Ainda estou em estado de choque e pavor por ter sido despedido. Há uma
enorme sensibilidade dentro do governo americano em relação a
reportagens vindas de Bagdad. Eles não querem
organizações críveis a informar a partir daqui porque isso
lhes causa enormes problemas.
Relatei o bombardeamento original para a NBC e estávamos a meia milha
daquelas explosões maciças. Agora estou realmente chocado por
não estar mais a relatar tais acontecimentos para os EUA e apavorado com
o que realmente aconteceu.
Naquela noite minha carreira plena de êxito como repórter da NBC
foi transformada em cinzas. E por que? Porque eu declarei o óbvio para
a televisão iraquiana: que o calendário de guerra dos EUA
caíra de lado. Fiz tais comentários para estações
de televisão de todo o mundo e agora estou a fazê-los outra vez
para o Daily Mirror.
Não estou furioso. Não estou a chorar. Mas também estou
apavorado com este fenómeno dos media. Os medias da extrema-direita e
os políticos estão à procura de qualquer oportunidade para
criticar os repórteres que estão aqui, seja qual for a sua
nacionalidade. Dei o mau passo que lhes deu a oportunidade de assim
procederem: Dei uma entrevista improvisada à televisão iraquiana
por sentir que, depois de ao longo de quatro meses fazer entrevistas a centenas
deles seria apenas cortesia profissional fazer-lhes uns poucos
comentários.
Isto foi o meu Waterloo bang!
Ainda não decidi o que fazer, se arrumar as minhas malas e deixar Bagdad
ou permanecer aqui. Decidirei o que fazer hoje, enquanto digiro aquilo que
aconteceu comigo. Mas seja o que for que aconteça, nunca cessarei de
relatar a verdade desta guerra quer esteja em Bagdad ou em algum lugar
do Médio Oriente ou mesmo de volta a Washington.
Eu estava aqui em 1991 e o bombardeamento é muito semelhante ao daquele
conflito, mas a realidade é muito diferente.
Os americanos e os britânicos querem vir para cá, tomar a cidade,
derrubar o governo e conduzir-nos a uma nova era. As tropas estão no
país e aí combatem para abrir o caminho para Bagdad. Isto cria
uma atmosfera muito diferente. O partido Baath, actualmente dirigido por
Saddam Hussein, tem estado no poder há 34 anos. Tariq Aziz contou-me
que os EUA terão de fazer lavagem cerebral a 25 milhões de
iraquianos porque estas pessoas pensam exactamente como Saddam. Talvez ele
esteja errado, talvez não.
Durante meses os iraquianos disseram oficial e privadamente:
"Combateremos os americanos, utilizaremos tácticas de guerrilha,
vamos surpreende-los". Mas a oposição iraquiana disse:
"Isto será uma brincadeira, todos querem rebelar-se contra
Saddam".
Agora a realidade está a ser jogada no campo de batalha.
Temos de observar a realidade agora e alguns iraquianos estão combatendo
e o governo parece muito determinado. Para mim, ver isso e ser criticado por
dizer o óbvio é injusto.
Mas isto tornou-me alvo para os meus críticos nos EUA, que me acusam de
dar ajuda e conforto ao inimigo. Eu não quero dar ajuda e conforto ao
inimigo quero apenas contar a verdade.
Vim à Bagdad com a minha equipçe porque o lado iraquiano
também precisa ser ouvido. É evidente que o calendário
original pelo qual os EUA estariam em Bagdad no fim de Março já
caiu à beira da estrada.
Existe claramente um debate sobre isto nos EUA, reforços estão a
ser enviados para dentro do país e há atrasos. Isto não
significa que as coisas estejam a ir muito mal. Toda a baixa é uma
perda, mas elas têm sido limitadas em número até agora.
Todas a noites e todos os dias ouço os B-52s e o mísseis a
martelarem as defesas de Bagdad.
Tal como no Afeganistão e no Vietname, os EUA estão a trazer um
enorme poder de fogo para fazer aquilo que acreditam que derrubará os
iraquianos. Vi isto antes e foi muito efectivo. O optimismo americano
é justificado. Mas, por outro lado, a que custo para os civis?
Durante a ofensiva do Tet, no Vietname, entrei numa cidade tomada pelos EUA que
fora totalmente destruída. O Viet Cong havia-a recuperado e estava a
ameaçar o edifício do comando e assim foi pedido um ataque de
artilharia que matou muitos dos seus próprios homens. O major que
estava connosco perguntou: "Como isto pode acontecer?" Um soldado
respondeu: "Sir, temos de destruir a cidade para salvá-la".
As administrações de Bush e de Blair não querem este
rótulo afixado nesta guerra, é uma guerra de
libertação para eles. Mas o problema é que os US Marines
nos postos de controle (checkpoints) suspeitam de todos os homens, mulheres e
crianças devido às bombas suicidas.
Já há um avolumar de suspeitas.
E no sul não tem havido rebeliões populares e levantamentos. Na
medida em que a batalha por Bagdad avança, o potencial para baixas civis
avança também. Este é o espectro que assoma se esta
guerra continuar. Os americanos e britânicos têm de perceber isso.
Não penso que possa dizer como acabar, há muitos cenários.
Um sítio a Bagda... um ataque das operações especiais
contra Saddam. Os optimistas no Pentágono falam de um golpe interno.
Quem teria acreditado que Umm Qasr aguentaria seis dias ou que Marines
americanos a dirigirem o tráfego seriam mortos por um bombista suicida?
Isto se parece mais com o West Bank e com Gaza e poderia tornar-se em algo como
isso em algumas áreas.
Os EUA devem evita tal cenário.
A forças chegam, as comunidades resistem e então surgem bombistas
suicidas e resistência de guerrilhas.
Excepto que o iraquianos estarão a oferecer um combate mais duro do que
o palestinos porque estão melhor armados.
Sabemos que o mundo, incluindo muitos americanos, é ambivalente acerca
desta guerra e penso que é essencial estar aqui.
Não estou aqui para ser uma super-estrela. Aqui tenho estado desde 1991
e nunca poderia ficar mais conhecido do que agora.
Alguns repórteres fazem julgamentos mas isso não é do meu
estilo. Eu apresento ambos os lados e relato o que vejo com os meus
próprios olhos.
Não critico a NBC pela sua decisão porque eles estão sob
grande pressão comercial do exterior. E certamente não acredito
que a Casa Branca tenha sido responsável pelo meu despedimento.
Mas quero contar a história o melhor que puder, o que torna
decepcionante ser despedido.
01/Abr/03
[*]
Ex-correspondente da cadeia de televisão americana NBC, despedido da
mesma apenas por ter dado uma entrevista à TV iraquiana. Após o
seu
despedimento foi contratado pelo jornal britânico
Daily Mirror
. É
fácil verificar que mesmo o seu simples objectivismo jornalístico
causa desconforto aos poderes estabelecidos nos EUA. Eles não querem
jornalistas querem propagandistas da guerra.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.