]
Secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista
do Uruguai.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.
|