Aliados arruinados não ajudam a uma guerra falida
O facto de que a Nicarágua ter sido membro da estranha
coligação que apoiou a guerra dos Estados Unidos contra o Iraque
tem-se tornado uma fonte interminável de brincadeiras no meu país.
Um email que recentemente me foi encaminhado, com o título Carta
do Presidente Enrique Bolanos ao Presidente Bush, delineava o plano que
as mais altas autoridades da Nicarágua, o país mais pobre da
América Latina depois do Haiti, teriam engendrado para apoiar as
forças da coligação:
1. Vamos cortar o abastecimento de água às nossas grandes
cidades por forma a reunir 100 mil barris que a coligação
poderá usar como armas químicas e biológicas.
2. Vamos apoiar a campanha aérea, mandando para o Iraque 300
milhões de mosquitos, do nosso amplo reservatório, para infectar
as tropas iraquianas com malária e dengue.
3. Vamos infiltrar o conselho de ministros iraquiano com alguns de nossos
consultores financeiros para matar à fome o exército e a
população do Iraque.
O sentido de humor sublinha o sentimento da maioria dos nicaraguenses em
relação à disponibilidade do nosso governo para se unir
à coligação montada por Bush: é um gesto vazio de
sentido, uma espécie de prostituição política
destinada a obter recursos urgentemente necessários para o nosso
país. Bolanos está, de facto, a encontrar-se com o presidente
Bush em Washington nesta semana, na esperança de receber a sua
recompensa: mais de 500 milhões de dólares em ajuda financeira.
Num artigo escrito por Condoleezza Rice, publicado em 31 de março num
jornal de Manágua,
El Nuevo Diario
, ela tenta glorificar o status dos países necessitados que
compõem esta coligação dizendo que eles representam 230
milhões de pessoas com um PIB combinado de 22 mil milhões de
dólares.
Em seguida, a conselheira de segurança nacional dos EUA menciona o apoio
do primeiro-ministro da Estónia e as brigadas checas e eslovacas no
Koweit. Ela destaca o facto de que, embora algumas nações
não tenham os meios para participar nas operações de
libertação do Iraque, elas compartilham a vontade de lutar contra
o terrorismo: Juntos, estamos determinados a fazer tudo que estiver ao
nosso alcance para impedir Saddam Hussein ou os terroristas de usarem as armas
de Saddam para repetir o que aconteceu em 11 de setembro numa escala ainda
maior.
Bom esforço, mas considerando o peso do interesse próprio na
política internacional, eu duvido que a Estónia, a
Polónia, a Nicarágua, as Ilhas Salomão, Tonga ou a
Bulgária estejam preocupadas com os actos terroristas da Al Qaeda. O que
as preocupa é que os EUA possam cortar a ajuda financeira no caso de
discordarem do governo Bush com relação ao Iraque.
Portanto, podemos dizer que esta coligação, com algumas
excepções, consiste basicamente de novas e velhas
repúblicas das bananas que não têm nada a
perder ao se unirem aos EUA excepto o respeito próprio, uma
matéria-prima que é difícil de manter quando a
sobrevivência financeira está em causa.
Não se pode evitar a tristeza de ver os EUA usarem esse tipo de
pressão económica para angariarem apoio internacional para a
guerra.
Um amigo meu, Andres Perez B, teve uma ideia interessante num artigo recente.
Ele comparou Saddam Hussein com um rato e a lei internacional com o
edifício que abriga as diferentes nações do mundo.
Para neutralizar o rato dentro do edifício da lei internacional
é preciso aplicar o mesmo tratamento que você e eu
usaríamos para lidar com um rato nas nossas casas. Nenhum de nós
escolheria atacar o rato com dinamite ou granadas, porque não
estaríamos dispostos a pôr em perigo as fundações
das nossas casas, ou a integridade física das nossas
famílias.
Concordo plenamente. Ao construir uma coligação usando o
princípio da vara e da cenoura, o governo Bush diminuiu
não só os EUA mas também os países que vêem a
sua participação como um negócio de risco que
poderá vir a dar lucro.
O nosso presidente tem pedido às pessoas que se ofereçam como
voluntários para ir ao Iraque para, nas palavras dele, fazer um
dinheirinho. Considerando a taxa de 60% de desemprego na
Nicarágua, estou certa de que alguns nicaraguenses desesperados
acabarão por morrer nesta guerra.
Durante 45 anos, o meu país viveu debaixo de uma dinastia de tiranos
apoiada, armada e financiada pelos EUA. Parece irónico que, agora,
devamos participar de uma coligação para nos livrarmos de outro
tirano. O meu país um dia teve algum orgulho. Agora fomos obrigados,
pelas nossas necessidades, a abdicar também dele.
Sem dúvida, um mundo melhor não será o resultado desta
guerra.
[*]
Poeta e novelista nicaraguense.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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