Semiótica contra factos incontestáveis
por Yanis Varoufakis
Actualmente a Europa luta para escapar de uma armadilha que ela própria
fabricou. Remontando ao princípio de 2010, duas realidades fitavam-nos
frontalmente: Um sector bancário repleto de títulos (tanto
privados como públicos) cujo valor de mercado se havia contraído
precipitadamente. E vários países soberanos, a Grécia
primeiro e principalmente, à beira da insolvência.
Durante a primeira parte de 2010, culminando no salvamento de Maio da
Grécia, a Europa decidiu: (a) permanecer em negação quanto
à fraca saúde do sector bancário; (b) tratar a
insolvência da Grécia como uma crise de liquidez e (c) prescrever
medidas de austeridade que aprofundaram e ampliaram a crise de dívida
subsequente.
Desde então os desenvolvimentos têm tornado muitíssimo
claro que isto é uma rota para lugar nenhum. Previsivelmente, a crise
grega ficou pior não porque o remédio fosse mal ou
insuficientemente aplicado mas porque (a) era tóxico e (b) tinha efeitos
colaterais terríveis sobre o aflito sector bancário europeu.
Ao invés de corrigir os seus caminhos, a Europa está agora a
procurar uma "solução" estilo Viena. Dito de outro
modo, continua em negação a sonhar com algum acordo dos maiores
credores da Grécia a fim de comprar novos títulos gregos a sete
anos voluntariamente (uma vez que os títulos que possuem atingem a
maturidade). A palavra-chave aqui é "voluntariamente". Por
que? Porque uma "renovação"
(roll over)
da dívida sem ser por livre vontade fará as agências de
classificação declararem que a dívida grega está
num estado de incumprimento, tornando portanto impossível ao BCE
aceitá-la como colateral dos bancos; os quais por sua vez levarão
a uma cascata de incumprimentos bancários os quais então...
Portanto, estamos embrulhados numa discussão sobre a
definição de "vontade livre"
("free will")
que deliciaria filósofos políticos e linguistas.
A verdade sobre o assunto é que nenhum investidor, em sã
consciência, escolheria renovar dívida grega se pudessem
fazê-lo. O que significa que se lhes for permitido decidirem livremente,
só um minúsculo montante de dívida será renovado;
tornado portanto inútil todo o exercício. A alternativa é
dar-lhes "incentivos" para comprarem novos títulos gregos que
são afins à expressão favorita da Máfia:
"nós lhe faremos uma oferta que não pode recusar".
Hoje, aparentemente, políticos, o BCE e a companhia de
classificação de crédito Fitch alinhavaram um acordo em
duas partes: (a) Credores serão pressionados
("leaned upon")
a renovar, e (b) A Fitch degradará a Grécia para
"incumprimento restringido" mas manterá os títulos
gregos em CCC! Desta maneira, o BCE pode continuar a pretender que aceita
títulos gregos como colateral, o governo francês pode afirmar que
evitaram um incumprimento e Berlim pode celebrar seu êxito em fazer
alguns credores apanharem parte da conta.
Se o que está acima cheira a desespero é porque se trata de um
último lance desesperado para negar a realidade. Toda a gente sabe que
em breve chegará o momento quando jogos linguísticos não
mais prevalecerão sobre os factos ameaçadores. E quando as
agências de classificação dão o sinal verde para a
conversão de CDSs removidos contra a dívida grega, bancos da
Europa entrarão em crash (cortesia de todos os CDSs emitidos pelas suas
subsidiárias, as quais os bancos terão de cobrir, repetindo os
tristes rituais da AIG após o Lehman's).
O momento de parar de hesitar chegou. Primeiro, a Europa precisa recapitalizar
seus bancos. Segundo, precisa unificar a parte da dívida da eurozona
compatível com Maastricht (através da introdução de
um eurotítulo homogéneo). Finalmente, precisamos uma nova
profusão de investimento pan-europeu (via Banco Europeu de
Investimento). Então e só então o problema
"grego" será reduzido a uma ordem de grandeza de acordo com a
dimensão real do meu país.
A versão e inglês encontra-se em
yanisvaroufakis.eu/...
Este artigo encontra-se em
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