Com o voto do Parlamento Europeu a favor do plano de rearmamento (419 SIM, 204 NÃO, 46 abstenções), podemos dizer que simbolicamente, no dia de hoje, a democracia na Europa desapareceu; antes era murcha, hoje as pétalas secas caíram.
Não foi substituída, como muitos temiam, por uma ditadura.
A história assume sempre formas diferentes e surpreendentes.
Não, desta vez a democracia foi esmagada pela conquista das instituições e dos media, a partir do interior, pela oligarquia financeira e pelos seus assalariados.
A manobra de embuste agora está completa.
Os canais disponíveis para a população se exprimir em termos politicamente significativos foram todos fechados ou neutralizados. Algumas destas medidas foram tomadas através da alteração das leis eleitorais, outras tornando o processo democrático acessível apenas para aqueles que dispunham de um financiamento significativo, outras ainda ocupando o sistema mediático a todos os níveis (e expulsando aqueles que não se conformassem em escrever sob ditado), e outras ainda suprimindo a independência do sistema judicial, que foi amplamente politizado.
Agora, os golpes podem seguir-se uns aos outros de forma progressivamente mais violenta e descarada. Contornar os debates parlamentares com decretos é já e será cada vez mais o novo normal. Tal como impedir a participação de pessoas de fora no debate público, primeiro, e nos processos eleitorais, depois.
Quer tenha sido planeado desta forma, quer tenha simplesmente acontecido, o evento pandémico representou, de facto, o ensaio geral da militarização da sociedade e da informação: uma espécie de lei marcial sem guerra.
Esta viragem fora precedida de muitas etapas intermédias, de muitas queixas sobre a ineficácia do timing da política, dos rituais da democracia. Depois, a partir de 2022, a guerra russo-ucraniana tornou-se uma oportunidade para martelar os últimos pregos no caixão da democracia.
A partir de agora, percebe-se que os passos se tornarão cada vez mais rápidos.
Entre a grande expropriação de recursos públicos da crise do subprime (2008-2011) e a grande expropriação de recursos públicos da crise da Covid (2020-2022) decorreram cerca de dez anos. Agora, e apenas três anos depois, passamos a uma terceira expropriação colossal em nome da emergência de guerra.
O resultado desta viragem é transparente e muito claro.
Os pilares sociais fundamentais – como o sistema de saúde e o sistema de pensões – serão esmagados.
Para concluir o golpe, grande parte da poupança privada que resta será drenada dos cidadãos para activos de defesa (seguros privados, pensões privadas, etc).
O imobiliário privado que, como na Itália, ainda é significativo, tornar-se-á, em primeiro lugar, a garantia colateral necessária para obter os financiamentos indispensáveis à satisfação de necessidades incontornáveis (saúde, estudos dos filhos, sobrevivência fora da esfera produtiva).
A última etapa será, evidentemente, a própria subtração dos bens imobiliários, que se tornaram o colateral para a concessão de empréstimos com juros por parte dos grupos financeiros.
No final do processo, uma cidadania endividada de várias formas estará de facto acorrentado, mesmo que formalmente livre: coagida e chantageável a cada passo. Fim da pena, nunca.
O endividamento económico irreversível será a nova forma de coerção. Não mais os modelos antiquados de subjugação violenta, de escravatura, mas um sistema limpo, contratualmente impecável, mas muito mais rigoroso e pormenorizado do que qualquer relação servo-mestre do passado.
Se será então decidido enviar os devedores/culpados (Schuld) para serem a carne fresca da guerra ou a engrenagem vitalícia de uma multinacional, isso serão pormenores.
É o futuro a bater à porta e as frestas por onde ainda há margens de reação possíveis – se é que ainda existem – estão a fechar-se rapidamente.