resistir.info publica hoje o artigo abaixo devido à originalidade da análise e com o objectivo de diversificar pontos de vista. resistir.info , no entanto, discorda da tese do autor. Não se pode reduzir a agressão, ocupação e instalação de um governo fantoche no Iraque a um mero projecto empresarial. Esta guerra anunciada faz parte da estratégia imperial de dominação dos EUA, uma estratégia planetária concebida há muito e na qual a componente energética tem um peso decisivo. A ela outras guerras se seguirão (Irão, Ásia Central, Colômbia, Venezuela, etc), sob os mais diversos pretextos (e quando não os houver, serão inventados). Por outro lado, do ponto de vista conjuntural, verifica-se que a economia americana está combalida e que o complexo industrial-militar encara a guerra como saída para os seus problemas. A crise do capitalismo americano, com ameaça de colapso iminente, leva os monopólios a acções cada vez mais monstruosas. A eventual utilização de armas de destruição maciça (nuclear e outras) pelo Estado bandido norte-americano é uma possibilidade real. Diante de tudo isto, parece muito limitante reduzir a tragédia que se avizinha a análises custo-benefício.

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Seria a guerra contra o Iraque
um projeto de investimento?

por Marcus Vinicius Quintella Cury [*]

Projecto de investimento A iminente guerra contra o Iraque parece, na realidade, um business plan muito bem elaborado pelo Governo Bush. A verdadeira face dessa nova Guerra do Golfo pode ser puramente econômica e, para isso, deve ter sido realizada uma criteriosa avaliação de investimentos e de riscos, idêntica às mais simples e corriqueiras avaliações de projetos que são realizadas todos os dias pelas empresas em todo o mundo capitalista. Seria essa guerra simplesmente um projeto de investimento para dominar os poços petrolíferos iraquianos e aumentar a fatia americana no mercado de petróleo?

No capitalismo, todo projeto de investimento deve passar por uma análise de viabilidade, sob diversas óticas. Pode-se considerar o projeto sob o ponto de vista do agente empreendedor, da sociedade em que ele estará funcionando e interagindo, sob o ponto de vista do agente financiador, sob o ponto de vista da nação, sob os pontos de vista individuais etc. Normalmente, os projetos são analisados sob duas óticas genéricas: a social e a privada.

Sob a ótica social, consideram-se os benefícios e custos gerados pelo projeto para a sociedade como um todo e para o meio ambiente.

Sob a ótica privada, considera-se o ponto de vista do agente empreendedor, com os preços dos fatores de produção avaliados em termos de mercado, ou seja, as previsões das receitas e custos do projeto. Tais fatores, quantificados monetariamente, formam o fluxo de caixa do projeto. A ótica privada não considera, a princípio, os fatores intangíveis, ou seja, aqueles que não podem ser avaliados monetariamente, como a vida humana, por exemplo.

Esta rápida explanação sobre as óticas de avaliação de projetos serve para sustentar a minha resposta para a pergunta acima: a guerra obsessivamente defendida pelo Governo Bush pode ser considerada como um projeto de investimento governamental, avaliado sob a ótica privada.

Assim sendo, vou detalhar como imagino a análise do projeto de investimento de guerra do Governo Bush:
(a) o estudo de mercado é óbvio, pois existe uma grande demanda atual, futura e potencial por petróleo em todo o planeta, ainda por muitos anos;
(b) as localizações dos poços petrolíferos iraquianos são estratégicas para os Estados Unidos;
(c) os americanos dominam a tecnologia de exploração, refinamento e distribuição de petróleo;
(d) o market share mundial dos Estados Unidos será significativo com o domínio dos poços iraquianos;
(e) as previsões de receitas e de custos apresentam um considerável grau de certeza;
(f) os benefícios econômicos, sociais e ambientais superam os malefícios causados pela guerra, segundo a filosofia de vida e as crenças espirituais do Governo Bush;
(g) os investimentos do projeto contemplam a destruição e reconstrução do Iraque, obviamente dentro dos padrões americanos;
(h) as fontes de recursos são formadas pelo Tesouro Nacional, ou seja, dinheiro do contribuinte americano, pelos capitais privados, principalmente as indústrias petrolíferas e bélicas, pelos aliados dos Estados Unidos e pelo Banco Mundial, principal financiador do projeto de reconstrução do Iraque;
(i) a análise do fluxo de caixa final previsto, para um horizonte de cinqüenta anos, apresenta indicadores financeiros incontestáveis, ou seja, valor presente líquido altamente positivo, taxa interna de retorno muito superior à taxa de retorno requerida para o projeto e rápida recuperação dos capitais investidos;
(j) a análise de riscos, segundo os padrões do Governo Bush, recomenda a realização do projeto.

Pronto, o projeto mostra-se potencialmente viável, tanto para o governo americano, sob a ótica privada, como para as empresas americanas e para o Banco Mundial. Em suma, o projeto prevê lucro financeiro para todos os seus investidores. Não existe, portanto, diferença alguma para a análise de projetos privados de investimento tais como shopping centers , parques temáticos, hidrelétricas, indústrias etc. Projetos dessa natureza são sempre tratados da mesma forma, visam exclusivamente lucro financeiro e seguem o mesmo roteiro básico de análise apresentado acima.

Finalmente, com base na idéia de que a guerra contra o Iraque seria mesmo um projeto de investimento, cabem ainda pelo menos três perguntas. As externalidades econômicas, sociais e ambientais a serem causadas em todo o planeta foram consideradas na análise econômica do projeto de guerra? Foram previstos os intangíveis e impagáveis custos das vidas humanas sacrificadas, direta e indiretamente na guerra? Foram previstos os danos ambientais irreversíveis dessa guerra?

Existe apenas uma resposta para as três questões acima: lógico que não. Porque, se as externalidades tivessem sido previstas, os custos com as vidas humanas considerados e os danos ambientais levantados, o projeto de guerra do Governo Bush seria inviável sob todas as óticas de análise possíveis, não haveria a guerra e o mundo ganharia mais algum tempo de paz, pelo menos até um novo projeto de guerra ser submetido a uma outra análise de investimento.
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[*] Professor-doutor de análise de projetos do Instituto Militar de Engenharia (IME) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, Brasil.

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20/Fev/03