Estende-se o domínio da manipulação
O que se passa na Síria?
No momento em que centenas de sírios, civis e militares, acabam de
tombar sob os tiros de franco atiradores financiados pelos saidiris e
enquadrados pela CIA, os media ocidentais acusam o governo de Bachar el-Assad
de disparar sobre a sua população e sobre as suas próprias
forças policiais. Esta campanha de desinformação visa
justificar uma possível intervenção militar ocidental. O
filósofo Domenico Losurdo recorda que o método não
é novo. Simplesmente, os novos meios de comunicação
tornaram-no mais refinado. Doravante, a mentira não é veiculada
apenas pela imprensa escrita e audiovisual, ela passa também pelo
Facebook e o YouTube.
Desde há alguns dias, grupos misteriosos atiram sobre os manifestantes
e, sobretudo, sobre os participantes nos funerais que se seguiram aos
acontecimentos sangrentos. Quem compõe estes grupos? As autoridades
sírias sustentam que se trata de provocadores, ligados essencialmente
aos serviços secretos estrangeiros. No Ocidente, em contrapartida, mesmo
à esquerda endossa-se sem qualquer dúvida a tese proclamada em
primeiro lugar pela Casa Branca: aqueles que atiram são sempre e apenas
agentes sírios vestidos à civil. Obama será a voz da
verdade? A agência síria
Sana
relata a descoberta de "garrafas de plástico cheias de
sangue" utilizado para
produzir "vídeos amadores falsificados" de mortos e feridos
junto aos manifestantes. Como ler esta informação, que retomo do
artigo de L. Trombetta em
La Stampa
de 24 de Abril? Talvez as páginas que se seguem, tiradas de um ensaio
que será publicado em breve, contribuam para lançar alguma luz em
cima disso. Se alguém se mostrar espantado ou mesmo incrédulo com
a leitura do conteúdo do meu texto, que não se esqueça de
que as fontes que utilizo são quase exclusivamente "burguesas"
(ocidentais e pró ocidentais). (Ver também adenda no fim do
texto, NT).
"Amor e verdade"
Nestes últimos tempos, com as intervenções sobretudo da
secretária de Estado Hillary Clinton, a administração
Obama não perde uma ocasião de celebrar a Internet, o Facebook, o
Twitter como instrumentos de difusão da verdade e de
promoção, indirectamente, da paz. Quantias consideráveis
foram atribuídas por Washington à potencialização
destes instrumentos e para torná-los invulneráveis à
censura e ataques dos "tiranos". Na realidade, para os novos media e
para os mais tradicionais, a mesma regra se aplica: eles também podem
ser instrumentos de manipulação e de incitamento do ódio e
mesmo da guerra. O rádio foi sabiamente assim utilizado por Goebbels e
pelo regime nazi.
Durante a Guerra Fria, mais do que um instrumento de propaganda, as
transmissões de rádio constituíram uma arma para as duas
partes empenhadas no conflito: a construção de "
Psychological Warfare Workshop" eficaz é um dos primeiros deveres
assinalados à CIA. O recurso à manipulação
desempenha um papel essencial também no fim da Guerra Fria. Entretanto,
ao lado da rádio, interveio a televisão. Em 17 de Novembro de
1989, a "revolução de veludo" triunfa em Praga, com uma
palavra de ordem que se pretendia gandiana: "Amor e verdade". Na
realidade desempenhou um papel decisivo a difusão da fala notícia
segundo a qual um estudante fora "morto brutalmente" pela
polícia. É o que revela, satisfeito, vinte anos depois, "um
jornalista e líder da dissidência", Jan Urban",
protagonista da manipulação: a sua "mentira" teve o
mérito de despertar a indignação em massa e o afundamento
de um regime já periclitante.
No fim de 1989, apesar de fortemente desacreditado, Nicolae Ceausescu ainda
está no poder na Roménia. Como derrubá-lo? Os mass media
ocidentais difundem maciçamente junto à população
romena as informações e as imagens do
"genocídio" perpetrado em Timisoara pela polícia de
Ceausescu. O que se passou na realidade? Deixemos a palavra com um prestigioso
filósofo (Giorgio Agamben), que nem sempre demonstra vigilância
crítica em relação à ideologia dominante, mas que
sintetizou aqui de modo magistral o caso que tratamos:
"Pela primeira vez na história da humanidade, cadáveres
acabados de enterrar ou alinhados nas mesas das morgues foram desenterrados
às pressas e torturados para simular diante das câmaras o
genocídio que devia legitimar o novo regime. O que o mundo inteiro tinha
diante dos olhos em directo como verdade nos écrans de televisão,
era a absoluta não verdade. E apesar de a falsificação ser
por vezes evidente, ela era autenticada de todos os modos como verdadeira pelo
sistema mundial dos media, para que ficasse claro que o verdadeiro doravante
não era senão um momento do movimento necessário do
falso".
Dez anos depois, a técnica acima descrita é aplicada novamente,
com um êxito renovado. Uma campanha martela o horror de que se tornou
responsável o país (a Jugoslávia) cujo desmembramento foi
programado e contra o qual já se está em vias de preparar a
guerra humanitária:
"O massacre de Racak é atroz, com mutilações e
cabeça cortadas. É um cenário ideal para despertar a
indignação da opinião pública internacional. Alguma
coisa parece estranha na matança. Os sérvios matam habitualmente
sem efectuar mutilações [...] Como mostra a guerra da
Bósnia, as denúncias de atrocidades nos corpos, sinais de
tortura, decapitações, são uma arma de propaganda difusa
[...] Talvez não tenham sido os sérvios mas sim os guerrilheiros
albaneses que mutilaram os corpos".
Naquela altura, os guerrilheiros do UCK não podiam ser suspeitos de uma
tal infâmia: eram
freedom fighters,
combatentes da liberdade. Hoje, no Conselho da Europa, o líder do UCK e
pai da pátria no Kosovo, Hashim Thaci, "é acusado de dirigir
um clã político-criminal nascido na véspera da
guerra" e implicado no tráfico não só de
heroína como também de órgãos humanos. Eis o que
acontecia sob a sua direcção no decorrer da guerra: "Uma
quinta em Rripe, na Albânia central, transformada pelos homens do UC em
sala de operação, tendo como pacientes prisioneiros de guerra
sérvios: um golpe na nuca, antes e extirpar os seus rins, com a
cumplicidade de médicos estrangeiros" (presume-se que ocidentais).
E assim vem à luz a realidade da "guerra humanitária"
de 1999 contra a Jugoslávia; mas durante este tempo o seu desmembramento
foi levado a cabo e no Kosovo instala-se e permanece uma enorme base militar
estado-unidense.
Façamos um outro salto atrás de vários anos. Uma revista
francesa de geopolítica
(Hérodote)
salientou o papel essencial desempenhado no decorrer da
"revolução das rosas", verificada na Geórgia no
fim de 2003, pelas redes televisivas que estão nas mãos da
oposição georgiana e pelas redes ocidentais: elas transmitem sem
descontinuar a imagem (que a seguir revelou-se falsa) da
villa
que seria a prova da corrupção de Eduard Chevarnadze, o
dirigente que se pretendia derrubar. Após a proclamação
dos resultados eleitorais que dão a vitória a Chevarnadze e que
são declarados fraudulentos pela oposição, esta decide
organizar uma marcha sobre Tíflis, que deveria marcar "a chegada
simbólica, mesmo pacífica, à capital, de todo um
país em cólera". Apesar de convocados por todos os cantos do
país com grandes reforços de meios propagandísticos e
financeiros, nesse dia afluem à marcha entre 5 000 e 10 000 pessoas:
"isto não é nada para a Geórgia"! Mas ainda
assim, graças a uma
mise en scène
refinada e de grande profissionalismo, a cadeia de televisão mais
difundida no país chega a comunicar uma mensagem inteiramente diferente:
"A imagem está lá, poderosa, a de um povo inteiro que segue
o seu futuro presidente". Doravante as autoridades políticas
estão deslegitimadas, o país está desorientado e aturdido
e a oposição mais arrogante do que nunca, tanto mais que os media
internacionais e as chancelarias ocidentais encorajam-no e protegem-no. O golpe
de Estado está maduro, ele vai levar ao poder Mikhail Saakashvili, que
estudou nos EUA, fala um inglês perfeito e está em
condições de compreender rapidamente as ordens dos seus
superiores.
A Internet como instrumento de liberdade
Vejamos agora os novos media, particularmente queridos à senhora Clinton
e à administração Obama. Durante o Verão de 2009
podia-se ler num diário italiano reputado:
"Desde há alguns dias, no Twitter, circula uma imagem de
proveniência incerta [...] Diante de nós, um fotograma de um valor
profundamente simbólico: uma página do nosso presente. Uma mulher
com o véu negro, que usa uma t-shirt verdade sobre jeans: extremo
Oriente e extremo Ocidente juntos. Ela está só, de pé. Tem
o braço direito levantado e o punho fechado. Face a ela, imponente, a
boca de um SUV, do tecto do qual emerge, hierático, Mahmoud Ahmadinejad.
Atrás, os guarda-costas. O jogo dos gestos impressiona:
provocação desesperada da parte da mulher; mística da
parte do presidente iraniano".
Trata-se de "uma fotomontagem", que parece
"verosímil", para chegar mais eficazmente a "condicionar
ideias, crenças". As manipulações abundam. No fim do
mês de Junho de 2009, os novos media no Irão e todos os meios de
informação ocidentais difundem a imagem de uma bela jovem
atingida por uma bala: "Ela começa a sangrar, perde
consciência. Nos segundos que se seguem ou pouco depois, ela está
morta. Ninguém pode dizer se foi atingido no fogo cruzado ou se foi
atingida de modo deliberado". Mas a busca da verdade é a
última coisa em que se pensa: seria de qualquer modo uma perda de tempo
e poderia mesmo revelar-se contra-producente. O essencial está alhures:
"no presente a revolução tem um nome: Neda". Pode-se
então difundir a mensagem desejada: "Neda inocente contra
Ahmadinejad", ou então, "uma jovem corajosa contra um regime
vil". E a mensagem verifica-se irresistível: "É
impossível olhar na Internet de modo frio e objectivo o vídeo de
Neda Soltani, a breve sequência em que o pai da jovem e um médico
tentam salvar a vida da jovem iraniana de vinte e seis anos". Como na
fotomontagem, também no caso da imagem de Neda estamos na
presença de uma manipulação refinada, atentamente estudada
e calibrada em todos os seus pormenores (gráficos, políticos e
psicológicos) com o objectivo de desacreditar e tornar o mais odiosa
possível a direcção iraniana (Ver adenda no fim do texto,
NT)
E chegamos assim ao "caso líbio". Uma revista italiana de
geopolítica falou a propósito disso da
"utilização estratégica do falso", como confirma
em primeiro lugar o "desconcertante caso das falsa fossas comuns" (e
de outros pormenores sobre os quais chamei a atenção). A
técnica é aquela que se utiliza há décadas, mas que
na actualidade, com o advento dos novos media, adquire uma eficiência
terrível: "A luta é primeiro representada como um duelo
entre o poderosos e o fraco indefeso, e rapidamente transfigurada a seguir numa
oposição frontal entre o Bem e o Mal absolutos". Nestas
circunstâncias, longe de ser um instrumento de liberdade, os novos media
produzem o resultado oposto. Estamos na presença de uma técnica
de manipulação, que "restringe fortemente a liberdade de
escolha dos espectadores"; "os espaços para uma análise
racional são comprimidos ao máximo, em particular explorando o
efeito emotivo da sucessão rápida das imagens".
E assim reencontra-se para os novos media a regra já constatada para o
rádio e a televisão: os instrumentos, ou potenciais instrumentos,
de liberdade e de emancipação (intelectual e política)
podem inverter-se e muitas vezes invertem-se hoje no seu contrário.
Não é difícil prever que a representação
maniqueísta do conflito na Líbia não resistirá
muito tempo; mas Obama e seus aliados esperam no intervalo atingir os seus
objectivos, que não são verdadeiramente humanitários,
mesmo se a novlíngua teima de defini-los como tais.
Espontaneidade da Internet
Mas retornemos à fotomontagem que mostra uma dissidente iraniana a
desafiar o presidente do seu país. O autor do artigo que cito não
se interroga sobre os artesãos de uma manifestação
tão refinada. Vou tentar remediar esta lacuna. No fim dos anos 90
já se podia ler no
International Herald Tribune:
"As novas tecnologias mudaram a política internacional";
aqueles que estiverem em condições de controlá-las
vêem aumentar desmedidamente seu poder e sua capacidade de
desestabilização dos países mais fracos e tecnologicamente
menos avançados.
Estamos na presença de um novo capítulo da guerra
psicológica. Também neste domínio os EUA estão
decisivamente na vanguarda, tendo no seu activo décadas de
investigação e de experimentações. Há alguns
anos Rebecca Lemov, antropóloga d Universidade do Estado de Washington,
publicou um livro que "ilustra as tentativas desumanas da CIA e de alguns
dos maiores psiquiatras de "destruir e reconstruir" a psique dos
pacientes nos anos 50". Podemos então compreender um
episódio que se verificou neste mesmo período. Em 16 de Agosto de
1951, fenómenos estranhos e inquietantes vieram perturbar
Pont-Saint-Esprit, "uma aldeia tranquila e pitoresca" situada
"no Sudeste da França". Sim, "a aldeia foi sacudida por
um misterioso vento de loucura colectiva. Pelo menos cinco pessoas morreram,
dezenas acabaram no asilo, centenas deram sinais de delírio e de
alucinações [...] Muitos acabaram no hospital com a camisa de
força". O mistério, que durante longos anos cercou este
ataque de "loucura colectiva", agora está desvendado:
tratou-se de uma "experimentação efectuada pela CIA, com a
Special Operation Division (SOD), a unidade secreta do Exército dos EUA
de Fort Detrick, Maryland"; os agentes da CIA "contaminaram com LSD
as baguetes vendidas nas padarias da aldeia", provocando os resultados que
vimos acima. Estamos no princípio da Guerra Fria: certamente os Estados
Unidos eram aliados da França, mas é justamente por isso que esta
se prestava facilmente às experimentações de guerra
psicológica que tinham como objectivo o "campo socialista" (e
a revolução anti-colonial) mas que dificilmente podiam ser
efectuados nos países para além da cortina de ferro.
Coloquemos então uma pergunta: a excitação e o incitamento
das massas não podem ser produzidos senão pela via
farmacológica? Com o advento e a generalização da
Internet, Facebook, Twitter, emergiu uma nova arma, susceptível de
modificar profundamente as relações de força no plano
internacional. Isto não é mais um segredo, para ninguém.
Nos nossos dias, nos EUA, um rei da sátira televisiva como Jon Stewart
exclama: "Mas porque enviamos exército se é tão
fácil abater as ditaduras via Internet quanto comprar um par de
sapatos?" Por sua vez, numa revista próxima do Departamento de
Estado, um investigador chama a atenção sobre "como é
difícil militarizar"
(to weaponize)
os novos media para objectivos a curto prazo e ligados a um país
determinado; mais vale perseguir objectivos de mais ampla envergadura. As
ênfases podem variar, mas o significado militar das novas tecnologias
é em todos os casos explicitamente sublinhado e reivindicado.
Mas a Internet não é a própria expressão da
espontaneidade individual? Só os mais ingénuos (e os menos
escrupulosos) argumentam assim, Na realidade reconhece Douglas Paal,
ex-colaborador de Reagan e de Bush sénior a Internet é
actualmente "gerida por uma ONG que é de facto uma
emanação do Departamento de Comércio dos EUA".
Trata-se só de comércio? Um diário de Pequem relata um
facto amplamente esquecido: quando em 1992 a China pede pela primeira vez para
ser conectada à Internet, seu pedido foi rejeitado devido ao perigo de
que o grande país asiático pudesse assim "procurar
informações sobre o Ocidente". Agora, ao contrário,
Hillary Clinton reivindica a "absoluta liberdade" de Internet como
valor universal ao qual não se pode renunciar; e contudo comenta
o diário chinês "o egoísmo dos Estados Unidos
não mudou".
Talvez não se trate apenas de comércio. Quanto a isso, o
semanário alemão
Die Zeit
pede esclarecimentos a James Bamford, um dos maiores peritos em matéria
de serviços secretos estado-unidenses: "Os chineses também
temem que firmas americanas como a Google sejam em última análise
ferramentas dos serviços secretos americanos no território
chinês. Será uma atitude paranóica?" "Nada
disso", responde ele imediatamente. Ao contrário acrescenta
o perito "organizações e instituições
estrangeiras [também] são infiltradas" pelos serviços
secretos estado-unidenses, os quais estão de todos os modos em
condições de interceptar as comunicações
telefónicas em todos os cantos do planeta e devem ser considerado como
"os maiores hackers do mundo". Doravante afirmam ainda no
Die Zeit
dois jornalistas alemães não há a mínima
dúvida quanto a isso:
"Os grandes grupos da Internet tornaram-se uma ferramenta da
geopolítica dos EUA. Antes, havia a necessidade de laboriosas
operações secretas para apoiar movimentos políticos em
países longínquos. Hoje basta frequentemente um pouco de
técnica de comunicação, operada a partir do Ocidente [...]
O serviço secreto tecnológico dos EUA, a National Security
Agency, está em vias de montar uma organização
completamente nova para as guerras na Internet".
Convém portanto reler à luz de tudo isto alguns acontecimentos
recentes de explicação não muito fácil. Em Julho de
2009 incidentes sangrentos verificaram-se em Urumqi e no Xinjiang, a
região da China habitada sobretudo por uigures. Serão a
discriminação e a opressão contra minorias étnicas
e religiosas a explicação? Uma abordagem deste tipo não
parece muito plausível, a julgar pelo menos com o que informa de Pequim
o correspondente de
La Stampa:
"Numerosos hans de Urumqi queixavam-se dos privilégios de que
desfrutavam o uigures. Estes, de facto, enquanto minoria nacional
muçulmana, têm em igual nível condições de
trabalho e de vida bem melhores que os seus colegas hans. Um uigur, no
escritório, tem autorização para suspender o seu trabalho
várias vezes por dia para cumprir as cinco orações
muçulmanas tradicionais da jornada [...] Além disso podem
não trabalhar na sexta-feira, dia feriado muçulmano. Em teoria
eles deveriam recuperar o domingo. Mas no domingo os escritórios
estão de facto desertos [...] Outro ponto doloroso para os hans,
submetidos à dura política que impõe o filho único
por família, é o facto de que os uigures podem ter dois ou
três filhos. Como muçulmanos, além disso, eles têm
reembolsos acrescidos no seu salário pois como não podem comer
porco devem recorrer à carne de carneiro que é mais cara".
Parecem portanto pelo menos unilaterais estas acusações do
Ocidente contra o governo de Pequim por querer apagar a identidade nacional e
religiosa dos uigures. E então?
Vamos reflectir sobre a dinâmica destes incidentes. Numa vila litoranea
da China onde, apesar das diferentes tradições culturais e
religiosas pré-existentes, hans e uigures trabalham lado a lado,
difunde-se de repente o rumor de que uma jovem han foi violada por
operários uigures; daí resultam incidentes no decorrer dos quais
dois uigures perdem a vida. O rumor que provocou esta tragédia é
falso mas então difunde-se um segundo rumor mais forte e ainda mais
funesto: a Internet divulga na rede a notícia de que na cidade costeira
da China centenas de uigures teriam perdido a vida, massacrados pelos sob a
indiferença e mesmo sob o olhar complacente da polícia.
Resultado: tumultos étnicos no Xinjiang, que provocam a morte de quase
200 pessoas, desta vez quase todos hans.
Estaremos na presença de uma complicação infeliz e
fortuita de circunstâncias ou, em alternativa, da difusão de
rumores falsos e tendenciosos visando o resultado que efectivamente se
verificou a seguir? Estamos numa situação em que a partir de
agora se verificar impossível distinguir a verdade da
manipulação. Uma sociedade estado-unidense realizou
"programas que permitiriam a um sujeito empenhado numa campanha de
desinformação adoptar simultaneamente até 70 identidades
(perfis de redes sociais, contas em fóruns, etc) gerindo-os
paralelamente: tudo isso sem que se possa descobrir quem puxa os fios desta
marionete virtual". Quem recorreu a estes programas? Não é
difícil adivinhar. O diário citado aqui, não suspeito de
anti-americanismo, precisa que a sociedade em causa "fornece
serviços a diversas agências governamentais estado-unidenses, como
a CIA e o Ministério da Defesa". A manipulação de
massa celebra o seu triunfo enquanto a linguagem do Império e da
novilíngua fazem-se, na boca de Obama, mais doces e suaves do que nunca.
Volta então à memória a "experimentação
efectuada pela CIA" durante o Verão de 1951, que produziu "um
misterioso vendaval de loucura colectiva" na "aldeia pitoresca e
tranquila" de Pont-Saint-Esprit. E eis-nos de novo obrigados a nos
colocarmos a pergunta inicial: a "loucura colectiva" pode ser
produzida só por via farmacológica ou pode hoje ser o resultado
do recurso, também, às "novas tecnologias" da
comunicação de massa?
Compreendem-se então os financiamentos de Hillary Clinton e da
administração Obama aos novos media. Vimos que a realidade das
"guerras na Internet" a partir de agora é reconhecida mesmo
por órgãos reputados da imprensa ocidental; salvo que na
linguagem do Império e na novilíngua a promoção das
"guerras na Internet" torna-se a promoção da liberdade,
da democracia e da paz.
Os alvos destas operações não permanecem inertes: como em
toda guerra, os fracos procuram reduzir a sua desvantagem aprendendo com os
mais fortes. E eis que estes últimos gritam escandalizados: "No
Líbano aqueles que melhor dominam os novos media e as redes sociais
não são as forças políticas pró ocidentais
que apoiam o governo de Saad Hariri, mas sim os "Hezbolá".
Esta observação deixa fugir um suspiro: ah, como seria belo se,
assim como aconteceu com a bomba atómica e as armas (propriamente ditas)
mais refinadas, também para as "novas tecnologias" e as novas
armas de informação e desinformação em massa,
aqueles que detêm o monopólio fossem o país que inflige um
interminável martírio ao povo palestino e pudessem continuar a
exercer no Médio Oriente uma ditadura terrorista! O facto é
lamenta-se Moises Naïm, director da Foreign Policy que os
EUA, Israel e o Ocidente já não enfrentam mais os
"ciber-idiotas de outrora". Estes "contra-atacam com as mesmas
armas, fazem contra-informação, envenenam os poços":
uma verdadeira tragédia do ponto de vista dos presumidos campeões
do "pluralismo". Na linguagem do Império e na
novilíngua, a tímida tentativa de criar um espaço
alternativo ao que é gerido e hegemonizado pela superpotência
solitária torna-se um "envenenamento dos poços".
Adenda do Réseau Voltaire
Sobre o Facebook na Síria
Desde o princípio das maniestações em Deraa, foi aberta
uma página no Facebook com o título "Revolução
síria 2011": slogan publicitário para verdadeiros
revolucionários: se não se conseguir em 2011 deixa-se cair?
Durante a jornada, esta página contava com 80 mil amigos, quase todos
das contas Facebook criadas no mesmo dia. Isto é impossível salvo
se os "amigos" forem contas virtuais criadas por software.
A propósito do caso Neda no Irão
Se se revê o vídeo da morte da jovem Neda passando-o em câma
lenta, constata-se que ao cair a jovem tem o reflexo de amortecer a sua queda
com o braço. Ora, toda pessoa atingida por bala ainda mais no
peito perde os seus reflexos. O corpo deveria cair como uma massa. Mas
não é o caso. É impossível que a jovem tenha sido
por bala naquele momento. Alguns segundos mais tarde, o vídeo mostra o
rosto da jovem. Ele está bem. Ela passa a mão sobre o seu rosto e
é então recoberto de sangue. O aumento da mão mostra que
ela dissimula um objecto na sua palma e que ela espalha ela própria o
sangue sobre o seu rosto. A jovem é então levada pelos seus
amigos ao hospital. Ela morre durante o transporte. Chegada ao hospital,
constata-se que a morte se deveu a uma bala em pleno peito. Esta não
pode ter sido atirada senão pelos seus "amigos" durante o seu
transporte.
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http://mrzine.monthlyreview.org/2011/xinhua270411.html
http://www.sana.sy/index_eng.html
http://www.joshualandis.com/blog/?p=9340
[*]
Professor de história da filosofia na Universidade de Urbino
(Itália). Dirige desde 1988 a Internationale Gesellschaft Hegel-Marx
für dialektisches Denken, e é membro fundador da Associazione Marx
XXIesimo secolo. Última obra traduzida para o francês: Staline:
histoire et critique d'une légende noire (Aden, 2011).
O original encontra-se em
http://www.voltairenet.org/article169576.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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