Saddam tem a bomba:
Claro, foi Washington que lha deu!

por Angelo Baracca [*]
Tradução de José Colaço Barreiros

Central nuclear em construção de Tamuz, no Iraque, destruída por Israel em 1981 Eis o anúncio mediático que o mundo esperava: o Iraque pode construir a bomba atómica em pouquíssimo tempo se algum país lhe fornecer o material cindível (fissile) . Que grande descoberta! Mesmo que não se veja como nem porquê deveria lançá-la sobre os EUA, ou sobre Israel (que tem mais de 200) para ser depois riscado do mapa! Quando muito poderá ser encorajado a usá-la precisamente se resultar que será eliminado seja como for . Esquece-se com demasiada facilidade que o único país que já usou a bomba atómica foram os EUA, e de modo cínico e inútil. Quanto à bomba de Saddam, não seria mistério para ninguém se a opinião pública mundial não fosse objecto de uma das mais colossais mistificações da história.

É bem conhecido, e não de hoje , que Bagdad pode facilmente construir a bomba e outras armas de destruição em massa, tal como outros 43 países, com as tecnologias que lhe foram fornecidas nas últimas duas décadas por Washington ou por países terceiros: a França era a construtora da central nuclear de Tamuz, que exactamente por isso Israel bombardeou em 1981; já em 1980 Paris tinha fornecido um primeiro quantitativo de 12 kg de urânio altamente enriquecido; a tecnologia da centrifugação para o enriquecimento do urânio é de origem alemã, e já era experimentada pelos nazis durante a segunda guerra mundial; Saddam foi armado em função anti-ayatollah nos anos oitenta (a longa, sangrenta e inútil guerra entre Iraque e Irão) por Washington e pelos seus fiéis súbditos, os quais evidentemente lhe forneceram também as tecnologias para os agressivos produtos químicos que usou contra os iranianos e os curdos; apenas dez meses antes da guerra do Golfo foram interceptados no aeroporto de Londres 41 detonadores nucleares de fabrico americano destinados a Bagdad.

O Irão, para dar outro exemplo actual, tem a bomba realmente, e experimentou-a após os últimos dois testes realizados em 1998 pelo Paquistão, a quem a bomba chegou dos EUA, através dos seus aliados. O urânio enriquecido deu-o directamente, visto que desde os tempos do Xá tem uma participação de 10 % no consórcio europeu Eurodif de enriquecimento do urânio, que lhe dá o direito de levantar regularmente a sua quota: quando Washington e Paris – preocupados com a inclinação que tomavam os Ayatollahs, por eles próprios colocados no poder para derrubar o Xá que se tornara incómodo – tentaram expulsá-lo do consórcio, Teerão desencadeou o terrorismo da Jihad islâmica, que por todos os anos oitenta ensanguentou o Médio Oriente e a França (os casos dos reféns americanos e franceses, uma impressionante série de atentados, o Irangate , etc).

Todas estas coisas estão presentes em documentos oficiais da ONU, nos artigos dos jornais, nas memórias dos chefes de Estado: basta ler o explosivo ensaio de Dominique Lorentz, Affaires Nucleaires (Paris, Les Arénes, 2001). O último meio século caracterizou-se por uma política de proliferação nuclear, com a cobertura do TNP (Tratado de Não-Proliferação) e da Agência para a Energia Atómica, como declararam candidamente a Le Monde (16/05/98) os dirigentes indianos: o TNP “constitui mais um tratado de proliferação nuclear do que de não-proliferação”. Mas a versão oficial da história é o oposto da verdade. Já em 1976 Le Monde destacava «se o TNP proíbe a posse de armas nucleares, não impede de percorrer tranquilamente todo o caminho que a elas conduz, e isto até aos “últimos cinco minutos”» (12/08/76).

Documentos oficiais da ONU, o CTBT ( Comprehensive Test Ban Treaty ), reconhecem explicitamente que pelo menos 44 países “dispõem das capacidades técnicas para desenvolver um armamento atómico” ( Le Monde , 15/10/99; pelo menos os 35 países assinalados com um asterisco obtiveram a tecnologia, directa ou indirectamente, de Washington): África do Sul*, Alemanha*, Argélia*, Argentina*, Austrália*, Áustria*, Bangladesh*, Bélgica*, Brasil*, Bulgária, Canadá*, Chile*, China*, Colômbia*, Coreia do Norte, Coreia do Sul*, Egipto*, Eslováquia, Espanha*, Estados Unidos*, Finlândia*, França*, Grã-Bretanha*, Holanda*, Hungria, Índia*, Indonésia*, Irão*, Israel*, Itália*, Japão*, México*, Noruega*, Paquistão*, Peru*, Polónia, República do Congo*, Roménia, Rússia, Suécia*, Suíça*, Turquia*, Ucrânia, Vietname.

Sim, também a China, tal como a Índia e o Paquistão, recebeu a bomba através de Washington: “a lógica infernal da dissuasão nuclear conduzia os americanos a dotar a Índia da bomba atómica para que não fosse ameaçada pela China; a fornecer uma arma nuclear ao Paquistão para que se protegesse do Afeganistão; a reforçar o potencial nuclear da China para que não fosse agredida pelos soviéticos; a fornecer a bomba atómica a Taiwan para contrabalançar a potência da China; a fornecê-la ao Japão para o proteger da China, da Coreia do Sul e da Coreia do Norte; a fornecê-la à Coreia do Sul para a pôr ao abrigo da Coreia do Norte” (Lorentz, pp. 169-70). É realmente o corolário da estratégia obsessiva e descarada de Washington! Vale bem um “preço de sangue”, não?

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[*] Físico, italiano. Colaborador da revista GIANO, Pace Ambiente Problemi Globali .

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

12/Set/02