por Yanis Varoufakis
O desvelar oficial de uma crise sistémica
Pode-se saber que há algo podre na economia mundial quando o destino de
um primeiro-ministro grego faz manchetes por todo o mundo durante uma semana
inteira. A Grécia não é, e não pode ser, tão
importante. Mas a Itália é. E também é, numa
perspectiva global, a Europa. Durante algum tempo, a Europa esteve a esconder
seus males por trás do seu dedinho (helénico). Finalmente, a
verdade (a qual tenho estado a esforçar-me por gritar em cima dos
telhados durante mais de 18 meses) agora sai cá para fora. Esta é
uma crise sistémica que ameaça não só o euro como a
economia mundial na sua totalidade.
Se bem que a Grécia seja insignificante, a eurozona, não nos
esqueçamos, é a maior economia do globo, um bloco que para a
China representa a maior fatia de exportações, que representa um
quinto das exportações da América, mais de US$120 mil
milhões das exportações da América Latina, sem
mencionar mais da metade do comércio monetário da África
(desde frutos frescos e flores até minerais). Uma recessão
profunda no Norte da Europa (o que certamente resultará da morte do
euro) está, portanto, destinada a desencadear ventos
deflacionários que desestabilizarão uma economia global já
desequilibrada.
É por esta razão que todos os olhos estiveram, recentemente,
fitos no Acordo de Bruxelas da UE de 27 de Outubro. Pois, como todos nós
sabemos, este é o Acordo que estava destinado a impedir o colapso do
euro-sistema, um colapso que forçará a Alemanha a forjar uma nova
divisa cuja apreciação imediata será o disparador das
forças recessivas acima mencionadas.
Infelizmente, enquanto o mundo olhava ele não via. A julgar pelas
manchetes, os media do mundo, os mercados, os líderes políticos e
os fazedores de opinião estavam a morder as unhas até chegar da
Grécia a notícia de que um governo de unidade nacional seria
formado de modo a que o Acordo de Bruxelas pudesse ser implementado. É
como se todo o vasto mundo estivesse a orar para os gregos darem uma
oportunidade ao Acordo de Bruxelas. E desde que Sílvio Berlusconi
anunciou que seguirá o caminho do sr. Papandreu, esperanças
semelhantes têm-se erguido em relação à
Itália.
O objectivo deste artigo é argumentar que as preces do mundo têm
sido mal aplicadas. Que a ansiedade em ver a Grécia e a Itália
retornarem às dobras do Acordo de Bruxelas é um sinal da
calamidade a abater-se sobre a economia global. Pois este Acordo, como
argumentarei abaixo, é mais provável que se demonstre o maior
inimigo do euro sistema, ao invés da sua cura. Se eu estiver certo, as
visões e os sons de um mundo atormentado sobre o destino do Acordo de
Bruxelas será seguido pelas visões e sons de um mundo a
preparar-se para uma nova grande viragem numa crise já devastadora.
Sobre a pré-história e os três objectivos do Acordo de
Bruxelas
Esta fase particular da saga da Euro Crise começou em 21 de Julho
quando, em meio a alegres celebrações, a última
"solução final" foi apregoada. Como alguns de
nós indicaram quase instantaneamente, aquele acordo estava condenado
pois tentou relutantemente tratar um problema relativamente menor (a
insolvência da Grécia) colocando demasiada carga sobre os ombros
do problemático EFSF de modo que um foi criado um problema muito maior
(a crise de liquidez e de solvência da Itália e da Espanha).
Pasmem: as [dívidas] soberanas da Espanha e Itália foram
lançadas na turbulência dois dias depois. Durante o Verão,
enquanto nas suas férias, os líderes da Europa sabiam que em
Setembro teriam de voltar à mesa de desenho. Na verdade, por essa altura
as férias estragaram-se pois não só a Itália e a
Espanha estavam no compartimento do pecado como, para agravar, o colapso do
Dexia havia apregoado o princípio da desagregação do
sector bancário da eurozona. E quando o secretário Tim Geithner e
o presidente Obama, ajudados a cometer o crime pelo resto do G20, disseram aos
europeus que tinham uma semana para conseguir uma actuação
conjunta, a Europa começou a actuar em conjunto para produzir o que
agora conhecemos como o Acordo de Bruxelas.
Sua tarefa era tratar ao mesmo tempo de três problemas relacionados: o
colapso do sector bancário da Europa, o problema com a dívida
soberana italiana e espanhola (e seus efeitos potencialmente
catastróficos sobre a classificação triplo A da
França a qual, por sua vez, arruinaria o EFSF) e a abandonada economia
grega. Após dias e noites de deliberações, foi remendado o
Acordo de Bruxelas. Naquela noite, depois de ter lido o documento preliminar, o
meu julgamento foi este:
Nada disto [os três problemas da eurozona] foram sequer remotamente
abordados na noite passada. O sector bancário exigia
recapitalização agressiva e obrigatória a um nível
central europeu. Isto não acontecerá (não só a soma
é reduzida à impotência como, primariamente, aos banqueiros
será dada uma multidão de oportunidades para se esquivarem
à perda de controle sobre os seus bancos em bancarrota através de
vários meios que tornarão a recapitalização uma
letra morta). O EFSF com esteróides anabólicos (o que é
aquilo que a sua versão alavancada por capital privada acaba por se
tornar) que foi anunciado não diminuirá o fardo sobre a
Itália (nem remove as nuvens negras sobre a França). Finalmente,
haircut grego é uma mera concha vazia de um número (50% é
a regra empírica acordada nas primeiras horas da manhã, só
para ter um número) uma vez que está baseado numa série de
suposições ridículas e negociações que
negociam com os banqueiros que os políticos estão muito longe de
completar.
Agora que assentou o pó e novos governos estão a emergir na
Grécia e na Itália, com o propósito expresso de endossar o
Acordo de Bruxelas, é tempo de dar um olhar mais atento àquilo
que este Acordo pretende fazer para enfrentar cada um destes três
problemas.
O primeiro objectivo do Acordo: Recapitalizar o sector bancário europeu
Depois de ter, finalmente, reconhecido que bancos da Europa estão em
desesperada necessidade de recapitalização, o Acordo de Bruxelas
alegadamente reserva até 110 mil milhões para essa
finalidade. Isto soa razoavelmente encorajador, apesar da quantia baixa (a qual
segundo o FMI deve ser de pelo menos 200 mil milhões, ou
três vezes isso se tomarmos em consideração os
veículos especiais
(special vehicles)
que nossos sábios banqueiros criaram a partir de 2009 e que multiplicam
por um factor em torno de 5 a exposição dos bancos a
dívidas podres e perdas variadas).
Ignorando por enquanto a quantia baixa destinada aos bancos no Acordo de
Bruxelas, a causa real de preocupação encontra-se alhures.
Primeiro, ela repousa no alvo declarado e, em segundo lugar, nos meios
propostos (pelo quais será implementada a
recapitalização). Assim, vamos começar com o objectivo
deste exercício. Ele é, declaradamente, elevar o rácio de
capitalização dos bancos para 9% sobre os seus
activos/exposição. Isto constitui uma tragédia em
formação. Deixe-me explicar.
A ESCOLHA DO DIABO
Os rácios têm um numerador e um denominador. Se alguém quer
trazer um rácio para mais perto de um certo número, é
possível fazer isto tanto pelo ajustamento do numerador como do
denominador (ou, naturalmente, de ambos). Por vezes, grandes fracassos
acontecem quando a política ou o decisor ajustam um rácio
assumindo falsamente que o outro permanecerá constante. [Por exemplo: em
ambientes recessivos, governos que tentam reduzir o rácio da
dívida em relação ao PIB descobrem que tentativas austeras
de contrair o numerador levam a uma diminuição mais rápida
do denominador (pois a recessão custa caro), sendo o resultado um
rácio dívida-PIB persistente]. No caso de bancos da Europa, a
repercussão de utilizar o rácio de capitalização
como o alvo político está destinado a ser prejudicial para a
economia real. Banqueiros já nos advertiram: Farão tudo o que
puderem para evitar tomar do novo capital público. O que significa,
naturalmente, que (uma vez que sector privado não lhes dará
qualquer capital, cortesia do perigoso estado) o único meio pelo qual
eles podem alcançar o rácio de 9% de capitalização
é pelo encolhimento do... denominador. O que significa isto? Significa
que eles tentarão vender seus empréstimos, seus derivativos, seus
activos de papel em geral para quem quer que seja que queira comprá-los.
Ao mesmo tempo, evitarão como a praga emitir novos empréstimos
(uma vez que empréstimos aumentam o denominador). O efeito destes
movimentos será reduzir maciçamente a liquidez no mercado num
momento em que a eurozona está a entrar numa nova fase recessiva. Em
uma, se o Diabo quisesse empurrar a Europa para um mar de ainda maiores
perturbações, ele não poderia ter escolhido um alvo
político (respeitante ao sector bancário) melhor do que o que
encontramos no Acordo de Bruxelas.
Mas há mais aflições do que as esboçadas acima:
Elas aparecem uma vez que nos aprofundemos nos meios pelos quais o rácio
de 9% de capitalização será alcançado. De acordo
com o Acordo de Bruxelas, haverá três etapas as quais devem ser
completadas no próximo Verão. Primeiro, será pedido aos
bancos para procurarem mais capital de investidores privados. [Isto é
absurdo, uma vez que nenhum investidor privado sensato alguma vez
investirá em bancos insolventes a menos que eles obtenham uma
posição de controle que os actuais banqueiros não
desejarão partilhar]. Segundo, se os bancos não podem assegurar
injecções de capital privado [as quais eles não
terão!], então devem voltar-se para os seus governos nacionais
para capital. E, terceiro, se estes últimos estão eles
próprios em bancarrota ou fiscalmente sob tensão, o último
porto de abrigo é o EFSF.
O problema com este processo é duplo. Primeiro, no cenário
hipotético em que os banqueiros aceitam dinheiro público, mesmo
dinheiro do EFSF, estas somas serão acrescentadas às contas
públicas já sob tensão dos estados-membro relevantes. Mais
uma migração do mesmo problema que se mantém em idas e
vindas entre o sector privado e o público. Segundo, como mencionado
antes, banqueiros combaterão com unhas e dentes para evitar capital
público o qual diluirá o seu próprio controle sobre os
bancos, preferindo ao invés reduzir seus activos. Assim, o passo
três do processo encarado pelo Acordo de Bruxelas dará aos
banqueiros a desculpa de que eles precisam para adiar qualquer conversa de
tomada de novo capital. Com efeito, foram-lhes dados cerca de dez meses durante
os quais [deverão] contrair seus empréstimos e activos enquanto
tomam apenas uma quantia mínima de capital público.
Julgamento:
O Acordo de Bruxelas levará bancos a darem passos que reduzem a
liquidez, assoprarão os fogos da recessão por todo o euro sistema
e, crucialmente, impedirão qualquer recapitalização
séria do nosso aflito sector bancário.
O segundo objectivo do Acordo: Ressuscitar a Grécia em estado de coma
A peça central do Acordo de Bruxelas é, tal como a do acordo de
21 de Julho, o seu proposto resgate grego. Grande parte disto centra-se em
torno do
haircut
de 50% dos títulos anteriores a Maio de 2010 que ainda não
amadureceram que ainda não foram comprados pelo BCE (o qual de
certo modo coloca-se a si próprio acima de outros possuidores de
títulos da dívida grega).
Como sabemos todos, a sra. Merkel trabalhou até altas horas da noite,
com o sr. Sarkozy e o representante dos banqueiros, um certo sr. Dallara, em
negociações cujo propósito era apoiar os últimos
para que aceitassem que o haircut fosse declarados
"voluntário" (de modo a impedir o disparo dos CDS emitidos no
último par de anos sobre a dívida grega). A estratégia
negocial da sra. Merkel era simples: "Consinta num corte de 50% ou tome
bofetada de uma insolvência plena a 100%". Não
surpreendentemente, o sr. Dallara aquiesceu.
Há aqui um certo número de questões não resolvidas
mas, no entanto, já sabemos bastante para chegar a um julgamento um
tanto deprimente sobre as probabilidades de a economia grega, mesmo que o
Acordo de Bruxelas seja implementado plenamente e mesmo que as exuberantes
suposições que o acompanham sejam confirmadas na prática.
Para abreviar uma longa história, o
haircut
acordado demonstrar-se-á um alívio insignificante para a
Grécia (outro caso de demasiado pouco demasiado tarde) enquanto a
austeridade extra que lhe está associada (e será imposta ao novo
governo em troca do pacote de empréstimo do
haircut
) dilapidará mais uma vez o PIB da Grécia. Em suma, a minha
estimativa é que, mesmo que tudo vá de acordo com o plano do
Acordo de Bruxelas, o rádio dívida-PIB da Grécia
permanecerá bem acima dos 140% em 2020 ao passo que o muito
necessário crescimento do PIB não será visto em parte
alguma. Em breve, talvez dentro de seis meses, uma outra Cimeira de Crise
terá de ser convocada para encontrar mais uma
"solução final" para a derrocada da dívida grega.
Ironicamente, a única razão porque uma tal Cimeira possa
demonstrar-se desnecessária é que o euro-sistema pode ter
implodido por razões encontráveis em outras das suas partes
constituintes. Mas mesmo sob circunstâncias menos dramáticas, a
parte grega do Acordo de Bruxelas não estará nem aqui nem ali se
as outras duas tábuas (recapitalização da banca, ver
acima, e remodelação do EFSF, ver abaixo) fracassarem. Assim como
a parte grega do Acordo de 21 de Julho nada significam uma vez que a
dívida italiana e espanhola explodiram, da mesma forma com o Acordo de
Bruxelas todo o trato será remetido para o caixote de lixo da
história se algo semelhante acontecer no sector bancário, nas
finanças do EFSF, na classificação triplo A da
França, nos esforços de refinanciamento da Itália e da
Espanha, etc.
Mas vamos, para argumentar, concentrar-nos só sobre a
situação grega, assumindo aquilo que não podemos,
sensatamente, assumir: que as outras duas partes do Acordo de Bruxelas se
mantêm juntas. O que seria o
haircut
grego mais os novos empréstimos alcançados? A estória
oficial é que isto eliminaria cerca de 100 mil milhões da
dívida activa grega. Soa impressionante? Sim, mas espere. As coisas
parecem bastante diferentes sob um olhar mais atento. Pois a fim de incitar o
sr. Dallara a sra. Merkel atirou-lhe um "adoçante" na forma de
cerca de 30 mil milhões. Destes, 15 mil milhões
será produzidos pelo estado grego através de
privatizações [as quais a cada dia que passa exigem que seja
chicoteado ainda mais duramente o cavalo moribundo dos activos públicos
da Grécia] e outros 15 mil milhões que serão
emprestados pela... Grécia (a partir do EFSF). A soma dos 30 mil
milhões será então investida no bolo habitual de activos
classificados AAA para serem mantidos à parte como colateral (no caso de
o estado grego fracassar em reembolsar mesmo os 50% remanescentes do valor dos
títulos). Em suma, o
haircut
está em vias de reduzir a dívida pública da
Grécia, na melhor das hipóteses, em 70 mil milhões.
Isto é uma redução efectiva da dívida de menos de
19%, em termos de rácio dívida-PIB da Grécia (o total de
380 mil milhões de dívida activa será reduzida, na
melhor das hipóteses, para 310 mil milhões ao passo que o
PIB, já diminuído para 217 terá contraído
para 206 em 2012). Em suma, uma ninharia. Muito barulho para nada. Toda
esta comoção, e negociações até altas horas
da noite, a fim de reduzir o rácio dívida-PIB da Grécia
para... 140%.
1. Se bem que a aceitação dócil do proposto
haircut
seja obviamente um problema, ele não é o único. A
principal fonte de preocupação é a insistência em
que o
haircut
seja declarado voluntário.
2. Assegurar o consentimento dos banqueiros significa que o
haircut
não é suficientemente profundo (ver parágrafo anterior).
Muito mais preocupante, contudo, é o que se segue:
3. Desde que foi anunciado o Acordo de Bruxelas, um certo número de
hedge funds tem estado a comprar títulos do governo grego (especialmente
os que atingem a maturidade em 2012 e 2013). Por que? Porque planeiam
desafiar a fanfarronada europeia. Se, na verdade, o
haircut
é para
ser declarado voluntário, não há nada a impedir os hedge
funds que acabaram de comprar títulos gregos a 35% do seu valor facial
de exigirem reembolso pleno, ameaçando ir ao IDSA a fim de ter o
haircut
declarado involuntário (disparando então os temidos CDSs) se o
seu reembolso em pleno não for cumprido. Se o seu estratagema funcionar
(e funcionará se o Acordo de Bruxelas for implementado com êxito)
o alívio da dívida da Grécia cairá muito abaixo da
quantia de 70 mil milhões!
4. A ideia de suprimir o disparo dos CDSs, confiando nos bancos, mina
verdadeiramente a estratégia do Acordo de Bruxelas para tratar da crise
das dívidas italiana e espanhola ver abaixo.
5. Finalmente, enquanto fica claro do exposto acima que o
haircut
é lamentavelmente inadequado como meio de tratar da dívida
grega, a nova série de medidas de austeridade que é parte
integrante do Acordo de Bruxelas, especialmente na ausência de qualquer
compromisso tangível na frente do investimento, raia a negligência
criminosa. Colocando isto directamente, eles garantirão uma
aceleração da queda livre do PIB grego a um nível que pode
muito bem cair abaixo dos 200 mil milhões, num momento em que a
dívida pública estará a flutuar acima dos 350 mil
milhões (uma vez que os novos empréstimos, os adoçantes
para os bancos e o repagamento pleno de vários hedge funds sejam tomados
em conta).
Em suma, a imprensa internacional (e grega) conta aos seus leitores que a
"salvação" da Grécia está baseada na
aceitação e implementação do Acordo de Bruxelas.
Pelo licença para discordar. À vista do acima exposto, o
consentimento grego à estratégia do Acordo de Bruxelas para o
tratamento da crise da dívida grega é equivalente ao
suicídio de uma nação. A alternativa óbvia é
incumprir dentro da eurozona (um
haircut
de 100% sobre os títulos emitidos antes de Maio de 2010), utilizar
todos os rendimentos das privatizações internamente e cortar
pagamentos a todos os sectores de cima para baixo até que as contas do
governo fiquem equilibradas.
Julgamento:
O Acordo de Bruxelas levará a Grécia ainda mais para dentro do
atoleiro, arruinando não só o que resta da economia social grega
como, talvez mais significativamente da perspectiva dos europeus do norte,
destruindo a credibilidade remanescente da orientação
política da Europa tanto junto aos eleitorados como junto aos mercados.
O terceiro objectivo do Acordo: Impedir a saída da Itália e da
Espanha dos mercados
Esta sempre será a maior das três tarefas, tendo em vista a firme
objecção da Alemanha a ter o BCE a monetizar qualquer parte da
dívida destes países, tanto directa como indirectamente (via
alavancagem do EFSF). A questão é: Como podem as garantias
remanescentes de 240 mil milhões do EFSF estender-se para colmatar
um buraco de 3000 mil milhões sem o envolvimento do BCE? A
resposta, naturalmente, é que não é crível que isto
possa acontecer e a evidência vem na forma do disparo de spreads desde
que foi assinado e anunciado o Acordo de Bruxelas.
ESTE PORCO NÃO VOARÁ
Segundo o Acordo de Bruxelas, o EFSF tentará preencher esta tarefa
hercúlea de duas maneiras. Primeiro, pela oferta de seguro de
"primeira perda" a investidores que comprem títulos italianos
e espanhóis incluindo um haircut de 20%. Por outras palavras, qualquer
um que compre uma nova emissão de tais títulos será
segurado pelo EFSF de uma perda de até 20% do valor facial. Isto com
efeito equivale a um contrato de seguro CDS digital (digital no sentido de que
eles ou pagam a perda total ou nada) a ser oferecida livre de encargos pelo
EFSF, por conta da eurozona, a qualquer um que compre estes títulos
indesejados. A esperança é de que estes títulos,
subitamente, venham a tornar-se desejáveis. Em segundo lugar, o EFSF, um
Special Purpose Vehicle (SPV) estabelecido pela UE em Maio de 2010,
montará... um outro SPV o qual atrairá (ou tentará atrair,
mais provavelmente) fundos privados os quais, em conjunto com algum do capital
próprio do EFSF, será utilizado para recapitalizar os bancos,
assistir a Grécia, continuar a conceder empréstimos à
Irlanda e Portugal, etc. Aqui estão algumas razões porque este
porco não voará:
1. Estão a pedir a investidores que apoiem duplamente a eurozona.
Primeiro, ao proporcionar capital para o EFSF de modo a que o EFSF possa emitir
os CDSs digitais para os novos títulos italianos e espanhóis. E,
em segundo lugar, para comprar estes mesmos títulos!
2. Estão a pedir a investidores que se comportem loucamente: Por um
lado, para aceitar a ideia de que possuidores de dívida grega sejam
forçados pela UE a aceitar um haircut de 50% sem o benefício dos
pagamentos que eles estavam à espera dos CDSs que compraram junto com os
títulos gregos enquanto, ao mesmo tempo, confiam na emissão
própria da UE de CDSs digitais sobre futuras emissões de
títulos italianos e espanhóis.
3. Espera-se que o mundo em geral, e a China em particular, feche os olhos
à natureza tóxica do EFSF a qual significa que ou ele é
demasiado pequeno para tratar dos buracos negros de capital que confrontam a
eurozona (tanto nas suas dívidas soberanas como nos seus bancos) ou o
seu impacto será demasiado tóxico se lhe for dada uma quantia
demasiado grande para actuar. (Para este argumento clique
aqui
).
Julgamento:
O Acordo de Bruxelas vem de perto no rastro do Acordo de 21 de Julho o qual
empurrou, inconscientemente, a Itália e a Espanha para fora do
proverbial despenhadeiro. E ao invés de puxá-los para fora do
precipício, o Acordo de Bruxelas equivale a uma declaração
oficial de que a Europa não pode ajudar estes países. A
própria alusão à ajuda potencial da China e do FMI
equivale a uma declaração de fracasso. O que se seguiu nos
leilões de títulos italianos após o anúncio do
Acordo de Bruxelas era um resultado inevitável.
Observação conclusiva
A Grécia e a Itália estão em vias de adquirir governos
tecnocráticos cujo objectivo declarado é assegurar que o Acordo
de Bruxelas seja implementado. Se a minha análise acima estiver certa, a
sua tarefa é sem esperança. Tecnocratas podem servir um objectivo
quando trabalham a partir de um plano racionalmente concebido. Mas o quando o
plano é da espécie aqui discutida, estão destinados a
supervisionar o colapso do próprio euro edifício que foram
encarregados de salvar. Eles serão então recordados como os
alquimistas invertidos da Europa (aqueles começaram com uma pepita de
ouro e que então, quase misteriosamente, transformaram-na num
pedaço de chumbo).
11/Novembro/2011
Ver também:
Spreads franceses atingem 1,7%, os espanhóis 4,2% a crise da eurozona está à beira de sair do controle
, 11/Nov/11
Porque os dias da Itália na eurozona podem estar contados
, 10/Nov/11, de Nouriel Roubini
O original encontra-se em
yanisvaroufakis.eu/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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