O ataque à ONU evidencia a
quebra da autoridade dos EUA e mostra que a tropa de ocupação
ianque já não pode garantir a segurança de ninguém
por Robert Fisk
Qual o membro da ONU que agora pensaria em enviar tropas de
manutenção de paz para o Iraque? Os homens que estão a
atacar a tropa de ocupação estadunidense são brutais, mas
não são estúpidos. Sabem que o presidente George Bush
está a ficar desesperado, que fará qualquer coisa
até mesmo ir ao temido Conselho de Segurança a fim de pedir ajuda
para reduzir as baixas de militares americanos no Iraque. Mas o ataque
de ontem à sede da ONU em Bagdad fechou as portas a essa via de escape.
Poucas horas após a explosão disseram-nos que se tratava de um
ataque contra um "objectivo fraco"
(soft)
, um golpe contra a própria ONU. É verdade, era um objectivo
"fraco", ainda que um ninho de metralhadora sobre o telhado do
edifício da ONU pudesse ter sugerido que inclusive o corpo internacional
estava a militarizar-se. É verdade também que foi um assalto
incrível à ONU como instituição. Mas na realidade
o ataque de ontem foi contra os Estados Unidos.
Este ataque demonstra que nenhuma organização estrangeira
nenhuma ONG, nenhuma organização humanitária, nenhum
investidor, nenhum empresário pode pretender estar em
segurança sob o domínio do ocupante norte-americano. Paul
Bremer, o procônsul dos EUA, era considerado um perito em
"anti-terrorismo". Mas desde que chegou ao Iraque já viu mais
"terrorismo" do que poderia ter sonhado nos seus piores pesadelos
e foi incapaz de fazer o quer que fosse a respeito. Sabotagem de
oleodutos, sabotagens de linhas eléctricas, sabotagem da água,
ataques a tropas estadunidenses, britânicas e polícias iraquianos
e agora o bombardeio da ONU. O que virá a seguir? Os americanos podem
reconstruir as caras mortas dos dois filhos do Saddam, mas não podem
reconstruir o Iraque.
Naturalmente esta não é a primeira indicação de que
os "internacionais" são alvo do movimento de resistência
iraquiano que está a crescer rapidamente. No mês passado um
empregado da ONU foi morto a tiros ao sul de Bagdad. Dois trabalhadores da
Cruz Vermelha Internacional foram assassinados, o segundo deles em
funcionário do Sri Lanka foi morto no seu carro, claramente sinalizado
com a Cruz Vermelha, na auto-estrada 8 a norte de Hila. Quando o encontraram
ainda derramava sangue pela porta do seu veículo. O delegado chefe da
Cruz Vermelha, que assinalou a missão ao sul de Bagdad ao homem
condenado à morte, agora vai-se embora do Iraque. Sim, a Cruz Vermelha
está confinada nos seus escritórios regionais e não pode
viajar por estrada através do Iraque.
Mataram um empreiteiro americano em Tikrit há uma semana. Um jornalista
inglês foi assassinado em Bagdad no mês passado. Quem está
seguro agora? Quem se sentirá seguro agora num hotel de Bagdad quando
um dos mais famosos do mundo o antigo Hotel Canal, que abrigou os
inspectores de armamento da ONU antes da invasão foi explodido?
Será a próxima acção "espectacular"
contra as tropas de ocupação? Contra as autoridades ocupantes?
Contra o chamado "Conselho Interino" iraquiano? Contra jornalistas?
A reacção à tragédia de ontem poderia ter sido
escrita antecipadamente. Os americanos dirão que isto demonstra
quão "desesperados" se tornaram os adeptos
"encurralados" de Saddam como se fosse mais provável
que os atacantes desistissem quando a estar mais êxito na
destruição do domínio americano no Iraque. A verdade
não importa quantos fieis a Saddam estejam implicados
é que agora a organização da resistência iraquiana
é integrada por centenas, se não milhares, de muçulmanos
sunitas, muitos dos quais não eram leais ao antigo regime. Cada vez
mais, os shias estão a envolver-se em acções
anti-americanas.
A reacção futura é igualmente previsível. Incapaz
de tragar o seu copo diário de fel responsabilizando os antigos
seguidores de Saddam, os americanos terão que invocar a
intervenção estrangeira. "Terroristas" sauditas,
"terroristas" do alQaida, "terroristas"
pró-sírios, "terroristas" pró-iranianos
quaisquer terroristas misteriosos servirão, desde que a sua suposta
existência encubra a dolorosa realidade: que a nossa
ocupação gerou um autêntico exército guerrilheiro
autóctone iraquiano, capaz de humilhar a maior potência da Terra.
Ainda com os americanos a tentarem trazer outras nações para
dentro da sua aventura iraquiana mesmo os indianos tiveram o bom senso
de declinar o convite o bombardeio de ontem era destinado, portanto,
à jugular de qualquer futura missão de
"manutenção da paz". Supunha-se que a bandeira da ONU
era para garantir a segurança. Mas, no passado, uma presença da
ONU verificava-se com o consentimento do poder soberano. Com a não
existência de um poder soberano no Iraque, a legitimidade da ONU tinha de
ser atada à da autoridade de ocupação. Assim, poderia ser
vista pelos detractores dos EUA como uma simples extensão
do poder americano. O presidente Bush ficou feliz em mostrar o seu
desdém para com a ONU quando os seus inspectores não conseguiram
encontrar qualquer arma de destruição maciça e quando o
seu Conselho de Segurança não concordou com a invasão
anglo-americana. Agora ele nem sequer pode proteger as vidas do pessoal da ONU
no Iraque. Alguém quer investir no Iraque agora? Alguém quer
colocar o seu dinheiro numa futura "democracia" no Iraque?
O original encontra-se em
http://www.informationclearinghouse.info/article4492.htm.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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