De paraíso fiscal em paraíso fiscal,
fazem frutificar o seu capital
Escândalo fiscal mundial
É sempre surpreendente ver um cidadão espantar-se com um
escândalo amplamente ventilado e divulgado nas redes sociais e há
muito revelado, apesar de toda a gente julgar estar imunizado contra esses
crimes de iniciados.
[1]
Em contrapartida, nunca nos admiramos de ver os meios de
comunicação, a soldo, fazer troça, "envergonhados por
descobrir" os segredos de Polichinelo que os seus
patrões-proprietários-multimilionários escondem há
decénios. O escândalo da evasão fiscal e dos
paraísos "offshore" que o investigador Alain Deneault
denunciou em 2010 no seu livro "Offshore. Paradis fiscaux et
souveraineté criminelle" [Offshore. Paraísos fiscais e
soberania criminosa] passa subitamente a vedeta nos pequenos ecrãs.
[2]
No Quebec, a emissão televisiva 24 horas em sessenta minutos
fez-se eco deste escândalo.
[3]
Em França, os senhores Arnault, Depardieu, Cahuzac, Augier e outros
defensores da liberdade democrática de esconder a sua "massa"
ilícita, indignam-se por serem assim denunciados perante as vaias dos
enganados. Na Bélgica, a pátria do rei Balduíno, em tempos
proprietário pessoal do Congo, o jornal do PTB também identificou
alguns vigaristas riquíssimos.
[4]
Este súbito despertar de interesse provém das
revelações do ICIJ (International Consortium of Investigative
Journalists), agrupamento internacional de jornalistas de
investigação, que transmitiu a diversos meios de
comunicação, entre os quais
Le Monde
e
Radio-Canada
, 200 gigabits de dados sobre as contas ou interesses offshore de empresas e de
particulares [
http://www.icij.org/
].
Qual é o efeito da evasão fiscal na economia mundial? As
aproximações são numerosas mas todas elas
astronómicas e quanto maiores são os negócios que o
corsário maneja, mais imponentes são os montantes ocultos. Para o
Fundo Monetário Internacional, as somas em questão são
calculadas em 5,5 milhões de milhões de euros, ou seja quase o
triplo do PIB da França. Segundo o FMI, metade das
transacções financeiras mundiais transitam pelos paraísos
fiscais, que devem incluir 4 mil bancos e 2 milhões de sociedades de
fachada.
A ONG Tax Justice Network afirma que as somas em jogo são ainda mais
importantes, atingindo 16 a 25 milhões de milhões de euros, ou
seja, o PIB conjunto dos Estados Unidos e do Japão. Isso representaria
cerca de um terço das transacções financeiras mundiais.
Segundo a TJN, esta soma podia gerar entre 150 e 200 mil milhões de
euros de receitas fiscais por ano nas caixas dos estados do mundo inteiro. Em
2012, o economista James Henry, autor de um estudo sobre a economia
subterrânea offshore apresentado no site do quotidiano
The Guardian
, calculou que os 10 bancos monopolistas mais procurados em matéria de
gestão do "património privado" especialistas da
fraude fiscal como a Goldman Sachs, o Crédit suíço e o UBS
passaram de 1,8 milhões de milhões de euros em 2005 para
4,8 milhões de milhões em 2010, período que coincide com o
vazio da crise económica mais grave depois do colapso de 1929 [Heater
Stewart (21.07.2012) 13tn hoard hidden from taxman by global elite.
www.guardian.co.uk/business/2012/jul/21/global-elite-tax-offshore-economy
].
James Henry calculou ainda que, se no total uma dezena de milhões de
pessoas colocaram os seus haveres nos paraísos fiscais, metade das
somas, ou seja, cerca de 8 milhões de milhões de euros, estaria
entre as mãos de uns 92 mil super-ricos, ou seja, 0,001% da
população mundial; estatísticas corroboradas pelas
coligidas sobre a concentração de imensas fortunas familiares
[Hunrun (2013) Les 1431 plus grandes fortunes du monde.
www.hurun.net/usen/NewsShow.aspx?nid=418
]. Entretanto, os cidadãos comuns dos países endividados
têm que pagar rigorosamente os seus impostos, vítimas das
políticas de austeridade dos governos dos ricos em
situação de falência. No que se refere à
França, o jornalista Antoine Peillon calcula que os valores ocultos no
estrangeiro atingem os 600 mil milhões de euros, no seu livro
Ces 600 milliards qui manquent à la France
(Seuil, 2012) [Fonte : L'Expansion.com, 4/04/2013].
A comissão de inquérito do Senado francês sobre a
evasão fiscal avaliou o custo anual que os ricos subtraem ao fisco entre
30 e 60 mil milhões de euros. Mas, para o sindicato Solidaire-Finances
Publiques, que apresentou um relatório no início de 2013, a
fraude espolia as caixas do estado por volta de 60 a 80 mil milhões de
euros por ano [Fonte: L'Expansion.com, 4/04/2013].
Os documentos piratas transmitidos pelo consórcio ICIJ referem-se a 122
mil empresas clandestinas trazidas à luz do dia para um pecúlio
oculto calculado entre 20 e 30 milhões de milhões de euros:
trata-se em parte de capital-dinheiro arrebanhado nas fábricas e nos
comércios, que é misturado com dinheiro sujo do mundo ilegal e
que em seguida é reinjectado na economia imperialista. Incidentalmente,
outro dia na rádio, um animador paranóico pedia à senhora
que estava ao microfone que identificasse o vígaro que havia arranjado o
seu lavatório sem facturar vejam lá, 10 euros escondidos
aos impostos
Ah, o mal que nos podem fazer
Os paraísos dos traficantes de dinheiro
Contam-se entre cinquenta e cem casinos de negócios, situados em
países soberanos, à margem da lei e à margem do direito, e
que todos os governantes da Terra conhecem melhor do que nós. Alguns
desses Estados criminosos têm a classificação triplo AAA
das agências de avaliação americanas! [Liste des
États voyous du fisc
fr.wikipedia.org/wiki/Paradis_fiscal#Liste_grise
].
Campos de golfe perfeitamente mantidos, que o primeiro secretário da
ONU, os presidentes do Banco Mundial e da OCDE, assim como a presidente do FMI,
evitam cuidadosamente criticar, a não ser para se queixarem, na
esperança secreta de que nada será feito que possa prejudicar os
seus investimentos.
[5]
Os animadores ruidosos nos altifalantes dos meios mediáticos
"preponderantes" têm a audácia de baptizar esta
evasão fiscal: "Um delito de investimentos". Basta ler:
"Efectuam-se no mundo diariamente milhares de milhões de
transacções financeiras. Metade delas realiza-se nos
paraísos fiscais ao abrigo de quase toda a tributação. A
fuga de documentos relativos a esses países e a essas ilhas
impermeáveis aos impostos fez ondas em todos os continentes. O governo
canadiano exige a lista dos cerca de 450 canadianos tributáveis que
terão investido nesses paraísos fiscais (sic). O montante a
recuperar atinge milhares de milhões de dólares".
[6]
Gostaríamos de acrescentar aquilo a que o investigador Alain Deneaulr
chama "as dificuldades do fisco" impostos e decrescimento
"em marcha para a decadência" [
www.nousautres.org/aporie-du-fisc-impot-et-decroissance/
], colocando assim a tónica onde deve ser posta
É a crise
económica sistémica que obriga os esbirros do fisco a essas
decisões arbitrárias contra os seus patrões que não
apreciam minimamente ver assim usurpado o seu anonimato de opacidade "de
investidores traficantes" nem ficarem expostos daqui em diante à
vingança popular. Felizmente para esses multimilionários, todo
este tumulto publicitário se acalmará dentro de meses numa orgia
de comissões de investigação, de cimeiras sobre a
fiscalidade e sob uma chuva de declarações por parte dos
fala-baratos políticos, tão tonitruantes como fúteis e
desopilantes. Sarkozy comprometeu-se a isso há dois anos e meio
Fim aos Paraísos, disse sabemos o que se passa actualmente! E
actualmente é a vez de a corte que rodeia François Hollande
passar às confissões envergonhadas.
[7]
Um especialista entrevistado na TV5 declarou recentemente que nenhum
plenipotenciário da África negra deixa de subscrever a sua conta
anónima na Suíça
Má língua,
diríamos. Seria melhor que o homem se virasse para os políticos
europeus, canadianos e americanos (o candidato às presidenciais
americanas, M. Romney, não foi apanhado nesses locais mal afamados?). No
Canadá, o "muito respeitável" senhor Paul Martin, em
tempos primeiro-ministro da federação (2003-2006) era um
praticante fervoroso desse tipo de evasão. O marido de Pauline Marois,
homem de negócios cripto-federalista, também seria!?... (Os dados
publicitados pelo ICIJ identificam 450 capitalistas canadianos, entre os quais
uns cinquenta de Quebec [
www.lapresse.ca/...
].
Todos os que rasgam as roupas na praça pública sabiam
sabem saberão tudo quanto a essas práticas satânicas
muitos deles a isso se dedicam há muito tempo escondendo o
conteúdo dos envelopes com dinheiro que receberam na altura da
adjudicação dos tentadores contratos públicos.
[8]
Onde ir buscar o dinheiro para transferir para os ricos?
Os factos falam por si e constituem prova. Os estados capitalistas em crise
económica em todo o mundo ocidental e oriental andam à procura de
novas fontes de receitas de novas entradas de capital-dinheiro para o
transferir para os capitalistas. Como era de esperar, viraram-se primeiro
contra os contribuintes os assalariados pagos à semana, os
ganha-pouco habituados a saldos os pobres das sopas populares e os
desapossados que foram submetidos à investigação da sua
gestapo fiscal para lhes roerem as prestações e lhes roerem o seu
poder de compra.
Como tudo isso não chegasse para tapar os défices
faraónicos provocados pelos presentes fiscais consentidos à
banca, às multinacionais riquíssimas e aos mendigos
multimilionários; os fiscalistas e os administradores do Estado
burguês, muito bem dispostos, lembraram-se de voltar a tributar os
"burgueses-bobos-boémios" satisfeitos que nunca deixam
em paz obrigados como são, esses capitães da
administração, a rebuscar o dinheiro onde ele ainda pode ser
surripiado, já que as algibeiras dos pobres e dos operários
estão vazias.
Sempre que o Estado dos ricos ataca a pequena burguesia e a média
burguesia, deixando os prevaricadores e os seus lacaios políticos, os
apparatchiks, esconder-se nos "paraísos", fiquem descansados
que uma indiscrição enviará esses fraudulentos para o
inferno mediático. De resto, são esses comprometidos que
manipulam as contas anónimas dos ricos na Suíça.
Não só não são declarados a mais-valia e os lucros
espoliados aos trabalhadores, com medo de serem tributados; se por acaso
não é possível subtrair ao olhar do fisco qualquer
receita, a taxa de imposto que, no Canadá, se situa entre 31% e 53%,
para o cidadão comum, não passa de 19% a 27% para a empresa dos
bandidos evidentemente depois de deduzidas todas as
isenções e isso, desde que o monopólio multinacional
aceite pagar o que deve, o que nem sempre acontece (Rio-Tinto-Alcan recusa-se
há três anos a pagar mil milhões de dólares de
dívida).
[9]
Um subalterno mediático obsequioso acha que a evasão fiscal e os
paraísos "offshore" são incontornáveis e
inevitáveis tal como a prostituição, a mafia e os
carteiristas. Muito lúcido, ele sabe como conservar o seu emprego. No
entanto, este poltrão tem razão: a prevaricação, a
exploração e a malandragem são os companheiros da cama do
lucro.
[10]
Oposição ao fisco e outras formas de arrebanhar massa
Os operários e os empregados são tributados até à
morte, pagam impostos depois da morte até na campa onde o
fisco se serve antes dos herdeiros do cadáver (os ricos beneficiam de
toda uma série de escapatórias e isenções). Assim,
os truques utilizados pelos operários, pelos empregados, pelos
camponeses e pelos artesãos podem variar de uma época para outra,
mas o objectivo da manobra mantém-se o mesmo qualquer que seja o sistema
económico: reduzir as punções que o Estado efectua nas
receitas dos trabalhadores que já estão de tal forma tributados,
no trabalho e no mercado, que a reprodução ampliada das classes
trabalhadoras está ameaçada. Nos países árabes, por
exemplo, em toda a África e na América os jovens trabalhadores
já não têm meios financeiros para se casar e ter filhos.
Para esses trabalhadores, esconder do fisco as receitas é uma
questão de sobrevivência e um dever para com as famílias.
O capitalista, pelo seu lado, confisca a mais-valia lucros, dividendos,
benefícios, juros e rendas produzida pelos empregados. Acumula
assim somas enormes sobre as quais paga poucos impostos e poucas taxas como
acabamos de demonstrar. Mais ainda, o capitalista exige dinheiro ao governo
para encorajar os investimentos de que será o único
beneficiário benefícios imensos que coloca nos
paraísos fiscais a fim de contribuir o menos possível para o
ciclo de reprodução ampliado dos trabalhadores que ele abandona
à sua desgraça. O trabalhador aldraba o imposto para a
sobrevivência da sua família, o capitalista aldraba o imposto para
aumentar os seus lucros.
Bem entendido, todo o cidadão honesto, todo o operário
empobrecido, todo o trabalhador com dificuldades de crédito, o que foi
expulso do seu lar ou da sua casa arrendada, deve indignar-se com esta
aldrabice; com este roubo de alto coturno por parte dos que possuem tudo em
privado. O trabalhador deve enfurecer-se contra esses malfeitores insolentes e
contra os ladrões instalados em cadeiras presidenciais, senatoriais e
ministeriais. Mas todos têm que saber que amanhã, dentro de um
mês, dentro de um ano, tudo isso se manterá na mesma porque os
tubarões da finança, os "banqueiros-gangsters" e o
peixe miúdo dos políticos larápios, que hoje são
acusados, são também os donos dos advogados, dos procuradores,
dos juízes, todos eles coligados. Nada resultará desta
miscelânea mediática senão mais inquisição da
polícia fiscal contra os trabalhadores e os mal-pagos.
O proletariado chocado não se revoltará ainda desta vez.
Esperará pela sua hora e nessa altura ajustará estas contas, e
todas as outras, ao mesmo tempo.
12/Abril/2013
1. Le Devoir (5.04.2013) Pleins feux sur l'évasion fiscale.
www.ledevoir.com/international/actualites-internationales/37...
=infolettre-quotidienne.
2. Alain Deneault (2010) Off-Shore. Paradis fiscaux et souveraineté
crimminelle . Écosociété. Montréal.
http://www.ecosociete.org/t137.
3. Radio-Canada (5.04.2013) 24 heures en soixante minutes. Offshore.
http://www.radio-canada.ca/emissions/24_heures_en_60_minutes...
284479&autoPlay=http://www.radio-canada.ca/Medianet/2013/RDI/2013-04-05_19_0...
001_1200.asx
4. RTBF. Mise au point (30.10.2011) Quand le PTB dénonce la fraude
fiscale.
http://www.youtube.com/watch?v=oql0C1_pg6Q et
http://science21.blogs.courrierinternational.com/archive/201.... L'express
(5.04.2013) L'Affaire Augier, Qu'est-ce que l'Offshore-leaks ?
http://www.lexpress.fr/actualite/
politique/comprendre-l-affaire-offshore-leaks_1237385.html
5. Le Monde (4.04.2013) Les pays suspectés de pratique fiscales
douteuses.
http://www.lemonde.fr/economie/infographie/2013/04/04/les-pa...
que-fiscale-douteuse_3154297_3234.html.
6. Le Devoir (5.04.2013) Pleins feux sur l'évasion fiscale.
www.ledevoir.com/international/actualites-internationales/37...
=infolettre-quotidienne.
7. http://www.rue89.com/2009/09/23/sarkozy-magie-magie-les-para... et Le Monde
(2013) http://www.lemonde.fr/offshore-leaks/
8. http://voir.ca/josee-legault/2012/04/12/enveloppes-brunes-et...
9. "Para entender as taxas de tributação das empresas,
à
semelhança do regime fiscal dos particulares, devemos ter em conta ao
mesmo tempo o patamar federal e provincial. Por consequência, uma empresa
no Quebec paga, em 2013, um máximo de 26,90%, ou seja, 15% ao federal e
11,90% ao provincial. Em contrapartida, é de notar que essa taxa
não inclui nem as subvenções, nem as
deduções; é assim a taxa a pagar sobre a receita
colectável, e nãp sobre o conjunto da receita duma empresa
(
) Além disso, essa taxa não é universal: para as
duas ordens de governo, existe uma taxa diferente para as PME elegíveis.
No Canadá, essa taxa é de 11%, enquanto que é de 8% no
Quebec, para uma taxa máxima de 19%".
http://www.iris-recherche.qc.ca/blogue/les-taux-dimposition-...
10. http://www.bfmtv.com/economie/paradis-fiscaux-sont-incontour...
[*]
Professor, canadiano,
http://www.robertbibeau.ca/
O original encontra-se em
www.legrandsoir.info/...
. Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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