Coletes amarelos, "IV acto": reina a ordem na Macrónia
por Rémy Herrera
Sábado 8 de Dezembro: 89 mil membros das forças da ordem haviam
sido posicionados no conjunto do território francês para enfrentar
o "Acto IV" da mobilização nacional dos "coletes
amarelos", prevista para este dia. Eram uns 8 mil polícias e
gendarmes em Paris, equipados com veículos blindados para proteger os
"lugares do poder" e derrubar as barricadas. É mais do que o
dispositivo posto em acção aquando dos acontecimentos de Maio de
1968. A quase totalidade dos esquadrões da gendarmeria do país
(ou seja, militares encarregados de missão de polícia), dezenas
de companhias da CRS (corpo especial de polícia encarregado do
restabelecimento da ordem pública), apoiados pelas brigadas de
securização e de intervenção das Prefeituras de
polícia, estavam assim presentes, enquanto a maior parte dos efectivos
em descanso haviam sido convocados, ou "desneutralizados" como se
diz. A estratégia repressiva, visivelmente ineficaz nas
irrupções observadas nos sábados anteriores, foi
modificada: já não se tratava mais para estes homens de
permanecerem estáticos, mas de serem móveis para
"entrar em contacto"
com manifestantes e
"apreender os desordeiros".
Ao longo da semana passada, tudo fora organizado na retórica da
dramatização utilizada pelo governo e encenação da
violência pelos media a soldo do poder a fim de fazer subir a
tensão e o medo, e dissuadir assim os coletes amarelos de virem
manifestar-se na capital, assim como igualmente por toda a parte em
França.
Desde vários dias, as forças da ordem haviam sido enviadas para
se "aquecerem" nos terrenos de treino postos à sua
disposição antes do "jogo" de sábado 8: os
acessos de liceus. Eles se entregaram se entregaram com devoção
à tarefa e espancaram à força de braço, aqui e ali,
indistintamente: Quinta-feira 6 de Dezembro à noite, nada menos que 760
adolescentes com idades de 12 a 18 anos haviam sido interpelados em todo o
território. Em Mantes-la-Jolie, comuna popular da região
parisiense conhecida por suas cidades de arrabaldes com vida difícil,
mais de 150 jovens foram filmados perto dos seus estabelecimentos escolares
enquanto eram parqueados, de joelhos, com mãos sobre a cabeça, em
lágrimas, por CRS zelosos e visivelmente orgulhosos da sua força.
Dezenas dentre eles quase todos menores, traumatizados tiveram de
passar a noite de 6 para 7 sob custódia, amontoados em celas. Há
uma semana, os deputados do partido presidencial,
La République en marche
, que têm a maioria na Assembleia Nacional, aprovavam uma lei proibindo o
espancamento de crianças. Graças ao presidente Macron, os pais
já não têm necessidade de bater nos seus descendentes
rebeldes; a polícia encarrega-se disso! Já se sabia que os
garotos desta
"França que ganha"
(o que? além da copa do mundo de futebol) não têm futuro;
a partir de agora ficamos a saber que o seu presente é serem espancados!
Em 6 de Dezembro, quando o governo havia anunciado uma moratória e
cancelou o aumento da alta do imposto sobre os combustíveis (como se
isso bastasse!), os principais sindicatos de trabalhadores foram convocados ao
resgate "para salvar a República") por um presidente Macron
completamente perdido, e sempre mundo. O que fizeram nossos dirigentes
sindicais, os da CGT inclusive? Num comunicado comum, saudaram os
"gestos" do governo no sentido "diálogo social"!
Eles condenaram as formas violentas de reivindicações dos coletes
amarelos sem uma única palavra sobre as violências
policiais. E para aqueles que haviam apelado à greve dos transportadores
rodoviários a partir do domingo 9 (CGT e FO), anularam os
prá-avisos de greve e abandonaram as decisões de bloqueios! A
razão? O primeiro-ministro Édouard Philippe teria
"dado satisfação exonerando dos encargos sociais o pagamento
das horas suplementares"
! Surrealista! No preciso momento em que a máquina de guerra social do
poder foi pela primeira vez travada pela mobilização
maciça do povo, em que cerca de 80% dos franceses apoiam a revolta dos
coletes amarelos e em que a greve geral dos trabalhadores é mais
necessária do que nunca para ampliar e sobretudo organizar o movimento,
os líderes sindicais travam as lutas! Imediatamente,
federações da CGT, em primeiro lugar a da química,
indignaram-se e apelaram às suas bases para se mobilizarem de imediato
o que teve como efeito fazer recuar seus responsáveis
confederais, que à noite difundiram um novo comunicado tentando fazer
esquecer, ao mesmo tempo que a sua distanciação dos coletes
amarelos, sua confusão total e sua abdicação reformista.
Que "reformas" esperar de um regime já sem fôlego, num
capitalismo em crise sistémica, senão o prosseguimento da
destruição das conquistas sociais e as mentiras de um governo
desacreditado?
No sábado 8, em todo o país, as prisões policiais
começaram muito cedo durante a manhã. Às 7h00 da
manhã, elas já atingiam quase 200, às 23h00 contavam-se
1 939 interpelações (das quais 1 709 pessoas colocadas
em detenção e 278 apresentadas às autoridades judiciais).
Um grande número de pessoas interpeladas foram-na nas
estações ferroviárias e outros locais públicos,
aquando dos 5 000 controles policiais efectuados
antes
mesmo do princípio da mobilização. Dezenas de
estações do metro parisiense haviam sido fechadas, dezenas de
ruas da capital bloqueadas por CRS em armas. Isso se chama, diz-se,
"prevenção". Mas isso equivale sobretudo a aterrorizar
a população e proibir
de facto
aos coletes amarelos manifestarem-se em paz nos Campos Elíseos
como fora explicitamente autorizado pelo próprio Ministério do
Interior. A pergunta se impõe: as liberdades públicas ainda
são respeitadas em França, os direitos de exprimir livremente sua
opinião e de manifestar em paz (que aqui têm valor constitucional)
são ainda garantidos na "democracia" do presidente Macron?
É assim que se acalmará um povo em cólera, que grita
à injustiça social e que tem razão? Bombardeando-os com
(15 000!) granadas lacrimogéneas e toneladas de água fria
para que ele se cale? Atacando-o com brigadas de condutores de cães,
polícias a cavalo, veículos blindados da gendarmaria
móvel, como foi o caso no sábado 8 em Paris? Animados e excitados
pela excepcional demonstração das forças da ordem, os
"jornalistas" das cadeias de informação em
contínuo, mantidos com focinheiras pelas potências do dinheiro e
tranquilizados pela presença ao lado de oficiais em uniforme e peritos
em segurança para comentar os acontecimentos do dia tão esperado
em que os coletes amarelos deviam ser esmagados, exclamavam:
"A polícia é bela!", "Hoje tudo vai bem em
França", "Finalmente uma retomada de controle!"
... A ordem devia reinar. A propaganda mediática nos fez acreditar que
ela reinava. Num fundo de brasas e prisões musculadas. Contudo, a
municipalidade de Paris difundia no fim da noite um comunicado
catastrófico indicando que
"os danos foram muito mais importantes do que no sábado 1º de
Dezembro
[aquando do "Acto III dos coletes amarelos"]". Em numerosas
cidades de província, as manifestações degeneraram ainda
mais do que na capital. Em Bordeus, Lyon, Toulouse, Sait-Étienne,
Nantes, Marselha, etc "nunca se havia visto visto isso":
inúmeros afrontamentos com a polícia, barricadas de ruas,
incêndios de mobiliários urbanos, tudo sob o slogan recorrente e
aparentemente unificador do
"Macron démission!"
... E das "feridas de guerra" constatadas pelos médicos dos
hospitais.
09/Dezembro/2018
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|