O Presidente Hugo Chávez
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A revolução bolivariana do presidente Chávez está a
ser ameaçada por um novo golpe de Estado. A oposição
rejeitou o espírito conciliador e o espaço de diálogo
aberto generosamente pelo governo, interpretando este gesto como uma fraqueza.
As urbanizações dos ricos começaram a armar-se. Na
terça-feira dia 11 de Junho os sectores opositores concentraram em
Caracas de 80 a 100 mil pessoas. Uma semana depois começaram a soar
novamente as caçarolas nos bairros dos sectores acomodados. Prepara-se
uma nova greve de trabalhadores apoiada pelo sector empresarial. Acusam
Chávez de corrupção e o procurador-geral da
República de parcialidade. Circulam boatos, criando um ambiente de
desestabilização. Os meios de comunicação
desempenham novamente um papel protagonista na preparação do
ambiente golpista.
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I. MILITARES A TRABALHAR JUNTO DO POVO
Já tive muitas vezes de te defender contra os que te criticam por
te teres rodeado de militares. Compreendo a angústia que deve sentir
quem governa e tem de resolver rapidamente questões fundamentais e
não conta com um aparelho de estado à altura das
circunstâncias nem de quadros políticos suficientemente
preparados. Penso que foi o que te levou a apoiar-te nos militares. Mas
então parece existir uma contradição no facto de os
principais executores práticos das tarefas mais importantes do processo
revolucionário serem militares e o facto de este ser pensado em si mesmo
como um processo em que o povo soberano exerce o poder participando em todos os
campos. Entendo que os militares costumam ser eficientes e disciplinados, mas
pouco habituados a delegar poder no povo, não preparados para o fazer
participar.
Tenho ouvido dizer, neste sentido, que o Plano Bolívar 2000 tem
significado muitas coisas boas para o povo: estradas, escolas, casas, ou seja,
soluções concretas, mas que se trata de soluções
que lhe chegam de cima, em que o povo não participa.
Por outro lado, estou convencida de que a participação
não
se decreta, as pessoas precisam de aprender a participar. Trata-se de um
processo de transformação cultural lento. Nós temos um
vídeo que fala do trabalho lento, trabalho de formiga, que se tem de
fazer para se conseguir esta transformação, mas tem de se
começar a fazê-lo e tem de haver quadros que facilitem essa
tarefa. O que podes dizer sobre este assunto?
1. Vamos supor que era plenamente correcta essa crítica que
já me fizeram até em reuniões de partidos, no sentido de
que os militares só sabem mandar, que são executivos mas
não propensos à participação, o que não
é verdade. Eu sou o primeiro militar desse grupo, sinto que desde muito
novo a minha orientação foi a participação e tive
experiências maravilhosas quando fui chefe de algumas unidades afastadas,
sobretudo em pequenas povoações, iniciámos com os
militares umas acções participativas muito pedagógicas que
inclusivamente entravam em conflito com os poderes políticos locais:
como é que este militar está a meter-se em coisas do povo,
arranjando ruas com o povo e os soldados praticando desporto com as pessoas. E
esta não é apenas uma tendência minha, se assim fosse eu
teria entrado em choque com uma estrutura militar fechada, autoritária e
não participativa, e não teria durado muito tempo no
exército.
1) PORQUÊ TANTOS MILITARES NO GOVERNO
2. Tens razão quando dizes que compreendes que haja tantos
militares no meu governo. Imagina o 2 de Fevereiro de 1999, com quase todos os
governos estaduais e municípios não opositores mas antes
adversários (99,99%), o congresso contra, o tribunal supremo contra, um
orçamento que recebemos não só reconduzido, isto é,
a repetição do ano anterior, mas que pela inflação
tivemos de reduzir nuns vinte por cento (20%), um governo quase sem recursos
nem para pagar os salários, com o preço do petróleo a 7
dólares, o nível de expectativa que gerou o nosso triunfo: em
volta do palácio havia multidões de milhares de pessoas que eu
via pela janela, às vezes saía e eram milhares de pessoas pedindo
emprego, com os rapazes doentes que ali dormiam, atiravam-se ao chão,
não deixavam sair o carro. Enquanto Chávez não nos
atender não saímos daqui. E a isto temos de acrescentar uma
estrutura partidista comprometida na luta política: vinha a
constituinte, vinha tudo isso, então decidi empregar as Forças
Armadas. Creio que sem a participação dos militares na
área social o Plano Bolívar 2000 iniciado em 1999 e que
continuou em 2000 talvez o processo não tivesse avançado
no campo político com a rapidez com que avançou.
2. O PLANO BOLÍVAR 2000:
RAJADAS DE VIDA, EM LUGAR DE RAJADAS DE MORTE
3. Surge assim o Plano Bolívar 2000, um plano cívico-militar.
4. A ordem que dei até foi: Se forem casa por casa apalpar o
terreno, o inimigo, qual é?, a fome. E começámos a
fazer o 27 de Fevereiro de 1999, dez anos depois do
Caracazo
, como forma de reivindicar os militares e inclusivamente utilizei o contraste
e disse: Há 10 anos fomos massacrar este povo, agora vamos
enchê-lo de amor, vão limpar o terreno, procurar a miséria,
o inimigo é a morte. Vamos enchê-los de rajadas de vida, em lugar
de rajadas de morte. E na verdade a resposta foi bem bonita.
5. Enquanto os políticos estávamos metidos no combate
político, 40 mil militares estavam de campanha operando gente nos
povoados pobres, extraindo hérnias, operando pernas, olhos; as
maquinarias da engenharia militar abrindo caminhos; aviões militares
voando para os sítios mais pobres levando passageiros e cobrando-lhes
só o preço de custo.
1) CADA UM UM PLANO
6. Eu disse a cada um: Apresente-me o seu plano com base nos seus
recursos e a sua capacidade. E cada componente das Forças Armadas
foi concebendo o seu plano: a Força Aérea e o seu plano das rotas
sociais: helicópteros, aviões militares voando com passageiros,
gente que levava a sua galinha, o seu caixote; o pobre, pois, por onde
não havia aviões nem caminhos; os marinheiros e o plano Pescar
2000: aqui estiveram os marinheiros juntos com os pescadores organizando
cooperativas, reparando casas, frigoríficos, dando-lhes cursos, etc.
À Guarda Nacional demos sobretudo a tarefa da segurança urbana,
do controlo da delinquência, mas também programas por todo o
país: nas zonas indígenas. Oxalá pudesse ir por aí,
há coisas que parecem milagrosas. Isto sem negar as
improvisações e até a corrupção em que
caíram alguns militares, especialmente da parte alta e a gente
contrária que sabotava. Mas os rapazes adquiriram uma consciência
social impressionante.
2) PLANO CASIQUIARE 2000
7. A Guarda começou a inventar o Plano Casiquiare 2000. Casiquiare
é um rio na selva, que está povoado por milhares de
indígenas. Fizeram até um barco para o ir percorrendo de aldeia
em aldeia, levando médicos, medicamentos, tratando as crianças,
vacinando a população, fazendo casas com os indígenas, mas
como os indígenas queriam e não como pensávamos nós.
3) BARRANCO YOPAL E CARAVALI
8. Então foram-se despertando coisas como essas de Barranco Yopal
e Caravali, com os indígenas Cuivas e Yaruros. Há anos eu ia a
Barranco Yopal e levava latas e madeira aos indígenas, porque eles
faziam ranchos com esses materiais para passar ali um inverno, mas no
verão iam-se embora. Eram nómadas: caçadores e
recolectores, como há 500 anos. Vi mulheres indígenas parindo
ali, agachadas no monte e a placenta tiravam-na e limpavam a criança e
continuavam o seu caminho. A maioria das crianças morria de paludismo,
tuberculose, de qualquer tipo de doença. Eram maltratados, passavam
bêbedos na povoação. As índias
prostituíam-se, muitas vezes violavam-nas. Eram uns fantasmas,
desprezados pela maioria da população. roubavam às vezes
para comer. Não tinham a concepção da propriedade privada,
para eles não era roubo meter-se num sítio e apanhar um porco
para comer porque tinham fome. Mas o que lá vi eu agora? Os militares
com um técnico agrícola e a sua capacidade de
mobilização: veículos, equipamentos,
organização, executivismo, rapidez, mas com os indígenas,
com os capitães indígenas
[1]
à frente; com um boné
e um pano que dizia Plano Bolívar. Os militares levavam os materiais,
ajudaram-nos com algum pessoal de engenharia e soldados acima de tudo, e os
indígenas projectaram as casas e trabalharam construindo a sua escolinha
e as suas casas.
Quem se lembrou de que a população devia participar e
não só receber?...
9. Os militares com assessores civis: um técnico agrícola,
um engenheiro. O Plano Bolívar não foi só militar, em cada
guarnição militar contrataram técnicos civis que conhecem
as coisas técnicas.
10. Bem, aqueles indígenas estavam felizes, de caras diferentes.
Levaram-me a ver as suas sementeiras. Em apenas 4 hectares estavam a produzir
cana de açúcar, melancia, bananas, milho, papaia. Comiam bem e
agora pediam uma furgoneta para levar a sua produção à
aldeia para a venderem. Já lhes tinham dado umas pequenas
embarcações a motor e um curso para manejar motores, porque eles
antes pescavam com uma pua, com um anzol nas margens de rios pequenos; fui
pescar com eles duas vezes, pescavam com a mão ou matavam-nos com uma
pedra grande. Aquela comunidade ressuscitou...
11. Quando uma vez tomei a palavra nessa região utilizei uma frase de
Zaratustra. Então disse: Há quinze anos passei por aqui e
vi-vos com as vossas cinzas e agora volto e vejo-vos com o vosso fogo.
4) O PLANO VESPA
12. Também tens o Plano Vespa (
Plan Avispa
), que é um despertar de participação. Este plano
inventou-o o general García Carneiro. Um dia veio-me com essa do Plano
Vespa. O que é isso, vão vacinar as
pessoas? Não, homem, trata-se de
autoconstrução de habitações em terrenos
isolados. Explica-me lá. Deu-me umas fotografias.
Olha como viviam mostrou-me a foto da família ali parada
diante de uma barraca de madeira ou de lata, e dois meses depois, a
mesma família agora mais alegre, com uma casita. Quem fez essa
casa? A comunidade. Enquanto uma empresa privada faz uma dessas casas com 10
milhões de bolívares, o Plano Vespa fá-la com
3 milhões. Porquê? Porque é a comunidade que
constrói as casas. Isto, por sua vez, permite reactivar o emprego. Os
militares conseguiram umas maquinetas de fazer blocos e dão cursos com
alguns técnicos civis, mestres de obras. Fazem também portas de
madeira. Com o INCE (Instituto Nacional de Cooperação Educativa)
pus lá um general reformado mas que é um tipo muito
exigente e eficientíssimo, conheço-o porque foi meu professor
conseguiram fazer 40 oficinas ambulantes
[2]
de educação
técnica, que estavam sem pneus, desmantelados, demos-lhes dinheiro e
começaram a repará-los. Conseguimos créditos com Espanha
para equipamentos novos e isso. Agora temos esses carros todos a rodar pelo
país. Chegam lá para dar cursos, para ensinar as pessoas a fazer
portas. Então fazem as portas, fazem os blocos, as telhas e fazem a casa
entre todos e a corrupção desce, não digamos a zero, mas
diminui muitíssimo.
13. Donde nasceu isto? Do seio do Plano Bolívar e seguramente não
dos militares sozinhos, mas sim do militar em contacto com a realidade, do
militar que vê que não bastam os recursos para fazer casas e se
pergunta o que fazer. E a gente começa a falar, a calcular, e deste
intercâmbio, surge o Plano Vespa.
5) ESTRADA A CUSTO MAIS BAIXO
14. Por lá os militares fizeram estradas, numa auto-estrada que estava
há 20 anos paralisada e o orçamento que havia para a terminar com
asfalto e tudo era de uns 5 mil milhões de bolívares, e eles com
a maquinaria militar e os engenheiros militares conseguiram terminá-la
só com 1 500 milhões. Ou seja, os custos de muitas obras
desceram, de habitações, de estradas, pontes, caminhos por onde
nunca passava ninguém. Fez-se uma operação gigantesca.
6) VOLUNTARIADO MÉDICO
15. E a saúde, nem falar! Gerou-se um voluntariado médico
formidável e começaram a fazer-se operações com
hospitais cirúrgicos de guerra, bem, a guerra social. Eram grandes
multidões. Uma vez numa terra chamada Zaraza, os militares e civis do
Plano Bolívar, em operações à vista, às
pernas, etc., operaram mais pessoas nessa semana do que o hospital da terra
tinha operado em 10 anos. Uma coisa impressionante! Lembro-me de uma vez um
desses rapazes ter dito: Tem de se ver como é belo devolver a
vista a um velho, vê-lo chorar de alegria e ouvi-lo dizer: 'Pensar que
julguei que ia morrer sem voltar a ver o céu azul'. Isso é que
nos faz sentir felizes, sentimos que somos úteis. Este contacto
com o povo desencadeou um caudal de sentimentos e de vontade de participar.
7) GOVERNADOR DO ESTADO DE COJEDES
16. O governador do Estado de Cojedes, a sul de Caracas, um grande
estado de planície, quase no centro do país, é um
tenente-coronel da Guarda Nacional, que não esteve em nenhum
levantamento nem nada. Era o chefe militar do Plano Bolívar 2000 nesse
Estado e em pleno processo constituinte, quando se iniciam as
eleições para governador, chega um dia e diz-me:
Presidente, apetece-me pedir a demissão. Para
quê, rapaz, se ainda só és tenente-coronel?
Bem, é que me estão a pedir os partidos da
revolução que seja o candidato a governador para derrubar o
adeco
[3]
. Tens a certeza?. Com efeito, daí a poucos
dias chega-me uma carta assinada pelo MVR e outros dirigentes dos partidos de
esquerda desse Estado. Com a sua candidatura inclusivamente solucionámos
ali um problema que parecia não ter solução: as
divisões internas. Este rapaz conseguiu aglutiná-los a todos,
ganhámos as eleições e agora está a governar.
Revelou-se um líder. Claro, passava com os guardas nas aldeias, nos
campos, atendendo as pessoas, e foi assim que começaram a vê-lo
como um líder. Há muitos casos como este. Só te contei
alguns.
8) MILITARES FORMADOS EM
TÉCNICAS DE DIRECÇÃO
17. E repara, muitos dirigentes políticos sentiram-se
diminuídos perante os militares e até se geraram invejas, porque
na altura da liderança se vêem ultrapassados por uns rapazes que
aprenderam a chefiar, porque nós os militares venezuelanos entre outras
coisas estudamos a técnica de liderança, isto é, a
técnica de conduzir grupos humanos. E muitos aplicam-na, não
todos. Aprende-se como levantar a auto-estima, a moral da gente;
estudámos isso tudo. Lembro-me até da matriz da liderança,
porque também fui instrutor durante muitos anos.
- Liderança para dentro, para o Exército?...
18. Não, não só. Eu pensava sempre para o
Exército e para fora. Todos são seres humanos, a diferença
é que um tem uma farda e uma espingarda, e o outro não. Os
soldados são camponeses, rapazes dos bairros. Como levantar a
auto-estima a um grupo de soldados lá na fronteira às vezes
comendo mal, às vezes sem roupa, e longe da família? Como manter
uma unidade com alta moral e auto-estima? Como injectar-lhe nacionalismo,
pátria, consciência dos motivos por que é um soldado? Como
falar a um por um de noite, de manhã? Como tratar dos seus problemas?
O que aconteceu? Porque chegaste tarde da licença? Bem,
tenho a minha mãe enferma. A noiva deixou-me.
É que bebi uns copos e fiquei a dormir. Bom,
está bem, mas não voltes a fazer isso, porque não é
bom. Nem todos os militares somos assim, mas especialmente essa rapaziada
tem muito disso.
9) ERROS E DESVIO DE RECURSOS
19. Há muitos bons exemplos, contudo também há
exemplos maus. Mas a soma de exemplos bons é maravilhosa e supera os
erros e os defeitos de alguma gente e os actos irregulares. Estes foram
enviados à procuradoria e investigados. O procurador geral da
República disse-me há dias que o Plano Bolívar que
começou com erros é um dos planos que detectou ter melhorado
muitíssimo.
A que erros te referes?
20. Por exemplo, o uso do dinheiro de uma parcela orçamental para
atender a outro problema. Estas parcelas estão rigidamente
distribuídas: se se destinarem 20 milhões de bolívares
para reparar habitações, não se podem desviar para outros
gastos.
21. Lembro-me de que uma vez, no meio da multidão apareceu uma mulher a
chorar com um menino que tinha uma perna defeituosa, parecia um monco. Um
rapazinho de 7 ou 8 anos que não podia andar e ela a carregá-lo.
Vi-a, impressionou-me muito, parei, saí do carro, comigo não
estava o governador, mas o general chefe da guarnição e, ao mesmo
tempo, chefe do Plano Bolívar. A mulher conta-me que o menino nasceu
assim e que nunca tinha podido operá-lo. Vem cá, general,
anota aí a direcção, manda-o para o operarem.
Então tinha de se pagar essa operação; outras vezes
tratava-se de uma prótese que se devia pôr a alguém, sei
lá. Tinha de se pagar e então iam buscar o dinheiro a alguma das
parcelas. Alguns por inexperiência, outros aproveitaram-se.
22. Então como no princípio a Procuradoria estava nas mãos
de adversários do meu governo, começaram a aproveitar-se destas
coisas para fazer toda uma campanha contra.
23. Quando surgiu a denúncia: Corrupção no Plano
Bolívar, pensei: destroçaram o Plano. Imagina, a imprensa
trata de destruir todos os nossos projectos, sai uma lista com os nomes dos
militares supostamente corruptos. Chamei alguns e disse-lhes que tinham de
justificar os gastos até ao último bolívar. Então
iniciou-se um processo de investigações, eles tiveram de
começar a procurar o senhor da perna, onde pagaram a perna de pau que se
fez para essa pessoa. Verificou-se factura por factura. E assim se
começou a justificar quase todo. Alguns casos estão pendentes,
outros quando não puderam justificar-se foram demitidos.
10) OPINIÃO DA
PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA
Evidentemente muita gente ficou com a primeira informação
da imprensa e nunca soube os resultados da investigação. É
terrível como se lançam campanhas infundadas e a seguir, quando
se obtêm dados que demonstram a falsidade dessas acusações,
os meios de comunicação não rectificam e se chegam a
fazê-lo fazem-no de uma forma tão pouco destacada que
ninguém dá por isso.
24. Assim é. Mas voltando ao plano, a Procuradoria Geral da
República determinou que as metas do Plano Bolívar do anos de
1999 e 2000 se cumpriram em 280 por cento.
25. Este ano, por exemplo, não pudemos dar recursos ao Plano
Bolívar, o que estão a fazer é terminar coisas que ficaram
pendentes do ano passado, como este projecto que hoje vimos.
[4]
11) FASE ACTUAL: O REGRESSO AOS QUARTÉIS
26. Agora o plano passou a outra etapa, a que chamamos: entrar na
estrutura. Já não são centenas de militares nas ruas.
Já tenho governadores, presidentes dos municípios, planos em
marcha, estrutura. Já não é o governo de há 3 anos.
Então eles limitaram-se a ser uma espécie de coordenadores de
projectos especiais em coordenação com os governos locais e
regionais. Já não andam sozinhos a fazer as coisas.
27. E há militares que regressaram aos quartéis para se dedicarem
em pleno às actividades de rotina, porque chegámos até a
utilizar unidades de combate e precisamos de ter unidades de combate a
treinar-se para o combate: ter batalhões de infantaria, os rapazes dos
submarinos, os batalhões de pára-quedistas fazendo a sua
instrução. Então, boa parte dessa gente retornou à
sua função de rotina.
12) ORGANIZAR UNIDADES DE RESERVISTAS
28. Estamos também a organizar unidades de reservistas. Em que
consiste? Em convocar rapazes que já passaram pelas forças
armadas, na maioria jovens desempregados, sem educação
especializada, sem formação, a constituir cooperativas. No ano de
2001 organizámos 8 mil desses rapazes e eles passaram a formar
cooperativas. A mesma ideia: cooperativas, microcréditos,
doação de terras; até temos estado a transferir activos
que são do Estado mas que estavam por aí desactivados nas
mãos do FOGADE (Fundo de Garantia de Depósitos Bancários).
Quando aqui houve aquela crise bancária fenomenal, foram-se embora
muitos banqueiros, mas deixaram aqui muitos activos e o Estado apropriou-se
deles: eram garantia dos depósitos. Muitos foram vendidos para se
recuperar o capital, mas ficaram por aí terras, fábricas
abandonadas. Então temos vindo a transferi-las para grupos de
reservistas para que eles funcionem como unidades de reservistas: que tenham
treino militar coisa que não se tem cumprido muito bem por falta
de recursos e trabalhem formando cooperativas. Dão-se-lhes cursos
agrícolas e eles põem-se a trabalhar.
29. Faz parte do Plano Bolívar: organizar as reservas que
é o povo e dotá-los de instrumentos de trabalho. O Plano
Pescar 2000 continua, já tem um capital acumulado: uma cooperativa de
pescadores em contacto com a Marinha. Esta apoia-os, chega aos seus portos,
ajuda-os a reparar motores. Ou os guardas nacionais nas fronteiras com os
indígenas que estão unidos.
3. A DERROTA DO GOLPE DE ABRIL ASSENTA NA ACÇÃO
CÍVICO-MILITAR
30. Marta, o que aconteceu a 12 e 13 de Abril tem a ver com este
processo cívico-militar, porque para além da
atenção social, para além da pouca, nenhuma ou muita
participação social que tenha havido nesse intercâmbio no
Plano Bolívar e das suas falhas, cumpriu-se o objectivo: a
aliança cívico-militar. No 12 de Abril, entre outras coisas,
viu-se aqui o que nunca se tinha visto no país: centenas de milhares de
venezuelanos desarmados, muitos deles sem direcção
política, sem orientação, sem um plano preconcebido
falha nossa dirigiram-se para os quartéis realizando grandes
concentrações diante ou em volta deles. Cantavam o hino nacional,
falavam aos soldados e gritavam-lhes: Soldado, consciente, busca o teu
presidente! Soldado, amigo, o povo está contigo!
Não foram só ao Fuerte Tiuna, mas a muitos quartéis em
várias partes do país. Porque se dirigiu o povo a esses
quartéis? Nunca tinha acontecido nada assim. E não era por eu
lá estar. De facto a massa que rodeava o Fuerte Tiuna no terceiro dia,
quando já se sabia que eu não estava lá, era
impressionante: mais de 300 mil pessoas.
31. Também aconteceu nalguns lugares como em Maracay, que um grupo de
militares da brigada de pára-quedistas viram que havia gente fora do
quartel, mas disseram: falta mais gente, falta povo que se una a nós, e
foram aos bairros. Claro, eles conhecem os dirigentes dos bairros e esses
dirigentes conhecem-nos a eles, porque cada unidade militar fez o seu plano e
distribuiu sectores: ao batalhão tal corresponde o bairro tal. E nisto
já têm 3 anos neste contacto em que o militar vai ao bairro, faz
patrulhas, constrói a escola ou monta o posto médico, e assim
começa a dar-se a conhecer. O militar sabe que indo ao bairro tal
não o vão rejeitar como antes. Após a matança do 27
de Fevereiro, por exemplo, para ir a um bairro pobre um militar tinha de se
desfardar, pois corria perigo dado que o povo sabia que eram militares os que o
haviam massacrado. Hoje chega um militar e toda a gente o cumprimenta com
entusiasmo e alegria.
32. Toda esta reacção não teria ocorrido sem esse contacto
profundo entre o exército e o povo. Isto é Mao
[5]
. A água
e o peixe. O povo é para o exército como a água para o
peixe. Na Venezuela hoje temos peixes na água e por isso a campanha
contra o Plano Bolívar, para tentar partir, fracturar essa unidade. Uma
boa parte dos militares está junto do povo. Claro, não todos,
porque há sectores militares opostos, que se fizeram eco do discurso dos
adversários. Qual é este discurso? Que Chávez vai acabar
com as Forças Armadas, porque afecta a operacionalidade do corpo
militar, porque agora os militares andam a limpar fossas, ou seja, um pouco
denegrindo o plano: andam a limpar ruas, o que na rádio, imprensa e
televisão lá fora impressiona, e cá dentro também,
e alguns militares fizeram-se eco disso, e no entanto, a resposta de baixo
é positiva ao plano. Vemo-los felizes. Hoje vi aí esses
militares, sobretudo o responsável do Plano Bolívar em Puerto
Cruz, o comandante da Marinha, Becerra, feliz por ver terminada a sua escola,
que ele fez com a sua gente.
II. A EXPLICAÇÃO DO GOLPE
Em relação com o aspecto pacífico da
revolução, quando te perguntaram se não receias que se
produza um novo Chile no teu país, pensando no golpe de Estado contra
Allende, respondeste que a diferença entre os dois processos é
que o primeiro foi uma revolução desarmada e que a
revolução bolivariana tem armas e homens dispostos a
usá-las em caso de necessidade para a defender; e, por outro lado,
exprimiste antes do golpe de Abril de 2002 que qualquer tentativa de golpe de
Estado na Venezuela poderia gerar uma radicalização da
revolução, pelo que a oligarquia tinha de pensar muito bem se se
decidisse a dar esse passo
[6]
. Afirmaste também que ter força
militar não significava necessariamente usar as armas sem
contar com ela como uma força de apoio e uma força
dissuasiva
[7]
. De facto, pelo que contas, foram as forças armadas
que bloquearam uma tentativa de golpe militar que se preparava durante o
processo eleitoral de 1998 e foram elas que impediram a fraude eleitoral nos
inícios do processo. Por outro lado, não se pode negar que
desempenharam um papel importantíssimo durante o actual processo: em
primeiro lugar, como garantes de seis processos eleitorais em menos de dois
anos, evitando fraudes e golpes militares; em segundo lugar, como os principais
executores do Plano Bolívar 2000 e dos planos de emergência para
fazer frente às consequências dos desastres naturais que sofreram
vários povoações venezuelanas.
33. Compreendo que antes do golpe de 11 de Abril de 2002 achasses que a maioria
dos altos comandos te apoiava, apesar de nos últimos meses terem
aparecido publicamente alguns oficiais de alta patente pedindo a tua
renúncia à presidência da República, e a recente
renúncia do general Guaicaipuro Lameda à presidência da
empresa estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA), manifestando
contradições com algumas políticas do seu governo.
É assim?
No entanto, o golpe de 11 de Abril de 2002 só se pôde dar porque
um sector não descurável dos altos comandos apoiou a
oposição, embora também seja certo que o teu retorno ao
governo se deveu, entre outras coisas, a que muitos desses comandos
reconsideraram e finalmente acabaste contando com um apoio maioritário
entre as fileiras militares.
1. PERCEPÇÃO ERRADA DO NÍVEL DE APOIO
A que se deve que tivesses uma percepção errada do nível
de apoio com que contavas nas Forças Armadas?
E aqui coloca-se todo um grande tema: tal como um governante consegue ter uma
informação objectiva do que acontece no seu país quando,
por um lado, costuma suceder que as pessoas que o rodeiam para o comprazer,
para não o preocupar ou por oportunismo evitam informá-lo dos
problemas transmitindo-lhe uma informação adocicada, e por outro,
sucede também que a própria atitude do governante o leva a
não atender às informações críticas. Que
mecanismo há para evitar o que Eduardo Galeano uma vez conversando
indicava como o problema do eco, o governante e o seu eco?...
34. Ou como diz Matus: o líder e a sua gaiola de
cristal.
35. Olha, sobre a primeira pergunta, eu sem dúvida sobreavaliei a
força de um grupo de pessoas que julgava conhecer suficientemente, deve
ter sido o coração..., quando os sentimentos desempenham um papel
importante às vezes é fatal, trágico. Desde 1999 tenho
vindo a respeitar as antiguidades; o quadro militar, respeitando-o com pequenas
variações, não houve nenhum cerceamento da cúpula
militar. E quanto à percepção da sua
disposição a respeitar a Constituição, o governo, o
seu Comandante em Chefe enganei-me, mas só com alguns, na verdade
não foi um engano total, se tivesse sido total não
estaríamos aqui tu e eu sentados porque na verdade a resposta que houve
no sábado e que permitiu o retorno do governo, indica de maneira
objectiva de que a grande maioria de generais não estava comprometida.
Foi uma minoria que conseguiu confundir o resto. Eu desconfiava de alguns
deles, não houve surpresa com os que motorizaram o golpe;
tínhamos informações delicadas, por exemplo, sobre o adido
militar que estava em Washington e alguns gestos de outros generais. Mas
reconheço que me enganei com alguns que estavam em
posições-chave como o comandante do Exército, o general
Vázquez Velasco e que nunca cheguei a pensar que esse grupo de oficiais
fosse chegar a esses extremos, ou seja, a comprometer-se como o fez com o
movimento golpista. Aqui tem de se assumir como autocrítica: ter muito
mais os olhos abertos.
36. A questão da renúncia foi uma coisa que nos afectou
muitíssimo. Muitos militares foram surpreendidos por esse manejo da
situação, mas logo reagiram.
37. De qualquer modo foi um ensinamento; de agora em diante vamos atender com
muito mais cuidado a alguns gestos, vamos procurar ter muito mais
precisão na avaliação individual de cada ser humano: os
seus interesses, os conflitos internos da instituição, muitas
vezes injectados de fora.
2. COMO UM GOVERNANTE PODE TER UMA INFORMAÇÃO OBJECTIVA
38. Agora, em relação à segunda pergunta sobre como
um governante pode conseguir uma informação exacta do que sucede
no país. Não tenho dúvidas de que um governante necessita
de uma equipa que faça um acompanhamento permanente e que o informe do
que se passa sem desvirtuar a realidade, sem esconder
informações. Ora, é certo o que dizes, que por variadas
razões se costuma não informar claramente da
situação o Chefe de Estado, e creio que isso é
inevitável. O que faço para o corrigir? Leio os jornais, é
uma forma de me inteirar de coisas, sobretudo as páginas interiores onde
vêm denúncias, cartas do público, a página dos
leitores; gosto muito de vasculhar por ali e começo a chamar gente.
Olha, o que se passou com isto? Que problema é
este?
39. Por outro lado, tenho no Palácio um grupo de pessoas, algumas
militares, outras civis, a que chamo os Inspectores. Mando-os fazer
inspecções imprevistas em sítios determinados e que me
tragam informação do que virem com fotos e relatos da
população. Por aí fico ao corrente de muitas coisas, as
que funcionam e as que funcionam mal ou não funcionam mesmo. Insisto
muito com eles para que me digam as verdades. Com o chefe de Inteligência
insisto muito para que me informe dos factos, das tendências, no momento
em que se derem. É claro que os meus informantes têm de ter
critério, porque também não se trata de o presidente ser
atafulhado de boatos, de todas as informações que correm pela
rua, mas sim das que o critério deles possa influir na tomada de
decisões. É uma minha prédica constante. E nisso creio que
estamos a melhorar.
40. Por outro lado, Marta, tenho a tendência para me escapar da
prisão da jaula de cristal de que fala Matus, e tendo muito ao contacto
directo com a gente. Recebo uma enorme quantidade de papéis e cartas,
claro que não tenho tempo de lê-los a todos esses papéis e
cartas que me mandam, mas uma parte importante leio e os rapazes que trabalham
comigo lêem, processam, passam-me resumos e por aí chegam-me
queixas de diversos âmbitos: sociais, económicos, populares, ou o
contacto com pequenos grupos como o que tivemos nas Malvinas, com uns 60
dirigentes dos bairros, que informam , criticam, participam, entregam
anteprojectos, ideias. Outras vezes, quando passo pela rua, faço
perguntas.
41. Todos estos são mecanismos, uns institucionais, outros pessoais; uns
conjunturais, mas devem ser acima de tudo estruturais.
42. Tenho consciência de que isto não se pode limitar a
acções pessoais, espasmódicas, deve ser um processo
contínuo, com uma metodologia para diagnosticar, avaliar,
inspeccionar... Tem de se organizar um serviço que seja eficaz a
detectar os problemas e a seguir as instruções. Creio que
é essa a melhor maneira de nos inteirarmos o mais possível dessa
realidade que o circunda, porque seria terrível que a uma pessoa o
tenham enganado, que se acabe por ser um autista, pensando que tudo vai bem e
afinal o país está a afundar-se.
E quanto à tua equipa assessora, procuras rodear-te de pessoas
críticas? Aceitas facilmente a crítica?
43. Sim, evidentemente que sim e sou eu que a peço. Não me
agrada gente complacente. Se há decisões que se tomam e de que
não compartilha um ministro ou um funcionário, parece-me
absolutamente correcto que se exponha, que se discuta, que se delibere em busca
da melhor opção.
3. A DIMENSÃO DA TRAIÇÃO
44. Não achas que a primeira coisa a ter em conta é que os
militares não são um todo homogéneo. E creio que o que o
golpe de 11 de Abril justamente revela é que podes contar com o apoio da
grande maioria da tropa e da suboficialidade, e que os que te traíram
foram fundamentalmente membros do alto comando: o sector mais permeável
à ideologia das casses dominantes, não é?
45. Sim, mas também não são todos os generais...
1) SÓ UNS 20 POR CENTO
Quantos generais estiveram com o golpe?
46. Os realmente golpistas, que andavam a planificá-lo há
muito tempo e que se juntaram à operação de
manipulação e de apoio ao golpe, não passam dos 20% e
talvez já esteja a exagerar. E se analisares quase todos um por um
conseguirás compreender as suas razões. Umas são
políticas, outras económicas; uns por falta de compreensão
do processo político, uns influenciados por essa campanha persistente de
que o comunismo, que a guerrilha colombiana, que as milícias populares
bolivarianas, que o plano para debilitar as forças armadas, etc. Uns
confundidos, outros comprometidos com isto.
47. De quase cem generais, esse grupo não passa de 20, embora tenham
aparecido muitos no vídeo
[8]
. O que leu o comunicado estava na
conspiração, mas a maioria dos demais estava lá porque
foram chamados, manipularam-nos, disseram-lhes: O presidente mandou matar
gente, vejam as imagens, e agora quer que saiamos à rua para matar mais
gente. Ele mesmo disse que maldito é o soldado que dirija as armas
contra o seu povo frase de Bolívar e por isso não
vamos obedecer-lhe, vamos pronunciar-nos institucionalmente. E muitos
caíram neste jogo, neste engano, nesta manipulação.
4. QUEM SÃO OS MILITARES GOLPISTAS
1) HOMENS DE PRIVILÉGIOS
Como caracterizarias o grupo de golpistas?
48. Quase todos os do grupo conspirador são homens de
privilégios, de contactos políticos com o ambiente anterior, com
AD e COPEI, ou oficiais que fizeram fortunas, às vezes de duvidosa
proveniência em combinação com cães da guerra. Havia
cães da guerra metidos no golpe. O senhor Pérez Recao, vendedor
de armas e equipamentos militares.
49. Enfim, continuo a pensar, mesmo com o que aconteceu, que a maioria
inclusivamente dos generais gente da minha geração
não foram participantes activos no golpe.
Qual é a tua análise do que aconteceu dentro das
forças armadas? Como foi possível que militares de tua relativa
confiança tenham sido ganhos para essa tentativa golpista?
50. A Venezuela está a viver um conflito histórico
assim o catalogamos um conflito terminal, uma guerra que acaba e uma
guerra que começa: é uma ruptura com o passado. E isto não
pode deixar de fora um sector que tem múltiplas
interacções: históricas, sociais, económicas,
psicológicas, etc., com toda a sociedade e os sectores que a formam.
Então as Forças Armadas desde há tempos têm vindo a
sentir o impacto do abalo nacional: não é um sector isolado dos
acontecimentos nacionais.
51. E dentro desse contexto, um grupo de militares certamente formados naqueles
critérios de democracia foram captados, foram convencidos por grupos de
civis, de políticos, grupos empresariais golpistas. São pessoas
que passaram décadas uma, duas e mais de duas décadas imersas num
processo e com influências do ambiente externo que gerava interesses
individuais ou grupais muito semelhantes aos interesses destes sectores civis,
políticos ou empresariais. Alguns destes militares que se comprometeram,
que foram os promotores do golpe, pertenceram durante vários anos a
grupos que se foram formando e amparando no poder estabelecido, foram-se
enchendo de privilégios ou assumindo posições de
privilégio, e quando chega a nossa revolução e se instala
o nosso governo começam a perder privilégios como, por exemplo, o
manejo da instituição armada, o manejo de contratos de compras
militares. Não é de estranhar por isso que um dos golpistas que
foi agora para os Estados Unidos e está quase demonstrado que estava por
trás do senhor Carmona, é um senhor chamado Isaac Pérez
Recao, que durante muitos anos fez negócios vendendo armas, espingardas,
granadas e veículos blindados às Forças Armadas. Este
senhor fez amizade, por exemplo, com um dos generais que estavam em Washington.
No dia do golpe esse general
[9]
veio de Washington no avião de
Pérez Recao e aqui se uniu aos golpistas, e até introduziu armas
de guerra mas não das Forças Armadas venezuelanas
no Fuerte Tiuna para assumir o controlo de alguns dos seus espaços.
52. Outros vinham a projectar-se como possíveis chefes militares, porque
estavam associados aos partidos que governaram o país durante muito
tempo. Aspiravam a ser generais de Divisão, chefes militares, chefes do
Exército, chefes das Forças Armadas, e não se realizaram
os seus planos, e foi então que começaram a encher-se de rancor:
Chávez promoveu outro e não me promoveu a mim,
Chávez está a dar os cargos aos seus amigos e não a
nós que estávamos propostos; enfim, a meritocracia e essas
histórias todas.
53. Basicamente foram estes com algumas excepções
os militares que se tornaram os motores da conspiração e
também manipularam um grupo de oficiais.
5. TRABALHO FEITO PELOS GOLPISTAS DENTRO DO CORPO DE GENERAIS
54. Esta noite
[10]
conversei com quatro generais da Força
Aérea que decidimos não levar a julgamento falei um a um
com muitos generais; quase todas as semanas falo com algum grupo e
então explicou um deles que um general golpista lhe disse que se
apresentasse ao comando aqui na base da Carlota e ele vem e apresenta-se. E ali
dizem-lhe: Já sabes o que está a acontecer, olha para essas
imagens, há uma manifestação pacífica e vê a
gente do presidente, os Círculos Bolivarianos armados a disparar,
matando esta gente, e passavam-lhe as imagens que todo o mundo viu.
O Presidente enlouqueceu e está a pedir-nos que vamos continuar a
massacrar a gente, mas nós não vamos fazê-lo, estás
de acordo? Bem, sim, estou de acordo, não quero matar
gente, é horrível isso que está a acontecer! E
também lhe disseram: Olha, o presidente renunciou e há um
vazio de poder e estamos a fazer um documento; vamos pronunciar-nos perante o
país. E vem uma câmara de televisão e um dos generais
lê o documento. Manipularam-no com mentiras e ele caiu no erro. Disse-me:
Fui um parvo, mas nunca mais me enganam! E eu acredito nele, porque
identificámos os que foram de facto os promotores, e sabemos que houve
outro grupo que foi enganado, manipulado, o grupo que pertence basicamente
à minha geração.
55. Além disso é um dado favorável que no dia seguinte
alguns deles tenham começado a reagir, a pensar com mais calma, a ver a
realidade e a assumir posições. Isto antes de eu regressar.
Esclareço-o porque se poderia pensar que foi ao meu regresso que
voltaram a saltar para este lado. Não, não, embora alguns o
fizessem. Foi no dia seguinte que a maioria reagiu quando se deu conta de que
eu não renunciara. Começam a pronunciar-se alguns de maneira
muito firme, outros mais reservados, mas no fim de contas esses pronunciamentos
acompanhando a reacção popular é que permitiram que a
situação se revertesse.
56. Um dos generais golpistas, por exemplo, foi chefe da Casa Militar de
Caldera e muito amigo do genro de Caldera; outro dos golpistas é um
general reformado, mas que estava no activo quando ganhei as
eleições e tentou preparar um golpe de estado contra mim, mas
não pôde, não teve forças para o lançar em
Dezembro de 1998. Ou seja, há uma diversidade de razões, umas
individuais, outras políticas, que foram agrupando estos militares
aproximando-os de partidos políticos, Acción Democrática,
COPEI, sectores empresariais, traficantes de armas, etc., e meios de
comunicação com certo poder. Conseguiram sublevar-se num momento
conflituoso alimentado de fora, preparado em parte por um conflito como o de
PDVSA
[11]
, um conflito interno de luta de sectores, de luta de poderes
internos. Foi sobre este cenário golpista que vinham já
preparando desde há certo tempo que se deram os acontecimentos do 11 de
Abril.
6. PORQUÊ UMA ATITUDE TÃO BENEVOLENTE. FRAQUEZA OU FORÇA?
Dizes que decidiram não os levar a julgamento. Qual é a
razão que te leva a uma atitude tão benevolente, pois deves saber
que tanto fora como dentro da Venezuela existe a preocupação de
que aqui não se castiga ninguém, que apesar de ser um governo que
içou com grande força a bandeira da luta contra a
corrupção, não se julgou nenhum corrupto, havendo
porém provas evidentes de corrupção. E o mesmo no caso do
golpe. Compreendo que em sectores da tropa e da suboficialidade que
estão absolutamente com o processo não se perceba esta atitude do
governo. Também não se percebe que tenhas nomeado o general
Rincón, que anunciou a tua renúncia, como ministro da Defesa.
Tudo isto dá a impressão de debilidade e não de
força. Há quem pense que a correlação de
forças dentro das forças armadas te é tão
desfavorável que não te restou outra possibilidade senão a
de conciliar. O que podes dizer a este respeito?
1) QUAL É O CONCEITO DE FORÇA?
57. Haverá muitas maneiras de ler uma realidade como esta. Se
é fraqueza ou força depende de como se conceba a fraqueza e como
se conceba a força. Ao nosso regresso, a seguir ao golpe de estado de 11
de Abril, tínhamos várias opções: uma era vir
mostrar força do ponto de vista tradicional, entendendo isto como a
execução de acções contundentes; como um
batalhão de tanques que ataca, que vai avançando e destruindo
posições e derrubando um muro após outro e ocupando
espaços. Uns concebem a força desta maneira, é uma
concepção respeitável, não estou a denegri-la, mas
não deixa de ser uma concepção que não é
exactamente válida para todas as situações. Imagino que os
nazis quando iam para Leninegrado iam com esta concepção de
força: vamos avançar até ao coração do
inimigo e rebentá-lo. Há outra concepção de
força, vês essas canas de bambu
[12]
, é uma imagem que
utilizam os chineses. O bambu verga, não se quebra, ao contrário
de outras árvores aparentemente muito mais fortes que se quebram. Creio
que desde sempre tive esta concepção da força: a
força da flexibilidade, a força da manobra, a força da
inteligência e não a da força bruta, isto é, a de
demonstrar à primeira sinais de força mas que muitas vezes
não aguentam um tempo determinado.
2) AS OPÇÕES
58. Voltando ao que te dizia, quando regressei tinha várias
opções, uma delas era demonstrar força no sentido que
indiquei: se tivéssemos metido um grupo de gente na prisão teria
sido interpretado como força, mas não o fizemos. Uns
saíram do país, outros estão em casa, uns com
restrições de movimentos e outros sem restrições,
só que os convocam semanalmente a um tribunal porque estão em
processo de investigações.
59. Marta, lembro-me que quando fizemos a nossa rebelião nos puseram
presos como se diz aqui a Raimundo e toda a gente. Éramos
uns 300, não cabíamos nas prisões, tiveram de inventar
prisões; na prisão onde eu estava até puseram minas
à volta porque havia o temor de que me fossem libertar, não nos
deixavam falar com o país porque se temia que disséssemos a
verdade; para nos visitarem a mulher e os filhos e familiares tinha de se fazer
uma lista e mandá-la com uma semana de antecedência ao
Ministério da Defesa para autorizarem a sua entrada. Pablo Medina
[13]
,
sem dúvida, propôs na altura que nos interpelassem no congresso e
responderam: Que ideia, esses golpistas não devem falar!
Tivemos de fazer uma entrevista em Yare com José Vicente Rangel com a
cassette escondida, clandestina, mas o governo soube e mandou encerrar o
programa. Revistaram-me a casa, levaram até roupa das crianças,
um dinheirito que tinha a minha primeira mulher. Eu perguntaria: foi isto uma
demonstração de força? No fundo era uma
demonstração de uma grande fraqueza. A mim não me
dá nenhum temor nem me aquece nem arrefece que Carmona Estanga tenha
estado creio que quinze ou dezasseis horas na Assembleia Nacional, interpelado,
e que tenha havido transmissão ao vivo pela televisão e
rádio para todo o país. E que o general tal e o almirante tal
digam a sua verdade. Creio que ficaram muito mal vistos alguns deles quando,
por exemplo, disseram: Aqui não houve golpe. A gente ria-se.
Não houve golpe? E Carmona Estanga dizendo: Aqui houve um vazio de
poder e a mim chamaram-me uns militares e eu fiz juramento. Nisto
não acredita nem ele mesmo, fez uma figura ridícula. O povo
dá-se conta, creio que foi uma lição, uma pedagogia.
Agora, não te nego que pode haver gente, sobretudo gente jovem muito
impulsiva, que pode pensar que isto é fraqueza e que esse senhor
não deveria estar ali a falar, que deveria estar fechado em Yare onde me
detiveram a mim. Se calhar tu mesma compartilhas desta posição.
60. Mas quero esclarecer-te que não é que os golpistas estejam
desculpados, não, Marta, está-se é a aplicar a
Constituição.
3) DEBILIDADES DA CONSTITUIÇÃO PARA ATRIBUIR
SANÇÕES AOS CULPADOs
61. Nós decidimos tornar-nos um partido político, meter-nos nas
eleições, instalar-nos como governo, convocar uma Constituinte,
reconhecer então cinco poderes e elaborar esta
Constituição, que é bastante humanista e contém
elementos que vieram a revelar-se demasiado permissivos, como o de que um
general, um almirante a Constituição não estabelece
excepções para ser julgado tem de ser submetido antes a um
juízo prévio de mérito, isto é, decidimos aceitar
as regras do jogo que estabelecemos e é o que se está a fazer.
62. O Fiscal Geral da República já elaborou o juízo
prévio de mérito, mas isto não se pode fazer de um dia
para o outro, porque se pode anular o juízo se não estiver bem
sustentado; tem de se elaborar documentos, entrevistar pessoas. A mim
entrevistaram-me três fiscais durante cinco horas e entrevistaram
muitíssima gente. A seguir o fiscal geral, de acordo com o prazo marcado
pela Constituição, entregou um longo documento ao Tribunal
Supremo de Justiça, que está agora a examiná-lo para ver
se há motivos para julgar esses senhores.
63. Se não se cumprir isto simplesmente estaremos a violar a
Constituição. É claro que a Procuradoria também
adoptou algumas medidas, estabeleceu certas restrições: podem
sair do país, têm de se apresentar, não podem emitir
opiniões públicas, não podem participar em
manifestações.
64. Se se considera um acto de fraqueza o cumprimento da
Constituição, imagina o que isso significaria!
65. Ora se a Constituição é demasiado permissiva em certos
artigos e já temos vindo a detectar vulnerabilidades
deveria ser revista, para ver se lhe fazem alguns retoques. É tão
válido como quando se constrói uma casa e se descobre que
está debilitada uma das suas colunas e se decide fortalecê-la.
Há gente que já pensa solicitar emendas para fortalecer alguns
elementos da Constituição. É este o processo constituinte
e isto é válido. Também a oposição
está a pedir emendas por outro lado, e é válido que o
façam, que recolham assinaturas, que vão lá, depois
terá de se ir a referendum.
66. Não posso violar esta Constituição. Mas também
não posso ignorar que há fraquezas estruturais muitas vezes a
retardar o ritmo que devia ter o julgamento ou que impedem de determinar com
exactidão a verdade nalgum espaço.
INSPECÇÃO E JULGAMENTOS AOS MILITARES
Com os recentes acontecimentos a nível judicial, o que vai
acontecer com os julgamentos aos militares golpistas?
67. A situação está a complicar-se e a atrasar-se,
produto da estratégia adversária, a estratégia dos
juristas que apoiam e defendem os golpistas e as suas redes e conexões.
Estão a valer-se das contradições do Tribunal Supremo de
Justiça. Conseguiram numa primeira instância retardar.
68. Esta semana que termina hoje
[14]
, o Tribunal Supremo deveria ter-se
pronunciado. Há bastantes provas de que um grupo de generais e
almirantes tiveram responsabilidades no golpe e estão já
imputados pelo fiscal, após um trabalho árduo. No entanto, devido
a um magistrado ter recusado o presidente do Tribunal Supremo de Justiça
e este por sua vez ter recusado quem o recusou, ali armou-se uma alhada, e
então decidiram adiar, informaram-me que é 4 de Julho a data em
que devem tomar a decisão. Antes dessa data devem ter solucionado os
problemas de recusa e contra-recusa produto da manobra política de um
grupo de infiltrados no Tribunal de Justiça, que entraram naquela
ocasião com uma posição e que hoje têm outra.
Estão a tentar deter uma acção do Estado de aplicar a
justiça necessária, imprescindível. Confio em que estas
recusas não venham diferir uma decisão que, a todas as luzes, o
país está esperando. E não só que se faça
justiça no campo militar, mas também no campo civil.
69. Esta é uma prova de fogo para essas instituições que
têm falhas estruturais
[15]
.
E se isso não se conseguir, que saídas há?
70. Há saídas. Tenho um recurso constitucional de convocar
um referendum aprovatório consultivo, revogatório e outra serie
de medidas que temos estado a analisar perante possíveis cenários.
71. Suponhamos que o Tribunal Supremo de Justiça acabe por ser
sequestrado definitivamente por uma minoria que consegue uma maioria sob
pressão, ou de fora controla o Tribunal de Justiça e que este se
torna uma entidade que em vez de administrar justiça a desadministra,
que em vez de julgar os golpistas acaba por julgar o presidente da
República, como alguns propõem e já estão a dar
passos para isso; nesse caso, o país não só a
Constituição, o país real, essa grande percentagem
de venezuelanos tem de ajudar a achar uma saída que queremos que seja
pacífica, que queremos que seja democrática dentro do
âmbito da Constituição. Poderá ser um referendum, a
própria Constituição coloca a possibilidade de uma emenda
constitucional que teria de ir a referendum
[16]
e já
começámos a considerá-la como uma medida que nos permita
destrancar esta situação para reformar alguns artigos da
Constituição, apoiados na maioria que conservamos na Assembleia
Nacional e que estamos a tentar fortalecer. E há outro recurso extremo
que é convocar o poder constituinte de novo, mas como se fez isto
há só três anos, terá de se esgotar primeiro as
instâncias prévias de emendas, de reformas. A
Constituição pode ter muitos defeitos mas uma das maravilhas que
tem, e que são bastantes, é que estabelece o mecanismo para o
poder constituinte não ser expropriado ao povo. No caso de uma crise
política institucional sem saída, resta sempre o recurso de o
povo, recolhendo assinaturas até uma determinada percentagem, ou a
assembleia nacional, ou o presidente, poderem activar um referendum para chamar
o povo, a quê?, a reformar, a emendar ou reestruturar e até a
elaborar um novo texto constitucional. Para realizar isto, repito, obviamente
terá de se esgotar as instâncias prévias.
E não poderá pensar-se num referendum simbólico, em
chamar a gente a votar, mas não numa votação formal,
simplesmente a pronunciar-se, porque para mim é evidente que neste
momento os golpistas são absoluta minoria; penso que haverá muita
gente que está contra Chávez e contra provavelmente a maioria da
assembleia nacional, mas que rejeita uma saída golpista.
72. Sim, seria simbólico político.
Claro, como fizeram os zapatistas, como se fez no Brasil com a
dívida externa, chamando a gente a pronunciar-se, pondo um papelinho
numa urna. Isto não é legal, mas também não
é ilegal; e é um facto político.
73. É um recurso válido em muitas partes do mundo.
Nós temos na nossa Constituição a figura do
referendum consultivo e poderá ser uma medida
política que pudéssemos jogar nestes próximos meses, que
embora não seja vinculativa, no entanto é uma
manifestação política.
Em que consiste o referendum consultivo?
74. É como perguntares à tua família: Olhem,
está a chover, o que querem, vamos passear pela montanha como
tínhamos previsto ou ficamos em casa? Se calhar a maioria diz:
Não, vamos ficar aqui, papá, mas apesar dessa
opinião o pai pode decidir que vão apesar de tudo porque tinham
tudo pronto. A opinião que manifestaram não é vinculativa
para o pai. Se se tratasse do governo de um estado não seria
vinculativo, mas seria politicamente muito significativo.
75. Hoje estivemos a examinar a Constituição e há
lá um cenário que podia apresentar-se e deslocar o centro de
gravidade do conflito para o fiscal, isto é, para as
instituições, o poder constituído, para a rua, para o povo
e a opinião pública. Porquê? Porque a
Constituição indica que o fiscal geral da República, tal
como o procurador ou o defensor do povo, são designados pela assembleia
nacional, com o voto de pelo menos dois terços dos seus membros, mas que
se a assembleia nacional não chegar a acordo nessa percentagem
mínima de dois terços para designar um senhor ou senhora para o
cargo, então deve-se elaborar um trio de candidatos e submetê-lo
à consulta popular para ser o povo a decidir quem deve ser o fiscal
geral da República, o procurador ou o defensor do povo, se a assembleia
não conseguir o acordo para accionar os mecanismos constitucionais.
É um cenário interessante porque seria passar a bola ao povo.
7. DIFERENTES NÍVEIS DE RESPONSABILIDADE
76. Há diferentes níveis de responsabilidade, há um
primeiro grupo de militares, os golpistas a sério, que estão
submetidos a esse juízo prévio de mérito, e também
um segundo grupo. Há outro grupo a que decidimos, com base num estudo
consciencioso, não mandar a julgamento, mas submetê-lo a uma
figura que está na Lei Orgânica das Forças Armadas, chamada
Conselho de Investigação.
1) MILITARES SUBMETIDOS A CONSELHO DE INVESTIGAÇÃO
Quando dizes decidimos, o que significa?
77. Falo no plural porque não sou eu sozinho, eu recebo
recomendações dos comandos militares e de outras fontes que me
dão informações, que fazem investigações, e
eu encarrego-me de obter outras informações. Assim vamos
consolidando informações para nos aproximarmos da verdade sobre a
actuação de tal ou tal militar. Este Conselho de
Investigação também é uma coisa séria que
não se pode fazer de um dia para o outro, não podes demitir um
militar, que já tem um grau e direitos, sem fundamentação.
A Constituição estabelece o devido processo e o direito à
defesa. Tens de lhe dar o direito de se defender, senão
continuaríamos a cair em atitudes como as de Carlos Andrés
Pérez, que demitiu militares, sem julgamento nem
investigação, deixaram-nos até descalços,
tiraram-lhes as armas e tudo, uma humilhação e aí sim,
pagaram justos por pecadores. Muitos justos e poucos pecadores, no nosso caso.
78. Agora esses senhores que estão a ser submetidos a Conselho de
Investigação, já estão na fase final. Há
cinco dias assinei uma recomendação para demitir dois almirantes:
um que comandava a Infantaria da Marinha em Carúpano no Oriente, e outro
que estava aqui em Caracas. Consideramos que cometeram falta grave e não
crime, porque se o Conselho de Investigação determina que houve
crime ou presunção de crime então vai pela via do
juízo prévio de mérito que é mais demorada. O
Conselho de Investigação é mais rápido porque a
aplicação de sanções depende do Comandante em
Chefe. Há uns quinze generais e almirantes do Exército, Marinha,
Aviação e Guarda Nacional submetidos a Conselho de
Investigação agora mesmo, e aí decidiremos se
mandá-los a julgamento, prendê-los por uns dias,
admoestá-los verbalmente ou demiti-los da Instituição.
2) ADMOESTAÇÃO VERBAL
79. O que estou a fazer com alguns é sentá-los aqui e falar com
eles duas e três horas, e digo-lhes: Cometeste um erro.
Também digo: Bem, vais continuar no teu cargo, mas tens de tomar
consciência de que cometeste um erro e que se se repetir uma
situação parecida espero que não voltes a
cometê-lo. É uma sanção moral. Está
prevista nas nossas leis e regulamentos militares, é o que se chama uma
admoestação verbal. Vi aqui um general chorando dizer:
Hugo, enganaram-me, pequei por ingenuidade. E sei que falou a
sério; disse-me: Vê como sofreram os meus filhos, porque
saí na imprensa e eles gostam muito de ti. Até me dei
ao trabalho de reivindicar alguns publicamente, para um pouco compensar o
dano moral de um homem que tem vinte e tal anos de serviço, um senhor
já com netos e que se sente um soldado e mortificado porque o enganaram
e lhe disseram que Chávez tinha renunciado e que Chávez matou uma
data de gente. Então disse: Como acreditei nisso, meu Deus, porque
não acordei e pensei que era um engano? Não acreditei no meu
superior que mo disse, e acreditei no outro que me telefonou, e acreditei na
televisão e nesta campanha toda, como acreditaram muitos no mundo.
80. Penso que seria uma grande injustiça que estes oficiais manipulados
e enganados ficassem na prisão, porque aliás grande parte deles,
tudo o que fizeram foi que os chamaram, e eles apresentaram-se nos seus
comandos e aí apareceu um jornalista ou uma jornalista com uma
câmara, e então um deles, o golpista, começou a ler e ele
ali parado.
3) EVITAR A CAÇA ÀS BRUXAS
81. Após o golpe efectuámos transferências de militares, e
o justo é as decisões terem relação directa com o
nível de gravidade do implicado. E aqui temos estado a actuar com muito
cuidado, seria terrível que se desencadeasse uma caça às
bruxas nas Forças Armadas. A mim disse-me um oficial: Veja esta
foto, estivemos a analisá-la, o coronel Moreno no dia em que você
chegou não tem a bóina vermelha, o que tem é um gorro
verde, porque tirou a bóina vermelha e pôs o gorro verde?
Poderá indicar que já não queria parecer-se com o
bóina vermelha. Esclareço que este coronel Moreno é
chefe da Casa Militar e esteve comigo até ao último minuto no dia
do golpe. Eu respondi: Cuidado com o que estás a pensar, se nos
vamos pôr aqui a duvidar todos de todos, vamos acabar todos malucos. Esse
coronel arriscou a vida nesse dia, tu não sabes porque não
estavas; e sabes porque é que o coronel tem esse gorro; ele e o coronel
Morao, e os soldados que comandavam andavam com gorro verde, todos, porque
eles, dentro do plano táctico para retomar o Palácio, decidiram
tirar a bóina vermelha, porque com ela eram alvos facilmente
detectáveis, e com o gorro verde quem os via não sabia com quem
estavam. Tiraram o sinal que os identificava como gente do regimento de
Chávez e da Guarda Presidencial de Chávez. O rapaz de boa
fé estava a duvidar do coronel Moreno, mas imagina que por uma foto mal
interpretada ou por um boato ou por um comentário, se começa a
questionar sem razão alguns militares!
82. Outro disse-me: Olha que o coronel tal foi para casa, ninguém
o viu aqui no dia em que planificámos a retomada do
Palácio. Afinal esse coronel estava noutro sítio a fazer
outras coordenações. Quer dizer, não podemos guiar-nos
pelo impulso, por observações preliminares, e desencadear
num meio de resto tão complicado e tão sensível como as
Forças Armadas uma caça às bruxas.
8. PORQUE NOMEIA O GENERAL RINCÓN MINISTRO DA DEFESA
Podes explicar-me porque é que nomeaste ministro da Defesa o
general que anunciou ao país que tinhas renunciado, o general
Rincón? Isso é que ninguém percebe.
83. Ninguém percebe?
Ninguém. Como é possível que alguém que
disse que tu renunciaste não tendo renunciado possa contar com a tua
confiança?
84. Há muitas versões, mas eu sei a verdade, talvez
só eu a saiba exactamente. Sei o que o levou a dizer isso. Ele
não é culpado mas vítima de uma situação em
que eu estou implicado e se calhar por isso eu é que o compreendo,
talvez mais ninguém o compreenda. Sentir-me-ia muito mal se tivesse
demitido Rincón.
1) PENSA EM RENUNCIAR COM QUATRO CONDIÇÕES
Porquê? Tiveste uma atitude ambígua nalgum momento?
85. Não direi ambígua, mas houve um momento em que de
facto começámos a discutir a possibilidade da renúncia.
Foi quando me dei conta de que havíamos perdido quase toda a
força militar que tínhamos à mão para poder
resistir ou mover-nos para outro sítio. Então chamei José
Vicente; William Lara, o presidente da Assembleia, que estava no
Palácio, e pedi-lhes que viessem ao Despacho, e a outra gente ali,
outros ministros, e fomos ver a Constituição e
começámos a pensar na possibilidade da renúncia. Eu disse
ao grupo: Sou capaz de renunciar, mas se se cumprirem quatro
condições. A primeira era que se respeitasse a segurança
física de todos os homens e mulheres, do povo, e do governo;
segurança física e respeito dos direitos humanos; a segunda: que
se respeitasse a Constituição, isto é, se eu renunciasse
tinha de ser perante a Assembleia Nacional e o vice-presidente devia assumir a
Presidência da República até se convocarem novas
eleições; a terceira condição era falar em directo
ao país e a quarta: que me acompanhassem todos os funcionários do
meu governo e os rapazes que me guardaram durante anos. Também
não iriam aceitar isto porque era um grupo de choque que eu ia ter na
mão.
86. Então os emissários o general Hurtado Sucre, ministro
da Infra-estrutura, e o general Rosendo vão ao Fuerte Tiuna,
falam com os golpistas e regressam dizendo que sim, que lá tinham
aceitado as condições.
2) CHÁVEZ COMUNICA A RINCÓN A SUA DECISÃO DE RENUNCIAR
87. Eu tinha autorizado o general Rincón, que estivera comigo
toda a tarde e a noite, a ir ao Fuerte Tiuna saber o que aquela gente queria
realmente, nesse momento ele estava lá. No meio destas
circunstâncias ele liga-me e diz: Presidente, aqui estão a
exigir a sua renúncia e a pressionar-me para eu renunciar também,
mas eu disse que assumo a decisão que o Presidente tomar.
Então digo-lhe: Lucas, aqui chegaram Rosendo e Hurtado e disseram
que aí aceitaram as condições que estou a exigir para essa
possível renúncia. Diz-lhes que sim, que vou renunciar.
Dei-lhe luz verde. Ele vai dizer o que eu disse. O que ele disse foi: O
presidente aceitou a renúncia e eu também, com o alto comando
ponho o meu cargo às ordens. Assim é que tenho a certeza
absoluta de que ele disse o que eu lhe tinha transmitido por telefone.
3) RINCÓN DESCONHECE A
MUDANÇA DA SITUAÇÃO
88. O que se passou daí a 10, 20 minutos? Que ele faz esta
declaração e sai dali, mas passados poucos minutos chega-nos a
informação de que não, que já não aceitam
nenhuma condição. Eu tinha quase a certeza de que não iam
aceitá-las, era uma forma de ganhar tempo. Agora exigiam que eu fosse
para lá preso e se não o fizesse ameaçavam vir atacar o
Palácio. Em poucos minutos a situação tinha mudado.
89. E o desenlace foi que aceitei ser preso.
90. Lucas saiu, foi levar a família a qualquer sítio e no
sábado regressou a Fuerte Tiuna e juntou-se a García Carneiro e
ao grupo de generais que ali estiveram retomando o fio das coisas. De que se
pode acusá-lo, então?
4) INFORMOU-SE SOBRE ISSO
Informou-se sobre isso? Porque esta informação, que eu
saiba, não chegou ao exterior.
91. Já o expliquei, creio que também à
comissão especial política da Assembleia Nacional que investiga
os factos ocorridos durante o golpe de Abril quando foi entrevistar-me ao
Palácio. Já o dissera antes, quando o nomeei ministro da Defesa
para o avalizar e fortalecer. Por outro lado, é um homem que tem estado
comigo desde o início do governo. Foi chefe da Casa Militar, foi
ministro da minha secretaria, foi comandante do Exército e a seguir
inspector das Forças Armadas. E nomeio-o ministro da Defesa porque,
perante a nova situação que se dá ao nosso retorno, que
exige um diálogo político, o homem de mais experiência que
tenho no gabinete é José Vicente Rangel e por isso passei-o de
ministro da Defesa a vice-presidente. Mas há quem parece que não
compreenda isto.
9. ENSINAMENTOS DO GOLPE MILITAR
Poderás sintetizar-me os ensinamentos que retiraste do recente
golpe militar? Em conversa explicaste-me que no Fuerte Tiuna os comandos
golpistas estavam instalados num edifício e noutro mais afastado estavam
os regimentos e aí estava o general García Carneiro, um homem que
te é fiel, juntamente com as suas tropas. Disseste-me que ele foi
chamado ao outro edifício mas não quis apresentar-se para
não abandonar as tropas, até que por fim, como lhe disseram que
iam falar contigo a Miraflores, conseguiram convencê-lo, com o que essas
tropas ficaram sem comando e disso se aproveitaram alguns chefes militares
golpistas para as controlar por meio do uso da hierarquia e do engano.
92- Como dizia, tentei respeitar sempre a chamada linha de comando. As
instruções do comandante em chefe eram dadas sempre
através dos altos chefes militares. Agora, dada a situação
que ocorreu como te contava de García Carneiro e a dificuldade que tive
para poder falar com ele e outros generais das guarnições
militares que se mantiveram fiéis, com o general Baduel por exemplo; com
ele apenas pude falar numa ocasião, perdi logo o contacto, não
pude estabelecer contactos: tinham-nos sabotado as linhas de telefone do
Palácio.
93. Ora bem, trata-se de tomar isto como uma lição para
estabelecer mecanismos muito mais flexíveis, mais seguros, de
comunicação e de contacto directo, desde o comandante em chefe
até aos comandantes de unidades operativas, os que têm nas
mãos as armas, os que comandam os homens das forças armadas.
94. Não se trata de desconhecer os altos comandos, mas num conflito
interno ou externo um alto comando militar pode desaparecer por muitas
razões, ser capturado ou até eliminado fisicamente, pelo que o
chefe máximo deve ter a capacidade, os canais de
comunicação para não nunca perder uma coisa fundamental, o
comando militar directo sobre as unidades do exército, o que foi
vulnerado no dia 11 de Abril. Disso se valeram os golpistas para manipular
comandantes de unidades; para neutralizar outras unidades; para enganar chefes
militares que só tinham a informação que lhes davam estes
sectores de altos comandos, que os orientavam, desinformavam, confundiam,
enganavam e manipulavam.
95. Assim, esta é uma lição: o contacto muito mais directo
com a oficialidade média, e os chefes e os oficiais e também as
tropas.
Julgas contar com um apoio absolutamente maioritário nestes
sectores?
96. Sim, absolutamente maioritário. E poderia demonstrar-to.
E os altos comandos como vêem isso?
97. Não devem ver mal, embora possa haver alguma inveja, apesar
da prédica, da discussão, do tentar eliminar qualquer tipo de
inveja. Não se trata de desconfiança, mas de se preparar para
todas as eventualidades.
10. RADICALIZAÇÃO
DO PROCESSO E FORÇAS ARMADAS
Não pensas que na medida em que o processo revolucionário
se radicalizar será cada vez mais difícil contar com o apoio
maioritário de um corpo cuja formação está muito
influenciada pelos valores das classes dominantes, e que portanto é
muito permeável às campanhas que fazem os sectores
reaccionários contra o teu governo, como o demonstraram os
últimos acontecimentos?
98. Sim, creio que é normal; creio que em qualquer exemplo que
possamos dar de qualquer lugar do mundo isso acontece. Se aplicarmos as leis da
física até a nadadores que vão cruzando o Orinoco,
haverá quem diga: já não posso mais, por razões
físicas; o mesmo sucede num grupo de escaladores de montanhas,
haverá alguns que por fraqueza, por um acidente, vão ficando para
trás. Se isto sucede a nível físico, passa-se ainda mais
num processo tão complexo onde influi não só o
físico que não é nem sequer o mais importante, mas
também o cultural, o ideológico, muitas vezes o material, o
económico. Há pessoas que te acompanham numa fase e
temo-lo vivido ao longo deste processo, que para mim tem já quase 25
anos, desde que comecei de maneira firme e séria a organizar pequenos
grupos, mas que vão ficando pelo caminho por diversas
razões. Nisto sempre tentei ser agradecido; e até agradecer ao
que fica porque ele ajudou numa etapa. Que não seja capaz de ir avante,
não é razão para o condenar. Não, simplesmente por
diversas razões quebrou, ou ficou por ali, ou se afastou.
99. Muitos oficiais que ajudaram bastante na etapa pré-insurreccional
não chegaram à insurreição, mas não se deve
deixar de reconhecer o seu trabalho. É claro que não estou a
falar dos traidores, mas de gente que ficou para trás por razões
diversas.
100. Na prisão, por exemplo, há gente que rachou, ou melhor, que
não quis ir avante. Quantos oficiais? Muitos oficiais, companheiros de
armas; saíram da prisão e disseram-me: Olhe meu comandante,
ou olha Hugo, eu vou para casa, tenho mulher, tenho filhos, tenho de trabalhar
para os sustentar. Nunca tive a reacção de
condená-los, antes pelo contrário.
101. Olha, Marta, uma vez comigo andavam quatro rapazes, numa época em
que comprávamos
cambures
[17]
para nos alimentarmos, comíamos pão e cambure e uma Pepsi-cola
ou um café. Não tínhamos nem um centavo, e tudo o que
tínhamos era para a família que estava longe: os filhos pequenos,
a mulher; uma madrugada, quando eu dormia num
chinchorro
[18]
e eles num colchão onde não cabiam todos, no corredor de uma
casa onde um senhor muito valente nos permitia ficar; porque quase
ninguém se atrevia a deixar que Chávez dormisse na sua casa,
senti que um deles estava a chorar. Aproximo-me, pensei que ele estaria a
sonhar, e quando lhe pergunto o que tinha, responde-me: É que a
minha mulher telefonou hoje, está a comer biscoito com sardinhas.
Então disse a este rapaz: Bem, tu reconheces que eu sou o
chefe. Sim. Vou dar-te uma ordem: amanhã
não te quero ver aqui; vai para junto da tua mulher, arranja trabalho
onde alguém te possa pagar, eu não te posso pagar nada. Ele
não queria ir, mas ordenei-lhe que se fosse embora.
102. Já eu era presidente, voltou um dia e trabalhou um bocado connosco
aqui, está a trabalhar noutras coisas, digamos que seguiu o seu caminho.
A maioria foi procurar que fazer, onde trabalhar, claro, eram rapazes jovens,
com mulher, com filhos. Então alguns muito radicais diziam:
Não, esses são traidores, são fracos. Eu penso
que são humanos, nem todos são como nós, que
deixámos mulher e filho; não nos importa dormir onde calha; temos
uma ilusão muito grande, talvez tenhamos uma força superior que
nos arrasta mais do que a eles.
103. Então o que quero dizer-te é que estou de acordo com o que
dizes. Considero normal que à medida que o processo vai exigindo mais,
requer gente com maior consciência, capacidade e força; e
há pessoas que têm os seus limites: e só vão
até aí. E repara, aí temos surpresas pelo lado negativo,
mas também pelo lado positivo: há pessoas que às vezes
temos a impressão de que não vão chegar além de uma
linha determinada e passam essa linha e outra, e continuam em frente e deixam
muitos para trás.
104. Creio que no nosso caso esta constatação de gente que
avança e avança, é maior em quantidade e significado que a
outra parte. Temos um povo que avançou depois do 4 de Fevereiro muito
mais do que se poderia pensar. Quando recordo como me sentia em 1992 quando
declarei a rendição. Que vergonha! Se tivéssemos lutado
até à morte, pensava eu sozinho na cela. É claro, estava
isolado da realidade e não conhecia a explosão afectiva,
emocional e emotiva que o gesto daquele grupo de militares havia gerado nesta
população. Isto nunca o tínhamos calculado. E o que vimos
nas Malvinas anteontem
[19]
, é uma paixão, uma paixão que
despertou desde então na maioria dessas pessoas. Por isso te digo,
há gente que demonstra que pode avançar muito mais do que alguma
vez pensaria. Os que vão ficando fazem-no a conta-gotas, por pequenos
grupos.
Terias que estar também atento a isso, ou seja, tal como foste
sensível com aquele rapaz e o mandaste para casa, detectar que uma
determinada pessoa já chegou aos seus limites e tomar uma decisão
sobre ela antes de quebrar, não?
105. Às vezes não é fácil, teria de estar
atento para desenvolver ainda mais a percepção, o instinto. Eu
gozo de um bom instinto; e me arrependo-me às vezes de não ter
feito caso deste instinto. Costumo ligar muito ao instinto estratégico,
mas às vezes ao pequeno instinto sobre uma individualidade não o
levo em conta. Aconteceu-me antes do 11 de Abril; tentarei que não volte
a acontecer.
11. ATITUDE PERANTE SECTORES MILITARES RADICALIZADOS
Por outro lado, soube que uma importante camada de oficiais jovens que
esteve à frente das tarefas sociais da revolução se
radicalizou e exige a adopção de medidas mais drásticas
contra a corrupção, pede que se acelere o ritmo das
transformações, não percebe a tua atitude conciliadora com
os generais que estiveram envolvidos no golpe, estou bem informada? Como
avalias esta atitude? Como encaminhá-la? O que se pode esperar deles?
106. Creio que cresceu esse sector ou esse fenómeno de
radicalização de sectores militares a favor do processo
revolucionário e cresceu não só em número, mas em
intensidade. Perguntas-me como tratar com eles. O que tento é exercer o
comando: reuni-me com alguns dos que pressionam, que se preocupam porque
não há presos, não só militares, mas civis, e os
meios de comunicação continuam a fazer o que fazem:
desrespeitando, inventando, tergiversando.
107. Tento fazê-los compreender que estamos a fazer, até onde
pudermos, o esforço por conservar a opção
estratégica que escolhemos e que este povo apoiou por uma grande maioria.
108. Para mim é claro que um processo de degeneração desta
situação poderia acarretar como consequência o crescimento
ou o maior peso desses actores. E é uma das coisas com que alguns
sectores de oposição não concordam.
No sentido de que podem tirar Chávez, mas o processo vai
continuar?
109. Claro, Chávez pode ir-se embora; mas Chávez
não é só o Chávez; eles às vezes tendem a
simplificar o problema. Esta situação que vivemos despertou
correntes e sentimentos bastante radicais; estou certo de que no errado
preconceito negado de que eu me dobro perante a reacção, estes
sectores passarão por cima de mim e surgirão novos
líderes. E isso deixa-me descansado, Marta, acima de todas estas
preocupações estruturais, políticas, de falhas, tenho a
certeza de que este processo já não pode recuar; esta
intenção, em movimento; que já não é
intenção: este movimento de mudança, de
reestruturação, de revolução, não vai parar;
agora tomar outro curso, isso sim, é que poderá suceder.
110. Já o disse publicamente, não é um comentário
aqui só para ti e para a tua publicação: não, eu
já o disse e às vezes tem-se tergiversado como se fosse uma
ameaça que estou a lançar, não, digo-o como
conclusão e agora depois do que aconteceu digo-o com maior certeza.
111. Aqui posso fazer uma citação do pensamento de John Kennedy
onde este dizia que se não se fizessem as revoluções
pacíficas aqui, nestes países, viriam revoluções
violentas, e foi quando nasceu a Aliança para o Progresso. Li-o no teu
livro e também dentro do seu contexto
[20]
, que eu já imaginava,
mas desconhecia. A tua metodologia de ponto a ponto é bem interessante
porque é um raciocínio muitíssimo adequado para
interpretar bem essa primeira etapa que ali abordas.
112. Agora, estou convicto de que se fracassarmos neste esforço de fazer
mudanças profundas no campo político, económico e social,
por esta via, virão outras vias, Marta, virão outras vias. Talvez
violentas, talvez militares e talvez cívico-militares; mas isto
já ganhou uma força própria. Dou o exemplo do rio: um rio,
podes represá-lo, mas não podes detê-lo; se não lhe
deres uma folga vai derrubar o dique, ou arranja um leito por outro lado e muda
de curso, mas vai sempre para o mar.