O Mago de Oz vai ao banco central
A história do Mago de Oz sempre foi considerada como um conto divertido
para crianças cujo tema central é que os milagres são
possíveis, mesmo em circunstâncias difíceis. Mas poucos
sabem que a intenção do autor, L. Frank Baum, era escrever uma
alegoria política na qual os personagens representavam segmentos da
sociedade estado-unidense em princípios do século XX.
Exemplo: na metáfora de Baum, o homem de palha representa o campesinato
e os agricultores,
cuja análise política é muito pouco refinada. Por isso
ele anda à procura de um cérebro. Por sua vez, o homem de lata
personifica os operários industriais, explorados por políticos e
líderes sindicais corruptos. Os demais personagens encarnam outras
figuras da sociedade estado-unidense e o famoso caminho amarelo simboliza o
padrão ouro que, supunham muitos, poderia resguardar o valor da moeda e
evitar as arbitrariedades de governos e banqueiros.
A crença de que o padrão ouro permitiria combater os abusos dos
políticos e dos banqueiros é uma das crenças populares
mais aceites, mesmo nos dias de hoje. Não é a única
crença errónea sobre o funcionamento da política
monetária e quase sempre é acompanhada por outro mito chave sobre
o sistema bancário: a ideia de que o banco central controla
efectivamente a oferta monetária.
A ideia básica do padrão ouro é que ao fixar por lei o
valor da moeda numa fracção desse metal precioso o valor do
instrumento monetário fica a salvo das manipulações do
poder político. Supostamente, a degradação do valor da
moeda seria evitada ao assegurar a convertibilidade em algo tangível,
como o ouro, porque as autoridades político-monetárias devem
manter as reservas adequadas a fim de garantir o valor da moeda para
tranquilidade de todo o mundo.
Na realidade, um sistema bancário baseado no padrão ouro
não é garantia contra as crises e a perda do valor da moeda.
Prova disso é que durante a vigência de sistemas baseados no
metalismo foram frequentes os episódios de hiper-inflação
e desvalorização da moeda. Por outro lado, a história
demonstra que o padrão ouro e outras formas de metalismo são de
facto uma peia para a política monetária. Por isso o
padrão ouro foi uma das principais correias de transmissão dos
efeitos da crise de 1929 e contribuiu para estender as consequências da
Grande Depressão. Os países que se regiam pelo padrão ouro
faziam todo o possível (inclusive recorrer ao proteccionismo) para
evitar que o ouro saísse das suas reservas a fim de fazer frente aos
seus compromissos internacionais. A alternativa foi o ajuste interno e a
deflação e, para isso, foi preciso aplicar as receitas
tradicionais de austeridade, com o que a recessão se transformou em
crise. O padrão ouro converteu-se numa máquina para transmitir e
aprofundar as sequelas da Grande Depressão. Não por acaso Keynes
chamou-o de relíquia bárbara do passado.
A ideia chave do padrão ouro é que a oferta monetária deve
estar ligada às reservas do metal precioso. Mas essa ideia ignora tudo
sobre o funcionamento do sistema bancário e o papel do banco central.
Ela supõe que os bancos comerciais são simples
intermediários entre poupadores e investidores num mítico mercado
de capitais. Nesse mundo fantástico os poupadores depositam suas
poupanças nos bancos e estes emprestam esse dinheiro aos investidores. O
diferencial entre a taxa de juro paga aos poupadores e a que se cobra aos
investidores seria o lucro dos bancos pelo seu trabalho de
intermediação.
Esta ideia ingénua sobre o mercado de fundos emprestáveis ainda
predomina na análise moderna de uma economia com moeda
fiduciária, como por exemplo em economistas como Krugman. Mas essa
visão nada tem a ver com a realidade. O que um banco comercial precisa
é encontrar um sujeito de crédito confiável, com bom
historial e, se se tratar de um investidor, com um projecto rentável.
Passada essa prova, o empréstimo é autorizado e abre-se uma conta
no banco:
por isso os empréstimos criam os depósitos.
Quando a actividade dos bancos exigir, o banco central gera as reservas
necessárias para que o sistema possa continuar a operar. Esta postura
acomodatícia do banco central é a chave da política
monetária na actualidade. O corolário é que o banco
central não controla a oferta monetária.
Se o conto de Baum é uma alegoria política, quem é o Mago
de Oz? Quando no fim Doroteia puxa a cortina e descobre um homenzinho cuja base
de poder são os globos de ar quente, o Mago de Oz encarna o conluio
entre políticos e poder financeiro. Doroteia revela que os sonhos da
população, dos camponeses e operários, podem tornar-se
realidade. Só é preciso descobrir a verdade do complexo
intrincado com o qual políticos e sector financeiro submeteram a
economia em benefício dos especuladores.
[*]
Economista.
O original encontra-se em
www.jornada.unam.mx/2018/06/20/opinion/023a1eco
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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