A dialéctica da estrutura e da história: Uma
introdução
por István Mészáros
O estudo da
relação dialéctica entre estrutura e história
é essencial para uma compreensão adequada da natureza e das
características de qualquer formação social para cujos
problemas se procurem soluções sustentáveis. Isto é
particularmente importante no caso da formação social do capital,
com a sua tendência inexorável para uma determinação
totalmente abrangente e estruturalmente incorporada de todos os aspectos da
reprodução social e da realizável pela primeira vez
na história dominação global implícita nesta
forma de desenvolvimento. Não é, portanto, de forma alguma
acidental que, em prol da mudança estrutural exigida, Marx seja levado
(quando, no período histórico de crises e explosões
revolucionárias da década de 1840, articulou a sua própria
e radicalmente nova concepção da história) a
concentrar sua atenção crítica no conceito de estrutura
social.
Na sua primeira grande obra de
síntese, os
Manuscritos económicos e filosóficos de 1844,
Marx sublinha que, no decurso do desenvolvimento histórico moderno, a
ciência natural, através da assimilação das
práticas materiais da produção industrial capitalista, se
tornara,
de uma forma alienada,
a base da vida social; circunstância essa que Marx considerava ser
"a priori, uma mentira".
[1]
Do seu ponto de vista isto teria de ser rectificado libertando a própria
ciência do seu invólucro alienante. Ao mesmo tempo a ciência
tinha de ser mantida, numa forma qualitativamente modificada, refeita como
"a ciência do homem"
[2]
intrinsecamente inseparável da "ciência da
história" enquanto base enriquecedora e gratificante da vida
humana efectiva. Porém, para alcançar esta
transformação fundamental, era absolutamente necessário
entender e pôr a nu as determinações estruturais
profundamente enraizadas através das quais a potencialidade criativa do
trabalho humano, incluindo o esforço científico de
indivíduos na sociedade, fora subjugada pelos imperativos alienantes da
expansão e acumulação de capital
fetichista/incontrolável.
Por esta razão a
categoria
estrutura social
tinha de adquirir, de uma forma absolutamente tangível, uma
importância seminal na visão marxiana. Ao contrário do que
acontecia nas abordagens filosóficas especulativas que dominavam aquela
época, não poderia haver nada de misterioso acerca da
análise necessária da estrutura social. Nem tão pouco
podia ser permitido a interesses políticos escusos ofuscar as
questões em causa, em prol de uma apologia do estado especulativa e
transubstanciada.
Já em 1845, Marx
destacava energicamente, na sua contribuição para o livro escrito
com Engels,
A ideologia alemã,
que todos os elementos relevantes da análise teórica em
questão, podiam ser objecto de observação empírica
e de análise racional. O quadro conceptual explicativo teria de se
tornar totalmente inteligível com base nas práticas correntes de
reprodução da sociedade, nas quais os seres humanos se
encontravam quotidianamente envolvidos. Neste sentido, Marx insistia que a
única investigação teórica válida teria de
ser capaz de trazer à superfície,
"sem qualquer mistificação ou especulação, a
relação da estrutura social e política com a
produção. A estrutura social e o estado estão em constante
evolução a partir do processo vivencial dos indivíduos
determinados."
[3]
Esta aproximação
teórica desmistificadora, que visava não apenas as
condições próprias à época de Marx mas que
tinha, enquanto explicação histórica estruturalmente
ancorada no passado e no futuro, uma validade universal, teve um papel
radicalmente emancipador no quadro das explosões revolucionárias
da década de 1840, continuando desde então a ter uma
função emancipadora vital.
Ao concentrar-se no processo
vivencial dos indivíduos determinados envolvidos na alienante
produção industrial capitalista, tornou-se clara para Marx
"a necessidade, e ao mesmo tempo as condições, de uma
transformação tanto na estrutura industrial como na estrutura
social"
[4]
Isto é, tornou-se possível compreender tanto a necessidade de
uma profunda transformação em si mesma, como a natureza objectiva
das condições que deveriam ser objecto dessa
transformação. Estas últimas correspondiam às
características estruturalmente determinadas da vida social, ao mesmo
tempo que realçavam a crescente gravidade da crise em questão,
uma vez que eram as mais profundas determinações estruturais das
condições objectivas que exigiam essa mesma alavancagem
prática tangível e abrangente enunciada por Marx. Devido
às características inerentes aos problemas encontrados, a
alavancagem exigida para a superação dessa crise histórica
não poderia ser outra senão a transformação radical
da estrutura industrial e social.
É por esta mesma
razão que, aos olhos de Marx, uma simples alteração das
circunstâncias políticas não estaria à altura da
grandeza da tarefa histórica. Aquilo que se afigurava como realmente
necessário era nada mais, nada menos que uma mudança estrutural
qualitativa capaz de abarcar a totalidade dos processos fundamentais de
reprodução da sociedade. Evidentemente, uma mudança deste
tipo teria de incluir a esfera política em toda a sua extensão,
desde as instituições legislativas mais gerais às
entidades locais de regulação. No entanto tal mudança
não poderia limitar-se ao domínio político, visto que
tradicionalmente, mesmo as maiores sublevações políticas
do passado tendiam a mudar apenas a elite dirigente, mantendo a estrutura
exploradora da reprodução material e cultural na mesma
situação de articulação hierárquica de
classes.
Assim, de acordo com a
concepção marxiana, a "estrutura social e
política"
teria de ser integralmente transformada, e tal
transformação teria de ser levada a cabo pelos indivíduos
sociais referidos na nossa última citação de
A ideologia alemã.
Como Marx deixa bem claro num outro escrito do mesmo período de
sublevações revolucionárias, a tarefa histórica
teria de ser realizada, pelos indivíduos sociais, através de
reestruturação de "alto a baixo das condições
da sua existência política e industrial e consequentemente
de toda a sua maneira de ser".
[5]
A questão da estrutura
social não pode ser correctamente perspectivada sem uma
apreciação dialéctica e multifacetada de todos os factores
e determinações complexas nela envolvidas. Pois a mais simples
das verdades é que, em toda a forma particular de ordem reprodutiva da
Humanidade, a estrutura social não pode ser compreendida sem a
correspondente articulação com a dimensão
histórica; e que, inversamente, não pode existir uma real
compreensão do movimento histórico sem a compreensão, na
sua especificidade, das determinações materiais estruturais
correspondentes.
Neste sentido, a
história e a estrutura das condições do humano
estão sempre profundamente interligadas. Por outras palavras, não
pode existir, em qualquer forma social concebível, uma estrutura
pertinente abstraída da História, no seu curso dinâmico de
desvelamento; nem História em si mesma, sem as estruturas associadas que
sustentam as características essenciais que determinam a
formação social em questão.
Ignorar o carácter
correlativo da estrutura e da história acarreta as mais desastrosas
consequências para a produção teórica, pois uma
abordagem anti-dialéctica resulta necessariamente ou numa
descrição anedótica e filosoficamente irrelevante dos
factos e personagens históricas, que apresenta a sequência
cronológica "do antes e depois" como contendo em
si mesma a sua auto-justificação narrativa, ou num culto
mecânico do "estruturalismo".
A primeira insuficiência
é bem demonstrada pelo facto de já Aristóteles classificar
os relatos históricos de então como filosoficamente inferiores
à poesia e à tragédia, dada a pormenorização
anedótica que tais relatos (em sintonia com o significado do termo
-istor,
à letra testemunha ocular) ofereciam dos acontecimentos.
[6]
No que toca à violação estruturalista da
interligação entre estrutura e história, e à sua
substituição por um reducionismo mecanicista de
orientação positivista, podemos dela encontrar um exemplo
paradigmático na outrora muito influente obra de Claude
Lévi-Strauss, como será o caso no último capítulo
do presente artigo.
[7]
Por ora, uma única citação ser-nos-á suficiente
para demonstrar o carácter anti-dialéctico e
anti-histórico da sua abordagem:
"
A História é um conjunto descontínuo composto pelos mais
diversos domínios da própria história, cada um dos quais
é definido por uma frequência característica e por um
diferencial de codificação do antes e depois... A natureza
descontínua e taxionómica do conhecimento histórico
aparece-nos claramente... Num sistema deste tipo, a alegada continuidade
histórica só pode ser garantida por contornos fraudulentos...
Será necessário reconhecer que a história é um
método sem um objecto claro para que rejeitemos uma qualquer
equivalência entre o conceito de história e o conceito de
humanidade, correspondência essa que nos tentaram impingir com o intuito
dissimulado de fazer da História o último refúgio para um
humanismo transcendental: como se o Homem pudesse recuperar a ilusão de
liberdade no plano do "Nós" pela simples recusa dos
"Eus" desprovidos de consistência. Na verdade a história
não está ligada ao homem nem a qualquer objecto particular. Ela
consiste inteiramente no seu método, que a experiência demonstra
ser indispensável para a catalogação dos elementos de
qualquer estrutura, humana ou não-humana, no seu todo."
[8]
Assim a profunda relação dialéctica existente entre
continuidade e descontinuidade do desenvolvimento histórico é
rejeitada, de forma reveladora, por Lévi-Strauss
rejeição essa que ganha contornos insultuosos ao acusar aqueles
que defendem esse mesmo carácter dialéctico de apresentarem
raciocínios
"fraudulentos"
de modo a permitir restringir o alegado "método sem
objecto" da História, de uma forma reducionista e mecanicista, a
uma função secundária de
"catalogação de elementos de toda estrutura
existente". Desta forma as determinações objectivas, vitais
para a compreensão da história realmente existente, são
completamente suprimidas.
No entanto, e paradoxalmente
para o próprio Claude Lévi-Strauss, como resultado da
adopção de uma abordagem mecanicista e reducionista da
história, "humana ou não-humana", o seu conceito
de estrutura que corresponde apenas a uma definição
igualmente mecânica de estrutura como aquilo cujos elementos podem ser
catalogados e dissecados de forma positivista revela-se desprovido de
qualquer significado explicativo real no que se refere ao desenvolvimento
social. Tudo isto é levado a cabo, de acordo com o próprio
Lévi-Strauss e com os seus discípulos
[9]
, no apogeu da influência do Estruturalismo na Europa Ocidental e nos
Estados Unidos, em nome do "rigor científico
anti-ideológico" mais em voga.
Certamente que a
orientação das abordagens "pós-estruturalistas"
e "pós-modernas" não poderá de forma alguma ser
considerada superior. Todas elas partilham a mesma atitude céptica em
relação à História e o mesmo desprezo absoluto das
relações e determinações objectivas e
dialécticas. Por vezes esta atitude produz enunciados totalmente
mistificadores, roçando a mais oca sofística. Assim, o
líder teórico do "pós-modernismo",
Jean-François Lyotard, um arrependido que chegou a integrar o
grupo de esquerda francês responsável pela
publicação da revista
Socialismo ou Barbárie
oferece-nos a seguinte declaração programática:
"O que é então o pós-modernismo? É sem
dúvida
parte do moderno... uma obra pode apenas tornar-se moderna se tiver sido em
primeiro lugar "pós-moderna". O "pós-modernismo
assim entendido não é o estado último do modernismo mas o
seu estado inicial, e este estado é constante".
[10]
Da mesma forma, a concepção programaticamente
anti-dialéctica de Lyotard da contraposição das
partes
(metaforicamente exultadas sob a forma de "pequenas
narrativas" ou
"petit récits"
)
[11]
ao
todo
(
a priori
e prontamente rejeitado na forma de
"grand narratives")
é incoerente e capitulacionista.
Aquilo que aqui nos ocupa
isto é, a profunda correlação dialéctica
entre estrutura e história não é apenas
teórico, muito menos puramente académico. A sua enorme
importância é fruto das amplas consequências práticas
desta relação para a acção emancipatória dos
seres humanos no desvelamento das tendências do desenvolvimento
histórico. Pois sem uma real compreensão do verdadeiro
carácter das articulações hierárquicas das
determinações estruturais
da, cada vez mais destrutiva, ordem de reprodução social do
capital, com o seu sistema orgânico no qual as partes sustentam o todo e
vice-versa, na sua actual e paralisante circularidade recíproca,
não pode haver qualquer melhoria significativa em tempo útil.
A ciência
revolucionária marxiana, na sua resposta aos problemas complexos que
acarreta uma mudança estrutural abrangente possível pela
compreensão dos mecanismos objectivos estrategicamente vitais que
alavancam a transformação socio-cultural foi formulada
precisamente com esse objectivo. Um discurso estruturalista conservador,
anti-histórico e anti-dialéctico,
à la
Lévi-Strauss, (que visa a catalogação dos elementos
dubiamente identificados do existente e do seu passado mitificado, e junta os
lamentos mais pessimistas acerca da "humanidade como o seu pior
inimigo", à desculpabilização das
instituições e forças destrutivas do desenvolvimento
social e político do capitalismo), é-lhe diametralmente oposto. O
mesmo se aplica ao chilreio conservador do discurso pós-moderno acerca
das "pequenas narrativas", inventado com o intuito arrogante de
descartar, não apenas implicitamente mas explicitamente, aquilo que
Lyotard designa como "as grandes narrativas da
emancipação"
[12]
, assim como para cortar com toda a tradição progressista do
passado.
O mais profundo sentido da
concepção marxiana é a defesa apaixonada de uma
mudança estrutural a ser realizada num sentido histórico global,
afectando directamente toda a Humanidade. Sem focar este aspecto do pensamento
de Marx, nem a sua mensagem central nem o espírito que o anima
são compreensíveis.
Obviamente, a
orientação histórica global da mudança estrutural
defendida por Marx, com a sua ênfase na urgência das tarefas com
que se confrontam os indivíduos no seio da sociedade, devido ao perigo
da auto-destruição da Humanidade, só poderia surgir num
momento histórico determinado. Todas as formas sociais conhecidas
têm os seus limites históricos inexoráveis.
Independentemente da idealização do capitalismo como "o
sistema natural da mais perfeita liberdade e justiça", levada a
cabo pelos economistas e políticos clássicos do século
XVIII (para não mencionar as teorias dos que mais tarde defendem
até as piores contradições deste modo de
produção), o capitalismo não pode constituir uma
excepção a tais limites.
A concepção
radicalmente nova de Marx foi tornada possível numa época em que
a necessidade objectiva de uma profunda mudança histórica, que
permita a passagem da ordem social capitalista a uma outra qualitativamente
diferente em todas as suas determinações fundamentais, enquanto
modo de controlo metabólico social da humanidade, surge, com a sua
finalidade imperiosa, na agenda histórica com o início da
fase descendente do sistema do capital. Esta mudança decisiva no
progresso dos processos de reprodução da sociedade do capital,
historicamente sem precedentes e em muitos aspectos deveras positiva, coincide
com o período de crises e explosões revolucionárias, que
Marx testemunhou com profunda lucidez. Graças a esta mudança
histórica radical o sistema do capital passou a permitir mudanças
parciais, independentemente da sua extensão, mas não
mudanças na sua perspectiva global, apesar do grotesco slogan
propagandístico do "capitalismo popular", proclamado pelos
beneficiários da ordem dominante.
Como testemunhamos
constantemente, a "globalização" é hoje em dia
ilusoriamente retratada pelos interesses velados dos poderes estabelecidos como
um simples prolongamento da viabilidade do sistema do capital num futuro
intemporal, como se a "globalização" fosse uma
característica totalmente nova, símbolo do clímax
eternizável e da perfeita realização dos destinos da ordem
reprodutiva da sociedade do capital. No entanto, a verdade incómoda
é que a visão crítica de Marx continha já em si uma
perspectiva global inerente, desde o seu início e sobretudo a partir dos
anos de 1843-44, demonstrando vigorosamente a irreversibilidade da fase
descendente do desenvolvimento do capital.
O princípio desta fase
descendente trouxe consigo graves implicações cujo sentido
histórico apontava para a destruição da Humanidade, a
menos que um modo radicalmente novo de controlo de reprodução
social se pudesse substituir à ordem existente. Esta dolorosa verdade
apareceu objectivamente no horizonte histórico, em meados do
século XIX, como irreversível para a época de
então, apesar de nalgumas partes do planeta a ascensão do capital
estar ainda longe da sua conclusão como mais tarde Marx explicitamente
admitiu.
[13]
Este novo período
histórico conceptualizado por Marx representava um contraste fundamental
com a fase de desenvolvimento ascendente do sistema do capital. Pois a fase
triunfante da ascensão do capital, que começara nas primeiras
décadas do século XVI, resultou não obstante o seu
impacto alienante em todos os aspectos da vida humana no maior feito
produtivo de toda a história. No entanto, é de forma perturbadora
que, no decurso das décadas finais dessa fase ascendente de
desenvolvimento, surge um problema, insuperável no quadro do
capitalismo, que tenderia apenas a piorar. A saber, o crescimento de uma
propensão para a destruição geradora de crise cujas
perigosas implicações foram profundamente compreendidas por Marx
bem antes de qualquer outro
[14]
prenunciando a implosão da ordem reprodutiva do capital.
Implosão essa gerada não por um qualquer desastre natural, mas
pelo próprio peso que as contradições sistémicas e
os explosivos antagonismos assumem no ponto culminante do domínio e
enraizamento global do capital.
Esta determinação
contraditória trazia consigo, como horizonte último da fase
sistémica descendente, o amadurecimento irreversível dos limites
históricos daquela que era de longe a mais poderosa ordem de
reprodução social conhecida em toda a história. Por outras
palavras, este sério amadurecimento histórico dos limites
estruturais absolutos do capital, preconizava não apenas outro
período de crise e correspondente sofrimento, cuja recorrência
é norma no desenvolvimento do capitalismo, mas a
destruição total da Humanidade, como antecipara Marx. Por este
mesmo motivo Marx escreveu em
A ideologia alemã,
dando a sua própria versão da alternativa
Socialismo ou Barbárie
meio século antes da famosa advertência de Rosa Luxemburgo, que:
"Com o desenvolvimento das forças produtivas chega-se a um momento
em que as forças produtivas e os mecanismos de troca são levados
a ser aquilo que, no quadro das relações existentes, apenas causa
prejuízo, deixando assim de ser produtivas para se tornarem
forças destrutivas."
[15]
"Assim as coisas chegam a um estado tal, que os indivíduos se
vêem obrigados a apropriar-se da totalidade das forças produtivas
existentes não apenas para chegar a uma manifestação de
si, mas tão simplesmente para salvaguardar a sua própria
sobrevivência".
[16]
Além disso,
paralelamente a esta mudança qualitativa da fase histórica
ascendente para a descendente, também a avaliação
teórica dos problemas em questão feita do ponto de vista
privilegiado do capital estava em plena mutação. Assim em
contraste com a "anatomia da sociedade civil"
[17]
retratada na "economia burguesa científica" pelos
maiores representantes da economia política clássica do
século XVIIII e do primeiro terço do século XIX, e
generosamente louvada por Marx como "genuína
investigação científica", a defesa acrítica do
sistema do capital tornou-se lastimavelmente a regra geral.
Esta mudança de atitude
e de perspectiva estava plenamente de acordo com a necessidade
ideológica de racionalizar e atenuar as contradições
sistémicas que surgiram e se intensificaram no início da fase
descendente do desenvolvimento do capital. Concomitantemente, esta
degradação da abordagem teórica foi caracterizada da
seguinte forma por Marx no "Posfácio à Segunda
Edição Alemã" do capital:
"A Economia Politica pode
manter-se como ciência somente enquanto a luta de classe estiver latente
ou se manifestar apenas em fenómenos esporádicos. [No entanto] em
França e em Inglaterra a burguesia conquistou o poder político.
Desde então, a luta de classes adoptou, tanto na prática como na
teoria, formas cada vez mais claras e ameaçadoras. Ouviu-se então
o toque de finados da economia burguesa científica. A questão
deixou então de ser se este ou aquele teorema era verdadeiro para passar
a ser se ele era útil ou prejudicial ao capital, vantajoso ou
desvantajoso, politicamente perigoso ou não. Em vez de investigadores
desinteressados foram contratados mercenários; em vez de uma
investigação científica genuína surgiu a má
consciência e o intento maldoso da apologia."
[18]
Neste sentido é
suficiente comparar os escritos de F.A. Hayek com o trabalho de Adam Smith para
poder observar as devastadoras consequências intelectuais de trocar, na
fase descendente do desenvolvimento do sistema do capital, a
preocupação académica com os critérios da verdade
pela glorificação daquilo que é "útil e
vantajoso para o capital". Neles encontramos uma hostilidade crassa para
com a mais simples menção a tudo o que implique uma
posição menos obscurantista do que aquela que é
apresentada pelo economista austríaco. Isto é por demais evidente
na cruzada cega de Hayek contra as ideias do socialismo denunciadas pelo autor
de "O caminho da servidão" e "A arrogância
fatal" bem como pelos seus igualmente reaccionários amigos
austríacos e de outras paragens como sendo politicamente
perigosas para o capital.
De forma
característica, a apologia pseudo-científica, e por vezes
abertamente irracional, que Hayek faz do capital está ávida por
descartar toda e qualquer explicação causal. Diz-nos
insistentemente que "a criação da riqueza... não pode
ser explicada por uma cadeia de causa-efeito"
[19]
Num resumo revelador da agressiva apologia do capital que caracteriza o seu
pensamento, Hayek afirma que "o dinheiro misterioso e as
instituições financeiras que nele se baseiam"
[20]
devem estar isentos de toda a crítica, acrescentando ainda no
espírito da sua obsessiva condenação do espectro do
socialismo, que reclama ter descoberto remontar à Grécia Antiga
que "o magnânimo chavão socialista
"Produção para o uso, não para o lucro", que
encontramos sob as mais diversas formas de Aristóteles a Bertrand
Russel, de Albert Einstein ao arcebispo Câmara (conjuntamente com a
ideia, presente desde Aristóteles, de que esses lucros são feitos
às custas de outros) revela ignorância sobre a forma como a
capacidade produtiva é multiplicada pelos diferentes
indivíduos"
[21]
A seriedade destes problemas
é sublinhada não tanto pelo carácter apologético
das teorias económicas dominantes na fase descendente do desenvolvimento
do sistema do capital, como pela razão objectiva que leva a que a
formulação e a promoção da
implementação prática de tais teorias, se tenha tornado
deploravelmente a regra geral. Aquilo que mudou fundamentalmente desde Adam
Smith não foi o ponto de vista orientador nem a afiliação
de classe dos teóricos em questão, mas o posicionamento
histórico do ponto de vista em si mesmo do qual as suas
concepções surgem, mediante a passagem da fase ascendente
à fase ascendente.
Adam Smith, que conceptualizou
o mundo do ponto de vista privilegiado do capital, não estava menos
comprometido com a defesa da viabilidade do sistema do capital. A grande
diferença é que, na época de Adam Smith, a ordem do
metabolismo social do capital na sua fase ascendente representava a mais
avançada forma de reprodução da sociedade passível
de ser realizada pela humanidade. Da mesma forma, a própria luta de
classes, favorável ou contrária a uma organização
do trabalho, hegemónica e alternativa, qualitativamente diferente da
modalidade capitalista de controlo do metabolismo social, era ainda, na
época de Adam Smith,
"latente ou manifestava-se somente em fenómenos esporádicos
e isolados".
Por outro lado, na época
de Hayek, a crescente destrutibilidade do sistema socio-económico
capitalista, devida à fase irreversivelmente descendente do seu
desenvolvimento, juntamente com o surgimento das suas
contradições internas antagónicas, sob a forma das duas
devastadoras guerras mundiais que conheceu o século XX, pode ser apenas
negada novamente do ponto de vista privilegiado do capital, mas desta
vez com uma verdadeira "Arrogância Fatal" capaz de repudiar um
pensador como Aristóteles como sendo um "socialista ignorante"
no quadro da mais crua e beligerante apologia do capital. Dada esta
mudança fundamental do campo histórico objectivo em que se
alicerça o ponto de vista privilegiado do capital (da sua fase
ascendente para a fase descendente), a necessidade de uma mudança
estrutural do sentido histórico global a ser realizada pelos
indivíduos sociais, como nos era anunciado na alternativa
dramática entre
"Socialismo ou Barbárie",
"não apenas para chegar a uma manifestação de si, mas
simplesmente para salvaguardar a sua própria sobrevivência"
já não poderia ser afastada do horizonte histórico.
A forma mais eficaz de adiar o
"momento da verdade" e assim prolongar o domínio do capital
sobre a vida humana, não obstante o seu carácter cada vez mais
destrutivo e a sua crise estrutural, seria a sua própria
transformação num híbrido. Esta hibridização
assumiu, nos países onde o capitalismo estava mais avançado, a
forma de um envolvimento directo do estado no "mercado livre"
através de uma injecção massiva de fundos públicos
que visava a revitalização das empresas capitalistas. Esta
tendência foi bem demonstrada pela
"nacionalização" em larga escala facilmente
reversível de vários sectores vitais da economia
capitalista britânica, que se encontravam em situação de
falência, pelo governo do "antigo" Partido Trabalhista liderado
por Attlee em 1945. Este resgate indispensável ao capitalismo
britânico do pós-guerra foi falaciosamente descrito como um feito
genuinamente socialista.
[22]
Este tipo de
operações são levadas a cabo com o único intuito de
assegurar a continuidade e a viabilidade da ordem reprodutiva estabelecida,
através de diversas contribuições económicas por
parte do estado (com fundos extraídos às
contribuições fiscais dos seus cidadãos), politicamente
motivadas pela defesa do sistema do capital e com as quais Adam Smith
não poderia nem sonhar. Estas vão desde os recursos
astronómicos que são continuamente postos à
disposição da indústria militar aos triliões de
dólares envolvidos nos fundos de resgate dos bancos privados e das
seguradoras, que tiveram lugar não só em 2008 e 2009 como em
2010, os quais se responsabilizaram desde logo a cobrir 90% de eventuais perdas
que as mesmas companhias possam vir a ter no futuro.
Historicamente, trata-se de um
fenómeno relativamente recente no desenvolvimento do capitalismo. O seu
significado e a sua dimensão potencial não eram algo de evidente
para a época de Marx. Pois
"no século XIX as possibilidades de reajustamento do capital como
um sistema híbrido de controlo que se tornaram manifestamente
claras no século XX eram ainda imperceptíveis ao
escrutínio teórico."
[23]
Esta hibridização
do sistema tem hoje um papel absolutamente decisivo no prolongamento da
esperança de vida do sistema do capital. No entanto esta forma de
envolvimento directo do estado na "salvação do sistema"
[24]
pela transferência de imensos fundos públicos e até
pela "nacionalização" em toda a linha dos
prejuízos resultantes das falências do capital
tem os seus limites e acarreta amplas consequências para o
desenvolvimento futuro, não podendo por isso ser equacionada como uma
solução permanente.
Em 1972, na minha
crítica ao conceito de capitalismo de Max Weber, salientava que:
"é bastante impreciso caracterizar o capitalismo em geral como algo
que se define como o "investimento do capital privado". Tal
definição é apenas válida para uma fase determinada
do desenvolvimento histórico do capitalismo e não é um
"tipo ideal" no sentido weberiano. Ao enfatizar o investimento do
capital privado, Weber acaba por defender acriticamente um dos movimentos mais
importantes de desenvolvimento do modo de produção capitalista,
isto é, o crescente envolvimento do capital estatal na
reprodução continuada do sistema capitalista. Em
princípio, o limite máximo desse mesmo desenvolvimento é
nada mais que a transformação da forma vigente do capitalismo
numa outra forma mais abrangente de capitalismo de estado, que implica
teoricamente a total abolição da fase específica do
capitalismo idealizada por Weber. Porém, é precisamente devido a
tais implicações que esta orientação fundamental no
desenvolvimento do capitalismo deve ser excluída do quadro
ideológico do "tipo ideal" weberiano."
[25]
Esta tendência para um
cada vez maior envolvimento directo do estado na transferência de fundos
públicos, com o intuito de prolongar a viabilidade reprodutiva do
sistema do capital, é apresentada de forma totalmente deturpada pelos
mercenários e propagandistas da ordem estabelecida.
Em algumas regiões da
Grã-Bretanha, como a Irlanda do Norte por exemplo, a gestão e
exploração capitalista do "sector público",
tanto no sector da administração como no da saúde e da
educação, entre outras actividades económicas, atinge hoje
em dia os 71 por cento, sendo que a média nacional ronda os 50 por
cento. Ainda assim, a situação actual, onde predomina
inegavelmente a hibridização, é descrita, com a habitual
hipocrisia e distorção neo-liberal, como
"recuo das fronteiras do estado" ("rolling back the boundaries
of the state"),
ou através de outras formulações deturpadas do mesmo
tipo, como "
a retirada do estado".
Desta forma, como já o
fizera
The Economist,
outro proeminente órgão de imprensa da burguesia internacional,
o londrino
Financial Times
defende um novo "momento Beveridge", numa óbvia alusão
ao Lorde Beveridge, influente político liberal que, no final da segunda
guerra mundial, desenvolveu a teoria do estado social no seu livro
programaticamente intitulado "O Pleno Emprego numa Sociedade Livre".
Durante uma crise económica global da mais extrema gravidade, em plena
campanha para o parlamento britânico, quando se prevê que a
dívida pública inglesa excederá £1,5 mil
milhões (aproximadamente US$2,4 mil milhões à taxa de
câmbio actual) em apenas quatro ou cinco anos, foi desta forma que os
editores do
Financial Times
formularam o problema do suposto
"recuo do estado"
no seu principal artigo sobre o assunto:
"Os salários públicos, pensões e postos de trabalho
do sector estatal devem ser objecto de um corte. Assim como os serviços
públicos. Se o Partido Trabalhista for reeleito o orçamento de
estado deverá representar uma repartição dos
sacrifícios... o governo está correcto em não cortar
excessivamente e de forma demasiado célere, mas isso não deve
servir de desculpa para não se planear os cortes futuros... A incerteza
deliberada do Partido Trabalhista está a empurrar o que deveria ser um
debate profundo acerca do papel do estado um momento Beveridge
para águas rasas. Quem quer que ganhe as eleições que se
avizinham administrará o recuo
do estado"
[26]
Assim o verdadeiro significado
da expressão
"retirada do estado"
assim como do cínico e amplamente publicitado slogan neoliberal do
"recuo das fronteiras do estado",
é a camuflagem editorial da apologia do "planeamento"
(e neste sentido os mais acérrimos defensores da ideologia mercado livre
não deixam de ser apologistas de um planeamento), dos modos de
transferência dos benefícios financeiros libertados pelos
drásticos cortes nos "salários públicos,
pensões e postos de trabalho do sector estatal" ,assim como nos
"serviços públicos", para os bolsos sem fundo das
empresas capitalistas, elas mesmas ainda mais gravemente falidas. Noutras
palavras, este novo "momento Beveridge", defendido pelos editores do
Financial Times,
significa na prática, a liquidação planificada daquilo
que ainda sobra do estado social por parte do próprio estado capitalista.
[27]
Tudo isto é levado a cabo, justificado pela "nobre causa da
salvação do sistema", através de um grande
envolvimento do estado, atingindo somas astronómicas, na cada vez mais
frágil viabilidade da ordem reprodutiva do capital, nesta fase
histórica descendente do seu desenvolvimento sistémico,
indelevelmente marcada pelo aprofundar da sua crise estrutural.
No entanto, este tipo de linha
editorial, reveladora de uma profunda consciência de classe, como a que
podemos ler em
The Economist
ou no
Financial Times,
mais não é do que uma mistura de quixotismo e hipocrisia. A
combinação destes dois componentes é bem ilustrada pelo
facto de ser publicado, na coluna imediatamente adjacente ao editorial acima
citado do
Financial Times
de 23 de Março de 2010, um artigo que critica o
"Fundo de Investimento Estratégico"
de 950 milhões de libras, recentemente anunciado pelo governo
trabalhista, no qual se incluem várias verbas, que ascendem até
500 mil milhões de libras.
As críticas expressas
neste artigo não são dirigidas contra as crescentes verbas
estatais cedidas às empresas privadas neste sentido não se
pode falar de
"recuo do estado",
pois o estado é mesmo encorajado a continuar as generosas
distribuições de capital. As críticas têm como
objecto apenas o nome do Fundo, que, na opinião do jornalista em
questão, deveria chamar-se
"Fundo Estratégico de Reeleição".
[28]
Desta forma, o autor do artigo não procurou questionar o
conteúdo do fundo, sem o qual o sistema que ele próprio defende
não sobreviveria, mas apenas denunciar o que acreditava ser uma sagaz
manobra eleitoral.
O carácter
simultaneamente hipócrita e quixotesco da argumentação
defensora do
"recuo do estado"
é demonstrado pelo facto de que, na actual fase histórica do
desenvolvimento capitalista, é impensável aplicar os cortes nas
várias áreas do sector público da economia, e
correspondente despesa com o desemprego, que os editores do
Financial Times
gostariam de ver postos em prática com o intuito de fortalecer o
frágil sistema produtivo e financeiro capitalista. Pois a
hibridização do sistema conheceu nos últimos cem anos
proporções tais chegando hoje a 50% dos países
capitalistas mais avançados e apesar dos protestos das várias
forças políticas conservadoras (incluído o Partido
Trabalhista) que o actual plano de intervenção selvagem
que procura abolir esta tendência está condenado a um novo
falhanço. Estes virtuosos apelos a uma
"saudável contabilidade capitalista
" juntam-se à monótona repetição da promessa
de "
reequilibrar a balança a favor do sector privado
". Tudo o que estas medidas podem conseguir é a
imposição de condições de vida cada vez mais duras
às massas populares e nunca a abolição da tendência
contraditória de hibridização do sistema.
Na verdade, este assunto
"diz respeito à estrutura actual do modo de produção
capitalista no seu todo, e não apenas a um dos seus sectores. Não
será razoável pensar que o estado é a
solução para o problema, por mais dinheiro público que
continue a ser desperdiçado durante estas reveladoras
operações de resgate... A capacidade de intervenção
do estado na economia que até a bem pouco tempo era considerado o
pior remédio para qualquer problema da "moderna sociedade
industrial" tem como única consequência o crescente
agravamento destas contradições. Quanto maior é a dose
administrada ao paciente em convalescença, maior é a sua
dependência".
[29]
Neste sentido, vemo-nos
confrontados com uma contradição fundamental do sistema do
capital. Qualquer que seja o lado da contradição apresentado
pelos seus defensores, este está condenado a ser anulado pelo seu
oposto. Por um lado, a longo prazo, as doações de somas
astronómicas necessárias ao financiamento do processo de
hibridização do sistema do capital, produtivamente cada vez mais
problemático, e financeiramente mais aventureiro e fraudulento,
juntamente com o crescimento da gestão privada do "sector
público" agora manipulada sob a forma das cínicas
PPPs (Parcerias Público-Privadas)
[30]
, bastante proveitosas para o capital privado estão condenadas ao
esgotamento, minando assim a própria viabilidade das
doações estatais.
Por outro lado, esta
equação imposta ao capital pelo desenvolvimento histórico,
a virtuosamente laudatória defesa do
"viver dentro das suas possibilidades"
ou seja, a diminuição necessária da actividade
económica em sintonia com os cortes draconianos nos
"empregos, pensões e salários"
assim como nos "
serviços públicos",
feita com o intuito de reduzir uma "dívida nacional" que
ascende já a milhares de milhões e que não dá
sinais de decrescer no quadro de um sistema de reprodução
social que funciona com base na sua mitologia de crescimento incessante: um
crescimento auto-destrutivo, que no final de contas não significa mais
que a alienante mas absolutamente necessária expansão e
acumulação do capital, reveladora de um completo desprezo pelas
consequências um sistema reprodutivo deste tipo, operando sobre
tais princípios contraditórios pode apenas implodir.
Por esta mesma razão,
só uma mudança histórica global pode apresentar uma
esperança na superação das contradições
sistémicas do sistema do capital nesta fase específica de crise
estrutural. Uma mudança histórica estrutural sustentada, cujo
princípio orientador fundamental é a criação de uma
ordem reprodutiva social radicalmente diferente.
A hibridização
sistémica que vemos crescer nos nossos dias, apesar de variadas
tentativas políticas para a conter, juntamente com a mitologia da
superioridade
"do sistema privado de empreendedorismo"
e dos seus
"indivíduos consumidores soberanos
", é parte de um problema mais geral e mais grave que tem vindo a
ganhar força no decurso dos últimos 100 anos. A causa subjacente
a este problema pode ser descrita como a estreita margem de manobra
histórica das alternativas objectivamente ao alcance do capital para
deslocar e procurar controlar as suas contradições
antagónicas.
A tripla destrutividade do
capital, que se apoia (1) no sector militar, com as suas guerras
imperialistas que se sucedem desde as últimas décadas do
século XIX, às quais se juntam as devastadoras armas de
destruição massiva desenvolvidas nos últimos 60 anos; (2)
na intensificação do impacto cada vez mais óbvio do
capital na ecologia, que põe em risco as bases naturais da
própria sobrevivência humana; e (3) no domínio da
produção material e crescente desperdício, resultado do
avanço da "produção destrutiva", que tomou o
lugar da muito publicitada "destruição criativa" ou
"produtiva" é a consequência necessária
dessa estreita margem de manobra.
Desconcertantemente para o
capital, nem o perigoso crescimento da destrutibilidade nem a consensual
hibridização deste sistema antagónico
hibridização essa que foi usada durante muito tempo para deslocar
os antagonismos do capital nos países mais poderosos, e
continuará a ser usado desta forma enquanto a viabilidade
política e económica não for posta em causa pelo
intensificar da crise estrutural podem oferecer uma
solução de longo termo para a objectivamente estreita margem de
manobra.
É parte das
características essenciais que definem um sistema antagónico, que
este seja estruturalmente incapaz de resolver as suas
contradições internas. É precisamente isso que o define
objectivamente como um sistema antagónico. Desta forma, tal sistema
necessita de instaurar outros modos de lidar ou gerir enquanto puder
as suas contradições sistémicas na impossibilidade
de as resolver. Pois uma solução historicamente viável e
sustentável, transformaria o próprio sistema capitalista numa
forma não antagonista de escapar às suas mais fundamentais
determinações hierárquicas estruturais de
exploração que, ao contrário do pretendido pelo
"capitalismo de rosto humano", o definem realmente como uma ordem
social reprodutiva insuperavelmente antagónica. É por isso que,
de forma nada surpreendente, a ideologia apologética do capital mais
promovida e omnipresente é a da negação, requintada ou
grosseira, da mais remota possibilidade de antagonismo sistémico
historicamente criado (e historicamente ultrapassável), antagonismo esse
que é apresentado de modo deturpado como um conflito individual,
supostamente determinado pela sempiterna "natureza humana".
Todavia, uma tal
negação do antagonismo sistémico pela ideologia dominante,
independentemente de quão sofisticadamente camuflada ou cinicamente
grosseira seja, não pode exorcizar o problema subjacente. Com efeito,
tal problema pode apenas agravar-se nos tempos vindouros, como já
aconteceu no contexto histórico das últimas décadas,
marcado pelo agravamento da crise estrutural do capital. Isto sucede na medida
em que há apenas dois modos segundo os quais uma ordem de
reprodução social fundamentalmente antagónica pode lidar
com as suas contradições sistémicas fundamentais: (1)
deslocando-as temporariamente ou (2) impondo-as aos seus adversários
através de todos os meios ao seu dispor, incluindo os mais violentos e
destrutivos. Neste duplo sentido:
Ao deslocar os antagonismos
através de todos os meios disponíveis sob as
condições dadas. Como, por exemplo, através de todas as
variações de exportação das
contradições internas que representa a bem conhecida diplomacia
canhoneira do Império Britânico, geradora de consensos sociais
imperialistas, mistificadores e chauvinistas, transubstanciados e
propagandeados como
"fardo do homem branco"
. Ou, alternativamente, através das práticas, militarmente menos
óbvias mas mais eficazes do ponto de vista
político-económico, de usurpação global
"modernizadora" levadas a cabo, no pós-II Guerra Mundial, nas
áreas menos desenvolvidas do planeta
[31]
, de acordo com a pretensa ideologia pós-imperialista e isto por
tanto tempo quanto esta modalidade de gestão dos antagonismo
sistémicos do capital pela sua
deslocação/exportação for praticável pelos
poderes por enquanto dominantes a nível internacional (e, claro, apenas
por alguns, à custa dos outros).
Ao impor brutalmente aos seus
adversários de classe, em situações de agravamento da
crise, os imperativos violentamente repressivos próprios de um
reforço do seu poder de classe, pondo de lado, em nome de estados de
emergência socialmente necessários e "justificados", as
ficções da
"democracia e da lei".
Ou, no caso de confrontos sistémicas inter-imperialistas, impondo ao
rival mais fraco e aos inimigos do Estado, os interesses e as
condições
"não negociáveis"
do poder militarmente dominante, e isto no sentido mais alargado e por todos os
meios possíveis, incluindo guerras de extermínio, como fica
demonstrado pelas duas guerras mundiais de que o século XX foi
testemunha.
O problema para a ordem
dominante é que nem o deslocamento exportador, através da
usurpação globalizada, das contradições
antagonistas do capital ao qual se une um impacto devastador numa
natureza, cuja sustentabilidade não apresentou, durante longos
períodos históricos, dificuldades de maior nem a
imposição violenta dessas mesmas contradições ao
adversário a ser subjugado, pela força definitiva da guerra de
extermínio são, hoje em dia, prontamente realizáveis . Com
efeito, não restam, hoje em dia, regiões significativas do
planeta passíveis de serem usurpadas pelo poderes capitalistas
dominantes, nem pela via directa da invasão militar imperialista, nem
pela recentemente instituída dominação económica
"modernizadora"
, visto que o domínio global do capital, descrito por Marx na citada
carta a Engels
[32]
, já está historicamente consumado. Por outras palavras, a
usurpação capitalista é, hoje em dia, completa, ainda que
não sob a forma idílica da "globalização"
[33]
, glorificada pelos seus ideólogos profissionais e pelos seus
mercenários. O capital domina e explora actualmente o nosso planeta de
todos os modos que estão ao seu alcance, no quadro da sua tripla
destrutividade; mas não poderá nunca resolver ou deslocar
adequadamente os seus antagonismos estruturais e contradições
explosivas em proveito da sua tranquila expansão e
acumulação.
Para além disso, a
tradicional
"solução final"
do capital para o agravamento dos problemas, através guerra ilimitada
travada no passado contra inimigos reais ou potenciais, tornou-se
impraticável graças à invenção de armas de
destruição massiva, actualmente plenamente operacionais, que
destruiriam totalmente a humanidade no caso de uma nova guerra mundial. As
contínuas guerras parciais mesmo quando nelas é aplicada a
dura estratégia militar da
"força esmagadora"
, com os seus imensos, e ainda mais insensivelmente denominados,
"danos colaterais"
infligidos às populações, como no Vietname e tantos
outros sítios não podem senão aprofundar a crise
estrutural do sistema do capital, sem nunca oferecer uma alternativa ao modelo
imperialista do vencedor e do vencido.
Desta forma, o estreitamento
das alternativas do capital no que toca à gestão dos seus
antagonismos internos os quais são inseparáveis da fase
descendente do desenvolvimento do capital traz consigo importantes
consequências para o futuro, uma vez que a verdade é e
será sempre que os problemas estruturais exigem
soluções estruturais e clamam, como veremos, por remédios
estruturais historicamente sustentados, num espírito genuinamente
socialista, realizáveis apenas através da
reconstituição da dialéctica histórica que foi
radicalmente subvertida pelos antagonismos do capital no decurso da fase
descendente do seu desenvolvimento sistémico. Foi assim que a ordem
metabólica do capital, que outrora realizou aquele que foi de longe o
maior desenvolvimento produtivo da História, se transformou no seu
contrário, tornando-se de longe o sistema de determinações
estruturais mais destrutivo e uma ameaça directa à
sobrevivência da Humanidade neste nosso lar planetário.
No entanto, e não
obstante todos os interesses velados que a isso se opõem, a
irreprimível dimensão histórica da ordem estabelecida
não deve ser ignorada e a configuração actual dos
traços que a sustentam não deve ser erroneamente interpretada,
uma vez que as estruturas sociais não podem mesmo as mais
fortemente entrincheiradas, como a ordem de reprodução social do
capital vigorar como a
"lei da gravidade"
, exigindo um reconhecimento baseado no modelo da necessidade física. Da
mesma forma, a necessidade histórica não pode ser concebida
segundo o modelo da necessidade natural, como gostam de fazer os apologistas do
capital, concebendo de forma errónea a validade eterna do seu sistema,
ao mesmo tempo que acusam Marx de ser, na sua visão do mundo, um
"determinista económico".
De acordo com a concepção dialéctica de Marx, a
necessidade das fases históricas que se vão revelando é
obrigatoriamente uma
"necessidade evanescente"
e as estruturas sociais que ele descreve como
"evoluindo constantemente a partir do processo vivencial dos
indivíduos concretos"
estão submetidas aos mais profundos limites históricos.
É a isto que corresponde a dialéctica da estrutura e da
História. Pois a estrutura e a História estão sempre
profundamente interligadas no contexto humano e a História é, ela
mesma, necessariamente aberta. A complexidade e as contradições
da globalização, inevitáveis nos nossos tempos, não
alteram isso, podendo apenas testemunhar a elevada responsabilidade de
enfrentar os desafios envolvidos, como fica claro ao longo deste estudo. Como
diz, de forma certeira, um provérbio húngaro:
"o que está em jogo não é uma linha de
feijões"
("nem babra megy a játék").
Notas
1. Marx, Economic and Philosophical Manuscripts of 1844 (London: Lawrence and
Wishart: London, 1959), 110.
2. Ibid., 111.
3. Karl Marx and Frederick Engels, Collected Works (London: Lawrence and
Wishart, 1975), 5:35 (henceforth MECW).
4. Ibid., 41.
5. Marx, The Poverty of Philosophy, (London: Lawrence and Wishart, 1936), 123.
Written in the winter of 184647, publicado originalmente em francês
em 1847.
6. Ver Aristóteles, Poética, capítulos 8 e 9.
7. Cf. Secção 6.4 do presente livro (a publicar).
8. Claude Lévi-Strauss, The Savage Mind (London: George Weidenfeld and
Nicholson Ltd., 1966), 26162. O original françês, La
pensée sauvage, foi publicado em Paris pela Plon em 1962. As tiradas de
Lévi-Strauss contra o "humanismo transcendental" foram
recuperadas por Louis Althusser e pelo seu circulo como elemento
característico fundamental do seu "Estruturalismo Marxista", e
do seu curioso "anti-Humanismo Teórico".
9. Cf. primeiras 3 páginas da Secção 6.4 deste livro. (a
publicar).
10. Jean-François Lyotard, The Postmodern Condition: A Report on
Knowledge (Manchester, UK: Manchester University Press, 1979), 79.
11. Ibid, 60
12. Lyotard, "Universal History and Cultural Differences," The
Lyotard Reader (Oxford, UK: Basil Blackwell, 1989), 318
13. Ver a este respeito a carta de Marx a Engels, de extrema relevância,
de 8 de Outubro de 1858.
14. Como o seu companheiro de armas, Engels reconhecia e destacava-o:
"Marx tinha um ponto de vista privilegiado, viu mais longe, mais
amplamente e mais rapidamente que qualquer um de nós" Engels,
"Ludwig Feuerbach and the End of Classical German Philosophy", in
Karl Marx and Frederick Engels: Selected Works, vol. 2 (Moscow: Foreign
Languages Publishing House, 1951), 349.
15. MECW, 5:52
16. Ibid., 5:87
17. Expressão de Marx usada na sua "Contribuição para
a Crítica da Economia Política" acerca dos feitos
teóricos elaborados no espírito do ponto de vista dominante do
capital pelos mais brilhantes intelectuais burgueses da fase ascendente do
capital.
18. Marx, Capital (Moscow: Foreign Language Publishers, 1959), 1:14.
19. F.A. Hayek, The Fatal Conceit: the Errors of Socialism (London: Routledge,
1988), 99.
20. Ibid., 101. Esta grosseira apologia daquilo que "útil e
adequado ao capital" é música para os ouvidos daqueles que
acreditam que não se deve nem sequer tentar controlar o sistema
financeiro global, catastroficamente perigoso, que desperdiça de forma
irresponsável de triliões de dólares originados pelo
sector produtivo. Há alguns anos atrás citei um artigo do
London Sunday Times
que dizia que: "para cobrir a sua falta de liquidez, a General Motors,
resolveu utilizar o fundo de pensões de 15 mil milhões de
dólares, como lhe é permitido pela lei americana. Agora 8,9 mil
milhões de dólares de dinheiro destinado às pensões
dos seus trabalhadores está a descoberto". Comentei então,
no meu livro
Para Além do Capital,
que: "a fraude não é algo de marginal ou de excepcional ao
sistema do capital, ela pertence mesmo à sua normalidade"(xx).
Recentemente o gigante industrial General Motors, que outrora se vangloriava do
seu poder ao afirmar que o seu orçamento excedia o da Bélgica,
teve de ser salvo da bancarrota pelo estado, apesar do seu comportamento
revelador, "permitido pela lei americana", no caso das pensões
dos seus trabalhadores.
21. Hayek, The Fatal Conceit, 104.
22. Esta forma deturpada de representação remonta a um passado
distante. Já Engels criticara, numa nota à edição
inglesa do seu
Do socialismo utópico e do socialismo científico,
ao referir: "Tarde no tempo, Bismarck aplicou a estatização
das instituições industriais, uma espécie de falso
socialismo surgia então, degenerando, aqui e ali, naquele servilismo que
prontamente considera que todo o tipo de apropriação estatal,
até mesmo a bismarckiana, como sendo socialista." Marx & Engels,
Selected Works, 2:135.
23. István Mészáros,
Beyond Capital
(London: Merlin Press, 1995), xxi
24. Ver o modo como uma das publicações semanais da burguesia
internacional com maior consciência de classe,
The Economist,
admite abertamente que o mérito fundamental dos milhares de
milhões de dólares, "investidos" na boa causa da
bancarrota do capitalismo durante a mais recente crise, é o de
"salvar o sistema", como sublinhado em caracteres gigantes na sua
primeira página de 11 de Outubro de 2008.
25. István Mészáros, "Ideology and Social
Science", ensaio apresentado no Interdisciplinar Seminar of the Division
of Social Science na York University, Toronto, Janeiro de 1972. Publicado em
The socialist register, em 1972. "Ideology and Social Science" foi
publicado separadamente na Ìndia (New Delhi: Critical Quest, 2010). A
citação é retirada da página 10 desta
publicação recente e facilmente acessível.
26. "Darling [o nome do ministro das Finanças trabalhista
britânico] deve fornecer um orçamento realista: devem ser feitos
cortes no estado britânico; o Partido Trabalhista deve dizer-nos
como". Editorial,
Financial Times,
23 de Março de 2010
27. Isto significa, claro, um cada vez mais activo envolvimento directo do
estado na economia e não o seu recuo.
28. Ver Brian Groom, "Call It the Strategic Re-election Fund,"
Financial Times,
March 23, 2010
29. De "The Necessity of Social Control", a minha palestra em
memória de Isaac Deutscher, pronunciada na London School of Economics em
26 de Janeiro de 1971, citada a partir da página 82 do meu livro
"The Structural Crisis of Capital" (New York: Monthly Review Press,
2010)
30. É evidente, mesmo a partir de uma leitura de
The Economist,
quão absurdamente perdulárias e mal geridas são estas
"parcerias", nascidas para compensar generosamente os accionistas das
empresas capitalistas falidas e fortemente publicitadas pelo governo do
"New Labour". Mesmo que leiamos em The Economist de 15 de Maio de
2010, sob o título "The Tube upgrade deals. Finis: The end of the
line for Britain's biggest private finance initiative", que
"Teoricamente, as PPP têm como objectivo aproveitar a
eficiência do sector privado e, em troca de avultados lucros,
transferir os riscos para as empresas contratadas. Mas, na realidade, nem a
Tube Lines nem a Metronet foram capazes de pôr em prática o
acordado. A Metronet era mal gerida e a transferência dos riscos provou
ser uma miragem: a empresa foi à falência em 2007 e o governo
resgatou as suas dívidas por cerca de 2 mil milhões de
libras" (40; ibidem para as citações seguintes). Este tipo
de acordo significa que nas "Parcerias Público Privadas" o
termo "Privado" equivale a "lucros avultados" e o termo
"Público" a avultadas perdas (nesta caso, cerca de 3 mil
milhões de libras), transferidas para os ombros dos trabalhadores,
à mercê da bancarrota capitalista, avidamente resgatada pelo
estado. Da mesma forma, não é possível deixar isentas de
responsabilidade as "empresas imparciais de consultoria", cuja
"especialização" ajudou a justificar e a impor à
sociedade tais investimentos ficticiamente vantajosos. Assim "enquanto se
instauravam as parcerias, a PricewaterhouseCoopers, uma [proeminente]
consultora, previu que o sector privado poderia levar a poupanças na
ordem dos 30%, previsão que serviu de base a todo o projecto. Mas a dita
consultora não "apresentou qualquer base probatória
fundamentando tal previsão", diz Stephen Glaister, um
académico que acompanhou a saga". E este não é de
forma alguma o ponto final na história deste sistema de
irresponsabilidade institucionalizada, visto que, "No dia 11 de Maio,
Chris Bolt, o perito das PPPs, publicou uma análise dos antigos
contratos da Metronet, agora também conduzidos internamente pela TFL
[Transport for London]. É, segundo ele, decepcionante notar que a TFL
mudou a forma como fazia a sua contabilidade, em comparação com a
Tube Lines e estima impossível a pré-aquisição da
Metronet. Assim, de acordo com a cumplicidade legal do sistema de
irresponsabilidade institucionalizada, ninguém poderia ser
responsabilizado pelas perdas colossais. Mas quem pode realmente acreditar que
este sistema de patrocínio estatal e irresponsabilidade
catastroficamente perdulária ao serviço da bancarrota capitalista
pode ser mantido eternamente?
31. Também neste aspecto é óbvia a dimensão
histórica da deslocação estruturalmente determinante. A
suposta justificação das estratégias
"modernizadoras" é-nos fornecida pelos privilégios de
exploração historicamente adquiridos (mas nunca referidos), pela
mão cheia de países capitalistas envolvidos, que falsamente
prometem a difusão universal do projecto de "desenvolvimento",
na ausência total de base real que a sustente, como por exemplo na
grotesca teoria da "arranque e caminho rumo à maturidade"
formulada por Walt Rostow (a este título, conferir a sua obra The Stages
of Economic Growth: A Non-Communist Manifesto (Cambridge, UK: Cambridge
University Press, 1960).) Tais "teorias do desenvolvimento"
tornaram-se, também no que toca a uma perspectiva de futuro, totalmente
vazias assim que os "países modelo" privilegiados forem
obrigados, apesar dos privilégios que acumulam, a enfrentar os seus
próprios problemas no seio da crise estrutural do capital.
32. Ver acima, n.13
33. Ver Martin Wolf,
Why Globalization Works: The Case for the Global Market Economy
(New Haven: Yale University Press, 2004).
Trabalhos de István Mészáros em resistir.info:
A crise em desdobramento e a relevância de Marx
, 07/Nov/08
Crise dual
, 07/Ago/08
A única economia viável
, 30/Abr/07
A crise estrutural da política
, 10/Out/06
Bolívar e Chávez: O espírito da determinação radical
, 01/Mai/06
Despedida de Harry Magdoff
, 11/Jan/06
A actualidade histórica da ofensiva socialista (capítulo 18 de Beyond Capital)
, 31/Dez/05
A educação para além do capital
, 23/Fev/05
Marx, nosso contemporâneo, e o seu conceito de globalização
, 17/Dez/04
Lembrança de Paul Sweezy
, 23/Jul/04
Cuba: os próximos 45 anos?
, 12/Jan/04
O militarismo e as guerras vindouras
, 07/Jul/03
Desemprego e precarização: Um grande desafio para a esquerda
, 27/Jun/03
O desafio do desenvolvimento sustentável e a cultura da igualdade substantiva
, 28/Nov/02
O original encontra-se em
monthlyreview.org/2011/...
. Tradução de Miguel Queiroz.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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