Os cães uivavam — sabiam que as bombas vinham a caminho
O 20º dia da guerra americana para a "libertação"
do Iraque foi mais um dia de fogo, sofrimento e morte. Começou com um
ataque de dois jactos A-10 que dançaram no ar como acrobatas, inclinando
sobre uma asa, deslizando céu abaixo para subir outra vez, e espalhando
fósforo em chamas para enganar mísseis à procura de calor
antes de virarem seus canhões sobre um ministério do governo e
revesti-lo com bombas de urânio empobrecido. O dia terminou em
corredores de hospitais marcados com listras de sangue e com três
correspondentes estrangeiros mortos e cinco feridos.
Os A-10 passaram junto à janela do meu quarto, tão
próximos que pude ver o cockpit Perspex, com o seu rastro de estrelas a
pingarem das suas asas, uma mágica, actuação perigosa
adequada para qualquer show aéreo, contudo infernal na sua
intenção. Mas quando eles viraram suas bombas DU (depleted
uranium) concebidas para utilização contra blindagem
pesada contra o já arruinado Ministério Iraquiano do
Planeamento, o efeito foi terrífico. Os canhões dos A-10 soavam
como mobília pesada a ser arrastada numa sala vazia, uma espécie
de berro final, antes de os tiros atingirem seus alvos.
Quando eles fizeram isso, o ministério pintado de vermelho um
desolado e sinistro edifício além da Ponte Jumhuriya sobre o
Tigre que sempre suspeitei ser uma sede da inteligência acendeu-se
com um milhar de pontos vermelhos e laranjas de luz.
Veio do edifício uma grande densa nuvem de fumo branco, muito do qual
deve ter contido o aerossol de DU em forma de spray que muitos médicos e
militares veteranos temem que provoque o câncer.
Neste momento percebi o tanques sobre a Ponte Jumhuriya. Dois Abrams M1A1 de
baixo perfil, um no centro da ponte, o outro estacionando sobre o primeiro
balaustre. Apenas outro pequeno raid de ensaio, anunciaram os americanos, mas
parecei muito mais do que isso.
Alcancei o extremo leste da Ponte Jumhuriya uma vasta e deserta rodovia
de quatro pistas que planava através do rio, encobrindo os tanques
americanos do outro lado uma hora e meia depois. Parecia tão
assustador como aquela cena em A Bridge Too Far, a épica de Richard
Attenborough sobre o desastre de Arnhem, na qual um oficial britânico
passeia vagarosamente no grande espaço com um guarda-chuva na mão
para ver se consegue detectar os alemães do outro lado. Mas eu sabia
que os americanos estavam do outro lado desta ponte e conduzi a grande
velocidade.
Aquilo proporcionou uma revelação notável. Enquanto os
caças e bombardeiros americanos cruzam o céu, enquanto o terreno
fica abalado com o som de munições a explodirem, enquanto os
tanques americanos agora mantêm-se acima do Tigre, vastas áreas de
Bagdad espantosamente quando se considera que o americanos afirmam estar
"no coração" da cidade permanecem sob o controle
de Saddam Hussein. Eu conduzi todo o caminho para Mansur, onde parentes dos 11
civis iraquianos morreram no massacre de segunda-feira os americanos
utilizaram quatro bombas de 2000 libras para desmembrar principalmente
famílias cristãs na vã esperança de matar o
presidente Saddam ainda à espera de encontrar o último dos
seus mortos.
Nas minhas costas, passada a Ponte Ahrar, encontrei uma multidão de
espectadores de pé sobre o parapeito, a observar os tanques americanos
com uma mistura de admiração e temor. Eles não sabiam o
que estava a acontecer na sua cidade, ou uma ideia que apoderou-se de
mim nos últimos dias serão os pobre de Bagdad mantidos em
tal ignorância dos acontecimentos que eles simplesmente não
percebem que os americanos estão prestes a ocupar a sua cidade?
Será que aquele vendedor de cigarros e os presentes nas filas das
padarias e os condutores de autocarros simplesmente não sabiam o que
estava abaixo nas margens do Tigre?
Quando retornei ao Hotel Palestina, vi o fumo da bomba que o americanos tinham
acabado de disparar dentro do escritório da Reuters. Aquilo ceifou duas
vidas, além da do repórter do canal por satélite
árabe al-Jazeera morto umas poucas horas antes por um ataque
aéreo americano ao seu gabinete. Apesar de duas garantias separadas do
governo americano de que a base de operações da al-Jazeera
não seria atingida, ela foi destruída.
Apenas uma hora depois, um dos tanques sobre a Ponte Jumhuriya disparou uma
salva para dentro das ruínas. Dezoito civis 15 dos quais
mulheres foi informado estar ainda escondidas no porão sem
qualquer esperança imediata de resgate.
A Cruz Vermelha Internacional tentou arranjar um comboio para fora de Bagdad.
Inexplicavelmente informou-se que os americanos haviam recusado dar-lhe
passagem para fora da cidade.
O pessoal da Cruz Vermelha esperava levar consigo o repórter da
televisão espanhola seriamente ferido sua perna fora amputada
depois de o tiro do tanque ter explodido abaixo do seu gabinete no hotel
mas ele morreu durante a tarde. O comandante da infantaria divisional
americana emitiu uma declaração a sugerir que o cameramen da
Reuters estava a atirar num tanque americano, uma observação
tão extraordinária e tão inverdadeira que
provocou protestos de jornalistas no mundo todo.
Não sei o que se passa com os cães nas ruas de Bagdad, mas eles
sempre sabem quando os bombardeiros estão voltando. Haverá
alguma mudança na pressão do ar, alguns decibeis de alta
tecnologia que nós humanos não podemos ouvir?
Os cães tinham sempre razão. Toda a vez que eles começam
a ladrar sabemos que os bombardeiros estão a vir outra vez. E eles
uivavam e latiam desde que a noite caiu na noite passada. E 15 minutos depois
mesmo nós humanos podíamos ouvir o estrondo de explosões
vindas da Bagdad sul.
09/Abr/2003
O original encontra-se em
http://argument.independent.co.uk/commentators/story.jsp?story=395416
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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