Os jornalistas organicos da PentágonoPress
O Iraque não é apenas um poço de
petróleo,
também é um poço de sabedoria e de ensinamentos. Os
senhores do Império, na dupla função de polícias e
ladrões do mundo, sabem que o domínio ou o predomínio da
Informação/Desinformação se inscrevem nos
preparativos e nos dispositivos da invasão, da ocupação,
da repressão, da legitimação. A
Informação/Propaganda é, pois, assunto inerente a todos os
planos político-militares, é orçamentada, é
avaliada no decorrer e no conjunto das operações, servindo-se dos
recursos técnicos e humanos já instalados no espaço
público (nacional e internacional) e guarnecendo-se de meios
complementares e suplementares para enquadrar objectivos e potenciar efeitos.
A Guerra do Golfo II de Bush II revelou-se e continua a revelar-se um
modelo da guerra clássica pela conquista do petróleo mental,
havendo o invasor/ocupante ampliado e esmerado o instrumental de fluência
e de influência, visto que enfrentava e defronta um amplo movimento
adverso e, desta vez, a nível externo e interno. Os invasores/ocupantes,
declarado o
the end
da ofensiva principal, desta feita, não ganharam a guerra
psicológica na comunidade dos povos e na comunidade dos Estados, embora
houvessem conseguido pontualmente inverter, refrear ou gradualizar algumas
tendências. Como seria de esperar, com a expedição de
tropas para o teatro de operações e a imposição no
terreno da lei do mais forte, tendem a oscilar alguns gráficos: os
familiares e conterrâneos dos expedicionários passam a
sentiMentalizar-se
, condoendo-se com a «sorte» dos «seus», agora expostos ao
fogo dos «outros» e, dada a desproporção de
forças e perante a previsibilidade do desfecho, há sempre quem
resvale para a
resigNoção
ou para a
resigNação
.
Os programadores ponderam as contingências, procurando o controlo
do processo através de quatro variáveis de combate
psicológico, com os respectivos cadernos de encargos:
sedução, intimidação, transacção,
neutralização
. Em certas situações, desenvolvem o ataque aparentemente por
etapas. Todavia, esta quadratura do círculo é montada de acordo
com a agenda das dificuldades e a monotorização dos sinais
persuasores. Estas quatro frentes da guerra psicológica não visam
apenas a invasão e a ocupação das consciências
individuais: se repararmos, as mesmas medidas são desencadeadas e as
mesmas expectativas são depositadas na direcção de
instituições, Estados e exércitos, inimigos e amigos. A
recente e persistente agressão ao Iraque é um compacto de tal
doutrina: ludibriam-se os distraídos; amedrontam-se os vacilantes;
compram-se os pragmáticos; abatem-se os resistentes. Neste abate, os
expedientes vão desde a destruição de
estações televisivas e radiofónicas/Iraque, a equipamentos
móveis e portáteis e liquidação física de
equipas de reportagem/Hotel Palestina/Al-Jazeera/Abu-Dhabi/Al-Arabiya, ao
emprateleiramento e desemprego de jornalistas (inclusive vedetas do
sistema/Peter Arnett). O Novo Império inspira e valida as teorias da
Informação, premiando os seduzíveis e os
intimidáveis ou punindo os que pisam o risco. Esta teoria assenta na
mais democrática Liberdade de
ExPressão
.
JORNALISTAS ORGÂNICOS
No âmbito da guerra preventiva da
Informação/Propaganda, os delineadores da campanha, alertados
pelo coro mundial de protestos e pelas divergências no
campo aliado
, para além das receitas de sucesso, testadas em anteriores conflitos,
experimentaram um maior grau de envolvimento de mediadores da opinião
pública: integraram repórteres na maquinária militar. O
entrosamento foi ao ponto de envergarem fardas e ganharem, num ápice,
tiques castrenses (lexicais e gestuais), ficando prisioneiros de guerra da
Informação. Redundaram em prisioneiros, objecto de
negociação empresarial e pessoal: seduzidos. Passaram de
profissionais ou correspondentes dos Média, onde, frequentemente,
despistavam os engajamentos ou poderiam, no limite, contrastar fontes, a
correias de transmissão directas e explícitas. São
inapelavelmente transformados em jornalistas orgânicos. A máquina
restringe-lhes radicalmente os movimentos e sujeitam-nos às
rações da verdade, criteriosamente ministradas. Daí que o
general Tommy Franks, supercabo da Guerra do Golfo II de Bush II, não
pudesse ser mais peremptório e optimizador:
A melhor maneira de se mostrar ao mundo a verdade do que está a
acontecer é através das linhas da frente
.
(Fox News)
[1]
. Rentabilização dos repórteres com fronteiras confirmada
por um dos encafuados na máquina de guerra, Mary Beth Sheridan, de
The Washington Post
, que pretensamente embarcara no seio de uma brigada de helicópteros
para observar «tudo» e «em directo», mas que desabafaria:
Só quase três semanas depois do início dos combates
é que viu os primeiros iraquianos feridos
.
(Público)
[2]
Eis uma nova versão da Boa Imprensa, protótipo de virtudes,
desde logo,
in nomine Dei
, na esteira do programa mediático da Igreja Católica, no
princípio do séc. XX, então face à
laicização da pena de jornalistas e colaboradores e à
liberalidade dos conteúdos publicitários. Entre nós, foi
pioneiro o Apostolado da Imprensa o jesuíta Santana.
[3]
No início de um novo século, ressurge o espírito de
missão da White House Church.
É o Novo Império Mediático PentágonoPress.
O complexo militar-mediático torna-se, assim, uma espécie de
ogiva de cabeça múltipla, incorporando aparelhagens
específicas de Propaganda, redes de agências e tempos de
satélites da componente económica imperial, quadros destacados
para a esfera de Comunicação de Massas, agentes posicionados nos
Órgãos de Informação e executores passivos ou
seduzidos/intimidados dos e nos circuitos multimédia. Na
disposição dos arsenais hertzianos, electrónicos e de
papel, a CNN tem-se afirmado e tem sido mobilizada como a Newsworld, o Umbigo
do Universo da Informação, o Grande Espelho Parabólico da
Globamericanização, ocupando espaço central nas
Redacções, onde, por regra, vício ou inércia,
funciona noite e dia como canal da verdade instantânea, sinaleiro do
agendável, regulador do politicamente correcto. Nesta
orquestração, saltou da cartola dos programadores para o espectro
multimédia um
coelho
antes sacado com mais subtileza: a dos militares-comentadores. Se por um
lado, as tropas de invasão/ocupação anicharam
repórteres em porta-aviões, helicópteros e tanques,
não se esqueceram, nomeadamente em Portugal, de anichar militares nas
Redacções de Televisões, Rádios, Jornais. Tais
especialistas
, uniformizados com um ar de neutralidade para uma neutralização
mais eficaz, cumprida a missão que lhes foi confiada, acabaram
medalhados pelo ministro da Defesa, um dos membros mais viris do Governo,
apostado em ornar os peitos de combatentes das ex-colónias portuguesas e
das actuais colónias americanas com tantas distinções como
de beijos, enquanto dirigente partidário, cobriu feiras e lares de
idosos. Os galardões do «Objectivo Bagdad» foram
expressamente concedidos pela «neutralidade» dos
opinion makers
inter-armas. Ora, todos pudemos constatar a sua visão anglo-americana,
ao ponto de alguns menos advertidos chegarem a utilizar o pronome
«Nós», numa identificação automática com
a Coligação. Os artefactos peitorais e os louvores nas folhas de
serviços prestados eis uma das
gratificações/transacções. Outras
prender-se-ão com a carreira enquanto os «ventos da
História» soprarem do Eixo anglo-saxónico.
CINEASTAS DE JESSICA
Nesta cruzada de máximo
ruído/credibilização para as teses do agressor e de
máxima censura/descrédito para as teses do agredido, o
PentágonoPress socorreu-se da dramatização e da
desvalorização, da emboscada e do embuste, superando de largo a
patética heróica de Mohamed Saeed al-Sahaf, o ministro iraquiano
da Informação, que tanta negócio da diversão
propiciou nos Estados Unidos. Dramatização funesta, por exemplo,
sequenciada no matraquear da posse pelo Iraque de armas de
destruição maciça (químicas, biológicas e
nucleares). Este produto de propaganda-negra avassalou o planeta, com os
maestros do Terror, Bush & Blair, a agitar provas do seu fabrico e do seu
armazenamento nos esconderijos de cidades, vilas e aldeias, desertos, montanhas
e vales, de Bassorá a Mossul. As indústrias da
Informação participaram na tragicomédia e no
suspense
. Editorialistas do Eixo do Bem repercutiram o alarme e acentuaram os riscos
para a Humanidade. Com a invasão consumada, prometeram-se e
anunciaram-se achados tenebrosos. Alguns
marines
mais expeditos ensaiaram descobertas em armazéns enferrujados e
cavernas infernais. Os malditos bidões, no entanto, só continham
vestígios de adubos agrícolas ou provavelmente pó de
talco. Já ninguém acreditaria em qualquer
aparição, nem mesmo os corneteiros e os mordomos de D. Bush II,
El-Rei do Petróleo e de D. Blair I, o Reizete das Octanas. Como o
objectivo (invadir, ocupar, tomar conta do petróleo, redefinir as cartas
na região e na Europa) estava alcançado, o Tio Sam & o Primo Ten
deixaram cair o pretexto e, de imediato, a Comunicação Global
também o deixou cair. Estas liberdades de Imprensa são assim
sincronizadas.
Dramatização burlesca, por exemplo, espelhada no
tiroteio
de resgate de Jessica Lynch, a jovem-soldado cativa dos iraquianos,
supostamente arrebatada de um hospital por um comando de elite norte-americano
que, com desembaraço fulminante, neutralizou as forças de Saddam.
Afinal, segundo a BBC,
[4]
a odisseia foi engendrada pelos realizadores da Sétima Arte do
Exército USA, sem qualquer oponência dos iraquianos, pois
até uns dias antes estes se esforçaram por entregar a Jessica num
check-point
, sendo corridos a tiro pelos camaradas de Jessica. O PentágonoPress
fez o filme, vendeu-o à Sociedade Global da Informação e
ainda fabricou, para consumo patriótico, um DVD, elevando Jessica aos
altares, qual vidente acamada, qual mártir da fé, sequestrada
pelos infiéis. A menina-soldado, talvez seduzida pelos
«flashes» da fama, não defraudou o guião-libertador,
não embaraçou os cineastas da Propaganda: confessou que perdeu a
memória do momento e do cenário da intervenção.
Já na Guerra do Golfo I de Bush I (1990-1991), os ficcionistas do
Pentágono criaram dois flagrantes delitos para comover as mães do
Primeiro Mundo e mobilizar os ecologistas para uma guerra justa: imagens
percorreram centenas de milhões de lares a acusar os iraquianos de
haverem desligado as incubadoras numa maternidade do Kuweit, talvez imitando
Herodes na matança dos inocentes, o que se viria a provar ter sido uma
encenação, enquanto os mesmos lares eram bombardeados com aves a
debater-se nas marés negras, provocadas pelos iraquianos, vindo a
saber-se (mais tarde, é sempre mais tarde) que se tratava de uma
montagem com aves do Alasca, vítimas dos derrames de um petroleiro.
(Breton).
[5]
Curioso ou agoirento é que, já em 1932, Goebbels, ministro da
Propaganda nazi, haja anunciado levar Hitler à Presidência
através
de métodos americanos e em escala americana
.(Tchakhotine)
[6]
FILÓSOFOS & DISCÍPULOS
Vivemos, na realidade, numa era de
Informação-Espectáculo, com empresas de ponta e com
actores consagrados e inesperados. O que sucede com os jornalistas-faxineiros
da guerra da Informação, acontece com os mordomos de guerra da
Política, cada qual com a sua postura e a sua impostura na quadratura do
círculo, agindo por cálculo dos cifrões e dos
canhões. Por exemplo, que ganharemos em ser mais europeístas ou
mais atlantistas? A força está do lado anglo-americano, a guerra
tem um vencedor antecipado. Por isso, feitas as contas, vamos lá ver se
nos garantem o comando de Oeiras/OTAN, alguma benevolência na candidatura
de António Vitorino a secretário-geral da OTAN, algumas
sub-empreitadas na reconstrução do Iraque, umas fotografias ao
lado do Imperador e do seu cão de colo e (
ainda
como nos concursos) um atestado de bom comportamento da Ordem Imperial.
Entre constatações e convicções,
nós, produtores e receptores de Informação, teremos de
abrir o sinal vermelho da prevenção, tão tentados e
assediados somos por manipulações e
instrumentalizações. Quem se julga bem informado poderá
incorrer numa vã presunção, acomodado no seu recanto de
consumidor de palavras escritas e palavras ditas, imagens estáticas e
imagens dinâmicas, cânticos celestiais e fragores
apocalípticos:
Muitas pessoas acreditam que podem mesmo informar-se, confortavelmente sentadas
num sofá a olhar para uma sucessão de acontecimentos, apoiados em
imagens quase sempre imprevistas, violentas e espectaculares. É uma
perfeita ilusão
. (Ramonet)
[7]
, Entre indagações e interrogações, urgente
é que a cidadania da Informação coloque na agenda do
inadiável estes e outros considerandos, como o teor de uma pequena nota,
mais uma vez esclarecedora a respeito das pulsões do totalitarismo
informativo e informatizado do Complexo Militar-Mediático:
O Congresso norte-americano travou o plano do Pentágono para vigiar
bancos de dados e correio electrónico dos cidadãos em busca de
pistas sobre possíveis actividades terroristas. O programa deveria ser
chefiado por John Poindexter, militar condenado durante a presidência de
Ronald Reagan por mentir ao Congresso sobre a venda secreta de armas ao
Irão e o apoio clandestino a grupos armados na Nicarágua.
(Jornal de Notícias)
[8]
Deixando de lado a dúvida sobre se a vigilância se
processa com ou sem autorização do Congresso (o FBI, por exemplo,
está encarregado de espionar a Internet através dos
serviços «Lanterna Mágica»), o simples facto do
Congresso, em geral tão solícito na cobertura das
obsessões securitárias da Casa Branca/Pentágono, ter
placado formalmente esta investida, põe a descoberto o nível de
inquietação que se apoderou dos Estados Unidos.
É do reino das evidências que entidades, umas
estabelecidas com número de carteiro e polícia, outras habitantes
de labirintos e subterrâneos, trabalham 24 horas sobre 24 horas para
governarem a Terra a seu talante e bel-prazer, misturando petróleo,
sangue, lágrimas, palavras, sons, imagens, sujando as mãos e
lavando os cérebros. Compete-nos obviamente não desaprender de
dizer «Não» em todas as línguas e dialectos:
não ao Império do Bem, ao Império do
PentágonoPress. Não, mesmo que várias e desvairadas
gentes, aqui e ali, digam sim por sedução,
intimidação, transacção,
neutralização:
O número nem sempre tem razão, mesmo que se trate de uma escolha
democrática
. (Wolton)
[9]
, Pensar e comunicar não é fácil, porque não falta
quem comunique sem pensar e quem pense sem comunicar. Resta, porém como
um imperativo de racionalidade e como uma perigosa consigna, capaz de tirar o
sono a grandes filósofos como Rumsfeld & Perle.
NOTAS
1.
Fox News
, 10/05/2003.
2.
Público
, 11/05/2003.
3. Santana, Manuel Fernandes (1864-1910),
A Cruzada em Favor da Boa Imprensa
, 1902.
4.
BBC
, John Kantfner, 15/05/2003.
5. Breton, Philippe,
A Palavra Manipulada
, Caminho, Lisboa, 2002.
6. Tchakhotine, Serge,
Le Viol des foules par la propagande politique
, Gallimard, Paris, 1952.
7. Ramonet, Ignacio,
A Tirania da Comunicação
, Campo das Letras, Porto, 1999.
8.
Jornal de Notícias
, 13/02/2003.
9.Wolton, Dominique,
Pensar a Comunicação
, Difel, Lisboa, 1999.
[*]
Escritor/Jornalista/Pós-Graduado em Jornalismo
Político-Universidade do Porto.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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