O desespero dos dirigentes alemães conduz a disparates sem conta, uns a seguir aos outros. Primeiro adotam a política suicida de se absterem deliberadamente de utilizar o gasoduto Nord Stream 2, que já se encontra pronto. Trata-se de uma verdadeira política de auto-flagelação energética, corroborada pela indivídua não eleita que preside a Comissão Europeia bem como por todos os seus pares. A seguir, com a aproximação do Inverno 2022-2023, desesperam-se e procuram alternativas – que a curto prazo não existem. E para fingir que tem alguma coisa a dizer, o chanceler alemão acaba de rematar os disparates anteriores com outro ainda maior: a proposta de construir um gasoduto entre o porto metaneiro de Sines (Portugal) e a Europa Central.
Aqui está a notícia que descreve esta pérola do sr. Scholz:
O chanceler alemão, Olaf Scholz insistiu esta quinta-feira na construção de um gasoduto em Portugal e Espanha, para ligar a Península Ibérica à Europa central, através de França, a fim de libertar a Europa da dependência energética da Rússia.
“Este gasoduto iria aliviar massivamente a situação atual do abastecimento”, assinalou o chefe do Governo alemão durante uma conferência de imprensa em Berlim, segundo declarações citadas pela Reuters.
Esta questão terá sido abordada em conversações com os líderes de Espanha, Portugal, França e a Comissão Europeia em Bruxelas. Na mesma ocasião, Olaf Scholz fez também um forte apelo para que se crie um projeto desta dimensão.
Sobre estas declarações, o Governo português recordou que “as interligações são uma grande prioridade estratégica nacional. É uma questão que tem sido colocada no centro das prioridades do Governo”, referiu o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas, após a reunião desta quinta-feira.
In eco.sapo.pt/2022/08/11/chanceler-da-alemanha-apela-a-construcao-de-gasoduto-de-portugal-para-europa-central/
Por que se afirma que a proposta do Sr. Scholz é disparatada? A resposta a essa pergunta repousa tanto em razões técnicas como como em razões económicas. Convém analisar umas e outras.
Razões técnicas
O gasoduto proposto seria de transporte, ou seja, uma conduta em aço com capacidade para aguentar altas pressões (iguais ou maiores do que 70 bar) com uma extensão da ordem dos 3500 km.
Em primeiro lugar, a elaboração de um projeto desta natureza levaria no mínimo um ano ou dois, senão mais. A sua execução levaria um período de tempo que agora não se pode prever, mesmo admitindo que se possam ultrapassar todos os obstáculos técnicos (atravessamentos de rios, atravessamento marítimo para contornar os Pirineus, etc) e legais (direitos de propriedade sobre terrenos, etc).
Em segundo lugar, entra o fator da perda de carga. Os 3500 km de extensão de um gasoduto com início em Sines obrigaria necessariamente a instalar numerosas estações de compressão ao longo do seu trajeto. O Nord Stream, com apenas 1224 km, tem oito estações de compressão. Fazendo uma proporção grosseira, o gasoduto proposto por Scholz exigiria a enormidade de 23 estações (mas a Siemens agradeceria, com certeza).
Em terceiro lugar está a matéria de facto de Portugal não ser um país produtor de gás natural. Mesmo propostas muito mais modestas, como o transhipment de grandes navios metaneiros que aportam Sines para metaneiros mais pequenos são técnica e economicamente muito discutíveis (pensou-se nisso a fim de abastecer países do norte da Europa). Sines recebe gás natural liquefeito (GNL) de países terceiros e este combustível tem de ser ali armazenado até que possa ser regaseificado e injetado nas redes de gás existentes ou no novo gasoduto sonhado pelo político alemão. É claro que a capacidade de armazenagem e regaseificação de GNL em Sines também teria de ser aumentada a fim de atender ao novo gasoduto.
Em quarto lugar estão as leis da termodinâmica. O GNL é um combustível excelente porque tem uma alta densidade energética. Ao ser regaseificado, a fim de poder ser injetado num gasoduto de transporte, está-se a diluir o seu conteúdo energético. Tudo indica que o balanço energético final nunca poderá ser favorável. Gasta-se energia para regaseificá-lo, gasta-se energia para injetá-lo num gasoduto de transporte e gasta-se energia nas numerosas estações de compressão que terá de haver pelo caminho até a Europa Central. Às tantas, será preciso verificar se o valor energético intrínseco do gás natural é maior ou menor do que o valor energético gasto com todo o seu processamento até ao centro da Europa. Caso seja menor, o gasoduto do Sr. Scholz não seria uma fonte de energia e sim um sumidouro da mesma.
Razões económicas
Antes de apontar as razões económicas convém recordar um facto interessante e muito mais simples que um gasoduto Sines-Europa Central. A Espanha e a França discutem há mais de 20 anos uma famosa ligação dos dois países através de um gasoduto de grande capacidade. Ambos os países dizem que querem a referida ligação, mas nenhum dos dois quer pagá-la. Como este gasoduto seria para transporte, além de atravessar ou contornar os Pirineus ele deveria também estender-se no território francês pois a atual rede gaulesa de distribuição foi dimensionada apenas para as suas necessidades nacionais. Essa extensão, naturalmente, aumenta os custos do projeto. Assim, as autoridades francesas argumentavam (antes da crise gasista de 2022) não estarem dispostas a pagar este acréscimo de custo porque não atenderia às suas necessidades nacionais e sim a de outros membros da UE. Com toda essa discussão, que se arrasta há anos, a Península Ibérica acabou por se tornar uma “ilha” gasista na Europa Ocidental.
Do ponto de vista económico, a ideia de abastecer a Europa Central a partir de um gasoduto de 3500 km com início em Sines só poderia ocorrer na mente de um lunático ou de um político vulgar. O facto de ter sido lançada por um primeiro-ministro alemão mostra quão baixo chegou o nível da governação daquele país. Depois de encerrarem centrais nucleares (no governo Merkel), centrais termoelétricas a carvão, de apostarem tudo nas energias intermitentes (eólica e fotovoltaica), de rejeitarem o Nord Stream 2 que já está pronto e fora proposto pela própria Alemanha, só faltava mesmo essa ideia peregrina de um gasoduto Portugal-Europa Central.
Adotando-se um preço da ordem dos 4 milhões de euros/km, o investimento no gasoduto poderia montar a algo como 14 mil milhões de euros. No entanto, a UE é generosa e há uma velha máxima irónica a dizer que todo projeto é rentável desde que alguém pague por ele. Contudo, um projeto não é só investimento – há também os custos de exploração.
Em termos físicos, viu-se acima, tal projeto ameaça tornar-se um sumidouro de energia e não uma fonte dela. Mas quando se traduz isto para símbolos de euro, parece que as coisas ficam mais sombrias. Os custos somados da reintegração do investimento + os custos do GNL importado + os custos de regaseificação e de injeção no gasoduto + os custos da compressão e da operação geral do sistema teriam de ser inferiores ao valor do gás entregue aos consumidores centro-europeus. Seriam realmente? Há sérias dúvidas.
Por outro lado, ninguém parece estar preocupado com o problema a montante. Como Portugal não é produtor de gás natural, o país é um tomador de preços (price taker) em matéria de gás natural, ou seja, depende fundamentalmente dos preços do GNL que consegue obter no mercado spot ou em contratos a longo prazo. Mesmo que tais compras fossem feitas diretamente pela Europa ou pela futura empresa responsável pelo gasoduto Sines-Europa Central, o problema seria o mesmo: o comprador será sempre um price taker. E nem vale a pena recordar que o GNL proveniente dos EUA costuma ser mais caro do que aquele de outras origens.
É frustrante ter de responder seriamente a uma proposta que não é séria. O Sr. Scholz não sabe nada do assunto, está mal assessorado e diz alarvidades. Tão pouco é de admirar que o Sr. António Costa, pressuroso, corra a apoiar a ideia peregrina do seu colega Scholz. Alguns dizem que os políticos (vulgares) são todos iguais e há um grão de verdade nisso. Mas não estávamos habituados a que a República Federal Alemã fosse dirigida por políticos tão ignorantes.