As verdades proibidas da guerra Bush-Blair

por John Pilger [*]

Um ataque com míssil a um hospital de Bagdad matou 15 pessoas e feriu 215, muitas das quais crianças. Agora percebemos as verdades proibidas da invasão do Iraque. Um homem abraça o corpo da sua filha de tenra idade, seu sangue banha-os. Um marine americano mata uma mulher porque aconteceu ela estar de pé próximo a um homem de uniforme. "Lamento", diz ele, "mas a ameixa seguiu o seu caminho".

Envolver isto numa mortalha de respeitabilidade não tem sido fácil para George Bush e Tony Blair. Milhões agora sabem demasiado; o crime também é demasiado evidente. Tam Dalyell, Decano (Father) da Casa dos Comuns, um deputado trabalhista de 41 anos, diz que o primeiro-ministro é um criminoso de guerra e deveria ser enviado para Haia. Ele é sério, porque o caso prima facie contra Blair e Bush está para além de qualquer dúvida.

Em 1946 o Tribunal de Nuremberg rejeitou argumentos alemães acerca da "necessidade" de ataques preventivos contra os seus vizinhos. "Iniciar uma guerra de agressão", dizia a sentença do tribunal, "é não só um crime internacional; é o supremo crime internacional diferindo apenas de outros crimes de guerra pelo facto de conter em si próprio o mal acumulado do todo".

A isto, a escritora palestino Ghada Karmi acrescenta "um profundo e inconsciente racismo que permeia todo aspecto da política ocidental em relação ao Iraque". Foi este racismo, acrescenta ela, que elevou Saddam Hussein de "um pequeno chefe local, embora brutal e cruel tal como muitos antes deles, a uma figura demonizada para além da razão". Para o secretário Colonial Winston Churchill, os iraquianos, tal como os árabes, eram "pretos" ("niggers") , contra os quais podia ser utilizado gás venenoso. Eles eram um sub-povo, e ainda são. O assassínio de uns 80 aldeões perto de Bagdad na quinta-feira passada, de crianças em mercados, de "ameixas que seguem o seu caminho" seria em quantidades industriais não fossem as vozes dos milhões que encheram Londres e outras capitais, e dos jovens que manifestaram-se fora das suas escolas; eles pouparam vidas sem conta.

Assim como a invasão americana do Vietname era alimentada pelo racismo, em que os asiáticos ("gooks") podiam ser mortos com impunidade, também a actual atrocidade no Iraque segue o mesmo molde. Se tem dúvidas disso, ligue o noticiário e examine o duplo padrão. Imagine que há tanques iraquianos na Grã-Bretanha e tropas iraquianas fazendo sítio a Birmingham. Absurdo? Bem, isto não aconteceria aqui. Mas os militares britânicos estão fazendo isso em Bassorá, uma cidade maior do que Birmingham, disparando mísseis transportáveis sobre o ombro e despejando bombas em cacho (cluster) sobre a sua população, 40 por cento da qual é constituída por crianças. Além disso, "nossos rapazes" estão a negar água às pessoas feridas de Bassorá, assim como de Umm Qasr, que eles controlaram durante uma semana. Não é de admirar que Blair esteja furioso com o canal Al-Jazeera, que expôs isto, e ainda a mentira de que o povo de Bassorá estava a levantar-se no momento exacto pela sua libertação.

Desde o 11 de Setembro de 2001, a "nossa" propaganda e o seu racismo não assumido tem exigido uma distorção imperial do intelecto e da moralidade. Os iraquianos não estão a combater como leões, em defesa da sua pátria. Eles estão a actuar "covardemente" e como sub-humanos porque usam tácticas de bate-e-foge contra um invasor enormemente poderoso – como se eles tivessem qualquer outra escolha. Esta depreciação da sua bravura e indiferença para com a sua humanidade, tal como a indiferença para com os milhares de afegãos recentemente bombardeados até à morte em aldeias poeirentas, confronta-nos com uma questão moral tão profunda como a resposta ocidental ao maior acto de terrorismo, o deliberado bombardeamento atómico do Japão. Teremos progredido? Ainda será verdade em 2003 que só as "nossas" vidas têm valor?

Estas invasões anglo-americanas de nações fracas e quase indefesas representam a demonstração da espécie de mundo que os EUA planeiam dominar pela força, com seu cortejo de vítimas valiosas e sem valor e o estabelecimento de bases americanas junto aos portões de todas as principais fontes de combustíveis fósseis. Há uma lista agora. Se Israel segue este caminho, o Irão virá a seguir; e Cuba, Líbia, Síria e mesmo China têm de tomar cuidado. A Coreia do Norte pode não ser um objectivo americano imediato, porque a sua ameaça de guerra nuclear foi efectiva. Ironicamente, se o Iraque tivesse mantido suas armas nucleares esta invasão provavelmente não teria ocorrido. Esta é a lição para todos os governos com divergências com Bush e Blair: arme-se com o nuclear rapidamente.

A verdade mais proibida é que este governo britânico comprovadamente militarista, e a potência desenfreada que ele serve, são os verdadeiros inimigos da nossa segurança. Na superabundância de inquéritos de opinião, o mais esclarecedor foi aquele conduzido pela revista americana Time junto a um quarto de milhão de pessoas na Europa. A pergunta era: "Qual o país que apresenta o maior perigo para a paz mundial em 2003?" Foi pedido aos leitores que assinalassem uma de três possibilidades: o Iraque, a Coreia do Norte e os Estados Unidos. Oito por cento consideraram o Iraque como o mais perigoso; a Coreia do Norte foi escolhida por 9 por cento. Não menos de 83 por cento votaram pelos Estados Unidos, do qual, aos olhos da maior parte da humanidade, a Grã-Bretanha é agora apenas um apêndice letal. Somente propaganda com êxito, e jornalismo corrupto, nos impedirão de entender esta e outras verdades.
07/Abril/2003
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[*] Jornalista e cineasta australiano, colaborador de The Independent .

Este artigo encontra-se em http://resistir.info .


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