Aconteça o que acontecer,
os EUA apoiarão a Arábia Saudita

por Robert Fisk

A bandeira marca a posse. Pobres sauditas. É preciso muito para chegar a sentir compaixão por esses decapitadores, cortadores de mãos, anti-feministas, misóginos, feudais e antidemocráticos sauditas. Foram eles, além disso, que financiaram a resistência islâmica contra o exército soviético no Afeganistão. Esta é a nação cujo ministro do Interior costumava manter conversações amistosas com Osama Bin Laden na Embaixada Saudita em Islamabad. De facto, trata-se do país que escolheu Osama como o seu “príncipe” numa campanha contra o ateísmo soviético, porque os seus verdadeiros príncipes não tinham valor para encabeçar a “legião” árabe contra os russos. Também se trata da nação de onde provieram 15 dos 19 atacantes suicidas que perpetraram os atentados de 11 de Setembro de 2001. E, por conseguinte, este é o país cujos atacantes suicidas assassinaram mais ocidentais em Riad na noite da passada segunda-feira [12 de Maio]. Se o saldo mortal é superior a 90 vítimas, será o maior triunfo da Al Qaeda desde 2001.

Mas depois do mais recente ataque contra o Iraque, dessa invasão ilegal segundo qualquer padrão internacional, e após os pronunciamentos ilusórios e perigosos dos novos amos coloniais norte-americanos — e aqui me refiro às bravatas do seu mais recente fracasso, o ex-general sionista Jay Garner —, não se pode deixar de sentir ao menos um lampejo de compaixão pelos sauditas. Depois de tudo eles, tal como Saddam, foram criados pelo Ocidente.

Os britânicos aceitaram a família Al Saud uma vez que ficou claro que os haxemitas estavam fora da jogada, e logo Franklin D. Roosevelt deu a benção ao reinado da família a bordo do navio norte-americano "Quincy". Um arrufo de Winston Churchill com o monarca saudita no Egipto pôs fim à aventura imperialista britânica na terra dos Dois Lugares Sagrados. O rei Ibn Saud não achou cordial a afirmação de Churchill de que “enquanto a religião de Sua Majestade [Ibn Saud] obriga a abster-me de fumar e beber álcool, pela minha parte devo afirmar que no mandamento da minha vida se considera um rito absolutamente sagrado fumar puros e beber álcool antes das refeições, depois das refeições, durante as refeições e em todos os intervalos”.

A família real Saud é, verdadeiramente, um elefante branco. Os seus milhares de príncipes, todos dignos da Idade Média, são perfeitamente indignos de governar. São donos de 60 por cento do petróleo do mundo e dividem esse tesouro global com outras quatro famílias. A monarquia saudita teve como resultado os xeques mais gananciosos e os bairros mais paupérrimos do Golfo, além da instituição feudal wahabita mais ferozmente anti-ocidental que jamais existiu no mundo desde o cerco de Viena. O dinheiro do petróleo corrompeu a família real. Os seus imãs e os seus “sábios” religiosos decidiram há muito tempo que os Al Saud são títeres ocidentais que se alimentam da prostituição, da corrupção e dos subornos norte-americanos.

No entanto, entre os neo-conservadores que agora ditam o rumo do governo de Bush, como os Perle, os Wolfowitz e os Cohen, diz-se que a Arábia Saudita foi durante muito tempo o lugar de financiamento de Saddam. Apesar de tudo, quem ganhou com a chegada de Hussein ao poder? Quem pagou pela demencial guerra de oito anos com o Irão, com todo o armamento químico do qual todos agora se surpreendem? Quem, de facto, enviou jovens muçulmanos a combater o exército soviético no Afeganistão? Os sauditas. Mas é melhor que esqueçamos — como querem os Perle, Wolfowitz e Cohen — que os sauditas fizeram tudo isso com as nossas bênçãos e estímulo.

Desde o 11 de Setembro de 2001 — escrevo a data completa para que não se confunda com o dia de Setembro de 1982 em que ocorreu a matança de 1700 palestinianos em Chabra e Chatila, nem com o 11 de Setembro que marcou o golpe contra Salvador Allende no Chile, orquestrado por Henry Kissinger — os neo-conservadores do governo norte-americano têm estado a recordar-nos da maldade inerente ao regime saudita.

Foi Perle quem conspirou para que um analista da Rand Corporation — o muito estranho sr. Laurent Maurawiec — dissesse num comité assessor do Pentágono (só Deus sabe sobre quê “assessorava”) que “os sauditas estão muito activos em todos os níveis da cadeia terrorista, na planificação, no financiamento; há comandantes e soldados rasos, há ideólogos e gente para a porrada”. A Arábia Saudita, afirmou, é “a semente do mal”.

Como se o público necessitasse de uma tradução destes disparates, o Washington Post proporcionou uma com todo o gosto, em Agosto passado, citando um funcionário norte-americano anónimo. O diário conjecturou que uma vez que uma invasão norte-americana derrubasse Saddam Hussein, o regime iraquiano que sucederia ao presidente seria amistoso para os Estados Unidos da América e se converteria no principal exportador de petróleo para o Ocidente. Esse petróleo diminuiria a dependência dos EUA face à exportação saudita, o que permitiria ao governo de Bush enfrentar o “terrorismo” saudita. “O caminho para todo o Médio Oriente passa por Bagdad”, anunciou este valente (e naturalmente anónimo) funcionário. “Uma vez que tenhamos um regime democrático (sic) em Bagdad, as possibilidades são muitas.” Não ajudou em nada os sauditas que durante este debate absurdo o doutor Kissinger defendesse a postura do funcionário anónimo.

Desde então existe uma campanha para denegrir a família real Al Saud. O esforço mais recente nesse sentido foi um amplo e detalhado artigo do ex-"oficial de campo" da CIA no Médio Oriente, Robert Baer, no The Atlantic Monthly , sobre o iminente colapso da casa real saudita. Descreveu, com pormenores devastadores, o ataque cardíaco que quase custou a vida ao rei Fahd em 1995, motivo pelo qual o ancião príncipe herdeiro Abdullah governa de facto o país enquanto Fahd sobrevive. Baer assinala que “por toda Riad podia escutar-se o ruído dos helicópteros” no momento em que os príncipes se reuniam à volta da cama de hospital do rei.

No ano passado, quando o monarca estava na Suíça, às portas da morte, este repórter encontrava-se nesse país europeu e pôde escutar o mesmo ruído de helicópteros que transportavam todos os príncipes que exigiam uma fatia do pastel real. A verdade é que actualmente há demasiados príncipes, uns 15 mil, e acabam por ser muito difíceis de controlar. Para mais, as 19 mil libras esterlinas que recebem por mês parecem não bastar para levar um estilo de vida principesco. Muito rapidamente haverá 30 mil príncipes, e dentro de mais uma geração, 60 mil.

Não é disto de que sempre tem falado Osama Bin Laden? Que curioso é que os ódios de Osama e o cinismo de Baer se concentrem igualmente na família real saudita. Osama quis converter a Arábia Saudita numa verdadeira nação islâmica, e algumas das suas descrições da corrupção saudita — durante uma entrevista que eu mesmo fiz— soam exactamente iguais à bílis que derramam os senhores Perle e Baer.

De facto, o símbolo mais repugnante dessa corrupção mencionada no artigo de Baer é a imagem do rei Fahd, que se recupera da operação cardíaca, defecando na piscina real diante de toda a sua família.

Mas digo-lhes que não tenham receio. Porque como assinala perversamente Baer, o comércio norte-americano está unido irremediavelmente à família real saudita. O grupo Carlyle foi o principal beneficiário do esplendor saudita. Frank Carlucci (assessor para a Segurança Nacional e depois secretário da Defesa nos governos de Reagan) foi presidente da dita companhia. Um dos consultores do grupo Carlyle é James Baker, o secretário de Estado de Bush pai, e também assessor da firma Arthur Levitt, que encabeçou o comité de Garantias e Comércio de Clinton.

O actual presidente do grupo Carlyle é o nosso muito querido ex-primeiro ministro britânico, John Major. Halliburton, a companhia presidida por Dick Cheney até ele se ter convertido em vice-presidente dos EUA, beneficia-se actualmente da “reconstrução” do Iraque, mas também obteve grandes dividendos da Arábia Saudita, onde ganhou um contrato de 140 milhões de dólares para desenvolver um campo petrolífero.

Além disso, a Chevron Texaco uniu-se a Saudi Aramco em novas operações de exploração. A Chevron Texaco teve como membro do seu conselho de administração Condoleezza Rice, a assessora de Segurança Nacional dos norte-americanos.

Assim é desde que o queiram ver, e se duvidam investiguem o papel que desempenharam nas operações petrolíferas com a Arábia Saudita Carla Hills e Nicholas Brady, respectivamente representante do Comércio e secretário do Tesouro de Bush pai, que agora prestam os seus serviços em companhias que exploram a riqueza petrolífera do Azerbaijão em colaboração com empresas sauditas.

Eis aqui um prognóstico. Não importa o que se passe na Arábia Saudita, os Estados Unidos continuarão resguardando a casa real dos Al Saud. A menos, claro, que os monarcas sejam depostos, caso em que os Estados Unidos poderão tomar os campos petrolíferos do país a partir das suas bases mais próximas, sediadas no Iraque. Se em algum momento as forças norte-americanas estiveram a somente 12 minutos de voo das reservas petrolíferas iraquianas, o mesmo acontecerá se partirem de Bassorá para “assegurar” os campos petrolíferos sauditas, a maioria dos quais se encontra em territórios habitados por muçulmanos xiitas, cujos líderes, esperemos, se terão ido para o Irão e o sul do Iraque.

É óbvio de onde sopra o vento. Temos o Iraque. Esqueçam-se da Arábia Saudita. Esqueçamos, naturalmente, até que fique claro que Osama Bin Laden pode muito bem estar em Meca, em Medina ou em Riad. Então vamos dizer: “Esperem um momento; então não o derrotamos no Afeganistão?”. De qualquer forma, vamos ficar com o petróleo, sem importar quantas pessoas morram às mãos de Osama durante esse tempo.

O original encontra-se em The Independent, de 14/Mai/2003.
A tradução espanhola em La Jornada, de 14/Mai/2003.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

20/Mai/03