por William Bowles
"Os EUA assinalaram que a comunidade internacional deveria "ir
além" de uma zona de interdição de voo na
Líbia, sugerindo pela primeira vez a intervenção".
"West should 'go beyond' no-fly zone, US says"
The Daily Telegraph,
20 March 2011
Então porque não há uma "zona de
interdição de voo" sobre a Costa do Marfim, ou o
Iémen ou o Bahrain ou na verdade sobre qualquer país onde o
Estado esteja a matar os seus cidadãos? O que é que torna a
Líbia diferente? Pode ser que a campanha de propaganda histérica
quanto aos abusos de direitos humanos de Kadafi nos media ocidentais esteja
relacionada com o que o responsável da NATO Anders Fogh Rasmussen disse
aos seus ouvintes polacos:
"Quando olho para a Europa central e oriental fico extremamente optimista
acerca do futuro que podemos alcançar na África do Norte"
'NATO: Libya Military Intervention: Model For North Africa'
, Reuters, 17
March 2011
Refere-se aos derrubes com êxito dos antigos membros do Bloco do Leste e,
naturalmente, à destruição da Jugoslávia. Assim, a
Líbia está para ser o primeiro dentro muitos países que,
de acordo com Rasmussen, estão em vias de obter "assistência
humanitária" estilo NATO.
Na realidade, tendo sido apanhada a dormitar na região, a invasão
nominalmente apoiada pela ONU é uma tentativa do Império para
recuperar o controle não só da resultante da rebelião da
Líbia como também para estabelecer o cenário para muito
mais e não para a democracia ou direitos humanos mas sim para
assegurar controle sobre os activos petrolíferos vitais (para o
Ocidente) da Líbia, os maiores da África, e para assegurar o
controle geral do Império sobre a região.
Como escrevi anteriormente, criar uma "zona de interdição de
voo" é um acto de guerra, ponto de vista que é confirmado
pelo embaixador dos EUA na ONU, Rice:
"Um diplomata no conselho de segurança disse à Associted
Press que Rice afirmara que o objectivo deveria ser expandido para além
da criação de uma zona de interdição de voo para
proteger civis. Para isto, a comunidade internacional deve dispor de todas as
ferramentas necessárias incluindo autorização para
utilizar aviões, tropas ou navios para travar ataques das forças
de terra, mar e ar de Kadafi... o Pentágono descreveu [a zona de
interdição de voo) como uma medida equivalente à
guerra".
'Authorise Libya air strikes, US urges UN'
The Guardian,
17 March 2011
A "zona de interdição" é de facto um acto de
guerra contra a Líbia pois para impô-la é preciso primeiro
destruir a capacidade militar do inimigo para actuar, do contrário
seriam apenas palavras. Mas pior ainda é a gigantesca mentira que foi
impingida pelo Império quanto a acontecimentos na Líbia
utilizados para justificar esta acção horrenda, todos os quais
tem ocorrido. Já a relatos de mortes civis decorrentes dos ataques de
mísseis do Império. Tudo isto é asquerosamente
previsível.
Enquanto isso, a esquerda ocidental, tal como ela é, e da mesma forma
deprimentemente previsível, agora está numa aflição
real. Um jornalista "de esquerda", Gilbert Achcar, escrevendo para a
ZCommunications
disse o seguinte:
"Assim, para resumir, acredito que de uma perspectiva anti-imperialista
ninguém pode nem deveria opor-se à zona de
interdição de voo, uma vez que não há alternativa
plausível para proteger a população em perigo. O
egípcios segundo dizem estão a proporcionar armas à
oposição líbia e isso é bom mas em si
mesmo isso não poderia ter feito uma diferença que salvasse
Bengazi a tempo. Mas, mais uma vez, deve-se manter uma atitude muito
crítica em relação ao que as potências ocidentais
podem fazer". 'Libyan Developments', March 19, 2011
Será isto a "esquerda" a falar numa bem conhecida plataforma
"de esquerda"? Por que neste mundo Achcar pensa que o Egipto, ainda
uma ditadura militar, está interessada em direitos humanos na
Líbia? Achcar justifica isso utilizando o mesmo argumento do
Império, de que isto está a ser feito para impedir que Kadafi
cometa atrocidades. Então porque Achcar não advogou uma
"zona de interdição de voo" há muito mais tempo
se ele acredita que isso teria impedido atrocidades de Kadafi? Por falar nisso,
porque o Império não o fez?
Perco a esperança...
Absorto em todas as alegações de um "reino de terror"
de Kadafi, armado pelos mesmos que estão agora ocupados a
destruí-lo, ao invés de centrar nos motivos porque o
Império estava tão preocupado com o regime de Kadafi, na verdade
a armar Israel quando este dizimava Gaza, esta "esquerda" é
agora apanhada no assalto propagandístico do ocidente acerca da defesa
de "direitos humanos"! Recordo a propósito que os media de
referência fazem grande estardalhaço quando propagandeiam a favor
Império, declarando em numerosas ocasiões que só deveria
ser utilizada a força para defender civis.
Mas tal como a infame Resolução da ONU que levou à
invasão da Líbia, "defender civis" é uma
declaração vazia e totalmente vaga que pode ser interpretada de
qualquer modo.
O que não entendo é porque a Rússia e a China
abstiveram-se de votar excepto pela afirmação feita pelo
responsável do Partido Comunista da Rússia, Gennady Zyuganov, de
que:
"Foram feitas mudanças no documento pouco antes da
votação, embora tenham sido acordadas pelas partes. Estas
mudanças são de facto alçapões para o
lançamento de uma intervenção terrestre em grande
escala" 'Russian Communist leader slams Moscow's passive stance on
Libya',
RT
, 18 March 2011
Contudo, a Rússia tendo já apoiado a ideia de uma "zona de
interdição de voo" tinha de saber o que isso realmente
implicava. O embaixador da Rússia na ONU justificou a sua
abstenção como se segue:
"Asseverando que a Rússia não vetou a
resolução porque estava "orientada pela necessidade de
proteger civis e por valores humanitários gerais", ele permanecia
convencido de que "um cessar-fogo imediato é o modo mais
rápido para a segurança confiável da
população pacífica e para a estabilização a
longo prazo na Líbia"".
É vergonhoso por parte da Rússia após todo o ar quente
acerca de se opor veementemente a qualquer intervenção
estrangeira nos assuntos internos da Líbia. Adiante...
"Revolução" da Líbia inspirada e arquitectada
pelos EUA?
Desde o princípio, a rebelião líbia foi apresentada como
uma continuação das rebeliões em outras partes do
Médio Oriente/África do Norte e os Estados/media de
referência frequentemente utilizam as
"revoluções" alhures como justificação
para apoiar a "revolução" líbia, deixando de
mencionar naturalmente que até agora não tem havido
revoluções em qualquer parte do Médio Oriente ou
África do Norte. De facto, o oposto é que tem sido o caso, com o
Estado a assassinar seus cidadãos no Bahrain, na Arábia Saudita e
no Iémen e nenhum sinal de os mísseis do Império choverem
sobre o Bahrain, o Iémen ou Arábia Saudita abastecidos com
arsenais dos EUA.
"Numa iniciativa para impor novas restrições ao governo
líbio, o Departamento do Tesouro sancionou o ministro dos
Negócios Estrangeiros do país, que foi activo chave da CIA ao
longo de anos"
'US Tightens Screws On Libya, Sanctioning Foreign Minister And 16 Companies'
,
New York Times,
15 March, 2011
O que sabemos é que a CIA e a National Endowment for Democracy (NED), a
trabalharem em conjunto para o governo estado-unidense, estão fortemente
envolvidas no apoio à "revolução" líbia
e, como ilustra a notícia acima do NYT, os EUA têm agentes dentro
do governo Kadafi desde há anos.
"A FNSL faz parte da National Conference for the Libyan Opposition
estabelecida em Londres em 2005 e estão a ser utilizados recursos
britânicos para apoiar a FNSL e outras
"oposições" na Líbia. A FNSL foi realmente
formada em Outubro de 1981 no Sudão sob o coronel Jaafar Nimieri
o fantoche estado-unidense que era amplamente conhecido como operacional da
Central Intelligence Agency e que dominou o Sudão implacavelmente desde
1977 até 1985. A FNSL realizou o seu congresso nacional nos EUA em Julho
de 2007. Relatórios de "atrocidades" e mortes civis
estão a ser canalizados para imprensa ocidental a partir de
operações em Washington DC, e a oposição FNSL
está confirmadamente a organizar resistência e ataques militares
tanto dentro como fora da Líbia".
'Petroleum and Empire in North Africa. NATO Invasion of Libya Underway'
, By Keith Harmon Snow, 2 March
2011.
Um estratagema esperto foi tramado pelo Império e seus cúmplices
bem antes da invasão de ontem incluindo, estou certo, envolvimento
directo na rebelião.
[1]
Primeiro, esperar e ver se os rebeldes podem encenar um golpe com êxito.
Se não e foi o que aconteceu com as forças de Kadafi
prontas para recuperarem Bengazi persuadir aqueles em dúvida de
que Kadafi estava prestes a cometer horrores indizíveis (já
gerados desde o primeiro dia da rebelião com os rumores não
fundamentados das atrocidades de Kadafi e de mercenários africanos) e
pressionar por uma resolução ilimitada do Conselho de
Segurança que desse ao Império rédea livre para fazer o
que quer que quisesse fazer com a Líbia.
E para tornar todo o caso sórdido e ilegal mais palatável para um
mundo bastante habituado a ser "libertado" pela
"generosidade" dos EUA na sua distribuição de
democracia, fazer tudo isto através de uma frente anglo-francesa (eles
que têm mais a perder na Líbia, juntamente com os italianos,
devido às suas concessões petrolíferas) mas com os EUA a
puxarem todos os cordões (e a dispararem a maior parte dos
mísseis).
Um acordo cínico e sórdido digno apenas de piratas que tiveram
êxito em transformar um antigo aliado num ogre, como Manuel Noriega, que
também passara a data de validade e na verdade era um embaraço
potencial para o Império.
21/Março/2011
[1]
Ver
'Obama's Bay of Pigs in Libya: Imperialist Aggression Shreds UN Charter'
do Dr. Webster G. Tarpley, para mais informação acerca do
envolvimento do Império na "rebelião".
O original encontra-se em
http://williambowles.info/2011/03/22/keeping-up-appearances-by-william-bowles-2/
e em
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=23850
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.