Cientista nuclear iraquiano denuncia

A patranha da bomba nuclear

por Imad Khadduri [*]

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Com 'evidências' dessas ele pode limpar as mãos à parede. No seu discurso de 5 de Fevereiro de 2003 frente ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, Colin Powell não proporcionou qualquer nova evidência crível quanto à capacidade do Iraque em armas nucleares. As tais armas que Bush e a sua corte continuam a agitar como uma bandeira vermelha frente aos olhos do povo americano a fim de incitá-lo despudoradamente a uma guerra injusta.

Ao contrário, as poucas e frágeis assim chamadas peças de evidência apresentadas por Powell respeitantes a um suposto programa iraquiano de armas nucleares servem só para enfraquecer as acusações americanas e britânicas e revelam sua indefensável tentativa de encobrir com uma folha de parreira seus escassos argumentos e sua campanha de desinformação. As falsas e desleais peças de evidência são as seguintes:

Powell, numa pergunta teatral, questionou a razão porque era pedido aos cientistas iraquianos que assinassem declarações, com a pena de morte caso não o fizessem, no sentido de não revelarem seus segredos às equipes de inspecção da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA). A verdade é exactamente o oposto. As quatro ou cinco das tais declarações que li em pormenor, recordo-me, sujeitava-nos à pena de morte no caso de não passarmos todos os documentos e relatórios sensíveis que ainda pudessem estar na nossa posse! Se os serviços de inteligência de Powell lhe tivessem fornecido uma cópia destas declarações, e não dependesse de testemunhos de "desertores" cuja motivação exclusiva é a sua auto-promoção junto aos seus "observadores", e dispusesse ele próprio de uma boa tradução do árabe quanto ao que estas declarações realmente dizem, ele não teria — tivesse ele qualquer desejo de agir de acordo com a verdade — mencionado isto como "evidência".

Esta é exactamente a causa da segunda inverdade brandida por Powell ao referir-se ao esconderijo de documentos apreendidos na casa de Faleh Hamza: que o Iraque está a esconder ou ainda está a trabalhar (é difícil perceber no emaranhado das suas palavras o que isso realmente significa) no seu "terceiro" processo de enriquecimento de urânio.

Faleh, de acordo com a minha explicação das declarações acima, não considerou que os relatos sobre o seu trabalho estivessem cobertos por esta declaração pela seguinte razão: Faleh na década de 1980 envolveu-se superficialmente com o Departamento de Física do Centro de Investigação Nuclear de Tuwaitha — mas não no programa de actividades de armas nucleares que aparecia com a etiqueta de programa Petroquímico 3 — com o processo de enriquecimento do urânio por laser utilizando um par de lasers de cobre de média amplitude.

Sua investigação episódica concluiu que ainda não era viável prosseguir esta via de enriquecimento em escala de produção e todo o projecto cessou depois de ter atingido um beco-sem-saída em 1988. Ele arrumou as malas e em 1989 uniu-se ao trabalho do PC3 que trabalhava no método de enriquecimento Calutron. Além do mais, isto estava bem documentado e explicado no nosso relatório final aos inspectores da AIEA no fim de 1997, para o qual eles confirmavam e remetiam no seu próprio relatório final sobre o assunto.

Mas, plenamente consciente deste facto, a maneira jamesboadiana e insultuosa com que a UNMOVIC (seguindo as pegadas da sua antecessora UNSCOM infiltrada pela CIA) invadiram a casa de Faleh e a vasculharam, até mesmo os objectos privados da sua família sob o holofote das cameras, acrescentou o insulto à injúria e agravou exponencialmente a oposição de Faleh frente às autoridades que estavam a tentar proteger os cientistas de tais teatrices americanas.

Arrogantemente, os americanos estão querendo saber porque outros cientistas não estão a vir ao de cima. Ainda pior, Blix preferiu agitar esta bandeira rota frente ao Conselho de Segurança no seu relatório de segunda-feira, 27 de Janeiro de 2003. Este facto único foi uma das razões porque decidi sair. Mesmo Mohamed Baradei, o responsável da AIEA, repreendeu Blix no dia seguinte por não levar em conta o conhecimento da AIEA acerca deste assunto, ou seja, que aquelas 3000 páginas de documentos eram declarações financeiras e a própria duração [curta] do trabalho de investigação de Faleh, e nada tinha a ver com o programa de armas nucleares. Foi por isto que ele manteve os documentos na sua casa. Estava a tornar-se evidente que Blix estava a sucumbir às tácticas de pressão americanas e inclinava-se a abastece-los com frágeis "provas" a expensas da sua suposta imparcialidade e do seu mandato como responsável da ONU. Powell aproveitou até mesmo estas palhas sem valor.

Powell apenas acusou, mas não proporcionou qualquer evidência, o Iraque de ter tentado obter a partir de 1998 material nuclear com grau de enriquecimento cindível. Ele, em vão, deu a impressão de que tudo estava acertado e pronto apenas à espera de que este material fosse adquirido e logo a seguir a bomba atómica estaria a rolar porta afora. Ele não se colocou qualquer das seguintes perguntas:

Onde está a equipe científica e de engenharia necessária para um esforço tão gigantesco quando quase todos eles têm estado a viver em abjecta pobreza na última década, esforçando-se simplesmente para alimentar suas família com US$20 por mes, com o seu conhecimento e perícia enferrujados e atrofiados sob pesadas pressões psicológicas e temendo a sua pensão de aposentadoria de US$2 por mês?

Onde está a administração que pode dirigir um tal empreendimento? A anterior equipe de administração do programa da arma nuclear dos anos 80 existe somente nas memórias e nos relatórios. Seus membros retiraram-se, isolaram-se, ou mudaram de profissão para poderem alimentar suas famílias.

Onde estão os edifícios e a infraestrutura para suportar tal programa? Todo o programa de armas nucleares dos anos 80 foi ou bombardeando pelos americanos durante a guerra ou descoberto pelos inspectores da AIEA. É impossível esconder tais edifícios e estruturas. Powell deveria apenas dar uma olhadela às instalações atómicas da Coreia do Norte, ou talvez mesmo de Israel, para perceber a impossibilidade de esconder tais estruturas com os inspectores da AIEA a vasculharem tudo o que está à vista.

Powell só precisava de perguntar àqueles que estavam no terreno, os inspectores da AIEA delegados pela ONU por exigência dos EUA, para receber respostas negativas a todas as perguntas acima. Ao invés disso, preferiu fabricar uma inverdade.

Finalmente, há os infames tubos de alumínio que são supostos serem utilizados no processo de enriquecimento por centrifugação. Powell e Bush deveriam poder descansar quanto a este ponto, pois eles teriam um espaço de tempo de pelo menos dez anos antes de o Iraque ser capaz de militarizar tais tubos. Segundo os próprios "peritos americanos", tal processo precisaria de quilómetros de spinners frágeis, altamente afinados e delicadamente controlados para cumprir a sua maléfica função para o Iraque. Assim, as apresentações PowerPoint e as setas coloridas seriam uma estupidez dos serviços de inteligência. Isto tudo sem mencionar a falta de um abastecimento eléctrico estável no Iraque ou o fantasma da equipe técnica altamente qualificada para executar quilómetros de estojos em cimento de "grau muito elevado e caro" que não são fabricados conforme os padrões militares americanos. Talvez a pergunta de Powell devesse ser, "Como pensa o Iraque enfrentar alvenaria tão cara?"

Powell disse: "Deixe-me agora voltar-me para as armas nucleares. Não temos qualquer indicação de que Saddam Hussein tenha abandonando de vez seu programa de armas nucleares". Isto beira o humorismo. Mas há um provérbio árabe que diz: A pior espécie de desgraça é aquela que leva você a rir.
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[*] Imad Khadduri tem um MSc em Física pela Universidade de Michigan (Estados Unidos) e um PhD in Nuclear Reactor Technology pela Universidade de Birmingham (Reino Unido). Khadduri trabalhou com a Iraqi Atomic Energy Commission de 1968 a 1998. Ele pôde deixar o Iraque em fins de 1998 com sua família. Agora ensina e trabalha como administrador de redes em Toronto, Canadá. Foi entrevistada por Toronto Star, Reuters e várias outras agências de notícias devido ao seu conhecimento do programa nuclear iraquiano. Este artigo foi publicado originalmente por YellowTimes.org.

O autor agradece comentários: imad.khadduri@rogers.com


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O original deste artigo encontra-se em http://www.yellowtimes.org/article.php?sid=1055

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16/Fev/03