Como a CIA ajudou Saddam a tomar o poder
e a dizimar a intelectualidade iraquiana

por Mohamoud A Shaikh [*]

A comunidade dita da 'inteligência'. Os iraquianos sempre suspeitaram que o golpe militar de 1963 que pôs Saddam Hussein a caminho do poder absoluto foi planeado nos bastidores pela Central Intelligence Agency (CIA) americana. Novas provas que acabam de ser publicadas revelam que a agência não só projectou o putsch como também forneceu a lista das pessoas a serem eliminadas uma vez assegurado o poder — um estratagema monstruoso que conduziu à dizimação de muitos profissionais iraquianos.

A derrubada do presidente Abdul Karim Kassim em 8 de Fevereiro de 1963 não foi, naturalmente, a primeira intervenção da agência na região, mas foi a mais sangrenta — de longe mais sangrenta do que o golpe orquestrado em 1953 para restaurar o pode do xá do Irão. Quão sanguinária ela foi, e quão profundo foi o envolvimento da CIA na mesma, é demonstrado num novo livro de Said Aburish, que escreve sobre assuntos políticos árabes.

O livro, A Brutal Friendship: The West and the Arab Elite (1997), revela os pormenores não só de como a CIA controlou de perto as etapas do planeamento como também como ela desempenhou após o golpe um papel central no expurgo subsequente de elementos suspeitos de serem de esquerda.

O autor estima em 5000 o número de mortos, dando os nomes de 600 deles — incluindo muitos médicos, juristas, educadores e professores universitários que formavam a elite educada do Iraque. O massacre foi executado com base nas listas de mortes fornecidas pela CIA.

As listas foram compiladas em estações da CIA por todo o Médio Oriente com a assistência de exilados iraquianos como Saddam, que tinha base no Egipto. Um responsável da inteligência egípcia, que obtinha uma boa parte da sua informação de Saddam, ajudou a estação da CIA no Cairo a minutar a sua lista. Segundo Aburish, entretanto, o agente americano que produziu a lista mais longa foi William McHale, que operava sob a cobertura de correspondente do escritório de Beirute da revista Time .

A carnificina começou logo que as listas chegaram a Bagdad. Ninguém foi poupado. Mesmo mulheres grávidas e homens idosos foram assassinados. Alguns foram torturados em frente aos seus filhos. Segundo o autor, Saddam que "havia corrido de volta ao Iraque do seu exílio no Cairo a fim de se juntar aos vitoriosos, esteve pessoalmente envolvido na tortura de gente de esquerda nos centro de detenção separados para fellaheen (camponeses) e Muthaqafeen ou classes educadas".

O rei Hussain da Jordânia, que manteve ligações estreitas com a CIA, afirma que as listas de mortes foram transmitidas pela rádio para Bagdad a partir do Kuwait, a base estrangeira para o golpe iraquiano. Segundo ele, foi feita uma transmissão secreta de rádio a partir do Kuwait no dia do golpe, 8 de Fevereiro, "que transmitia àqueles que executavam o golpe os nomes e endereços dos comunistas ali, de modo a que pudessem ser capturados e executados".

O real colaborador da CIA também dá um vislumbre de quão estreitamente o partido Baathista e os operacionais da inteligência americana trabalharam em conjunto durante as etapas do planeamento. "Muitas reuniões foram mantidas entre o partido Baath e a inteligência americana — as mais críticas delas no Kuwait", afirmou ele.

Naquele tempo o partido Baath era um pequeno movimento nacionalista com apenas 850 membros. Mas a CIA decidiu utilizá-lo devido às suas estreitas relações com exército. Um dos seus membros já tentara assassinar Kassim em 1959. Saddam, então com 22 anos, foi ferido na perna e depois fugiu do país.

De acordo com Aburish, os líderes do partido Baath — em troca do apoio da CIA — concordaram em "empreender um programa de limpeza para livrar-se dos comunistas e dos seus aliados de esquerda". Hani Fkaiki, um líder do partido Baath, diz que o homem de contacto do partido que orquestrou o golpe foi William Lakeland, o adido militar assistente dos EUA em Bagdad.

Um dos líderes do golpe, o coronel Saleh Mahdi Ammash, antigo adido militar iraquiano em Washington, foi de facto preso por estar em contacto com Lakeland em Bagdad. A sua prisão levou os conspiradores a moverem-se mais cedo do que haviam planeado.

O livro de Aburish mostra que os líderes do Baath não negavam conspirar com a CIA para derrubar Kassim. Quando responsáveis do partido Baath sírio pediram para saber porque eles cooperavam com a agência americana, os iraquianos tentaram justificar isto em termos ideológicos, comparando o seu conluio com "Lénine a chegar num comboio alemão para executar a sua revolução". Ali Saleh, o ministro do Interior do regime que substituíra Kassim, declarou: "Nós chegámos ao poder num comboio da CIA".

Não deveria ser surpresa que os americanos estivessem tão ansiosos para derrubar Kassim ou tão desejosos de provocar um tal banho de sangue para alcançar o seu objectivo. Na altura da guerra fria, eles estavam a provocar semelhantes desordens propositais na América Latina e na Indochina, derrubando quaisquer líderes que ousassem mostrar o mais ligeiro grau de independência.

Kassim era um alvo importante da agressão e arrogância americana. Depois de tomar o poder em 1958, ele retirou o Iraque do Pacto de Bagdad, a aliança anti-soviética apoiada pelos EUA no Médio Oriente, e em 1961 ele ousou nacionalizar parte da concessão da Iraq Petroleum Company controlada pelos britânicos e ressuscitou uma antiga reivindicação iraquiana quanto ao Kuwait (o regime que a ele se seguiu imediatamente abandonou a reivindicação do Kuwait).

Mas a guerra fria não pode por si própria explicar a propensão do Tio Sam para a violência. Quando o presidente George Bush bombardeou o Iraque em pedacinhos, matando milhares de civis, a guerra fria estava ultrapassada. Clinton não pode mencionar a guerra fria a fim de insistir em que o regime brutal de sanções impostas ao país deva permanecer.

De facto brutal, a natureza manchada de sangue do Tio Sam remonta aos chamados "Pais Fundadores", que não fizeram qualquer tentativa de dissimulá-la. Já em 1818, John Quincy Adams saudava a "saudável eficácia" do terror ao tratar com as "hordas mistas de índios e negros sem lei". Ele estava a defender as operações frenéticas de Andrew Jackson na Florida que virtualmente exterminaram a população indígena e deixaram a província espanhola sob o controle americano. Thomas Jefferson e os seus colegas ficariam impressionados pela premonição das suas palavras.

Muslimedia: August 16-31, 1997

O original encontra-se em http://www.muslimedia.com/archives/features98/saddam.htm

Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

16/Dez/03