Refundação reformista
ou renascimento comunista?
INTRODUÇÃO:
O RENASCIMENTO COMUNISTA, DESAFIO PARA A REPÚBLICA
Vivemos numa situação altamente paradoxal. Nunca foi tão
forte a contradição entre,
por um lado
, o açambarcamento privado dos meios de produção por uma
casta de milionários monstruosamente egoístas e,
por outro lado
, a socialização crescente da economia provocada pela
"mundialização" do capital financeiro; nunca, face
à degradação engendrada pela procura do máximo
lucro, a apropriação colectiva dos trabalhos humanos, das
investigações científicas e dos recursos naturais, nunca
como agora o planeamento democrático do desenvolvimento económico
constituiu a este ponto condição decisiva, não somente de
progresso humano, mas da simples sobrevivência da espécie humana.
Nunca, também, o sistema capitalista e a sua transmutação
moderna, o imperialismo, foram tão gravemente portadores de
desigualdades explosivas, de "cruzadas sem limites" pela hegemonia
mundial, de corrida às armas de extermínio, de saques ambientais,
de desvio do progresso técnico e de sujeição
ideológica de milhares de seres pensantes.
E no nosso próprio país nunca se fez sentir a este ponto a
necessidade de um verdadeiro partido comunista capaz de resistir à
lobotomia totalitária dos media, prestando testemunho, pelo seu projecto
político e o seu quotidiano, de que
uma outra vida, uma outra humanidade, são possíveis
; nunca o povo precisou tanto de um partido comunista combativo e com solidez
política para quebrar a tenaz na qual a França se arrisca a
ficar entalada, entre os partidários "liberais" ou
"socialistas" da Europa de Maastricht e a alternativa mortal do
fascismo de Le Pen.
E no entanto
, apesar desta necessidade objectiva do comunismo, apesar da surda
aspiração de milhares de humanos à ultrapassagem da antiga
divisão das sociedades em classes antagónicas, o Movimento
Comunista internacional está em ruínas; as campanhas de
criminalização das experiências emanadas da
Revolução de Outubro sucedem-se sem trégua, para ancorar
nos espíritos a ideia que a dominação planetária do
capitalismo é irreversível.
E no entanto
, o "novo PC" de R. Hue e de Marie-Georges Buffet está
às portas da auto-dissolução
[1]
.
E no entanto
, a nível mundial como a nível nacional assistimos a uma deriva
reaccionária generalizada que leva por quase toda a parte o "cravo
vermelho" a rosar, a "rosa" a empalidecer e os lírios a
tomar pouco a pouco as sombrias cores do extremismo de direita ... As coisas
estão num ponto em que aqueles que continuam a reivindicar-se da
revolução, da classe operária, de Outubro de 17 ou da
Comuna de Paris são imediatamente taxados de arcaísmo e de
conservadorismo, quando não são sem rodeios postos no
índex
pelo seu apego ao "regime mais criminoso da história" (sic)
segundo o sr. Stéphane Courtois: o regime soviético!
Se nos contentarmos em registar em acta esta "situação de
facto" de forma servilmente empirista, se não procurarmos
ultrapassar a pretensa constatação pela análise, se
aceitarmos, a pretexto de falar uma linguagem "moderna" imediatamente
compreensível por todos, de colarmos à
"novalíngua" imposta pela ideologia dominante, então
estamos inevitavelmente condenados a aceitar o "capitalismo real"
como exclusivo horizonte de futuro. A partir daí, quer nos reclamemos
da socialdemocracia, da "extrema esquerda" ou do "novo
comunismo", só podemos adaptar-nos à ordem dominante e
adoptar as suas perspectivas pan-destrutivas, nem que seja pintando este
suicídio com as cores da "utopia" e da
"inovação". Precisamos, pelo contrário, de
meditar na frase de Georges Politzer, o grande filósofo comunista
fuzilado pelos nazis:
" o espírito crítico, a independência intelectual,
não consistem em ceder à reacção mas em não
lhe ceder".
Assim, será forçoso admitir sem exame que aquilo que
"falhou" no Leste foi o "marxismo" ou o
"leninismo"? Será evidente, além disso, que o
"socialismo real" tenha "falido", como ensinam actualmente
às jovens gerações em todos os bons manuais de
história da nossa escola "republicana"? E mesmo em
França, o que se desmoronou em solavancos sucessivos nas
eleições europeias, municipais, presidenciais e legislativas
será mesmo o partido "comunista", como insistem os media em
uníssono? Não será antes a
caricatura reformista do comunismo
forjada pelos senhores Hue, Brazouézec e outros Gayssot em golpes de
abandonos reivindicativos, de alianças "euroconstrutivas", de
renegações ideológicas e de participação
ministerial sem princípios?. Segundo a resposta que queiram dar a estas
questões que nunca foram postas, os que se questionam sobre o futuro do
Partido Comunista no nosso país vêem abrir-se duas vias
políticas opostas:
Ou
se afirmam, como o autor deste artigo e os militantes da
Fédération nationale des Associations pour la Renaissance
Communiste (FNARC), pela
continuidade política e o renascimento revolucionário do Partido
Comunista fundado em Tours em 1920,
e isso significa que procuram novos caminhos da revolução mas
que rejeitam sem equívoco as pretensas
"refundações", "mutações" e
outros remédios piores que a doença cujo único objectivo
é privar o povo de França do partido revolucionário que
necessita para retomar a iniciativa histórica.
Ou então
consideram que o comunismo, ou mais exactamente o
leninismo
, falhou, que é preciso de uma maneira ou de outra
refundar
o PCF, quer dizer,
rejeitar os seus fundamentos marxistas e leninistas,
cortar o fio vermelho que liga este partido ao Outubro de 17 e ao Congresso de
Tours através de sete décadas de história, condenar sem
apelo a primeira experiência socialista da história e aliar-se
finalmente, seja qual for o
tempo
de uns e dos outros, à esquerda social democrata e/ou às
diversas micro-bandeiras da esquerdinha "anti-liberal"; e, a exemplo
daqueles que, no movimento comunista internacional já têm no seu
"activo" a liquidação de dezenas de partidos
revolucionários, os nossos modernos "mutantes" e outros
"refundadores" são condenados contra vontade a ajudar a classe
dominante a erradicar por décadas toda a alternativa progressista no
nosso país.
Refundação
reformista duma "coisa" à francesa ou de um
"objecto" sem conteúdo de classe,
ou então
renascimento de um verdadeiro partido comunista,
não há terceira via possível.
O alcance político desta questão ultrapassa de longe os
aderentes e ex-aderentes do PCF : porque, sem um verdadeiro partido comunista,
é o arrasamento seguro da "excepção francesa",
esse resultado complexo de dois séculos de lutas operárias e
democráticas, esse ponto de apoio não negligenciável para
as resistências
internacionais
à mundialização capitalista; é isto que
efectivamente foi programado pelas nossas "elites" maastrichianas,
ávidas de abrir um lugar desimpedido à Europa supranacional do
capital desmantelando o Estado-nação republicano, a cultura
nacional e o conjunto das aquisições sociais, laicas e
democráticas do mundo do trabalho.
O objectivo deste artigo
é pois pleitear pelo
renascimento de um verdadeiro partido comunista em França
. Ninguém ignora a necessidade de renovar em profundidade as
práticas militantes do futuro partido comunista, de lhe democratizar o
funcionamento, de lhe reconstruir a organização hoje
deliquescente, de reactualizar a análise marxista do movimento da
sociedade, de formular de uma maneira justa e atraente uma estratégia
revolucionária para o nosso tempo
[2]
, de ligar a reconstituição do partido às lutas da classe
trabalhadora na sua moderna diversidade. Mas
esta aspiração ao renovamento e à modernidade não
deve em caso algum servir de pretexto para "baixar a barra" da
definição do partido comunista
, às suas concepções teóricas e aos seus objectivos
históricos: porque
abaixo de um certo nível ideológico e político, não
haverá renascimento comunista nem relance de combate anticapitalista,
mas somente o prosseguimento da mutação até à
liquidação total da herança sem igual do PCF. E, a seguir
ao PCF, não nos enganemos, são
todas
as conquistas democráticas legadas por dois séculos de
história progressista que estão ameaçadas.
I- PARA UMA ANÁLISE REVOLUCIONÁRIA DA
CONTRA-REVOLUÇÃO
É impossível apresentar em algumas páginas uma
análise séria do processo complexo que pôs fim à
primeira experiência histórica de construção de uma
sociedade socialista. Em
"Mundialização capitalista e projecto comunista"
[3]
, propus elementos de metodologia materialista e dialéctica para estudar
numa perspectiva revolucionária o que constitui a meus olhos uma
verdadeira
contra
-revolução mundial.
Não faltam comunistas que hesitam em qualificar de
contra-revolucionárias as pretendidas "comoções
democráticas" iniciadas por Gorbatchev, os que se recusam a
analisá-las a partir dos dados da luta de classe e que procuram num
"vício de concepção" do pretendido "modelo
soviético" os motivos para liquidar toda a ideia de partido de
vanguarda e de revolução socialista; esses tiveram um mau
começo para
resistir à guerra ideológica
conduzida mundialmente pelas forças anticomunistas contra as ideias
revolucionárias. Quando se aceita serenamente deixar criminalizar o
país de Outubro e de Stalingrado, quando, a pretexto de
"anti-totalitarismo", se deixa sem resposta o escandaloso
amálgama mediático-universitário entre fascismo hitleriano
e "socialismo real", pode-se seriamente ficar indignado com a
reentrada em cena dos partidos de extrema direita, esses melhores alunos do
curso anti-soviético? Aqueles marxistas que se demitem frente à
criminalização das sociedades despontadas do Outubro de 17 podem
admirar-se sem má-fé do triunfo das velhas utopias reformistas
sobre os conceitos experimentados do marxismo revolucionário?
Constata-se no entanto que a satanização do comunismo e da sua
história permite hoje
criminalizar progressivamente toda a resistência a esta "nova ordem
mundial" estadunidense
que é precisamente o fruto venenoso da contra-revolução!
não chegou então a hora para aqueles que querem continuar a via
revolucionária
de denunciar em conjunto esta revisão da história
que suja as revoluções de ontem para melhor "vacinar"
a geração jovem contra as revoluções de
amanhã? Como esses insurrectos republicanos que souberam defender
Robespierre contra as calúnias durante os anos negros da
Restauração monárquica, as novas gerações
revolucionárias deverão aprender a assumir orgulhosamente, embora
com espírito crítico, a herança de Lenine e Thorez, se
querem ter a mínima hipótese de ir amanhã mais longe que
os seus históricos predecessores no caminho ainda mal conhecido que leva
da exploração capitalista à sociedade comunista.
É tão verdade que o
antisovietismo
e o
antileninismo ao retardador
constituem hoje o principal cimento ideológico dos defensores da
"mutação" e outros refundadores reformistas do PCF.
Nada mais actual, por consequência, que combater esta forma tão
pouco denunciada do revisionismo histórico que, sob pretexto de condenar
os crimes e desvios bem reais cometidos em nome do comunismo, tem como
único efeito político
criminalizar globalmente as revoluções passadas
para justificar o que o filósofo italiano Domenico Losurdo denomina a
"autofobia comunista". É no entanto esta revisão
anticomunista da história que alimenta permanentemente o revisionismo
ideológico e o oportunismo político da
"mutação". Longe de ser um caso de
"nostalgia", este combate pela história é pois central
para reconstituir no presente as defesas imunitárias dos comunistas
contra as pressões da ideologia dominante: porque é primeiro no
terreno ideológico que se forjam as armas políticas que
permitirão aos militantes operários e revolucionários
fazer face com honra aos duros confrontos de classe que se anunciam.
Isto não significa de maneira nenhuma que seja forçoso idealizar
a história comunista do século 20. Denunciar juntos a tentativa
de criminalização do passado comunista não significa negar
a priori que há
também
sombras trágicas na
nossa
história, mesmo se isso não constitui, longe disso, o seu
conteúdo principal. Recusar deixar reduzir a URSS a Stalin e Stalin ao
"goulag", fazer o cômputo objectivo, como comunistas, dos
avanços e dos bloqueios do "socialismo real", partir para isso
dos
nossos
próprios critérios de avaliação sobre as
nossas
bases de classe, recusar alinhar-nos nos pretendidos "valores
universais" da hipócrita democracia burguesa, eis o que a
decência e a eficácia reclamam dos comunistas, recusando enfim
autoflagelar-se na esperança vã de dar garantias de
respeitabilidade pequeno-burguesa aos mestres-pensadores da socialdemocracia e
do esquerdismo de mãos brancas. Porque todas as capelas do
anticomunismo só censuraram, a bem dizer, a Lenine uma única
tara:
a sua vitória
; e uma única falta à ditadura do proletariado:
a expropriação
durante várias décadas das classes possuidoras desapossadas pela
"populaça".
O mesmo procedimento crítico e respeitoso em relação
à história do PCF, não se tratando de negar os seus erros,
incluindo algumas vezes na época da sua grandeza. Basta aqui constatar
que diferentemente do "novo PC" mutante, cujos dirigentes
privatizadores e "eurocontrutivos" passaram para o lado da ordem
estabelecida, o PCF "
histórico" manteve-se globalmente do lado bom da barreira, do lado
dos explorados
; tão bem que, mesmo quando por vezes "pisou o risco" (por
exemplo, concedendo "poderes especiais" a Guy Mollet que pretendia
querer a paz na Argélia), o PCF "histórico" soube
sempre corrigir o tiro a tempo, o que lhe valeu durante décadas a
adesão afectuosa das pessoas ("o Partido"), as
perseguições dos seus inimigos de classe e o respeito dos seus
adversários mais lúcidos.
Quanto à actual contra-revolução, é preciso
aplicar-lhe o preceito materialista do Evangelho:
"Reconhecerás a árvore pelos frutos"
. Já passou o tempo em que alguns kremlinocratas de honra perdida
aproveitavam a desmobilização popular provocada pela
orientação oportunista de "Gorby" para dissolver a URSS
violando a vontade majoritária dos soviéticos
[4]
. Hoje, os povos de Leste podem comparar
de experiência feita
, as aquisições bem reais do socialismo (pleno emprego, medicina
gratuita, habitação barata, vasto acesso à cultura e
à Universidade, equipamentos colectivos para as mulheres assalariadas,
defesa dos valores humanistas e racionalistas...) com o
recuo de civilização
provocado pela restauração capitalista. Se nomenclaturistas
mafiosos ganharam com a mudança saldando as riquezas nacionais às
multinacionais, os operários, camponeses, empregados, docentes,
reformados, não acabam de pagar na carne o preço da
destruição do socialismo.
Hoje, a mortalidade infantil e a SIDA galopam do outro lado da linha
Oder-Neisse; a longevidade média recua; desemprego,
sobre-exploração, desregulamentação e precariedade
fustigam o mundo do trabalho; a desnutrição afecta largamente as
crianças
russas, das quais milhares erram sem abrigo na antiga Leninegrado, rebaptizada
São Petersburgo. Droga, prostituição, tráfico de
armas e violência urbana atingiram os padrões desumanos do
terceiro mundo. A investigação e a cultura não têm
realmente que temer a censura das novas autoridades anticomunistas: porque
como se censura o que deixou de existir?
Guerras civis sob influência estrangeira desarticularam Estados
multinacionais noutros tempos pacíficos, senão fraternais.
Quanto às liberdades individuais, há que falar! Milhares de
docentes suspeitos de simpatia comunista foram "berufsverboten"
(interditos de exercer a profissão) na ex-RDA; a guerra colonial e a
tortura desenvolvem-se sem complexo na Tchetchénia; depois do
bombardeamento do Soviete da Rússia por Eltsine em outubro de 93, os
comunistas, majoritários na "Duma", acabam de ser
excluídos por Putin de todas as comissões parlamentares;
perseguições anticomunistas e xenófobas visando os
russófonos subsistem, na total indiferença das
organizações "humanitárias" nos Estados
bálticos; e, enquanto os partidos comunistas são objecto de mil
tropelias de Berlim a Varsóvia, a extrema direita racista e anti-semita
reergue por toda a parte a cabeça. No entanto, desde que lhes permitam
votar, os eleitores dão resultados invejáveis aos antigos PC
(Mongólia, Moldávia, República Checa, etc.) enquanto que
os "demolidores do comunismo", os Gorbatchev e outros Walesa recolhem
percentagens inferiores (tem de ser dito!) às de Robert Hue, quando
têm a imprudência de disputar os sufrágios dos seus
compatriotas nas eleições presidenciais!
A nível mundial, que sindicalista, que antifascista, que feminista, que
internacionalista dignos desse nome poderia seriamente contestar o
balanço globalmente negativo da
destruição
do "socialismo real", cuja queda arrastou um
desmoronamento catastrófico da relação de forças
mundial
entre o capital e o trabalho, entre as forças progressistas e as
forças reaccionárias (penso na situação mundial das
mulheres, de que o Afeganistão pós-comunista é tristemente
emblemático), entre as forças de paz e as forças de
dominação imperialista, entre o movimento de
libertação nacional (infelizes Palestinianos, privados do seu
aliado natural, o campo socialista!) e o rolo compressor dos Impérios
rivais da América e da Europa Ocidental? Em particular, como não
ver que as grandes conquistas obtidas pelos trabalhadores franceses na
Libertação, na época em que a URSS gozava de grande
prestígio pela sua contribuição para a derrota de Hitler e
quando os ministros comunistas vindos da Resistência tiveram assento no
governo da França (nacionalizações, estatutos,
convenções colectivas, comités de empresa,
legislação de 1945 sobre a juventude, segurança social),
estão hoje sob a mira da União Europeia, esta Santa
Aliança que é na Europa pós-comunista o que a Europa de
Matternich foi na Europa dinástica da Restauração...
Reconhecer honestamente estes factos não significa de forma alguma
demitir-se de toda a análise crítica dos factores
"internos" e "externos" que conduziram ao derrube do
"socialismo existente". A esse nível, o essencial é
não dar provas de simplismo histórico
.
Simplismo
por exemplo de ignorar a luta de classes internacional que manteve em
confronto durante sete décadas o capitalismo e o socialismo em
formação;
simplismo
de uivar com os lobos contra o "modelo soviético" (sic)
ignorando o facto de que, por razões múltiplas, a
revolução socialista, à falta de "furar" nos
países dominantes, acantonou-se em países da periferia
capitalista em que o desenvolvimento económico e cultural eram
inicialmente muito baixos;
simplismo
de ignorar soberbamente os efeitos militares, económicos,
ideológicos e políticos desta
segunda guerra fria
que, como réplica à humilhante derrota americana no Vietname,
viu o conjunto das forças anticomunistas do planeta convergir sob a
égide de Reagan nos intensos preparativos militares contra o
"império do mal" bolchevique. Recordemos simplesmente que a
palavra de ordem claramente exterminadora "antes mortos que
vermelhos" era então legitimada por ideólogos como A.
Glucksmann no momento em que os Estados Unidos implantavam na RFA os seus
mísseis "Pershing". Nessa época, os nossos belicistas
explicavam friamente, com o inteiro apoio de Mitterrand, que
na defesa dos "valores ocidentais" valia a pena arriscar a
"desaparição da humanidade na sua exaustividade"
(sic) numa guerra nuclear contra Moscovo! A implantação dos
euro-mísseis EUA data de 84; um ano mais tarde, Gorbatchev acedia ao
secretariado geral do PCUS; ele ali levava o se "novo pensamento"
capitulacionista e néo-muniquense, consistente em trocar o
"apaziguamento" com o ocidente pelo abandono por Moscovo da via
revolucionária: em suma, Gorbatchev fazia eco ao "antes mortos que
vermelhos" da reacção por um slogan inverso, que levava
à avalização pela URSS da chantagem exterminadora do
Ocidente: "
antes não vermelhos que mortos
"!
Mas seria evidentemente dar prova de um
simplismo simétrico
procurar exclusivamente nos factores externos a causa da derrocada. Tentei no
meu ensaio de 1997
[5]
mostrar a origem dos desvios stalineanos, a propósito dos quais
recomendo a leitura do artigo escrito para a revista "Etincelles" por
V. Flament
[6]
; Expliquei igualmente porque razões uma crítica
leninista
deste desvio não poderia de forma alguma convergir com o que se
convencionou designar por "anti-stalinismo", e nomeadamente com a
crítica enviesada do estalinismo que Trotsky desenvolveu nos anos 25/30
a partir de postulados comuns ao menchevismo sobre a impossibilidade de
empreender a construção do socialismo na ausência duma
revolução mundial que não chegava. É nas
condições concretas do desenvolvimento do socialismo que
convém procurar as causas do
bloqueio da transição do socialismo ao comunismo
mostrando que, se a "desígnio comunista" é apenas
utopia idealista sem a transformação socialista das
relações de produção, o próprio socialismo
está votado à estagnação quando não se
propõe empreender para além disso, como outras tantas
tarefas concretas
, a superação do assalariamento e das relações
mercantis, a extensão mundial da revolução e a
dissipação do Estado
. Uma análise detalhada dos anos 75/85 mostraria igualmente a
progressiva paralisia burocrática dos Estados socialistas, provando que
a
natureza
destes regimes não tinha sido ainda qualitativamente modificada por
essa lenta degenerescência: foi necessário o salto qualitativo
contra-revolucionário dos anos 89/91 que destruiu os aparelhos de Estado
originados no socialismo e estabeleceu as bases da privatização
da economia planificada.
No inter-relacionamento dialéctico dos factores de
contra-revolução, é preciso assinalar o papel decisivo do
oportunismo
, inicialmente no seio do movimento comunista internacional (eurocomunismo...),
depois no seio do próprio PCUS. Este oportunismo tomou nomeadamente a
forma do
"novo pensamento político"
de Gorbatchev que pretendia dar
"prioridade aos valores universais da humanidade sobre os interesses de
classe do proletariado"
.
O desmoronamento interno foi pois preparado por uma longa e constante
pressão externa.
A
derrota final
das primeiras sociedades socialistas é assim na realidade a resultante
de um confronto de classes externo e interno que conduziu a "
pôr em
xeque" a primeira experiência socialista da história pelas
forças conjuntas do imperialismo, da burocracia e do oportunismo.
É impossível ir mais longe aqui, e peço ao leitor para
não julgar sobre a validade destas teses antes de tomar conhecimento das
análises mais aprofundadas que publiquei em "Temps des
Cerises" sobre esta questão decisiva: como podemos projectar-nos
no futuro sem caracterizar a situação actual, numa
apreciação diferente da adesão às falsas
constatações antisoviéticas estabelecidas pela ideologia
dominante?
Finalmente, esta análise permite mostrar que não somente os
principais conceitos do marxismo e do leninismo não foram invalidados
pela contra-revolução, mas que eles são mesmo
indispensáveis para fazer a sua análise. Sem apreensão
conceptual do carácter contra-revolucionário do "momento
actual" (não significando isso que resistência e
contra-ataque sejam impensáveis), é impossível
reconquistar a iniciativa histórica; impossível apreender a
necessidade de reconstituir, prolongando o melhor das experiências
revolucionárias anteriores, uma força de vanguarda marxista
ligada ao mundo do trabalho; impossível compreender a necessidade de
fazer renascer um verdadeiro
partido
comunista, e não uma "coisa" rosa vivo, despojada de todo o
conteúdo de classe.
II- UM PROJECTO, UMA ESTRATÉGIA, UM PARTIDO COMUNISTA PARA O NOSSO TEMPO
Na aparência,
a luta de classes ficou para trás.
Na aparência,
a classe operária minguou e não está mais em
condições de dirigir a resistência ao capitalismo.
Na aparência,
o confronto capital-trabalho perde o seu protagonismo em prol dos problemas
"societais".
Na aparência, a
"forma partido" perde a pertinência em prol do "movimento
associativo", da acção humanitária e da
"sociedade civil". Mas a função do marxismo é
precisamente ajudar a penetrar para além das aparências,
discernindo os processos históricos invisíveis a olho nu.
Assim é com a classe operária.
Certamente, se a definirmos como o conjunto dos trabalhadores manuais
assalariados e activos, quer dizer, a partir de características mais
empíricas que científicas, ela parece derreter-se sob o sol negro
das deslocalizações e da informatização da
produção. Mas, se incluirmos na classe dos trabalhadores
assalariados todos os que contribuem directamente para a produção
de mais-valia capitalista, quer seja de facto ou em potência, se se
reconhecer o carácter simultaneamente nacional e internacional dessa
classe, se se tiver em conta a diversificação do trabalho
produtivo moderno (que atravessa os serviços e abrange uma parte
crescente do trabalho intelectual), se não se esquecerem nem os
operários reformados, nem os jovens das escolas técnicas, nem os
operários imigrados legais ou clandestinos, nem a massa dos que procuram
emprego e dos "precários" candidatos a tarefas de
circunstância, se não se esquecer ingénuamente o
número muito importante de operários da indústria e dos
estaleiros, dos transportes, da energia e das telecomunicações,
então a classe proletária no sentido marxista do termo continua
politicamente decisiva na população dos países
industrializados, e isso é sem dúvida ainda mais verdadeiro
à escala do planeta
[7]
.
Assim é com a luta de classes
. Mesmo se a consciência da classe explorada regrediu, mesmo se a
"mutação" do PCF privou milhões de trabalhadores
de referências essenciais, a luta de classes não cessou,
simplesmente porque se trata de um
fenómeno objectivo
resultante da exploração
cada vez mais forte
dos trabalhadores pelos proprietários de empresas capitalistas. Como
verdadeiros
psicanalistas materialistas do movimento social
, precisamos de aprender a
reconhecer
a luta de classes sob formas por vezes desfiguradas que toma em período
contra-revolucionário. Assim, o que é a refundação
social do MEDEF senão o programa reivindicativo dos capitalistas contra
a classe operária e o conjunto das categorias populares? Na luta de
classes, é hoje o grande patronato que "segura as
rédeas" e retomou a iniciativa histórica com a ajuda activa
dos sindicatos de colaboração de classe. E, bem entendido,
contrariamente aos explorados, a classe dominante não tem nenhum
interesse em confessar que
pratica, ela própria, o combate de classe
não para eliminar a exploração, mas para a agravar numa
absurda e suicida corrida ao lucro máximo!
Da mesma forma, os pretensos "confrontos inter-étnicos" e
outras "guerras religiosas" que põem periodicamente em
contenda os explorados entre si para melhor proveito dos possuidores,
deverão ser lidos como outras tantas formas de diversão à
explosiva
conflitualidade de classe
das sociedades modernas ou de desviar a resistência expontânea das
massas populares às manobras do imperialismo. É este, por
exemplo, o papel do face a face mortal que opõe actualmente, para maior
benefício do primeiro, o imperialismo americano à sua criatura
mórbida, o terrorismo integrista, inicialmente criado pela CIA para
combater os comunistas afegãos.
O verdadeiro problema consiste então menos em "relançar a
luta de classes" que
permitir que ela se expresse de maneira justa e adequada
, unindo todos os explorados (de um país, de um continente, do mundo
inteiro) contra a minoria cada vez mais restrita dos multimilionários
exploradores. Aliás, acontece por vezes, particularmente quando a
classe capitalista e o seu Estado são constrangidos pela pressão
internacional a afrontar a classe trabalhadora no seu conjunto, que todos os
trabalhadores, ou pelo menos um número significativo deles, entrem
"todos juntos" na luta: foi o que se passou em França em Maio
de 68 ou, em menor grau, em Dezembro de 95 quando Jupé, forçado
por Helmut Kohl e os ayatolahs da moeda única a intervir contra os
défices da Segurança Social, golpeou em simultâneo as
conquistas dos ferroviários e a Segurança Social. É
também o que poderá acontecer com o governo Raffarin, intimado
já por Bruxelas a "tomar medidas" contra o serviço
público da energia e as reformas por contingente. Tudo isto só
reforça a necessidade de uma verdadeira vanguarda capaz de federar as
lutas "visando" o inimigo principal, o grande capital. É este
défice de vanguarda
que vivemos hoje quando os partidos de esquerda plural e os seus
micro-satélites erráticos do trotskismo se revelam incapazes de
abrir uma perspectiva aos trabalhadores dos sectores privado e público,
sejam eles activos, reformados ou privados de emprego, franceses ou emigrados.
Para aí chegar, é preciso primeiro
reconstruir a perspectiva histórica.
Para isso, o instrumental
materialista
e
dialéctico
forjado pela filosofia marxista é de importância primordial. Com
efeito, como se assinalou acima, o "novo pensamento político"
de Gorbatchev baseia-se na oposição facciosa dos "valores
universais" aos "interesses de classe do proletariado". No
mesmo espírito, a "mutação" do PCF privilegiou a
abordagem "societal" em prejuízo duma abordagem marxista
baseada na luta de classe
[8]
, considerada como um aspecto entre outros da acção para a
transformação social. Se bem que profundamente anti-leninista,
este posicionamento da "mutação" que nega o papel
dirigente do combate do proletariado contra o capital, parte de uma realidade
que deforma e não reconhece
: trata-se da
dimensão humanamente universal
do combate de classe contemporâneo. A mundialização
capitalista cria objectivamente para a humanidade uma solidariedade de destino.
O
exterminismo
que constitui uma tendência marcante do imperialismo
contemporâneo, com as suas dimensões múltiplas que
extravasam de longe o aspecto militar, faz do capital financeiro, que
actualmente parasita o conjunto das actividades humanas, o inimigo comum de
toda a humanidade. Longe de reduzir o papel do combate de classe, confere-lhe,
pelo contrário, um alcance universal sem precedente. O comunismo
não é apenas necessário para emancipar a classe
trabalhadora: se a irresponsabilidade do capital conduz às piores
loucuras militares, sanitárias, alimentares, ecológicas, o
combate anticapitalista está no âmago de todo o compromisso
consequente contra a morte e a desumanização da humanidade.
Uma nova abordagem marxista-leninista torna-se então
insubstituível para trazer à luz o conteúdo de classe do
universalismo contemporâneo. Assim, não há de um lado
"o" mundialismo e de outro "o" patriotismo como se
esforçam por fazer crer intimando-nos a escolher entre a
euro-complacência de Arlette e o soberanismo burguês de
Chevènement; se partirmos pelo contrário duma abordagem
materialista, se não nos esquecermos o princípio
dialéctico da
unidade dos contrários
, então veremos reagruparem-se de um e de outro lado da barreira de
classe,
de um lado
a mundialização imperialista e os seus subprodutos
reaccionários, os nacionalismos, racismos e outros integrismos, e
do outro
o patriotismo dos povos defendendo a sua soberania e um internacionalismo
proletário de nova geração solidarizando contra o
adversário comum os assalariados da Europa e do mundo.
Assim, se a perspectiva do comunismo é indiscutivelmente mundial
[9]
, ela articula-se naturalmente com a defesa das soberanias populares,
concebendo-se a nação, como ensinava Politzer, não como um
conjunto racial e "natural", mas como uma comunidade humana
constituída historicamente. Porque a transição
socialista
ao comunismo continua indissociável do quadro nacional. Mesmo sem ser
possível desenvolvê-lo aqui, qualquer pessoa vê facilmente
que o quadro político de uma eventual socialização dos
meios de produção, prelúdio mínimo do comunismo,
passa sempre pela sua
nacionalização
. A linguagem é aqui um indicador seguro das relações de
forças entre as classes nas suas relações com os
territórios
: porque, se qualquer pessoa vê bem que
mundializar
ou
europeanizar
uma empresa só pode significar hoje privatizá-la e
submetê-la estritamente aos mercados financeiros (ver a France Telecom),
"nacionalizar" continua em toda a parte sinónimo de
apropriação pública
, mesmo que seja dentro dos limites de um Estado burguês!
Desenha-se então o projecto de um autêntico
renascimento do Movimento Comunista Internacional
, o único capaz de dar ao magnífico movimento
anti-globalização da juventude uma orientação
anti-capitalista e anti-imperialista; não há nisto nada de
utópico, porque da Grécia ao Brasil, passando por Cuba e pela
República Checa, partidos que continuaram fiéis ao combate de
classe retomam terreno marcando a vida política do seu país.
Este
renascimento comunista internacional
deveria articular-se com as resistências
nacionais
dos povos ao imperialismo (da Palestina às FARC da Colômbia).
Porque mesmo se nas condições da mundialização, as
inevitáveis tentativas imperialistas de sufocar uma eventual
revolução rivalizarão rapidamente com a
propagação internacional da onda de choque revolucionária,
toda a nova revolução socialista explodirá os elos fracos
da dominação imperialista sem excluir a priori nenhuma
região do mundo.
Em França, uma autêntica estratégia anticapitalista deve
apoiar-se nesta
tripla inspiração internacionalista, antifascista e
patriótica,
mesmo se para os marxistas a nação se concebe como uma etapa
histórica para a República universal do trabalho. Com efeito, a
política do capital passa hoje pela integração europeia,
quer dizer, por um duplo processo federalista de dissolução do
Estado nacional, entalado entre a Europa supranacional e as
aspirações particularistas das regiões e outras
"etnias". Daí a classe operária, primeira
vítima com o campesinato, os intelectuais dedicados à cultura
nacional e os agentes dos serviços públicos desta
desnacionalização da França
, é levada a encabeçar (como começou a fazer em dezembro
de 95) a
unidade popular majoritária contra a Europa de Maastricht
, não para "reorientar a Europa num sentido progressista",
como aspiram os seguidores da "mutação" e numerosos
ideólogos do trotskismo, mas para
romper
com os tratados de Maastricht, Nice e Amesterdão, com a moeda
única gerida pelo Banco de Frankfort, assim como com o exército
profissional pilotado pela NATO.
Sair de Maastrich pela esquerda
, será designadamente restaurar o carácter
laico
da escola e do Estado,
renacionalizar
as empresas privatizadas alargando os direitos dos assalariados,
reconquistar o emprego industrial e agrícola,
proibir as deslocalizações,
nacionalizar sem indemnização as empresas que fazem despedimentos
depois de ter encaixado fundos públicos a título da
criação de emprego,
fazer participar o conjunto dos cidadãos no debate sobre o
orçamento de estado, quebrar o plano Juppé
e entregar aos assalariados a gestão plena da Segurança Social,
acabar com as leis racistas francesas e europeias e dar o direito de voto aos
trabalhadores estrangeiros, defender as culturas nacionais dos povos da Europa
contra a americanização das línguas, dos estômagos,
dos corações e dos cérebros...
Enfrentando
ao mesmo tempo
e
numa base de classe
o nacionalismo de Le Pen
e
a integração europeia que constitui o verdadeiro programa comum
da direita e da social-eurocracia, um partido de renascimento comunista poderia
assumir um papel central no confronto entre forças populares e grande
capital. Levada a seu termo, e sob a condição expressa de
o movimento popular se organizar "na base"
nos bairros e empresas, que ele se articule no momento próprio num
governo popular antifascista e anti-Maastricht combatendo sem mercê a
oligarquia financeira, um tal confronto reporia na ordem do dia a ruptura com o
capitalismo e a revolução socialista no nosso país. Se
hoje isto parece pecar por antecipação, a grande burguesia sabe
bem que pela sua parte o poder é mais precário do que aparenta.
Quando milhões de cidadãos boicotam as eleições,
quando a direita parlamentar e social-democrata são forçadas a
rebuscar os fundos da gaveta do voto útil para salvar a face (em
detrimento, quer da UDF e da FN, quer do PCF e dos esquerdistas), é
porque
a crise política não está longe
: e todos se recordam da observação de Lenine:
"Quando os de baixo não querem ser governados como antes, quando os
de cima não podem mais governar como antes, então abre-se uma
época de revolução social..."
. Então a grande burguesia prepara-se para todas as eventualidades.
Não somente tem de reserva, para uma guerra civil contra o povo, os
pitbulls [raça canina - NT] da F.N., não somente se presta
à fascisação da democracia burguesa
"missionando" Sarkozy para reforçar o aparelho repressivo, mas
ela difunde ao seu exército profissional um "manual de guerrilha
urbana" indicando como reprimir eventuais insurreições nos
bairros desfavorecidos... Prova de força ou testemunho de isolamento
social crescente?
Porque é o único em condições de seguir com
espírito consequente o fio vermelho do combate anticapitalista, um
verdadeiro partido comunista poderia desenvolver uma estratégia de
classe e de massas contra o grande capital. Enquanto os militantes da
alternativa progressista estão hoje dispersos por várias zonas
vividas como concorrentes, a tarefa de um partido do renascimento comunista
seria
fundir numa só frente de batalha para as reivindicações
populares, o combate antifascista da juventude, o empenho republicano pela
soberania nacional e a construção de uma Europa de lutas abertas
e democráticas.
Unificar estes combates, abrir a perspectiva de
um novo bloco histórico de progresso
, duma nova
hegemonia cultural
conjugando patriotismo republicano, solidariedade e anti-imperialismo, combate
antifascista, Europa de lutas, tudo sob a direcção da classe
trabalhadora e numa perspectiva abertamente revolucionária, não
é manifestamente empreendimento para um partido
"super-mutante" satélite do PS, nem para um "polo de
radicalismo" pilotado por movimentos trotskistas, que consideram como
"burguesa" toda a defesa da nação, e ainda menos pelos
Verdes, que ignoram toda a vida do "povinho". É igualmente
duvidoso que possa ser tarefa para uma "convergência
anticapitalista" visando a mundialização capitalista mas
poupando a Europa supranacional; uma tal convergência isolaria a classe
operária das camadas médias negligenciando o inimigo principal de
hoje, a força mais reaccionária que se trata de isolar e vencer:
o grande capital de Maastricht.
Pelo contrário, um partido comunista unindo a bandeira vermelha dos
trabalhadores com a bandeira tricolor da nação, revisitando os
ensinamentos de Thorez e Duclos, pode dar corpo ao princípio leninista
do
papel dirigente da classe trabalhadora
construindo em simultâneo uma
alargada aliança anti-monopolista
sobre bases internacionalistas, republicanas, patriotas e anti-fascistas.
Para aí chegar, os militantes do renascimento comunista devem aprender
desde já a desempenhar de uma forma nova a sua função de
vanguarda popular. É falso que não existe outra escolha, para um
partido comunista, excepto entre o papel de "partido-guia" à
antiga e o papel, incompreensível e supérfluo, de apêndice
eleitoral do "movimento social". A função de vanguarda
não se auto-proclama. Constrói-se a partir da análise, o
mais científica possível, da realidade, da
construção duma
hegemonia cultural
no sentido que Gramsci dava a esse termo: e isto implica uma
intervenção permanente nas frentes de investigação
teórica, de criação cultural e de luta ideológica;
a nova vanguarda construir-se-á igualmente num diálogo permanente
com os trabalhadores e a juventude em luta, levando a debate as propostas
políticas, defendendo a independência dos sindicatos de luta
contra a ingerência das forças de colaboração das
classes, promovendo tudo o que favoreça a
auto-organização das massas
e a sua capacidade de decisão, ajudando as lutas a centralizar-se
democraticamente até pôr em causa o poder político da
burguesia. E construir um verdadeiro partido
de
vanguarda implica então tornar-se o partido
da
vanguarda aproximando-se sempre mais das frentes pioneiras da
resistência ao capital e á reacção,
incluindo no terreno "societal"
(ataques contra os direitos das mulheres e contra a juventude,
destruição da laicidade, retorno à "ordem
moral"...). Longe de confiscar o poder (o que é contrário
à abordagem leninista das "Teses de Abril"), trata-se pelo
contrário de
procurar em todas as circunstâncias colocar a classe dominada em
posição de tomar e exercer ela própria esse poder
dando-lhe os meios de se organizar por si própria e de se apropriar da
inteligência teórica da sua situação.
Mesmo se isto implica uma intensa actividade democrática, cujo
centralismo dirigista de outrora não é mais possível do
que o actual domínio dos eleitos e das "personalidades
mediáticas" em que descambou a "mutação",
isto necessita sempre de um verdadeiro partido
unindo a força de elaboração teórica, a
organização democrática
e
centralizada (tanto pior se este termo, assim como o de
"disciplina" choca alguns "liberais-libertários" que
se crêem comunistas...) e uma estratégia democraticamente definida
mas aplicada por todos com abnegação. Que plataformas distintas
possam rivalizar em igualdade nos congressos em caso de desacordo substancial,
nenhum leninista refutará. Em contrapartida, que um partido
comunista
possa resultar da soma de "tendências" heteróclitas e,
inevitavelmente, de compromissos de cúpula entre os seus chefes (como
é o caso do PS), é na melhor das hipóteses uma utopia
angélica, e na pior uma nova forma de transformar o
partido de combate dos trabalhadores
em "casa comum" de todas as discórdias. Também
não há nada de comum entre um verdadeiro partido comunista e o
albergue espanhol do "polo de radicalismo" ou do "polo
republicano" igualmente estranhos ao mundo do trabalho. Uma tal
perspectiva pode sem dúvida atrair alguns notáveis que desejem
"aproveitar-se" nas eleições, mas não pode
interessar os militantes operários sérios que sabem por instinto
que o capital não dá presentes, que o próximo
período será impiedoso e que o combate de classe de amanhã
não se acomodará a uma
regressão política
repetindo as taras paralisantes das duas primeiras Internacionais ou os sonhos
intelectualistas de alguns nostálgicos do Maio de 68.
Isto não obsta de forma alguma, e que não haja nenhum mal
entendido neste ponto, o
cultivo do diálogo político e a unidade de acção de
base
com os Ecologistas, Alternativos, soberanistas de esquerda,
anti-globalização, e porque não, em questões
pontuais, com os militantes trotskistas, sem perder de vista o cuidado de
cativar os jovens para o marxismo revolucionário. Mas a
reorganização de um verdadeiro partido comunista no meio popular
não poderia subordinar-se a construções bizantinas pondo
em primeiro plano os micro-aparelhos da auto-denominada extrema esquerda, cujo
único título de glória em cinquenta anos terá sido
"tomar à esquerda" os comunistas, os países socialistas
e a CGT para melhor contribuir para a sua destruição. Os que
prometem o futuro apagando esse passado pouco glorioso mentem ao povo e aos
comunistas. Sem se dar conta, eles acompanham "pela esquerda" a
liquidação do PCF abandonando as chaves da casa a forças
exteriores cujos dirigentes são por natureza hostís ao comunismo.
O renascimento do partido comunista tem de ser obra dos próprios
comunistas, sem mentor exterior e em estreita comunhão com as lutas do
povo trabalhador.
Só o renascimento de um
partido
comunista, de um partido comunista do povo de
França
, por mais modestos que sejam os meios no arranque, poderá reabrir em
França a porta à esquerda para uma verdadeira mudança.
III- OS CAMINHOS DO RENASCIMENTO
Renascimento é aos meus olhos a palavra de ordem que corresponde melhor
às aspirações dos que querem reconstruir um verdadeiro
partido revolucionário sobre as ruínas do novo PCF mutante.
Deixemos às fracções reformistas, principais instigadoras
da ruína do PCF, a duvidosa palavra de ordem de
"refundação comunista". Como alguns
"cabritos" que saltavam antigamente nas cadeiras gritando
"a Europa! a Europa! a Europa!"
, os dirigentes refundadores e mutantes cantam hoje em coro "
fundemos, fundemos e refundemos
", sem precisar se se trata do imperativo do verbo "fundar", ou,
mais plausivelmente, o do verbo "fundir" (que se aplica mais à
evolução dos efectivos organizados do actual PCF)
[*]
Ora nós estamos em França e não em Itália: e em
França, o projecto refundador, mesmo que tenha sido provisoriamente
acompanhado
mezzo voice
do epíteto "comunista" está marcado há quinze
anos com o selo reformista (a estrela renovadora dos anos 80, Ch. Fiterman,
satisfaz-se agora a brincar às plantas com o PS...). A
noção de "refundação" é
além disso politicamente falsa já que esse termo diz
objectivamente que o PCF precisa de outras fundações em vez
daquelas sobre as quais se edificou desde 1920: sejamos claros, o que reclamam
os "refundadores comunistas" de todas as obediências,
são novas fundações
antileninistas
, quer dizer, argúcias à parte, um
novo menchevismo à francesa
[10]
.
A expressão "renovação revolucionária" do
PCF não é mais adequada. Não somente porque os
"renovadores" conduzidos por P. Juquin a desacreditaram, mas porque
esta expressão não dá a medida
da ruptura
que é preciso efectuar com as tendências revisionistas que
irreversivelmente comprometeram e ressequiram o "novo PC". Uma
meia-saída
da "mutação", uma simples "travagem", um
regresso às ambiguidades e às derivas anunciadoras do
período de Marchais também não bastarão para
restaurar a confiança.
A ruptura com a mutação será total, ou não
existirá
e os grandes confrontos que se anunciam com o governo de Raffarin, e
atrás dele com a Europa de Super-Maastricht, encarregar-se-ão de
reduzir o espaço político das correntes
"conciliatórias". E daí, não haverá
terceira via entre um renascimento comunista na sua acepção plena
e o "congresso de Tours ao contrário" a que aspiram, de uma
maneira ou de outra, as tendências liquidadoras.
De maneira simétrica, alguns camaradas confundem o "novo PC"
actual e o PCF "histórico" que continua a viver no
coração do nosso povo; deitando fora o menino com a água
do banho, falando unilateralmente de "ruptura", esses camaradas
repudiam toda a ideia de continuidade política e encaram um movimento
completamente novo não referenciado à história do PCF.
Mas apesar do aparente radicalismo desta postura, é grande o risco de
"deixar sossegados" os dirigentes do PCF confrontados com uma grave
crise política, de lhes abandonar a legitimidade histórica e com
ela milhares de militantes e centenas de milhares de eleitores que os seguem
ainda, mais por falta de perspectivas que por convicção. Na
realidade, não se trata somente de
romper
com as forças liquidatárias, trata-se também de
prolongar
a via revolucionária,
reivindicando a legitimidade histórica e a herança política
(e porque não, material...) do Partido fundado em Tours ao apelo do
Komitern. Todos os que recusam o suicídio mutante devem pois rotular-se
como verdadeiros
continuadores do Partido Comunista Francês
. Quanto aos que se auto-proclamaram "partido" comunista
excomungando os outros movimentos opositores, arriscam-se muito a facilitar, a
contragosto, a tarefa dos liquidacionistas que não sabem o que fazer com
a presença nas margens do novo PC em decomposição de uma
meia dúzia de grupos que se auto-proclamam "partidos" sem se
incomodar em serem reconhecidos pelos militantes, pela classe operária e
pelos outros componentes do Movimento comunista internacional.
É preciso ainda que se entenda a continuidade política que
reivindicamos: milhares de comunistas deixaram o PCF por causa das
traições da sua direcção; não
voltarão sob nenhum pretexto e ninguém os deve forçar.
Mas se a crise do PCF se tornou explosiva, é porque o confronto entre
mutantes e revolucionários não é uma simples
oposição ideológica que leva à disputa entre
"sensibilidades comunistas" de igual legitimidade. Em última
instância, trata-se de uma
luta política
entre interesses de classe inconciliáveis, de uma
"contradição antagónica" para retomar um
conceito caro a Mao. Politicamente, chegou a hora em que o reformismo (que, em
última análise,
defende o capitalismo
) e o comunismo (que o quer abolir) não poderão mais, ainda que
quisessem, coabitar sob o mesmo tecto. A decisão de continuar
o
partido comunista não coincide de forma alguma no seu princípio
com a de continuar
no
PC mutante quando este último está às portas da
dissolução na socialdemocracia ou em grupos herdeiros, igualmente
sem fôlego, do esquerdismo de 68.
A separação organizacional é objectivamente
inelutável entre reformistas e revolucionários,
e a repressão que atinge os revolucionários no seio do PC mutante
("despejados" das suas sedes de secção de maneira
antidemocrática: Avion, Liévin, Aubervilliers...) lá
está para recordar que
o reformista e a revolução são como a água e o fogo
, e que a sua coexistência no seio duma mesma organização
é de natureza transitória, explosiva e altamente conflituosa
[11]
. À beira de um congresso que se anuncia sem surpresa, sob a
condução de uma direcção incapaz de
autocrítica, chegou a hora, como dizia Lenine, de "tirar a
camisa" suja do reformismo falhado para vestir a camisa limpa dos combates
do futuro.
É isto que exprime com rigor a noção de renascimento
comunista.
Re
-nascimento, quer dizer continuação da via e da herança
revolucionária do PCF, ele mesmo fundado em Tours na continuidade das
lutas revolucionárias dos Sans-coulotte, da Conspiration des Egaux, da
Comuna e do contributo, decisivo entre todos, da Revolução de
Outubro. E combate interno conduzido à luz do dia em toda a parte onde
é possível ainda ganhar comunistas, células, sectores,
federações, para uma luta consequente por um congresso de
saída da mutação reformista.
Mas também re-
nascimento,
porque a continuação do comunismo implica a ruptura total com a
obra de liquidação que está a concluir-se. Não
estamos assim em altura de súplicas ao Pai Natal mutante para nos trazer
em Maio de 2003 uma improvável "saída da
mutação". Plagiando a interpelação de
André Tollet, hoje falecido, aos dirigentes mutantes do PCF, dizemos
aqui claramente, como foi proclamado nas contribuições à
tribuna de discussão de l'Humanité de 18 de junho, sob a
assinatura de Jean-Pierre Hemmen, H. Alleg, Frédérique Houseaux,
Christiane Combe, Françoise Douchin, L. Landini, G. Hage, J. Lacaze, J.
Leclercq, G. Gastaud, H. Martin: - Qualquer coisa nova, clara,
francamente comunista
, está a
nascer dentro
, e cada vez mais,
ao lado
do partido transmutado, com milhares de militantes, membros do PCF, antigos
membros, jovens e sindicalistas ainda nunca filiados, e isto em
ligação estreita com as lutas populares. É para dar uma
forma estruturada a esse movimento, ao mesmo tempo diverso e uno, que se formam
as Associations pour la Renaissance Communiste, federadas nacionalmente pela
FNARC. Esta não é um partido mas um movimento unitário.
Mas a FNARC não faz
fétiche
da "forma-movimento" nem se engoda nos méritos do
fluído e do informal, e não diz, ao estilo de Bernstein, o
inventor do revisionismo: "o objectivo final é nada, o movimento
é tudo". Como a Coordenação dos militantes
comunistas que lhe dá todo o seu apoio, a FNARC é um
utensílio transitório e "descartável", um
movimento comunista
que desaparecerá com entusiasmo quando forem criadas
condições para dar lugar a um verdadeiro
PARTIDO comunista
.
Para o autor destas linhas é o desfecho de um comprometimento quase
tri-decenal contra uma mutação que seguramente não caiu do
céu. Desde 1976, alguns militantes isolados opuseram-se ao abandono da
ditadura do proletariado
, esse conceito construído por Marx para exprimir o conteúdo de
classe de todo o Estado e de toda a democracia, essa rede de segurança
teórica essencial, sem a qual todo o partido operário acaba a
prazo por ser dissolvido na democracia burguesa como já aconteceu
historicamente à social democracia e à maior parte dos partidos
saídos da IIIª Internacional. Depois vieram no início dos
anos 90 a fundação da Coordenação comunista, por
iniciativa de uma célula do Pas-de-Calais, assim como do comité
Honecker de solidariedade internacionalista que reagrupa na sua diversidade
comunistas e antifascistas opositores à caça às bruxas
anticomunista nos ex-países socialistas. Tudo isto se fez sob uma
dupla palavra de ordem:
espírito de princípio
e
reunião de comunistas.
Se este combate conheceu deploráveis tropeções, como a
divisão provocada em 99 na Coordenação comunista por uma
orientação sectária e dogmática que se revelou
subsequentemente duma total esterilidade, rearrancou em bases sadias com a
criação da Coordenação dos Militantes Comunistas,
presidida por Georges Hage, depois com a criação da FNARC,
actualmente presidida por um colectivo comportando nomeadamente H. Alleg, L.
Landini, G. Hage, J. -P. Hemmen e J. Coignard.
Hoje, o cuidado maior deve ser, dialecticamente,
reunir os comunistas
sobre
bases de princípio
mínimas, abaixo das quais a oposição à
mutação não daria à luz um verdadeiro partido
comunista mas uma clonagem esquerdizante do partido mutante. Afirmar-se pelo
relançamento de uma verdadeira
análise marxista
, na vez e no lugar do seguidismo actual dos dirigentes mutantes para com as
ideias em voga da esquerda antiliberal, reivindicar uma
nova estratégia independente da socialdemocracia
e tendo como cerne o
papel motor da classe trabalhadora
, no primado do movimento popular, na
união contra Maastricht
e a globalização capitalista, defender a
soberania nacional
trabalhando para fazer viver um
internacionalismo proletário
de segunda geração, desenvolver a
batalha antifascista e o combate anti-imperialista
, caminhar concretamente para o comunismo sem iludir a
socialização dos grandes meios de produção
, combater toda
a criminalização da história comunista
abrindo o debate sobre essa história, reivindicar a
continuidade política do PCF
e pôr a tónica no conteúdo de classe de um
partido
ligado ao mundo do trabalho, aqui estão "fundamentos" que
não deviam assustar nenhum comunista digno desse nome. É sobre
estas bases mínimas que os militantes da CMC e da FNARC assumiram com
outras forças militantes a construção de uma "
convergência comunista
" que adoptou um texto fundador retomando os princípios acima
enumerados. É preciso ainda, para federar solidamente todas as
correntes empenhadas nesta convergência e alargá-la a todos os
militantes e grupos de boa vontade que cada um
afaste à partida e sem retrocesso toda a aliança com os lideres
refundadores e trotskistas
que não constituem uma ameaça menor de
"mutação genética" que os seus irmãos
mais velhos do PS ao qual tantas práticas, pressupostos
ideológicos e de proximidade sociológica os ligam desde sempre.
Porque a questão central é
ajudar a classe operária a reconstitui um partido seu
, independente da burguesia e da pequena burguesia.
Para dialogar com outros, é preciso primeiro existirmos e
organizarmo-nos nós próprios.
Federar todos os comunistas opostos à corrente liquidadora? S
im, três vezes sim!
Pôr-se á partida sob a tutela de grupos exteriores, fazendo
crescer a confusão política e a divisão entre comunistas
opostos à mudança?
Não, três vezes não!
Pois o partido comunista não é um "nicho" comercial
à esquerda do PS que se trataria de ocupar para evitar a crise do
sistema institucional e "posicionar-se" na
"recomposição política". Não é
também um "organismo Geneticamente Modificado" no
património do qual os manipuladores em câmara introduziriam ora
genes da mutação reformista ora genes da mutação
soberanista, ora os da mutação trotskista. Para sobreviver,
erguer-se, evoluir, mexer e desenvolver-se e sobretudo para
vencer
no momento adequado,
ele precisa antes de tudo de tornar a ser ele próprio: nada mais
móvel, nada mais dinâmico, nada mais aberto, que uma verdadeira
identidade comunista
! Porque na sua essência, o partido comunista não tem outra
utilidade senão ajudar o mundo do trabalho a emancipar-se por si
próprio de toda a tutela estranha para construir uma sociedade sem
classes.
CONCLUSÃO
Se soubessem unir-se por si próprios afastando a ingerência de
falsos amigos do comunismo, se soubessem reencontrar-se sem sectarismo sobre os
princípios que fundamentam hoje como ontem o compromisso comunista, se
soubessem romper com os que provocam naufrágios reivindicando a
herança sem igual do PCF, se soubessem exigir juntos e, se
necessário
organizar eles próprios
um grande congresso de ruptura com a mutação reformista e o
renascimento do verdadeiro partido comunista, se soubessem ligar-se ao povo
preparando-o para os duros confrontos de classe que se anunciam, então
os comunistas de França saberiam seguramente fazer renascer um grande
partido revolucionário no nosso país. Senão, uma dolorosa
travessia do túnel abre-se para as forças progressistas deste
país. Quem duvidará que os comunistas de França que
inscreveram o seu partido na história da nação, quem
duvidará que o povo de França, que trouxe tanto ao progresso
humano, encontrarão em si mesmos os recursos de energia e de lucidez que
lhes permitam reabrir enfim a "porta à esquerda", a da
esperança reencontrada, para o seu partido, o seu país e para os
seus grandes ideais?
Lens, 6 de Julho de 2002
[*]
Filósofo. Trabalho escrito para a Editorial "Le Temps des Cerises",
Paris,
Verão de 2002. Tradução de Luisa Tovar
______________
NOTAS
(1)
No "le Populaire du Centre" Dominique Grador, presidente do conselho
nacional do PCF, exprime-se assim:
" o debate no seio do Partido pode encarar até à
dissolução do PCF. Deverá auto-dissolver-se? Apagar o
nosso nome e a nossa história para o deixar lugar a jovens que
não têm que carregar esta história e que podem encarar um
novo futuro? O nosso debate é aberto até aí"
(retomado em "la Montagne" de 27.5.2002) Haverá depois
disto leitores tão cegos que julguem demasiado
"polémico" o epíteto de liquidacionistas dirigido aos
actuais dirigentes do PCF?
(2)
Sob este ponto de vista, o autor deste artigo, filósofo militante e
não "comunicador" profissional, não é o mais bem
colocado para formular as coisas de uma maneira atractiva e "em
voga". Solicita ainda mais por essa razão uma verdadeira
atenção ao
conteúdo
da sua exposição, à real modernidade das propostas da
Coordenação dos militantes comunistas e da FNARC, quer dizer, o
seu ajuste aos dados reais da situação e não a sua
concordância com o vocabulário da "novalíngua" em
uso na "esquerdinha" que se diz radical e anti-capitalista.
(3)
Le Temps des cerises, 1997, cf 3ª parte, "Pour une analyse
revolutionaire de la contre-revolution"
(4)
Em 1991, 76% dos soviéticos pronunciaram-se em referendo pela
manutenção da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas. Menos de um ano mais tarde, a URSS era dissolvida por um
decreto inconstitucional dos presidentes russo, bielorusso e ucraniano.
Assinalemos que a URSS comportava oficialmente 15 repúblicas.
(5)
"
Mondialisation capitaliste et project communiste
",
II parte "Para uma análise revolucionária da
contra-revolução"; ver também a minha
contribuição para o colóquio do IRM de Actuel Marx
"Octobre, causes, impacts prolongements"" sob a
direcção de Bruno Drweski. Ver igualmente revista
"EtincelleS" nº 2, dezembro 2000, "notre heritage n'est
précédé d'aucun testament" com anotação
dos artigos de Henri Martin sobre M. Terez e de Vincent Flament sobre
"stalinisme et anti-stalinisme". Ver igualmente
"EtincelleS" nº3,
Actes du colloque de Malakoff
sobre le 80º aniversário do PCF et 100º aniversário de
M. Thorez, com as intervenções de G.Gastaud, H.Martin, H. Alleg,
A. Prenant, Lacroiax-Riz, F.Arzalier, E. Fabrol, V. Flament, P. Thorez, etc.
"EtinceleS"
, revista teórica e política, 199, rue Emile Zola, 62800
Liévin.
(6)
Ver nota precedente
(7)
«EtincelleS» n
0
5, «Actualité de la critique marxiste de l'économie
politique »,
Julho de 2002, Artigos de G.Gastaud, J.-F. Dejours, M. Korssakissok, O. Rubens,
J.-C. Gandiglio, etc.
(8)
Sobre este ponto, ler o artigo de G. Gastaud em
«Initiative communiste »
n
0
13, Abril de 2002: «les problèmes sociétaux sont aussi des
problèmes de classe ».
(9)
Ideologia Alemã, Marx-Engels, (tradução francesa)
Messidor-Essentiel
, pag. 95. Comentei este texto complexo e decisivo, muito frequentemente
entendido em contra-senso, na
«Mondialisation capitaliste et
projet communiste », p. 99
e sequentes.
(10)
É preciso compreender o que dizem as palavras, como bons
"psicanalistas materialistas"; "mutação"
contráriamente a "renovação", significa
alteração da essência
por modificação da identidade genética duma
espécie. "Refundação", que é um termo
ainda mais global, vai ainda mais longe nessa direcção mutante.
Quanto ao "bolchevismo" e ao "menchevismo", opuseram-se
inicialmente (no segundo congresso do Partido Operário Social
Democrático da Rússia) a propósito da
organização do Partido: enquanto que os mencheviques, conduzidos
por Martov, queriam um partido-movimento, uma espécie de
"guarda-tudo" informal sem contornos nem disciplina, os bolcheviques
de Lenine queriam um verdadeiro partido político em simultâneo
democrático e centralisado delimitado por um acordo sobre o programa, a
pertença de cada um a uma célula, a aceitação da
disciplina maioritária e o pagamento de uma cota. Trotski navegava
entre as duas concepções e, até 1917, esteve mais
próximo dos mencheviques.
(11)
Assim os mencheviques e os bolcheviques coabitaram de uma maneira extremamente
conflituosa no início do partido operário russo, mas a sua
separação organizativa estava concluída de facto bem antes
da revolução de Outubro de 1917 em que os mencheviques passaram
muito maioritariamente para o lado dos "Brancos"
(*)
NT - no original "fondons, fondons et refondons", que corresponde
simultaneamente ao imperativo dos verbos "fonder" (fundar) e
"fondre" (fundir). O verbo "fondre" tem uma amplitude
diferente de "fundir": inclui o "derreter" da
culinária e, em sentido figurado, "dissolver" e
"desaparecer". O trocadilho é intraduzível.
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