Islândia: a chantagem odiosa
por Jean Tosti
O Presidente da República da Islândia, Ólafur Ragnar Grimsson,
acaba de recusar, pela segunda vez, promulgar a lei dita "Icesave"
que autoriza o Estado a reembolsar aos Países Baixos e ao Reino Unidos os
3,9 mil milhões de euros ligados à falência de um banco on
line. E consequentemente, pela segunda vez, em virtude do artigo 26 da
Constituição, a população será chamada a
pronunciar-se por referendo acerca desta lei. Para grande desgosto do governo e
dos mestres das finanças mundiais.
Num
artigo anterior
, havíamos enfatizado o avanço
democrático que representa o estabelecimento de uma assembleia
constituinte na Islândia formada por 25 cidadãos eleitos pelos
seus pares. O artigo teve um êxito inesperado e, reverso da medalha, foi
muito seguidamente deformado por diversos sítios web e blogs que falaram
erradamente de uma "revolução islandesa". Ponhamos as
coisas no seu lugar: certamente, uma série de
"caçaroladas" levou em 2009 à queda do governo de
direita e a sua substituição por um governo de esquerda, mas este
último é dirigido maioritariamente por sociais-democratas
bastante semelhantes aos nossos, cujo principal desejo é aderir à
União Europeia. Nada de muito revolucionário aí. Em plena
crise, nacionalizaram-se os três principais bancos do país. Desde
então, dois deles já foram reprivatizados. Quanto à
assembleia constituinte, ela não pôde começar os seus
trabalhos 15 de Fevereiro como estava previsto, o Tribunal Supremo anulou a
eleição dos seus membros com o pretexto de que o
escrutínio não teria respeitado suficientemente as regras de
confidencialidade.
Entretanto, ainda não se acabou de falar da Islândia por causa do caso
Icesave ou devido a ele. Recordemos que, quando o banco Landsbanki foi
nacionalizado, o Estado islandês não indemnizou os clientes
estrangeiros, britânicos ou holandeses na maior parte, da sua filial on
line Icesave. O Reino Unidos e os Países Baixos fizeram-se em seu lugar
e, desde então, os dois Estados pedem à Islândia para pagar
a factura, estimada em 5 mil milhões de dólares, ou seja, 3,9 mil
milhões de euros. Um primeiro acordo foi arrancado a forceps, votado por
uma curta maioria pelo parlamento islandês, mas, apoiando-se numa
petição assinada por 25% do corpo eleitoral, o Presidente da
República recusou-se a promulgar a lei, o que implicou num primeiro
referendo em Março de 2010. Resultado: 93% de "não", a
Islândia não pagaria.
Mas as negociações retomaram nos bastidores, desembocando no
princípio de 2011 num acordo muito menos constrangedor para a
Islândia: o reembolso poderia estender ao longo de trinta anos (de 2016 a
2046) e não mais oito anos. Quanto à taxa de juro, inicialmente
fixada em 5,5%, não será mais que 3% para o crédito
holandês e de 3,3% para o britânico. É um bom
negócio, declarou o governo que, depois de o Parlamento ter votado a
nova lei Icesave, diz-se persuadido de que o presidente desta vez
ratificará o acordo. Mas uma nova petição contra o
reembolso recolhe 42 mil assinaturas, ou seja, cerca de 20% do corpo eleitoral.
E a 20 de Fevereiro, Ólafur Ragnar Grímsson recusa-se a assinar a
lei. É a consternação no pequeno mundo político
islandês. Será preciso portanto passar novamente pela cabine do
referendo, fixado para 9 de Abril.
A partir daí, e de modo muito mais virulento que no ano passado,
multiplicam-se as pressões para forçar o povo islandês a
inverter o seu voto. Todas as ameaças valem: bloqueio das
exportações islandesas, nomeadamente dos produtos da pesca;
travagem da ajuda financeira do FMI; bloqueio das negociações de
adesão à União Europeia (quando se vê como a
Grécia e a Irlanda são ali tratadas, isto é ao
invés um coisa boa!), etc. E depois, diz-se aos islandeses, vocês
devem compreender que o Reino Unido e os Países Baixos fizeram um
importante gesto de generosidades para convosco. Estes dois países
não irão mais longe e, se vocês disserem não, o caso
prosseguirá diante dos tribunais, onde a factura certamente será
mais salgada.
E, como se tudo isso não bastasse, eis que as agências de
classificação imiscuem-se no voto islandês. Num comunicado
datado de 23 de Fevereiro, a agência Moody's não é nada
suave: "Se o acordo for rejeitado, sem dúvida desclassificaremos a
nota da Islândia a Ba1 ou mais abaixo, tendo em conta repercussões
negativas que se seguiriam para a normalização económica e
financeira do país". E a agência acrescenta que, em caso de
voto positivo, elevaria sem dúvida a perspectiva da nota actual (Baa3)
para "estável" contra "negativa".
Tudo isso sem recordar a imposição que em 2009 levou os
irlandeses a adoptar por cansaço de guerra o Tratado de Lisboa. Sem
retomar um por um os argumentos evocados acima, há um que merece ser
retido: o Reino Unido e os Países Baixos processariam a Islândia
perante tribunais e ganhariam. Uma tal afirmação, contestada por
numerosos juristas, supõe que estes dois países estivessem no
direito de exigir que a Islândia transformasse uma dívida privada
em dívida pública. Nada é menos certo. E mesmo se se
chegasse a "provar" isso triturando os textos europeus, será
que é moralmente aceitável que os contribuintes islandeses fossem
constrangidos a quitar uma tal dívida?
É inegável que o acordo proposto aos islandeses é mais
favorável que o anterior, sob a reserva contudo de que a taxa proposta
seja uma taxa fixa. Mas a verdadeira questão não está
aí: mesmo com condições de reembolso aliviadas, uma
dívida ilegítima permanece ilegítima e não deve ser
paga. Se o povo islandês emitir um novo voto negativo, este será
um sinal forte para outros países europeus estrangulados pela
dívida. Sem dúvida é isto que mais temem os mestres das
finanças
[1]
, daí o encarniçamento em exigir o reembolso de uma soma que
acaba por ser bastante modesta, se se comparar com as fortunas que o governo
britânico gastou para salvar os seus próprios bancos.
09/Março/2011
Notas
|1| Já em Janeiro de 2010, Dominique Strauss-Kahn, director geral do
FMI, considerava que há obrigações internacionais a
respeitar pelo país e que a Islândia "não pode ser
imunizada contra o que foi feito pelo seu sector financeiro".
www.news-banques.com/...
O original encontra-se em
http://www.cadtm.org/Islande-l-odieux-chantage
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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