O que está por trás da exigência de Washington de levantar
as sanções ao Iraque
O governo americano exigiu o completo e imediato levantamento das
sanções do Conselho de Segurança da ONU ao Iraque.
Durante 13 anos um movimento mundial contra as sanções deparou-se
com a resistência total do governo americano, tanto sob as
administrações republicanas como democratas. Por que agora
Washington reverteu a sua própria posição acerca disto? E
como deveria o movimento mundial contra as sanções responder
à nova estratégia de Washington?
Em primeiro lugar, é importante entender os motivos da
administração Bush.
O Conselho de Segurança da ONU agora controla pelo menos US$ 30 mil
milhões, mantido nas suas contas Petróleo por Alimentos, que
foram acumulados com a venda de petróleo iraquiano durante o regime de
sanções.
Desde que destruíram militarmente o governo, os EUA indicaram-se a si
próprios como os responsáveis
(overseer)
do Iraque que escolherão os elementos de um novo governo. Mas as
sanções impedem que o dinheiro vá para o Iraque. Assim,
os EUA querem por um fim às sanções a fim de que estes
milhares de milhões de dólares possam ser entregues a um governo
no Iraque administrado pelos EUA. Encaram o dinheiro como o botim a que tem
direito pela sua criminosa invasão e destruição da
soberania do Iraque.
Além disso, desde Agosto de 1990 milhares de milhões de
dólares de dinheiro iraquiano foram congelados em contas por todo o
mundo. Um fim das sanções poderia ser um primeiro passo a fim de
tornar este dinheiro disponível para um "governo iraquiano"
controlado pelos EUA, o qual iria passá-lo às vorazes
corporações americanas que foram premiadas com contratos para a
"reconstrução" do Iraque.
As sanções provocaram a morte de mais de um milhão e meio
de iraquianos, segundo estimativas da ONU. Deveria o governo que causou estas
mortes e devastou cidades iraquianas numa brutal guerra de conquista ser agora
ser confiado com a tarefa de administrar fundos que ele por longo tempo retirou
ao povo iraquiano?
É essencial reconhecer que os EUA ou a Grã-Bretanha não
tem qualquer direito aos recursos do Iraque. Não há
justificação para as dezenas de milhares de soldados
imperialistas que ocupam o país. É criminoso, uma
agressão ilegal. Agora a campanha dos EUA para acabar com as
sanções e virar aqueles milhares de milhões em fundos
iraquianos retidos para si próprios, os ocupantes, é pirataria na
sua forma mais grosseira.
Milhares de milhões em causa
Esta questão do levantamento das sanções ao Iraque
está a perfilar-se como a próxima grande
confrontação no Conselho de Segurança da ONU.
A França, a Rússia e a China têm, todos eles, poder de veto
sobre o fim das sanções. Um certo número de países
no Conselho de Segurança recordam a Washington que as
sanções não podem ser levantadas até que os
inspectores de armas da ONU confirmem que o Iraque não tem armas de
destruição em massa. Isto diplomaticamente joga na cara de
Washington a mesma desculpa fraudulenta que o governo americano utilizou
durante 13 anos para continuar as sanções.
A França mais uma vez enraiveceu a administração Bush ao
propor que as sanções civis podiam ser "suspensas" por
razões humanitárias. Ao declarar que não era pelo
"levantamento" das sanções, estava a recordar
Washington de que a teia de sanções que os EUA haviam estendido
davam ao Conselho de Segurança controle sobre todas as futuras receitas
petrolíferas do Iraque. Também é esta a
posição da Rússia.
O porta-voz da Casa Branca, Ari Fleischer, rejeitou estas visões quando
declarou categoricamente: "As sanções deveriam ser
levantadas e não meramente suspensas. ... Com a queda do regime, a
posição dos EUA é de que as sanções
económicas já não são necessárias".
Enquanto as sanções permanecerem oficialmente em vigor, as
receitas de todo o petróleo iraquiano vendido continuarão a ser
depositadas em contas da ONU. Milhares de milhões de dólares
estão em jogo nos contratos futuros. Os países do Conselho de
Segurança que apoiaram os EUA na imposição de
sanções não estão tão ansiosos para
repassarem estes fundos acumulados, o meio para todos os contratos de
reconstrução, e as futuras receitas do petróleo, para os
conquistadores.
Naturalmente, a França também pode estar desejosa de conseguir um
acordo discreto com o imperialismo americano em troca de uma fatia destes
fundos expropriados e de futuros contratos. A França, deve-se recordar,
também é uma potência imperialista com interesses
financeiros globais baseados no saque de recursos dos países em
desenvolvimento que outrora fizeram parte do seu império colonial. A
França tem tropas em vários países africanos.
Isto é uma parte da razão porque Washington não quer as
Nações Unidas envolvidas de qualquer forma no Iraque. A
administração Bush não quer quaisquer outras
reclamações financeiras sobre o seu roubo unilateral.
A Síria, um membro rotativo do Conselho de Segurança, declarou
que o levantamento das sanções "legalizaria a invasão
americana e britânica". Isto daria aos EUA "o direito de
controlar o petróleo do Iraque e instalar o governo que preferisse".
Enquanto isso, a administração Bush está a pressionar
exactamente pela instalação de um tal governo. Ela, conforme
relatado, planeia para a Maio a colocação do controle
diário da indústria petrolífera nas mãos de
iraquianos indicados pela administração Bush. Eles por sua vez
estarão sob a administração "civil" do general
americano reformado Jay Garner. Um antigo director-executivo da Shell, Philip
J. Carroll, encabeçará um comité de aconselhamento para a
indústria petrolífera iraquiana. Será claramente neste
comité que serão tomadas as decisões reais.
Até que se torne claro quem tem titulo legal ao petróleo do
Iraque será difícil para os EUA vender o óleo no mercado
mundial. Antes da guerra de 1991, a receita petrolífera iraquiana
montava a mais de US$ 20 mil milhões por ano.
História das sanções da ONU
Vale a pena rever a história das sanções dos EUA/ONU
impostas ao Iraque, seu impacto e o que está em causa hoje neste novo e
velho debate.
Em Agosto de 1990, utilizando o seu poder esmagador, Washington articulou e
martelou junto ao Conselho de Segurança da ONU as sanções
económicas que estrangularam o Iraque ao longo dos últimos 13
anos. As sanções foram definidas como uma medida para
forçar o Iraque a retirar-se do Kuwait.
Deve-se recordar que em 25 de Julho, antes da invasão do Kuwait, a
embaixadora americana April Glaspie encontrou-se com o líder iraquiano
Saddam Hussein. Ele informou-as de que o Iraque tomaria medidas contra o
Kuwait se as negociações fracassassem. O rico sheik do Kuwait
estivera a manter baixos os preços do óleo e a roubar o
petróleo iraquiano por meio de perfurações dirigidas
(slant drilling)
no seu subsolo. O Iraque estava numa horrenda situação
financeira devido à sua guerra com o Irão.
Glaspie respondeu que Washington "não tinha opinião"
acerca do conflito do Iraque com o Kuwait.
Quanto o Iraque entrou no Kuwait, contudo, os EUA exigiram e obtiveram da ONU a
mais extrema forma de punição colectiva já imposta desde
sempre a todo um povo.
O Iraque não podia vender o seu petróleo ou quaisquer outros
bens. Não podia importar coisa alguma. Todos os seus fundos mantidos
em bancos fora do Iraque milhares de milhões de dólares da
venda de petróleo foram congelados. Com os seus fundos
congelados, sem qualquer comércio, créditos ou
empréstimos, toda a economia soçobrou. A inflação
tornou-se galopante e fora de controle.
Quando o Pentágono principiou a bombardear, em Janeiro de 1991, seus
objectivos foram escolhidos de modo a agravar o impacto mortal das
sanções. Os EUA conscientemente destruíram as
instalações de água, saneamento básico, esgotos e
bombagem, juntamente com fábricas de processamento de alimentos,
industrias farmacêuticas e instalações médicas.
Epidemias de cólera, tifo e sarampo irromperam. Em poucos meses,
dezenas de milhares de crianças iraquianas foram mortas pela
contaminação da água não tratada.
No fim de uma maciça campanha americana de 40 dias de bombardeamento, o
Iraque retirou-se do Kuwait. Isto deveria ter acabado com as razões
para as sanções da ONU. Mas como condição para o
cessar-fogo os EUA exigiram que as sanções permanecessem
até que o Conselho de Segurança da ONU tivesse confirmado que o
Iraque havia destruído quaisquer armas não convencionais que
pudesse ter obtido.
Isto tornou-se a desculpa para uma luta prolongada a fim de exigir o direito de
enviar milhares de inspectores ao Iraque para confirmar que este não
tinha tais armas. Todas as indústrias necessárias para qualquer
país industrializado moderno funcionar foram explodidas, incluindo
fábricas químicas e fábricas de fertilizantes e
pesticidas. Apesar de mais de 9000 inspecções, a contínua
ameaça de veto americano manteve em vigor estas sanções
destinadas a provocar a fome durante 13 anos.
A campanha contra as sanções
Desde o seu início, em 1991, o International Action Center travou uma
campanha para acabar com as sanções ao Iraque. O antigo
Procurador-Geral dos EUA, Ramsey Clark, fundador do IAC, num esforço
para chamar a atenção do mundo para o impacto das
sanções, efectuou difíceis viagens anuais ao Iraque com
delegações à procura de factos. Ele escreveu um
International Appeal to End Sanctions on Iraq que foi assinado por um certo
número de líderes mundiais, juntamente com grupos internacionais
de direitos humanos e organizações pacifistas.
O apelo caracterizou as sanções como uma arma de genocídio
e um "crime contra a humanidade", tal como definido pelos
Princípios de Nuremberg. O apelo foi traduzido em muitas línguas
e tornou-se a base de uma série de conferências de paz
internacionais em Londres, Roma, Atenas, Madrid, Tóquio, Nova York e S.
Francisco.
Em 1995 a Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e Agricultura (FAO) confirmou que 567 mi
crianças abaixo dos cinco anos havia morrido em resultado directo das
contínuas sanções da ONU. Uma crescente
mobilização global exigindo que as sanções fossem
levantadas criou uma viragem radical na opinião pública mundial.
Como o ultraje mundial crescia, os EUA mudaram a sua abordagem de
relações publicas. Numa tentativa de dar uma cobertura
humanitária à sua política brutal, pressionaram pelo
Programa Petróleo por Alimentos. Este programa permitia ao Iraque
vender uma quantidade limitada do seu petróleo e comprar comida e
medicamentos com esta receita. O Conselho de Segurança da ONU, sob um
comité especial chamado Comité 661, controlaria todas as receitas
e reveria todo contrato para os abastecimentos que o Iraque recebesse.
Com os recursos destas vendas de petróleo severamente restringidas o
Iraque também teria de pagar reparações ao Iraque e muitas
das outras reclamações provocadas pela destruição e
bombardeamento americano na guerra de 1991. De Janeiro de 1997, quando este
programa começou, ao fim de 2001, o Iraque pôde vender
aproximadamente US$ 50 mil milhões de petróleo. Todo este
dinheiro foi depositado numa contra controlada pela ONU. O Iraque recebeu
menos de 25 por cento desta quantia para a compra de alimentos e medicamentos,
montando a menos de 22 centavos de dólar por dia e por pessoa.
Cerca de 34 por cento da receita iraquiana do Petróleo por Alimentos foi
para a monarquia kuwaitiana e outras "vítimas" da guerra de
1991. A ExxonMobil recebeu US$ 200 milhões em
"reparações de guerra" dos fundos Petróleo por
Alimentos, os quais eram supostos alimentar crianças iraquianas
famintas. Milhares de milhões de dólares foram também
para a ONU administrar este programa. Foi criada uma burocracia
multibilionária que garantia contratos lucrativos para muitos
países.
Nos últimos seis anos os representantes americanos e britânicos no
Comité 661 negaram, atrasaram ou obstruíram a maior parte dos
contratos submetidos pelo Iraque. Sob a pressão do EUA, o comité
negou mais de 90 por cento dos contratos do Iraque para a
reparação dos sistemas de água e esgotos e para projectos
de irrigação.
Devido à esta obstrução contínua, milhares de
milhões de dólares de vendas de petróleo nunca foram
libertados para as desesperadoras necessidades do Iraque, mas continuaram a ser
mantidos em contas da ONU. É sobre estes fundos, bem como os das
futuras receitas do petróleo, que as corporações
americanas querem apossar-se e exercer controle indiscutível.
O movimento mundial para acabar as sanções ao Iraque é
essencialmente um movimento para lutar pelo direito de o povo iraquiano
controlar os seus próprios recursos. As sanções foram um
crime contra a humanidade e um assalto à soberania nacional de todo
país em desenvolvimento. Elas devem ser levantadas.
Mas aos ocupantes americanos do Iraque de hoje não deve ser permitido
que continuem a sua pilhagem imperialista sob uma outra forma. O movimento
anti-guerra e anti-sanções deve exigir que as tropas americanas
se retirem, bem como os seus sequazes escolhidos a dedo. Nem um centavo do
petróleo do Iraque deveria ir para o criminoso regime americano de
ocupação.
___________
[*]
Sara Flounders é coordenadora do Iraq Sanctions Challenge e co-directora
do
International Action Center
.
(Copyright Workers World Service: Everyone is permitted to copy and distribute
verbatim copies of this document, but changing it is not allowed. For more
information contact Workers World, 55 W. 17 St., NY, NY 10011; via email:
ww@wwpublish.com
. Subscribe
wwnews-on@wwpublish.com
. Unsubscribe
wwnews-off@wwpublish.com
. Support independent news
http://www.workers.org/orders/donate.php)
O original encontra-se em
http://www.workers.org/ww/2003/sanctions0508.php
.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.
|