Petróleo, pico de Hubbert, ambiente & crise
:
A mudança para um novo paradigma energético
Jorge Figueiredo
Para as petroleiras, falar no
pico de Hubbert é como falar em corda numa casa de enforcado. No
entanto, a curva descoberta pelo Dr. King Hubbert (1903-1989), o grande
geofísico norte-americano, está subjacente às
políticas desenvolvidas pelas grande potências e pelo cartel das
Sete Irmãs (que agora, depois de fusões sucessivas, reduzem-se a
apenas quatro).
A curva de Hubbert baseia-se no
facto de o processo que conduz ao esgotamento de um recurso finito ser
constituído por três etapas: 1) A produção
principia no zero; 2) O fluxo de produção ascende até
alcançar um pico, ou seja, um máximo que já não
pode ser ultrapassado; 3) Após o pico o fluxo de produção
declina, assintoticamente, até o esgotamento do recurso. No caso do
petróleo, se a produção (em milhões de barris/dia)
for posta em ordenadas e o tempo (em anos) em abcissas, pode-se obter um
retrato claro da situação de um país, de uma
província petroleira ou até ao nível mundial. A curva
mostra as variações da produção anual e a
área abaixo da curva a produção acumulada.
No caso do petróleo a
curva de Hubbert tem um formato de sino (ajustamento logístico), tendo
início por volta de 1850 (ver gráfico). A nível mundial o
seu pico verificar-se-á entre 2003 e 2006. Isto significa que dentro em
breve a espécie humana começará a gastar a segunda
metade do seu stock de petróleo, das suas reservas
provadas+possíveis. Este facto a morte anunciada de um bem
não renovável tem consequências profundas e pesadas
para toda a humanidade. Se o modo de produção capitalista fosse
racional, a humanidade teria tempo suficiente pelo menos uns 50 anos
para preparar uma transição suave para um mundo sem
petróleo. Mas seria ilusório esperar que isto aconteça
enquanto o mundo for governado pelo capital monopolista de Estado.
Se a nível mundial o
pico será cerca de 2005, a nível de muitos países,
regiões e províncias petroleiras o pico
já se deu
, está no passado. É o caso, nomeadamente, dos Estados Unidos,
do Canadá, da Venezuela, da Rússia e do Mar do Norte. Para
outros o pico ainda está no futuro, além de 2005. É o
caso da Arábia Saudita, do Iraque, do Kuwait e da bacia do
Cáspio. Este facto tem enormes consequências pois tenderá
a aguçar as rivalidades inter-imperialistas pelo controlo do
petróleo remanescente, as regiões em que o pico ainda está
muito afastado no tempo. As grandes potências estão a
preparar-se. Veja-se por exemplo o facto de, em Outubro de 1999, numa rara
alteração da sua geografia militar, o Departamento da Defesa dos
EUA ter transferido o comando das sua forças na Ásia Central do
Comando do Pacífico para o Comando Central. Tal mudança, pouco
noticiada na altura, constituiu por si só uma alteração
significativa do pensamento estratégico norte-americano.
Por outro lado, verifica-se que
a casualidade geológica fez com que as províncias petroleiras
cujo pico de Hubbert ainda está afastado no tempo fossem aquelas de
países da OPEP. Se se observar o gráfico abaixo verifica-se que
a partir de 2007 passará a predominar o petróleo fornecido pela
OPEP em relação aos não OPEP. Isto será uma grande
alteração na correlação de forças e uma
alteração favorável à OPEP. Pode-se depreender
que, em consequência, os preços do barril absurdamente
baixos neste momento tenderão a elevar-se em termos reais.
Mesmo que se pense em termos de
recuperação secundária e terciária,
exploração de xistos betuminosos, exploração de
petróleo em águas profundas, etc, nada disto altera o
raciocínio poderia apenas modificar ligeiramente o perfil da
curva. Já não podem ser descobertas novas grandes
províncias petroleiras todas as que existem são
conhecidas. É de um ridículo atroz a medida do Sr. George W.
Bush de aumentar a autonomia petrolífera dos Estados Unidos
por meio da abertura de uma reserva natural no Alasca à
exploração do óleo. Calcula-se que todo o petróleo
recuperável desta reserva equivalha a seis meses de consumo dos Estados
Unidos (mas pode-se admitir que isso não preocupe muito o Sr. Bush, pois
quer apenas proporcionar um bom negócio aos seus amigos do Texas).
A QUESTÃO DO PREÇO
Os economistas vulgares
são as pessoas menos preparadas do mundo para compreenderem os
preços do petróleo. A lavagem cerebral que lhes é feita
nas faculdades de ciências económicas faz com que vejam o mundo
através da óptica da tesoura dos preços. Para eles, a um
aumento de preço deverá necessariamente corresponder um aumento
da oferta. Isso é um erro crasso no caso do petróleo (a
não ser a muito curto prazo) pois não se trata de um bem
reprodutível
ad aeternum
e sim de um recurso não renovável, escasso, finito e fisicamente
limitado. A teoria da renda diferencial, conhecida desde Ricardo e Marx
(O Capital, Cap. XLVI, Tomo III), é que pode explicar o
preço do petróleo. Muito resumidamente, pode-se dizer que a
renda diferencial consiste na diferença entre o preço de
produção (incluindo o lucro médio do capital) da jazida
menos produtiva e o preço de produção das outras jazidas,
uma vez que é o primeiro que define o preço de
produção e não a jazida que funciona ao preço
médio. Mas se se examinar o preço de produção de
um barril nos EUA e de um barril na Arábia Saudita verifica-se, como
matéria de facto, que a renda diferencial tem estado a ser confiscada
aos produtores. Tal confisco só pode ser explicado por
relações imperiais de dominação.
Ora, do que foi dito acima
depreende-se que os preços actuais do petróleo estão muito
longe de serem eficientes. Não se trata de eficiência no sentido
neoclássico, do óptimo de Pareto. Fala-se aqui de
eficiência num sentido muito mais fundamental: preços que
possibilitem à humanidade efectuar uma transição
razoavelmente suave e harmoniosa para um mundo pós-petróleo. Tal
transição é impossível com os preços
actuais, demasiado baixos. Uma alta gradual dos preços reais do
petróleo é não só possível como
necessária e até desejável.
Na questão do
petróleo é uma visão míope adoptar uma
óptica curto-prazista e alegrar-se com preços baixos. Tal
visão conduz a um gigantesco desperdício deste recurso finito
à escala mundial (a começar e sobretudo nos EUA).
Impõe-se assim um novo paradigma energético. Durante
milénios houve o da lenha, a partir do século XIX foi o do
carvão, o século XX o do petróleo. No século XXI
será preciso alcançar um novo paradigma
A utilização das
energias renováveis está neste momento a ser impedida pelos
baixos preços do petróleo. No caso dos transportes (em que as
renováveis têm mais dificuldade de adopção),
é difícil introduzir novos combustíveis com um
preço do barril de petróleo tão baixo como US$ 20. Em
termos conjunturais, a recessão económica mundial que agora se
inicia facilita (mas não determina) a manutenção de um
preço tão irrisório.
O pico de Hubbert
não será o fim do mundo. Ao nível técnico existem
alternativas para sobreviver num mundo em que o petróleo ter-se-á
tornado num produto tão raro que terá de ser vendido em
frasquinhos nas drogarias. As energias renováveis só não
penetram no mercado devido ao baixíssimo preço do
petróleo. Mas já é perfeitamente possível produzir
energia eléctrica a partir de painéis fotovoltaicos, de centrais
eólicas, da geotermia e de muitas outros modos e também
pode haver meios de produzi-la em centrais nucleares intrinsecamente seguras.
No campo dos transportes, as frotas de veículos agora existentes
poderiam passar de modo fácil e rapido para o gás natural (com
vantagens para o aquecimento global pois melhoraria o ratio
carbono/hidrogénio das emissões).
Como o pico de Hubbert do
gás natural ainda está longínquo (só será
atingido por volta de 2030), a adopção do gás natural nos
transportes (utilizando os actuais motores térmicos clássicos)
é uma boa solução transitória para este interregno.
A utilização do gás natural nos transportes no
próximo quarto de século daria tempo suficiente para a humanidade
preparar-se para o meio energético definitivo: o hidrogénio.
Com a vantagem de que as infraestruturas que entretanto se criassem para o
abastecimento de veículos a gás natural poderiam, no futuro,
servir também para os veículos a hidrogénio. Esta
afirmação é verdadeira tanto no caso da
produção de hidrogénio no próprio veículo (
on board
, por meio de pilhas de combustível que vão buscar ao metano os
seus quatro átomos de hidrogénio) como da produção
off board
(utilização de directa de hidrogénio puro) pois as
actuais redes de gás natural também poderiam servir para o
hidrogénio (as pressões de serviços são
semelhantes).
Como se vê, o problema
não está nas tecnologias. As alternativas tecnológicas
existem. O problema está neste modo de produção e no
consequente modo de distribuição da riqueza produzida.
Entrámos na fase senil do capitalismo, quando a
concentração e a centralização do capital produzem
monstruosidades por todo o planeta, provocam guerras, corridas armamentistas
desesperadas, fascistização de governos ditos democráticos
(nos EUA já há tribunais militares secretos e, tal como na Idade
Média, discute-se ali a legalização da tortura),
depauperação de povos em todos os continentes e crises
económicas insanáveis. Do bojo destas crises podem nascer
situações revolucionárias que darão lugar a um novo
mundo. A resolução dos problemas energéticos da
humanidade também passa por aí.
Bibliografia:
-Kenneth S. Deffeyes, Hubbert's Peak: The Impending World Oil Shortage,
Princeton University Press, 2001, 208 pgs.
-Jorge Figueiredo e Joana Antunes, Dicionário Técnico do
Gás Veicular, AMERLIS, 2000, 114 pgs.
-ASPO-ODAC Newsletter, nº 11, Novembro 2001 (The Association for Study of
Peak Oil & The Oil Analysis Depletion Centre)
-Jean Lahèrre,
http://www.oilcrisis.com
-António Marques dos Santos, Recursos naturais e independência
nacional O caso do petróleo, Universidade de Coimbra, 1980, 134
pgs.
-Jay Hanson, Economic Efficiency,
http://www.dieoff.com
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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