O colapso financeiro dos EUA acabará com a Guerra do Iraque
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"Venha e veja nossas morgues transbordantes e descubra nossos pequeninos...
Poderá encontrá-los neste ou naquele canto, uma pequena mão espetada, a apontar para si... Venha e procure por eles no entulho dos raids aéreos "cirúrgicos", poderá encontrar uma pequena perna ou uma pequena cabeça... a pedir sua atenção. Venha e veja-os amontoados em montes de lixo, a catar restos de comida... Venha e veja, venha..." "Flying Kites", Layla Anwar |
Os militares americanos venceram todas as batalhas que combateram, mas perderam
a guerra.
As guerra são vencidas politicamente, não militarmente. Bush
não entende isto. Ele ainda mantém a crença de que uma
colonização política pode ser imposta pela força.
Mas está errado. A utilização de força
esmagadora só espalha a violência e aumenta a instabilidade
política. Agora o Iraque é ingovernável. Era este o
objectivo? Quilómetros de muralhas de betão a prova de dinamite
agora serpenteiam Bagdad para separar as partes combatentes; o país
está fragmentado em uma centena de pedaços mais pequenos, cada um
deles dominado por comandantes da milícia local. Trata-se de sinais de
fracasso, não de êxito. Eis porque o povo americano já
não pode apoiar a ocupação. Ele está a ser
prático, sabe que o plano de Bush não funcionará. Como
disse Nir Rosen, "o Iraque tornou-se a Somália".
A administração ainda apoia o presidente iraquiano Nouri al
Malik, mas al-Maliki é uma figura de proa sem significado que não
terá qualquer efeito sobre o futuro do país. Ele não tem
base popular de apoio e nada controla para além das muralhas da Zona
Verde. O governo al-Maliki é meramente uma fachada árabe
concebida para convencer o povo americano de que está a ser feito algum
progresso político, mas não há progresso. É uma
simulação. O futuro está nas mãos dos homens com
armas; foram eles que dividiram o Iraque em feudos controlados localmente e
são eles que acabarão por decidir quem dirige o Estado. No
momento, o combate entre facções está a ser descrito como
"guerra sectária", mas a expressão é
intencionalmente enganadora. O combate é de natureza política;
as várias milícias estão a competir umas com as outras
para ver quem preencherá o vácuo deixado pela
remoção de Saddam. É uma luta pelo poder. Os media
gostam de retratar o conflito como um choque entre árabes semi-loucos
"nostálgicos desesperados
(dead-enders)
e terroristas" que gostam da ideia de matar seus compatriotas, mas
isso é apenas um meio de demonizar o inimigo. Na verdade, a
violência é inteiramente racional; é a
reacção inevitável à dissolução do
Estado e à ocupação por tropas estrangeiras. Muitos
peritos militares previram que haveria erupções de combates
após a invasão inicial, mas as suas advertências foram
ignoradas por políticos despistados e os media coniventes. Agora a
violência deflagrou outra vez em Bassorá e Bagda, e não
há fim à vista. Só uma coisa parece certa, é que o
futuro do Iraque não será decidido na urna eleitoral. Bush
garantiu isto.
Os militares estado-unidenses não dominam o Iraque nem têm o poder
para controlar acontecimentos no terreno. Eles são apenas uma das
muitas milícias que competem pelo poder num Estado que é dirigido
pelos senhores da guerra. Depois de o exército efectuar
operações de combate ele é forçado a retirar-se
para os seus campos e as suas bases. Este ponde precisa ser enfatizado a fim
de entender que não há futuro real para a ocupação.
Os EUA simplesmente não têm a mão-de-obra para manter o
território ou estabelecer segurança. De facto, a presença
de tropas americanas incita à violência porque elas são
encaradas como forças de ocupação, não como
libertadores. Inquéritos mostram que a vasta maioria do povo iraquiano
quer as tropas americanas saiam. Os militares destruíram demasiado do
país e sacrificaram demasiadas pessoas para esperar que estas atitudes
venham a alterar-se em qualquer momento próximo. A poetisa e bloguista
iraquiana Layla Anwar resumiu os sentimentos de muitas das vítimas de
guerra num post recente no seu sítio web
An Arab Woman Blues - Reflections in a sealed bottle...
.
"Às portas da Babilónia a grande, você ainda está a lutar, a combater, perseguir este ou aquele, deter, bombardear do alto, preencher morgues, hospitais, cemitérios e embaixadas e fronteiras com filas para vistos de saída.
"Nenhum iraquiano deseja sua presença. Nenhum iraquiano aceita sua ocupação.
"Levem a notícia aos FDPs, vocês nunca controlarão o Iraque, nem em seis anos, nem em dez anos, nem em 20 anos... Vocês trouxeram sobre si próprios o ódio e a maldição de todos os iraquianos, dos árabes e do resto do mundo... agora enfrentem a vossa agonia". (Layla Anwar; "An Arab Woman's Blues: Reflections in a sealed bottle")
Será que Bush espera mudar a mente de Layla ou dos milhões de
outros iraquianos que perderam seus seres queridos ou foram forçados ao
exílio ou viram o seu país e a sua cultura esmagados debaixo da
bota da ocupação estrangeira? A campanha pelos
corações e mentes está perdida. Os EUA nunca serão
bem vindos no Iraque.
De acordo com um inquérito publicado na revista médica
britânica
Lancet,
mais de um milhão de iraquianos foram mortos na guerra. Outros quatro
milhões foram deslocados internamente ou abandonaram o país. Mas
os números nada nos dizem acerca da magnitude do desastre que Bush
provocou ao atacar o Iraque. A invasão é a maior
catástrofe humana no Médio Oriente desde a Nabka em 1948. Os
padrões de vida declinaram abruptamente em toda a área
mortalidade infantil, água limpa, alimentação,
segurança, fornecimentos médicos, educação, energia
eléctrica, emprego, etc. Mesmo a produção de
petróleo ainda está abaixo dos níveis anteriores à
guerra. A invasão é o mais abrangente fracasso político
desde o Vietnam, tudo deu errado. O coração do mundo
árabe caiu no caos. O sofrimento é incalculável.
O problema principal é a ocupação; é o catalizador
primário para a violência e um obstáculo para a
arrumação política. Enquanto a ocupação
persistir perdurará o combate. As afirmações que o
chamado aumento repentino [de tropas] mudaram a paisagem política
são altamente exageradas. O tenente-general reformado William Odom
comentou acerca deste ponto numa entrevista no Jim Lehrer News Hour:
"O aumento repentino
(surge)
manteve a instabilidade militar e nada alcançou em termos de
consolidação política. As coisas estão muito pior
agora. E não as vejo a ficarem melhores. Isto era previsível um
ano e meio atrás. E continuar a apresentar o verniz cozinhado das meias
verdades confortáveis é enganar o público americano e
faze-los pensar que não é a charada que realmente é...
Quando se diz que está a ter lugar a libanização do
Iraque, sim, mas não por causa do Irão e sim porque os EUA
entraram e tornaram esta espécie de fragmentação
possível. E ela verificou-se ao longo dos últimos cinco anos...
O governo al-Maliki está agora em pior estado... A noção
de que há alguma espécie de progresso é absurda. O
governo al-Maliki utilizar o seu Ministério do Interior como uma
milícia de esquadrão da morte. Assim, chamar Sadr de extremista
e Maliki de bom rapaz é simplesmente não perceber a realidade de
que não há bons rapazes". (Jim Lehrer News Hour)
A guerra do Iraque estava perdida antes de o primeiro tiro ser disparado. O
conflito nunca teve o apoio do povo americano e o Iraque nunca representou uma
ameaça para a segurança nacional dos EUA. Todos os pretextos
para a guerra eram baseados em mentiras; foi um golpe orquestrado pelas elites
e os media para executar uma agenda da extrema-direita. Agora a missão
fracassou, mas ninguém quer admitir seus erros através da
retirada; assim a carnificina continua sem interrupção.
Como acabará
A administração Bush decidiu adoptar uma estratégia que
não tem precedentes na história americana. Decidiu
perseverar numa guerra que já foi perdida moralmente, estrategicamente e
militarmente. Mas combater uma guerra perdida tem os seus custos. A
América está muito mais fraca agora do que quando Bush tomou
posse para o seu primeiro mandato em 2000, política, económica e
militarmente. O poder e o prestígio americanos continuarão a
deteriorar-se por todo o mundo até que as tropas sejam retiradas do
Iraque. Mas é improvável que isto aconteça até que
todas as outras opções tenham sido esgotadas. As
condições económicas em deterioração nos
mercados financeiros estão a colocar enorme pressão baixista
sobre o dólar. Os mercados de acções e títulos
corporativos estão em desordem; o sistema bancário está a
entrar em colapso, os gastos do consumidor estão baixos, as receitas
fiscais estão em queda, e o país a caminho de uma penosa e
prolongada recessão. Os EUA deixarão o Iraque mais cedo do que
muitos acreditam, mas não o farão num momento escolhido por si.
Ao invés disso, o conflito finalizará quando os Estados Unidos
não tiverem mais capacidade para travar a guerra. Esse momento
não está muito longe.
A Guerra do Iraque assinala o fim do intervencionismo estado-unidense durante
pelo menos uma geração; talvez mais ainda. O fundamento
ideológico para a guerra (apropriação/mudança de
regime) revelou-se como uma justificação sem base para
agressão não provocada. Alguém terá de ser
responsabilizado. Terá de haver tribunais internacionais para
determinar quem é responsável pelas mortes de mais de um
milhão de iraquianos.