Despedida de Harry Magdoff
por István Mészáros
Escrevi há algum tempo que "Harry Magdoff é um grande
professor e um indomável combatente. Suas contribuições
para a teoria socialista sobre o imperialismo e desenvolvimentos
monopolísticos, bem como sobre o papel vital do planeamento para
qualquer sociedade viável no futuro são de uma
importância realmente duradoura.
Tristemente, ele já não está entre nós. Mas deixou
um grande legado para o presente e para o futuro.
Na sua última conversação com Che Guevara, mencionada na
nota nº 4
abaixo, Harry Magdoff perguntou: "Você sabe o que
sinto sobre Cuba. O que deveria eu fazer?" Che respondeu-lhe com estas
palavras: "Continue a educar-me".
Nos seus escritos e nas suas conversas Harry era verdadeiramente um grande
professor que podia proporcionar valiosas e generosamente reconhecidas
visões estratégicas mesmo para um gigante do movimento socialista
como Che Guevara. Caberá agora à geração mais
jovem fazer bom uso do rico legado de Harry Magdoff, apropriando-se
das suas grandes percepções teóricas, expandindo-as sob
circunstâncias cambiantes e lutando, dentro do seu espírito, como
combatentes intransigentes, pela sua realização nestas
décadas críticas que estão por vir
Sei que a questão do planeamento sempre esteve muito entranhada no
coração de Harry. O artigo que se segue não foi escrito
para a triste ocasião que estamos agora a assinalar. Faz parte de um
estudo maior. Contudo, todas as suas linhas foram escritas dentro do seu
espírito, como uma preocupação permanente do nosso tempo.
Eis porque ofereço-o como tributo na ocasião do seu
falecimento.
Sempre recordaremos Harry Magdoff com admiração e
afecto.
PLANEAMENTO: A NECESSIDADE DE ULTRAPASSAR O ABUSO DE TEMPO DO CAPITAL
O socialismo, o nome para o necessário modo alternativo de reproduzir
nossas condições de existência neste planeta finito sob as
presentes circunstâncias históricas, é inconcebível
sem a adopção de uma forma racional e humanamente gratificante de
controle social metabólico, ao invés do modo antagónico e
cada vez mais destrutivo do capital de administrar a
casa planetária.
Planeamento,
no mais pleno sentido do termo, é uma característica essencial
do modo socialista de controle social metabólico. Para o nosso modo
alternativo de controle poder ser viável não só em
relação ao impacto imediato da actividade produtiva sobre as
condições de reprodução individuais e societais
como também
indefinidamente,
tão longe no futuro longínquo quanto cada um possa e deva
considerar a fim de se instituírem e manterem vivos as meios de
protecção apropriados.
A este respeito, na ordem social metabólica do capital encontramos uma
gritante contradição. Pois, por um lado, nenhum modo anterior de
reprodução societal alguma vez teve um impacto mesmo remotamente
comparável sobre as condições vitais de existência
incluindo o
natural substratum
da própria vida humana não só na sua
imediaticidade
mas até mesmo no
mais longo prazo.
Ao mesmo tempo, por outro lado, a
dimensão histórica a longo prazo
está completamente ausente da visão do modo de controle social
metabólico do capital, tornando-o portanto numa forma
irracional
e absolutamente
irresponsável
de administração. A exigência de racionalidade ao
nível dos mais
mínimos pormenores
é não só compatível com o capital, na escala de
tempo da
imediaticidade (immediacy),
como também exigida por este, como condição elementar da
sua durabilidade, encontrando a sua estrutura operacional adequado no mercado
capitalista. O perturbante, contudo, é que a dimensão vitalmente
importante da racionalidade global
(overall rationality)
está necessariamente ausente deste modo de controle social reprodutivo.
O crescente envolvimento do estado capitalista como um correctivo torto
é um paupérrimo e em última análise
insustentável substituto para isto.
Este incorrigível defeito estrutural do sistema exclui qualquer
possibilidade de
consciência histórica (historical consciousness)
precisamente numa época em que haveria a maior necessidade da mesma: no
nosso próprio período histórico de
globalização.
Pois o imprevisto e pelas personificações do capital em
princípio imprevisível impacto a longo prazo do
desenvolvimento do sistema já invadiu a totalidade do planeta.
Consequentemente, se houve um tempo em que era relativamente justificado
caracterizar a ordem capitalista como um sistema de
"destruição
produtiva",
como descrito por alguns grandes economistas políticos liberais,
como Schumpeter, torna-se uma ilusão muito perigosa continuar a
celebrá-la em tais termos nos dias de hoje. Ou seja, continuar a
deturpá-la deste modo numa época em que sob o impacto do
desenvolvimento histórico
do passado século vinte, que resultou na teimosamente persistente
crise estrutural
do sistema do capital na sua totalidade torna-se absolutamente
inevitável confrontar o impacto devastador e a funesta potencialidade da
produção
destrutiva:
ela é diametralmente oposta da idealizada
"destruição
produtiva".
Só um sistema racionalmente planeado de reprodução social
metabólica poderia indicar um caminho para sair das
contradições e perigos desta aflição historicamente
produzida que agora está a ficar fora de controle. Remediar isto
exigiria uma forma de
genuíno planeamento abrangente (genuine comprehensive planning)
a fim de qualificar para o seu papel que agora é absolutamente
necessário mas que no passado nunca foi praticamente factível
o qual deve ser capaz de tratar no nosso próprio tempo dos
múltiplos problemas e
todas
as dimensões de um desenvolvimento sócio-económico,
político e cultural, e não apenas com as dificuldades de
coordenar e potenciar positivamente as forças produtivas de
países particulares.
Compreensivelmente, sob os grupos de interesses profundamente incrustados e as
circunstâncias auto-mitologizantes da "economia de mercado"
capitalista dominante, a simples ideia de uma forma de economia alternativa
planeada com êxito está excluída à partida. Na
poderosa defesa do socialismo publicada recentemente, os Magdoffs
caracterizaram esta abordagem míope que se opõe ao planeamento
nos seguintes
termos:
"O cepticismo que as pessoas sentem acerca da eficácia ou mesmo da
possibilidade do planeamento central admite apenas os defeitos enquanto nega as
realizações. Não há nada em planeamento central
que exija 'comandismo' e confinamento de todos os aspectos do planeamento
às autoridades centrais. Isto ocorre devido à influência
de interesses burocráticos especiais e do poder excessivo
(overarching)
do estado. Planear para o povo tem de envolver o povo. Planos para
regiões, cidades e zonas urbanas precisam do envolvimento activo das
populações locais, fábricas e lojas em conselhos de
trabalhadores e de comunidade. O programa global especialmente a
decisão da distribuição de recursos entre bens de consumo
e de investimento clama pela participação do povo. Para
isto o povo deve ter os factos, um modo claro de informar o seu pensamento, e
contribuir assim para as decisões básicas".
[1]
Em períodos de grande emergência histórica, como a Segunda
Guerra Mundial por exemplo, mesmo os decisores capitalistas estão
dispostos a incorporar alguns elementos de economia planeada no interior dos
seus processos produtivos, ainda que apenas de uma espécie um tanto
limitada e de modo geral voltada para o lucro. Uma vez, contudo, ultrapassada
a grande emergência, todas estas práticas são rapidamente
eliminadas da memória histórica, e a mitologia do mercado
que é proclamado ser idealmente adequado para a solução de
todos os problemas concebíveis é promovida ainda mais
fortemente do que antes.
Seria um milagre monumental se a
normalidade
do modo de controle social metabólico do capital, em contraste com as
suas ocasionais concessões
de emergência,
pudesse ser diferente disto. Pois a ideia de planeamento não pode ser
separada da fundamental
determinação do tempo
apropriado para o dado sistema reprodutivo social. A este respeito, os bem
conhecidos preconceitos contra o planeamento decorrem do
necessário abuso de tempo do capital.
A única modalidade de tempo que é directamente significativa
para o capital é o
tempo de trabalho necessário
e os seus corolários operacionais, como as requeridos para assegurar e
salvaguardar as condições da
contabilidade de tempo orientada para o lucro (profit-oriented
time-accountancy)
e portanto a realização do capital numa escala extensa.
Como foi mencionado anteriormente, a racionalidade míope de insistir (e
num sentido abastardado de 'planeamento') em pormenores de minutos em empresas
particulares, necessariamente esvaziadas de uma concepção global
da economia como um todo uma prática que descobre a sua
complementaridade na adversidade/conflitualidade do mercado combinado
é compatível apenas com
tempo decapitado e curto-circuitado (decapitated and short-circuited time).
Quando num período de emergência histórica, como a Segunda
Guerra Mundial, são introduzidos alguns elementos de uma racionalidade
mais abrangente, a fim de satisfazer um grande desafio militar, isto é
feito sob o claro entendimento de que as medidas concedidas devem ser
estritamente temporárias
e terão de ser removidas os mais cedo possível na primeira
oportunidade.
Em completo contraste com o estado de coisas existente, se reconhecermos o
facto de que as práticas reprodutivas de um mundo
globalmente integrado
clamam pela introdução
e retenção
da força efectiva da
racionalidade global,
como devemos, a fim de reagir aos crescentes perigos da incontrolabilidade e
consequentes explosões, nesse caso o perverso relacionamento do capital
com o tempo deve ser radicalmente reexaminado e alterado. O
planeamento abrangente
verdadeiramente participativo das condições da
reprodução social metabólica da humanidade
abarcando todos os seus diversos constituintes, incluindo o moral e cultural, e
não apenas a dimensão estritamente económica
é uma exigência auto-evidente quanto a isto. Contudo, para tornar
tal planeamento abrangente possível, é necessário
ultrapassar a alienação fatalista e a condição
paralisante através da qual o tempo é orientado para o lucro e
miopicamente decapitado. "O tempo é tudo, o homem é nada;
na maior parte do tempo ele é carcassa"
[2]
A principal razão porque a normalidade do capital é
incompatível com o planeamento abrangente é porque a
exigência vital da orientação sócio-económica
sustentável levanta-se de aspectos
qualitativos
de administrar uma ordem reprodutiva
humanamente viável.
Se fosse uma questão de simplesmente
estender
o tempo envolvido em operações económicas de capital,
isto seria em princípio factível do ponto de vista do sistema
dominante. O que interfere quanto a isto como uma condição que
proibe de resolver o problema aparentemente intratável é a
ausência total de uma
medida
apropriada. Uma medida apropriada para avaliar adequadamente o
impacto humano qualitativo
das práticas produtivas adoptadas mesmo numa base a relativamente curto
prazo, e não apenas no prazo mais longo. O modo altamente
irresponsável pelo qual mesmo as exigências mínimas do
Protocolo de Quioto são manuseadas pelos países capitalistas
dominantes, acima de tudo pelos EUA,
[3]
é uma boa ilustração deste ponto.
O capital não tem dificuldades com a
quantificação,
e nem com a
multiplicação
auto-expansiva, desde que a sua projectada expansão produtiva possa ser
definida sem qualquer recurso a considerações qualitativas tanto
no plano dos
recursos
materiais e humanos como em relação ao
tempo.
Neste sentido, o
crescimento,
como um conceito particularmente importante tanto no presente como no futuro,
deve ser manuseado pelo capital dentro das paralisantes
delimitações da
quantificação fetichista,
embora na realidade não possa de modo algum ser sustentado como forma
de estratégia produtivamente viável sem que a ele se apliquem
considerações profundamente
qualitativas.
Da mesma forma, o
planeamento abrangente (comprehensive planning)
em contraste com intervenções seguramente
selectivas
(em relação a objectivos produtivos particulares que possam ser
perseguidos) e
temporariamente limitadas
(curto prazo) é inadmissível porque nem o âmbito
nem a escala de tempo da racionalidade global
humanamente válida
são receptivas à quantificação fetichista.
O conceito chave aqui não é a racionalidade em si e sim a
necessária determinação da
racionalidade sustentável
exigida pela
inerente humanidade
das medidas globais adoptadas. A
racionalidade parcial
imediatamente quantificável pode estar em plena sintonia com os
imperativos operacionais do capital dentro do seu microcosmos produtivo. Mas
não a
racionalidade global humanamente válida
como estrutura orientadora e
medida
apropriada do sistema como um todo. Pois a única coisa que pode
definir um sistema produtivo viável e sustentável em
relação à sua racionalidade global é a
própria
necessidade humana: uma determinação inerentemente qualitativa.
Tal determinação qualitativa global só se pode levantar a
partir da realidade irrepreensível das necessidades humanas, ainda que
capitalisticamente frustrada. É precisamente por essa razão que
o capital deve
subordinar o valor de uso
o qual é totalmente destituído de significado sem o seu
relacionamento qualitativo a
necessidades humanas
claramente identificáveis a
valores de troca
facilmente quantificáveis. Estes últimos nada têm a ver
com necessidades humanas, só com a necessidade da
auto-reprodução extendida do capital. Na verdade, é
perfeitamente compatível com o triunfo do
contra-valor destrutivo,
como a aterradora realidade do complexo industrial-militar e do seu lucrativo
envolvimento na "realização de capital" como as
práticas directamente
anti-humanas
de guerras de genocídio demonstram claramente no nosso tempo.
O planeamento, no mais profundo sentido da expressão, é
absolutamente vital para corrigir estes problemas e contradições.
Mas o planeamento em causa não pode ser encarado sem a sua
correspondente dimensão do
tempo histórico.
Quanto a isto, o conceito de tempo necessário para que o planeamento
faça sentido no seu significado próprio em contraste com
aquele estreitamente técnico não é um tempo
abstracto e
cósmico
e sim o
tempo humanamente significativo.
Pois no decorrer da história, e especialmente ao longo do desdobrar da
história humana, o conceito de tempo é significativamente
alterado no sentido de que com o desenvolvimento de seres humanos e a
concomitante "humanização da própria natureza"
(Marx) uma dimensão de tempo radicalmente nova entra no quadro.
O facto de que a humanidade, em contraste com o mundo animal, seja
constituída por
indivíduos
historicamente criados e, sob condições cambiantes, em
desenvolvimento histórico, não pode ser divorciado da
circunstância de que indivíduos humanos, em oposição
à sua espécie, tem um
tempo de vida estritamente limitado.
Consequentemente, graças a um longo desenvolvimento histórico o
problema do tempo apresenta-se no contexto humano não simplesmente como
a necessidade de sobreviver desde o primeiro dia [do nascimento] até
à última hora do tempo de vida dos indivíduos
particulares, mas simultaneamente também como o desafio que os confronta
directamente para a criação de uma
vida significativa,
no mais alto grau possível, como
sujeitos reais da sua própria actividade vital.
Por outras palavras, em estreita conjunção com as cada vez mais
aprimoradas potencialidades colectivas da sua sociedade das quais eles
próprios são parte integrante e contribuidores activos. É
assim que a consciência individual e a social podem realmente reunir-se
no interesse de um avanço humano positivo.
Naturalmente, sob o domínio do capital tudo isto é
impossível. A exigência vital do planeamento é anulada
tanto ao nível societal abrangente como dos indivíduos
particulares. No mais vasto nível societal o planeamento abrangente, em
sua orientação positiva para as necessidades humanas, é
desqualificado em favor dos interesses das mais míopes contabilidades
orientadas pelo tempo, trazendo com isto crescentes perigos de
produção destructiva na presente conjuntura da história.
Ao mesmo tempo, ao nível da consciência dos indivíduos a
exigência de "dar sentido à própria vida"
só pode cair dentro das mais socialmente ineficazes formas de discurso
religioso, desinteressadas de tudo excepto "o mundo do além".
O necessário abuso de tempo do capital deve prevalecer a todo custo e em
todos os domínios. Consequentemente, a fim de encarar uma ordem
socialista reprodutiva como a alternativa hegemonica viável à
existente, a questão do planeamento deve permanecer à frente das
nossas atenções no sentido em que temos discutido nestas
últimas páginas. Pois não pode haver êxito
duradouro sem combinar a vasta dimensão social da racionalidade
reprodutiva e a procura dos indivíduos por uma vida significativa.
Estas duas dimensões fundamentais do que significa ser um
sujeito real,
no sentido próprio da expressão, mantêm-se de pé ou
caem em conjunto. Pois como poderia o corpo de produtores livremente
associados, como uma
força colectiva
conscientemente auto-afirmativa, ser o "sujeito de poder" soberano
no mundo social, planeando e administrando autonomamente seus
intercâmbios produtivos com a natureza e entre os membros da sociedade,
se os
indivíduos sociais particulares
que constituem aquela força colectiva forem incapazes de se emanciparem
a ponto de se tornarem "sujeitos conscientes das suas próprias
acções", assumindo plenamente a responsabilidade pela sua
actividade vital significativa? E vice-versa, como poderiam os
indivíduos
terem uma vida significativa por si próprios se as
condições globais
da reprodução social metabólica forem dominadas por uma
força estranha
que frustra os seus desígnios e de um modo autoritário rejeita
os objectivos de auto-realização e os valores que os
indivíduos sociais tentam estabelecer para si próprios?
As violações burocráticas do planeamento em sociedades
pós-capitalistas do tipo soviético foram
manifestações das mesma contradição. A
paralizadora "influência de interesses burocráticos especiais
e o poder super-dominante
(overarching)
do estado" correctamente deplorado pelos Magdoffs tinham de
fracassar. Pois os membros da Comissão Política que
arbitrariamente atribuíram a si próprios o papel exclusivo de
tomar decisões todo-poderosas ao administrar a sua decretada
"economia planificada", descartando ao mesmo tempo, com
indisfarçado senso de superioridade, até mesmo os principais
planeadores responsáveis do estado como sendo "apenas um bando de
contabilistas", como tornou bem claro Kruchov na sua conversa com Che
Guevara
[4]
. Além disso, tanto quanto os indivíduos particulares da
sociedade como um todo estavam interessados, eles tinham menos a dizer no
processo de planeamento global do que aqueles arrogantemente caracterizados
como "bando de contabilistas". O seu papel, como sujeitos
individuais, era confinado pela autoridades do estado, de forma pouco
cerimoniosa, a executar as ordens que lhes eram transmitidas de cima.
As consequências foram bastante desvatadoras, e compreensivelmente. Pois
sob as circunstâncias prevalecentes o
sujeito de consciência colectiva
dos necessários intercâmbios abrangentes não podiam ser
constituídos de modo algum como um genuíno sujeito colectivo, de
modo a exercer um controle verdadeiramente sustentável sobre os
processos vitais da reprodução societal. Isto era
impossível porque as duas dimensões fundamentais do que significa
ser um
sujeito real,
mencionadas acima, foram voluntariamente rompidas e opostas uma à
outra. Deste modo sob a referida modalidade de tomada de decisão
de cima para baixo ao potencial dos sujeitos colectivos válidos
dos membros constitutivos da sociedade, os
indivíduos particulares,
foi negado o controle autónomo da sua própria actividade vital
significativa, e portanto também do controle da reprodução
social metabólica como um tudo. O resto da triste história
tornou-se bem conhecido com a implosão do sistema de tipo
soviético.
Assim, por todas as razões aqui discutidas, ultrapassando radicalmente o
necessário abuso de tempo do capital o qual degrada os seres
humanos à condição de "carcaças do
tempo", negando-lhes o poder de auto-determinação como
sujeitos reais é vital a criação de uma ordem
social alternativa. O tempo decapitado e curto-circuitado não pode ser
remediado só ao nível societal geral. As condições
de emancipação individual e social não podem ser separadas
e muito menos opostas uma da outra. Elas prevalecem ou caem em
conjunto, no plano temporal da
simultaneidade.
Pois uma é plenamente exigida para a realização da
outra. Ninguém pode esperar pela emancipação dos
indivíduos enquanto os objectivos gerais elementos de
transformação social não estiverem cumpridos com
êxito. Pois quem sobre a terra podia dar os primeiros passos de uma
transformação social abrangente se não os
indivíduos que podem e assim o fazem identificar-se com os
objectivos e valores da sua sociedade escolhida?
Mas para fazer isto, os indivíduos sociais particulares devem
libertar-se do colete de força do tempo mesquinhamente decapitado que
é imposto sobre eles. Eles podem assim fazer quando adquirem o poder de
tomar decisões autónomas, conscientes e responsáveis, com
a sua própria não antagonicamente ampliada
perspectiva de actividade vital significativa. É assim que se torna
possível constituir uma ordem social metabólica alternativa numa
escala de tempo historicamente sustentável. E é o que confere o
verdadeiro significado ao
planeamento
como um princípio vital da empresa socialista.
NOTAS
1- Harry Magdoff e Fred Magdoff, "Approaching Socialism",
Monthly Review,
July-August 2005, pp.53-54.
2- Marx,
The Poverty of Philosophy,
p. 47.
3- A infeliz Saga de Quioto é apenas a fase mais recente destes
desenvolvimentos. Argumentei há mais de uma década que
"Qualquer tentativa de tratar com problemas reconhecidos relutantemente
deve ser conduzida sob o peso proibitivo das leis fundamentais e dos
antagonismos estruturais do sistema. Assim, as "medidas correctivas"
encaradas dentro da estrutura dos grandes encontros internacionais como
o de 1882 no Rio de Janeiro equivalem a absolutamente nada, uma vez que
eles devem ser subordinados à perpetuação das
relações globais de poder estabelecidas e aos grupos de
interesses. Causalidade e tempo devem ser tratados como um brinquedo dos
interesses capitalistas dominantes, não importa quão agudos os
perigos. Assim, o tempo futuro é rígida e irresponsavelmente
confinado ao horizonte mais estreito das expectativas de lucro imediatas".
(Beyond Capital,
p.148). Caracteristicamente, mesmo as débeis resoluções
da Conferência do Rio de Janeiro de 1992 lançadas à
água quase ao ponto de perder significado sob a pressão dos
poderes capitalistas dominantes, primariamente os Estados Unidos cuja
delegação foi encabeçada pelo presidente Bush [o pai do
actual presidente] são usadas só como um
alibi
para continuar como antes, nada fazendo para satisfazer o desafio enquanto
pretendendo "cumprir as obrigações assumidas".
(Ibid.,
p.270.)
4- Uma entrevista reveladora relata uma
conversação que Harry Magdoff teve com Che Guevara
: "Eu disse ao Che: 'O que é
importante é que quando os planos são feitos, que os planeadores,
os únicos que produzem direcções e números,
deveriam envolver-se em pensar acerca das alternativas políticas reais
à luz das condições práticas". Ele riu a
seguir e disse que quando estava em Moscovo o seu anfitrião Kruchov, que
estava então à cabeça do Partido e do governo, levou-o a
ver lugares como um turista político. Viajando pela cidade, Che disse a
Kruchov que gostaria de encontrar-se com a comissão de planeamento.
Kruchov respondeu-lhe imediatamente: 'Por que você quer fazer isso?
Eles são apenas um bando de contabilistas'."
Ver Harry Magdoff, entrevistado por Huck Gutman, "Creating a Just Society:
Lessons from Planning in the U.S.S.R. & the U.S.",
Monthly Review,
October 2002, p. 2.
Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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