Mészáros: "É necessária a
erradicação do capitalismo"
por Ana Maria Amorim
De passagem pelo Brasil, o filósofo húngaro István
Mészáros teve em sua agenda a conferência plenária
"Crise estrutural necessita de mudança estrutural", no
Salão Nobre da Reitoria da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 13
de Junho. Começava com Mészáros, portanto, o II Encontro
de São Lázaro, que comemora os 70 anos da Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas da UFBA. O Salão Nobre da Reitoria foi tomado
por uma maioria jovem que recebeu Mészáros com entusiasmo e
sonoras palmas.
Mészáros começa sua fala deixando claro que nada do que
está propondo pode ser visto como uma "utopia não
realizável" e que, para transformarmos este tão-chamado
impossível em realidade é primordial que a crise do capitalismo
seja avaliada adequadamente. "Sem uma avaliação da crise
econômica e social de nossos dias, que já não pode ser
negada pelos defensores da ordem capitalista, ainda que eles rejeitem a
necessidade de uma mudança maior, a probabilidade de sucesso a esse
respeito é insignificante", diz o filósofo.
Natureza da crise
Para Mészáros, a crise que o mundo enfrenta é uma
"crise estrutural profunda e cada vez mais grave, que necessita da
adoção de remédios estruturais abrangentes, a fim de
alcançar uma solução sustentável". Apesar de
comumente a crise ser apresentada como 'atual', Mészáros discorda
que ela tenha se originado em 2007, com a explosão da bolha habitacional
dos Estados Unidos. A crise teria começado há mais de quatro
décadas e, em 1971, ele já escrevia no prefácio de
"Teoria da Alienação em Marx" que as revoltas de maio
de 68 e seus desdobramentos "salientavam dramaticamente a
intensificação da crise estrutural global do capital".
Por ser uma crise estrutural, e não apenas conjuntural, esta crise
não pode ser solucionada no foco que a gera sem que não haja uma
mudança desta estrutura que a criou. Mészáros
reforça a diferença entre as crises conjunturais e estruturais,
diferenciando-as pela impossibilidade destas realimentarem o sistema, se
remodelarem a partir de uma nova forma ainda nas bases do sistema capitalista.
Isto, contudo, não significa que as crises conjunturais possam se
apresentar até mesmo de forma mais violenta que as crises estruturais.
"O caráter não-explosivo de uma crise estrutural prolongada,
em contraste com as grandes tempestades, nas palavras de Marx, através
das quais crises conjunturais periódicas podem elas mesmas se liberar e
solucionar, pode conduzir a estratégias fundamentalmente mal concebidas,
como resultado da interpretação errônea da ausência
de tempestades, como se tal ausência fosse uma evidência
impressionante da estabilidade indefinida do 'capitalismo organizado' e da
'integração da classe trabalhadora'", diz
Mészáros.
O que esta crise (que não é nova) teria como
características que a definem como estrutural? Mészáros
aponta quatro aspectos principais: o caráter universal (ou seja,
não é reservada a um ramo da produção, ou
estritamente financeira, por exemplo); o escopo verdadeiramente global
(não envolve apenas um número limitado de países); escala
de tempo extensa e contínua ("se preferir, permanente",
adiciona Mészáros, enfatizando que não se trata de mais
uma crise cíclica do capital) e, por fim, modo de desdobramento gradual
("em contraste com as erupções e colapsos mais espetaculares
e dramáticos do passado", diz o filósofo). Assim é
construído o cenário que qualificaria esta crise como estrutural,
com a impossibilidade de solução das "tempestades"
dentro da atual estrutura.
Capitalismo destrutivo
Outro ponto levantado por Mészáros e recebido com
manifestações de apoio pela platéia foi delinear os
"limites absolutos" do capitalismo. Um desses limites passa pelo
papel do trabalho na sociedade, que é visto como uma necessidade, tanto
para os indivíduos que produzem quando para a sociedade como um todo.
Uma situação onde o trabalho seja visto como um problema, ou
pior, como uma falha, tem em si um limite a ser resolvido. O capitalismo, para
Mészáros, "com seu desemprego perigosamente crescente"
(ainda que a questão não seja meramente numérica),
apresenta no trabalho um dos seus limites.
Mészáros chama ainda a atenção para outros males
dessa estrutura. A primeira questão apresentada pelo filósofo
estaria no foco que o capital vem apontado, os "setores parasíticos
da economia". Para ilustrar o que seria isso, Mészáros
aponta para o aventurismo especulativo que a economia tem vivenciado (e que,
quando peca em seus resultados, é apontado como um fracasso individual,
pertencente a um determinado grupo, quando, para o filósofo, deveria ter
o sistema como grande culpado, visto que ele deveria responder por aquilo que
produz para se oxigenar) e a uma "fraudulência
institucionalizada".
As guerras e o seu complexo aparato industrial militar aparecem como um
desperdício autoritário ao qual o capital submete a sociedade.
Este ponto é analisado por Mészáros como uma
"operação criminosamente destrutiva e devastadora de uma
indústria de armas permanente, juntamente com as guerras necessariamente
a elas associadas". Esta produção sistemática de
conflitos e estímulo a uma produção militar resultaria no
outro limite destrutivo no capitalismo, apesar de não ser apenas
resultado deste, que seria a destruição ecológica: "o
dinamismo monopolista militarmente embasado teve até mesmo que assumir a
forma de duas devastadoras guerras mundiais, bem como da
aniquilação total da humanidade implícita em uma potencial
terceira guerra mundial, além da perigosa destruição atual
da natureza que se tornou evidente na segunda metade do século XX".
Criar o futuro
"Existe e deve existir esperança", diz o filósofo.
Apesar do retrato de destruição apresentado por
Mészáros e vivenciado cotidianamente dentro da própria
estrutura capitalista da sociedade, faz-se o esforço de pensar o futuro,
não apenas como um desejo sonhador, mas sim como uma tarefa
necessária para mudar o sistema.
As soluções para os problemas apontados pelo capital já
foram apresentadas em momentos históricos anteriores.
Mészáros resgata as soluções apresentadas para o
capitalismo. Relembrando o liberal John Stuart Mill, Mészáros
aponta como inconcebível que o capitalismo chegue a "um estado
estacionário da economia", como defendia Mill, pois faz parte da
lógica capitalista a incessante expansão do capital e da sua
acumulação. Retomando o ponto do limite da ecologia, fica mais
visível o caráter ilusório de um freio para o capital,
visto que em 2012 será realizado o Rio+20, Conferência das
Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que
pretende engajar as nações em um projeto sustentável de
crescimento. As tentativas de criar projeções para as taxas de
emissão de carbono
[NR]
, por exemplo, sempre presente nas pautas ecológicas, seriam, para
Mészáros, a evidência da incompatibilidade entre o capital
e o freio, ainda, entre o capital e o não-avanço destrutivo na
natureza.
Mészáros ainda aponta como soluções já
tentadas na história: a saída social democrata, socialismo
evolutivo, o Estado de Bem Estar Social e a promessa da fase mais elevada do
socialismo. "O denominador comum de todas essas tentativas fracassadas
a despeito de suas diferenças principais é que
todas elas tentaram atingir seus objetivos dentro da base estrutural da ordem
sociometabólica estabelecida". Pensar a mudança sem
erradicar o capital, portanto, seria deixar latente a possibilidade do capital
voltar, ser "restaurado". A mudança, para
Mészáros, precisa ser estrutural e radical, como ele bem
especificou para a plateia, extirpando o capital pela raiz.
O rombo estadunidense na economia, com um débito alarmante de US$ 14
milhões de milhões, é, para o filósofo, a marca de
um desperdício. Ao ver a inquietude dos capitalistas com a China e seus
"três milhões de milhões [de dólares] em
caixa", o capitalismo já pensa um "melhor uso" para esse
montante. "E qual é o melhor uso? Por de volta no buraco que
fizeram nos Estados Unidos?", questiona Mészáros. Como foi
gerado e como se pode assegurar que um rombo desta proporção
não se repita na história são perguntas
entrelaçadas ao caráter estrutural da crise e, em
conseqüência disto, da resposta necessariamente estrutural que ela
requer. Crise esta que tropeça em suas intermináveis guerras,
devastação da natureza e contínua produção
destrutiva.
15/Junho/2011
[NR] Um falso problema apregoado por aqueles que têm interesse em instilar o
medo a fim de vender a "solução", tal como o sr. Al
Gore e quejandos. Ver
A impostura global
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O original encontra-se em
http://www.brasildefato.com.br/node/6589
Esta notícia encontra-se em
http://resistir.info/
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