A opção nuclear no Iraque:
Os EUA baixaram a fasquia para a utilização da arma final
Um ano depois de o presidente Bush ter rotulado o Iraque, o Irão e a
Coreia do Norte como o "eixo do mal", os Estados Unidos estão
a pensar o impensável: Estão a prepara-se para a possível
utilização de armas nucleares contra o Iraque.
No Strategic Command (STRATCOM) dos EUA, em Omaha, e no interior das
células de planeamento da Joint Chiefs of Staff, listas de alvos
estão a ser examinadas, opções estão a ser
ponderadas e procedimentos estão a ser testados para dar um papel aos
armamentos nucleares na nova doutrina americana da
"prevenção".
Segundo múltiplas fontes próximas ao processo, o actual
planeamento foca dois possíveis papeis para as armas nucleares:
atacar instalações iraquianas localizadas tão
profundamente no subsolo que possam ser imunes a explosivos convencionais;
impedir a utilização pelo Iraque de armas de
destruição em massa.
As armas nucleares, desde que foram criadas, fizeram parte do arsenal discutido
pelos planeadores militares. Mas a decisão da
administração Bush de planear activamente a possível
utilização preventiva de tais armas contra o Iraque,
especialmente as chamadas destruidoras de bunkers
(bunker busters)
, representa um abaixamente significativo do patamar nuclear. Isto reescreve
as regras básicas do combate nuclear em nome do combate ao terrorismo.
Isto também tira as armas nucleares da categoria especial em que estava
há muito estabelecida em junta-a a todas as outras opções
militares desde a guerra psicológica, as operações
encobertas e as Forças Especiais até à força
aérea em todas as suas formas.
Para os Estados Unidos, rebaixar o patamar nuclear e romper a barreira
(firewall) que separa as armas nucleares de todas as outras é
preocupante devido a pelo menos três razões.
Primeiro: Se os Estados Unidos baixarem o patamar nuclear mesmo como
mera possibilidade isto aumenta a probabilidade de outras
nações baixarem os seus próprios patamares e empregarem
armas nucleares em situações em que simplesmente necessitam uma
força militar maior. Até agora, os Estados Unidos reservaram as
armas
nucleares para retaliação contra ataques nucleares ou
ameaças imediatas à sobrevivência nacional, um padrão
tacitamente e amplamente aceito por todo o mundo. Se o presidente acredita que
o Iraque de Saddam Hussein apresenta essa espécie de perigo para o
Estados Unidos, ele não conseguiu convencer o mundo nem muitos
cidadãos americanos.
Segundo: O movimento em direcção às armas nucleares como
apenas mais uma opção entre muitas chega num momento em que a
tecnologia está a oferecer uma multidão de escolhas melhores. Os
militares dos EUA têm, cada vez mais, a capacidade de desactivar bases
subterrâneas ou de destruir armas biológicas e químicas sem
desarrolhar a garrafa nuclear, através de uma combinação
de força aérea refinada, operações especiais e
capacidades do século XXI como as armas de microondas de alta
potência e a guerra cibernética.
Terceiro: Há perigos em concentrar a revisão da política
nuclear dentro de um único comando militar, o STRATCOM, o qual
até agora tem sido focado estritamente sobre questões
estratégicas não políticas do combate
nuclear. Os membros da equipe de comando são especialistas
inigualáveis quanto à utilização e aos efeitos de
armas nucleares, mas a sua perícia não se estende aos porques do
uso das armas.
Confiar grandes revisões de política a organizações
secretas e estreitamente controladas dentro do Pentágono é uma
marca característica da gestão do secretário da Defesa
Donald H. Rumsfeld. Actuar assim dinamiza a tomada de decisões e
encoraja novos pensamentos, dizem os que advogam tal processo.
Mas isto também ultrapassa os objectores, muitos dos quais são
das forças armadas e têm maior conhecimento e experiência
mais profunda no trato destas questões. O círculo próximo
de Bush é conhecido como um feixe estreitamente apertado, propenso ao
"pensamento de grupo" sobre o Iraque e pouco interessado em que os
seus pressupostos sejam desafiados. Mas há opiniões que eles
precisam ouvir. Enquanto a maior parte dos responsáveis militares
parece considerar que a probabilidade de usarmos armas nucleares no Iraque
é baixa, preocupam-se com a importância acrescida que lhes
é dada e acerca da contradição inerente no facto de
encarar a utilização de armas nucleares com o propósito de
eliminar armas de destruição em massa.
O interesse da administração em planos de contigência
nuclear radica na sua profunda convicção de que os Estados Unidos
devem actuar contra o Iraque devido a uma nova e mais perigosa ameaça
terrorista que envolve armas de destruição em massa.
"O mais grave perigo que a nossa nação enfrenta jaz no
cruzamento do radicalismo e da tecnologia", declarou Bush na
introdução da sua estratégia de segurança nacional,
recentemente emitida. Ela diz que o inimigos dos Estados Unidos
"declararam abertamente que estão à procura de armas de
destruição em massa".
Em Maio último Bush assinou a Directiva Presidencial nº 17 sobre
Segurança Nacional, confirmando oficialmente a doutrina da
anulação preventiva de qualquer utilização
potencial de armas de destruição em massa.
"Os militares americanos e as agências civis apropriadas devem
possuir o conjunto completo de capacidades operacionais para reagir à
ameaça e à utilização de armas de
destruição em massa", reiterou o presidente em Dezembro
último na sua
National Strategy to Combat Weapons of Mass Destruction
.
O actual planeamento nuclear, revelado em entrevistas com responsáveis
militares e descrito em documentos examinados pelo Los Angeles Times,
está a ser executado na sede de Omaha do STRATCOM, em pequenas equipes
em Washington e numa "localização não revelada"
do vice-presidente Dick Cheney na Pennsylvania.
O comando, anteriormente responsável só pela armas nucleares, viu
a suas responsabilidades multiplicarem-se. Em 11 de Dezembro o
secretário da Defesa enviou um memorando a Bush solicitando autoridade
para colocar o almirante James O. Ellis Jr, o comandante do STRATCOM, como
responsável do conjunto completo de opções de guerra
"estratégica" para combater Estados e
organizações terroristas.
O memorando, obtido por The Times, recomendava dar ao STRATCOM todas as
responsabilidades para tratar com armas estrangeiras de
destruição em massa, incluindo "ataque global, defesa
integrada de mísseis, [e] operações de
informação". Esta aparentemente inócua
descrição de responsabilidades cobre um terreno enorme, colocando
tudo, desde a utilização de armas nucleares a ataques não
nucleares, a operações encobertas e especiais, à
ciber-guerra, e à "indução em erro
estratégica" sob a alçada dos guerreiros nucleares.
No princípio deste mes, Bush aprovou a proposta de Rumsfeld. Ao
nível das aparências, estas novas missões dão ao
comando um conjunto mais vasto de ferramentas para evitar a escalada nuclear.
Na realidade, elas abrem a porta muito mais amplamente para a
consideração do uso de armas nucleares. Se o Iraque usasse armas
biológicas ou químicas durante uma guerra com os Estados Unidos,
isto poderia ter trágicas consequências, não alteraria o
desenlace da guerra. A utilização por nós de armas
nucleares para derrotar Hussein, por outro lado, tem o potencial para criar um
desastre político e global, um desastre que colocaria definitivamente o
mundo árabe e islâmico contra nós.
Quão grande mudança estes passos representam revela-se no facto
de que o STRATCOM deve a sua existência aos decisores políticos
anteriores ao pós-Guerra Fria que consideraram vital erguer uma grande
barreira entre froças nucleares e convencionais.
Agora, quase sem qualquer discussão dentro do Pentágono ou em
público, Rumsfeld e o Bush da Casa Branca estão a deitar abaixo
aquela barreira. Ao invés de separar armas nucleares e convencionais,
Rumsfeld está a fundi-las em uma estrutura de comando com uma
missão perturbadoramente simples: "Se se descobrir um centro
terrorista ou um arsenal de armas de destruição em massa, e
não se dispuser senão de um curto período de tempo para
actuar, como alcançar e eliminar esta ameaça à nossa
nação que pode estar do outro lado do mundo?" perguntou
Ellis em Dezembro.
A rápida transfomação do comando de Ellis revela a sua
resposta àquela pergunta retórica. Desde o 11 de Setembro, Ellis
e o seu comando têm sido bombardeados com novas exigências e
responsabilidades. Primeiro, a revisão da postura nuclear do
Pentágono, assinada por Rumsfeld em Dezembro de 2001 e emitida na forma
final no princípio de 2002, direccionou os militares ao revigoramento da
sua capacidade nuclear. O STRATCOM deverá desempenhar um papel crucial
neste revigoramento.
Dentre outras coisas, a revisão da postura (ainda classificada) diz:
"armas nucleares podem ser empregues contra alvos capazes de resistir a
ataques não nucleares (exemplo: bunkers subterrâneos profundos ou
instalações de bioarmas)".
A revisão convoca os militares a desenvolverem "missões
deliberadas pré-planeadas e práticas" de ataque a
instalações de armas de destruição em massa, mesmo
que o inimigo não tenha utilizado primeiro armas nucleares contra os
Estados Unidos e os seus aliados.
De acordo com documentos e instruções do STRATCOM, o seu
recém-criado Planeamento de actividade no teatro
(Theater Planning Activity)
agora assumiu todos os aspectos de uma avaliação das
instalações de armas químicas, biológicas e
nucleares em todo o mundo. Os planeadores focaram a reunião de
inteligência e análise de sete nações-alvo
prioritárias (as nações "eixo do mal",
juntamente com a Síria, a Líbia, a China e a Rússia) e
completaram uma análise pormenorizada dos dados de inteligência
disponíveis sobre todos os sítios suspeitos. Segundo fontes do
Comando Central dos EUA, foi preparado um "Theater Nuclear Planning
Document" para o Iraque.
O que preocupa muitos oficiais superiores nas forças armadas não
é que os Estados Unidos tenham um vasto conjunto de armas ou planos de
contingência para utilizá-las. O perigo está em que as
armas nucleares trancadas numa caixa de Pandora distante durante mais de
meio século estão a ser tiradas daquela caixa trancada e
colocadas na prateleira junto com todas as outras. Enquanto os
lídéres do Pentágono insistem em que isto não
significa que encarem as armas nucleares com leviandade, os críticos
temem que ao remover a barreira e juntar as armas nucleares às
opções normais a sua utilização se torne mais
provável especialmente sob uma política de
prevenção que diz que Washington sozinha decidirá quando
atacar.
Fazer uma tal doutrina incluir armas nucleares é abraçar uma
visão que, mais cedo ou mais tarde, propagar-se-á para
além das capitais "morais" de Washington e Londres para Nova
Delhi e Islamabad, para Pyongyang e Bagdade, Pequim, Telaviv e toda a
nação nuclear do futuro.
Se isto acontcer, o mundo ter-se-á tornado infinitamente mais perigoso
do que era dois anos atrás, quando George W. Buch prestou o seu
juramento presidencial.
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Analista de assuntos militares que escreve
regularmente para Opinion. E-mail: warkin@igc.org . Copyright W. Arkin 2003.
For fair use only/ pour usage équitable seulement. Publicado no Los
Angeles Times de 26/Jan/2003.
O original deste artigo encontra-se em
http://globalresearch.ca/articles/ARK301A.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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