A opção nuclear no Iraque:

Os EUA baixaram a fasquia para a utilização da arma final

por William M. Arkin [*]

As SS nazis desenhavam caveiras nos seus uniformes. O STRATCOM desenha um cogumelo nuclear no seu logotipo. Um ano depois de o presidente Bush ter rotulado o Iraque, o Irão e a Coreia do Norte como o "eixo do mal", os Estados Unidos estão a pensar o impensável: Estão a prepara-se para a possível utilização de armas nucleares contra o Iraque.

No Strategic Command (STRATCOM) dos EUA, em Omaha, e no interior das células de planeamento da Joint Chiefs of Staff, listas de alvos estão a ser examinadas, opções estão a ser ponderadas e procedimentos estão a ser testados para dar um papel aos armamentos nucleares na nova doutrina americana da "prevenção".

Segundo múltiplas fontes próximas ao processo, o actual planeamento foca dois possíveis papeis para as armas nucleares:

  • atacar instalações iraquianas localizadas tão profundamente no subsolo que possam ser imunes a explosivos convencionais;
  • impedir a utilização pelo Iraque de armas de destruição em massa.

    As armas nucleares, desde que foram criadas, fizeram parte do arsenal discutido pelos planeadores militares. Mas a decisão da administração Bush de planear activamente a possível utilização preventiva de tais armas contra o Iraque, especialmente as chamadas destruidoras de bunkers (bunker busters) , representa um abaixamente significativo do patamar nuclear. Isto reescreve as regras básicas do combate nuclear em nome do combate ao terrorismo.

    Isto também tira as armas nucleares da categoria especial em que estava há muito estabelecida em junta-a a todas as outras opções militares — desde a guerra psicológica, as operações encobertas e as Forças Especiais até à força aérea em todas as suas formas.

    Para os Estados Unidos, rebaixar o patamar nuclear e romper a barreira (firewall) que separa as armas nucleares de todas as outras é preocupante devido a pelo menos três razões.

    Primeiro: Se os Estados Unidos baixarem o patamar nuclear — mesmo como mera possibilidade — isto aumenta a probabilidade de outras nações baixarem os seus próprios patamares e empregarem armas nucleares em situações em que simplesmente necessitam uma força militar maior. Até agora, os Estados Unidos reservaram as armas nucleares para retaliação contra ataques nucleares ou ameaças imediatas à sobrevivência nacional, um padrão tacitamente e amplamente aceito por todo o mundo. Se o presidente acredita que o Iraque de Saddam Hussein apresenta essa espécie de perigo para o Estados Unidos, ele não conseguiu convencer o mundo — nem muitos cidadãos americanos.

    Segundo: O movimento em direcção às armas nucleares como apenas mais uma opção entre muitas chega num momento em que a tecnologia está a oferecer uma multidão de escolhas melhores. Os militares dos EUA têm, cada vez mais, a capacidade de desactivar bases subterrâneas ou de destruir armas biológicas e químicas sem desarrolhar a garrafa nuclear, através de uma combinação de força aérea refinada, operações especiais e capacidades do século XXI como as armas de microondas de alta potência e a guerra cibernética.

    Terceiro: Há perigos em concentrar a revisão da política nuclear dentro de um único comando militar, o STRATCOM, o qual até agora tem sido focado estritamente sobre questões estratégicas — não políticas — do combate nuclear. Os membros da equipe de comando são especialistas inigualáveis quanto à utilização e aos efeitos de armas nucleares, mas a sua perícia não se estende aos porques do uso das armas.

    Confiar grandes revisões de política a organizações secretas e estreitamente controladas dentro do Pentágono é uma marca característica da gestão do secretário da Defesa Donald H. Rumsfeld. Actuar assim dinamiza a tomada de decisões e encoraja novos pensamentos, dizem os que advogam tal processo.

    Mas isto também ultrapassa os objectores, muitos dos quais são das forças armadas e têm maior conhecimento e experiência mais profunda no trato destas questões. O círculo próximo de Bush é conhecido como um feixe estreitamente apertado, propenso ao "pensamento de grupo" sobre o Iraque e pouco interessado em que os seus pressupostos sejam desafiados. Mas há opiniões que eles precisam ouvir. Enquanto a maior parte dos responsáveis militares parece considerar que a probabilidade de usarmos armas nucleares no Iraque é baixa, preocupam-se com a importância acrescida que lhes é dada e acerca da contradição inerente no facto de encarar a utilização de armas nucleares com o propósito de eliminar armas de destruição em massa.

    O interesse da administração em planos de contigência nuclear radica na sua profunda convicção de que os Estados Unidos devem actuar contra o Iraque devido a uma nova e mais perigosa ameaça terrorista que envolve armas de destruição em massa.

    "O mais grave perigo que a nossa nação enfrenta jaz no cruzamento do radicalismo e da tecnologia", declarou Bush na introdução da sua estratégia de segurança nacional, recentemente emitida. Ela diz que o inimigos dos Estados Unidos "declararam abertamente que estão à procura de armas de destruição em massa".

    Em Maio último Bush assinou a Directiva Presidencial nº 17 sobre Segurança Nacional, confirmando oficialmente a doutrina da anulação preventiva de qualquer utilização potencial de armas de destruição em massa.

    "Os militares americanos e as agências civis apropriadas devem possuir o conjunto completo de capacidades operacionais para reagir à ameaça e à utilização de armas de destruição em massa", reiterou o presidente em Dezembro último na sua National Strategy to Combat Weapons of Mass Destruction .

    O actual planeamento nuclear, revelado em entrevistas com responsáveis militares e descrito em documentos examinados pelo Los Angeles Times, está a ser executado na sede de Omaha do STRATCOM, em pequenas equipes em Washington e numa "localização não revelada" do vice-presidente Dick Cheney na Pennsylvania.

    O comando, anteriormente responsável só pela armas nucleares, viu a suas responsabilidades multiplicarem-se. Em 11 de Dezembro o secretário da Defesa enviou um memorando a Bush solicitando autoridade para colocar o almirante James O. Ellis Jr, o comandante do STRATCOM, como responsável do conjunto completo de opções de guerra "estratégica" para combater Estados e organizações terroristas.

    O memorando, obtido por The Times, recomendava dar ao STRATCOM todas as responsabilidades para tratar com armas estrangeiras de destruição em massa, incluindo "ataque global, defesa integrada de mísseis, [e] operações de informação". Esta aparentemente inócua descrição de responsabilidades cobre um terreno enorme, colocando tudo, desde a utilização de armas nucleares a ataques não nucleares, a operações encobertas e especiais, à ciber-guerra, e à "indução em erro estratégica" sob a alçada dos guerreiros nucleares.

    No princípio deste mes, Bush aprovou a proposta de Rumsfeld. Ao nível das aparências, estas novas missões dão ao comando um conjunto mais vasto de ferramentas para evitar a escalada nuclear. Na realidade, elas abrem a porta muito mais amplamente para a consideração do uso de armas nucleares. Se o Iraque usasse armas biológicas ou químicas durante uma guerra com os Estados Unidos, isto poderia ter trágicas consequências, não alteraria o desenlace da guerra. A utilização por nós de armas nucleares para derrotar Hussein, por outro lado, tem o potencial para criar um desastre político e global, um desastre que colocaria definitivamente o mundo árabe e islâmico contra nós.

    Quão grande mudança estes passos representam revela-se no facto de que o STRATCOM deve a sua existência aos decisores políticos anteriores ao pós-Guerra Fria que consideraram vital erguer uma grande barreira entre froças nucleares e convencionais.

    Agora, quase sem qualquer discussão dentro do Pentágono ou em público, Rumsfeld e o Bush da Casa Branca estão a deitar abaixo aquela barreira. Ao invés de separar armas nucleares e convencionais, Rumsfeld está a fundi-las em uma estrutura de comando com uma missão perturbadoramente simples: "Se se descobrir um centro terrorista ou um arsenal de armas de destruição em massa, e não se dispuser senão de um curto período de tempo para actuar, como alcançar e eliminar esta ameaça à nossa nação que pode estar do outro lado do mundo?" perguntou Ellis em Dezembro.

    A rápida transfomação do comando de Ellis revela a sua resposta àquela pergunta retórica. Desde o 11 de Setembro, Ellis e o seu comando têm sido bombardeados com novas exigências e responsabilidades. Primeiro, a revisão da postura nuclear do Pentágono, assinada por Rumsfeld em Dezembro de 2001 e emitida na forma final no princípio de 2002, direccionou os militares ao revigoramento da sua capacidade nuclear. O STRATCOM deverá desempenhar um papel crucial neste revigoramento.

    Dentre outras coisas, a revisão da postura (ainda classificada) diz: "armas nucleares podem ser empregues contra alvos capazes de resistir a ataques não nucleares (exemplo: bunkers subterrâneos profundos ou instalações de bioarmas)".

    A revisão convoca os militares a desenvolverem "missões deliberadas pré-planeadas e práticas" de ataque a instalações de armas de destruição em massa, mesmo que o inimigo não tenha utilizado primeiro armas nucleares contra os Estados Unidos e os seus aliados.

    De acordo com documentos e instruções do STRATCOM, o seu recém-criado Planeamento de actividade no teatro (Theater Planning Activity) agora assumiu todos os aspectos de uma avaliação das instalações de armas químicas, biológicas e nucleares em todo o mundo. Os planeadores focaram a reunião de inteligência e análise de sete nações-alvo prioritárias (as nações "eixo do mal", juntamente com a Síria, a Líbia, a China e a Rússia) e completaram uma análise pormenorizada dos dados de inteligência disponíveis sobre todos os sítios suspeitos. Segundo fontes do Comando Central dos EUA, foi preparado um "Theater Nuclear Planning Document" para o Iraque.

    O que preocupa muitos oficiais superiores nas forças armadas não é que os Estados Unidos tenham um vasto conjunto de armas ou planos de contingência para utilizá-las. O perigo está em que as armas nucleares — trancadas numa caixa de Pandora distante durante mais de meio século — estão a ser tiradas daquela caixa trancada e colocadas na prateleira junto com todas as outras. Enquanto os lídéres do Pentágono insistem em que isto não significa que encarem as armas nucleares com leviandade, os críticos temem que ao remover a barreira e juntar as armas nucleares às opções normais a sua utilização se torne mais provável — especialmente sob uma política de prevenção que diz que Washington sozinha decidirá quando atacar.

    Fazer uma tal doutrina incluir armas nucleares é abraçar uma visão que, mais cedo ou mais tarde, propagar-se-á para além das capitais "morais" de Washington e Londres para Nova Delhi e Islamabad, para Pyongyang e Bagdade, Pequim, Telaviv e toda a nação nuclear do futuro.

    Se isto acontcer, o mundo ter-se-á tornado infinitamente mais perigoso do que era dois anos atrás, quando George W. Buch prestou o seu juramento presidencial.

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    [*] Analista de assuntos militares que escreve regularmente para Opinion. E-mail: warkin@igc.org . Copyright W. Arkin 2003. For fair use only/ pour usage équitable seulement. Publicado no Los Angeles Times de 26/Jan/2003.

    O original deste artigo encontra-se em http://globalresearch.ca/articles/ARK301A.html

    Este artigo encontra-se em http://resistir.info

  • 27/Jan/03