Por que a Itália? Por que a Espanha?
E porque a dimensão do EFSF não importa
A Itália e a Espanha estão em derrocada porque se recorreu a uma
estrutura problemática o Fundo Europeu de Estabilidade
Financeira, EFSF a fim de escorar uma outra estrutura
problemática (a eurozona). O resultado é que ambas as estruturas
estão a atingir os seus limites extremos. Ampliar a mais nova das duas
estruturas problemáticas (o EFSF) não fará diferença
na medida em que ela permanece... problemática. A Itália e a
Espanha, neste sentido, são meras baixas na determinação
da Europa de manter a estrutura da EFSF tal como ela é.
O contágio para o núcleo da eurozona era inevitável devido
a um ingrediente potencialmente tóxico profundamente embutido no
interior da base de financiamento da EFSF; não devido à sua
dimensão (reconhecidamente pequena). Se bem que tudo isto tenha sido
dito antes (ver
aqui
e
aqui
), as autoridades superiores não ouviram, a crise intensificou-se como
era previsível e chegou o momento de dizer outra vez as mesmas coisas,
talvez com um pouco mais de análise extra. [Os leitores com
aversão à álgebra e à geometria são
aconselhados a dar uma olhadela ao diagrama da teia de aranha e saltar para a
conclusão].
O rácio tóxico dentro dos fundamentos do EFSF
O rácio dívida-PIB dos estados-membros da eurozona é o
precursor de maus ventos. Especialmente durante uma crise de dívida,
todos os olhos estão voltados para a dimensão daquele
rácio e para a taxa de crescimento do país. Se a taxa de
crescimento de estados-membros com um alto rácio dívida-PIB cai
abaixo de um certo nível, os spreads aumentam e uma corrida aos
títulos do país é apenas uma questão de tempo. Uma
vez principiada a corrida, a reacção automática de
introduzir medidas de austeridade comprime outra vez o crescimento do PIB o que
piora o problema e torna mais feroz a corrida aos títulos do
estado-membro. A partir desse momento, das duas uma: ou o país entra em
incumprimento ou é salvo pelo resto da eurozona.
Foi isto que aconteceu, por muito diferentes razões, a todos os
estados-membros da eurozona até agora "caídos"
(Grécia, Irlanda e Portugal) e é a situação
aflitiva actualmente sentida em Roma e Madrid (com a Bélgica e a
França não muito atrás).
A criação do EFSF foi imposta à Europa pela
irrupção da Crise. Uma vez que a Alemanha aceitou que a queda da
periferia assinalaria o fim da eurozona, procurou-se um organismo financeiro
que concedesse empréstimos aos "fracassados" mas sem por em
perigo o princípio das dívidas perfeitamente separáveis
(perfectly separable debts, PSDs).
PSD significa uma coisa: Cada euro de dívida pública da
eurozona, incluindo aquela que se incorreu para salvar o
"caído", deve ser assinalado a um e apenas um estado-membro.
Na prática, isto significa que, para permanecer fiel ao princípio
PSD, cada título emitido de EFSF incluiu partes ou fatias de
dívida e cada uma delas era o passivo de um único estado-membro
"doador" da eurozona.
Um subproduto desta estrutura tóxica foi que um novo rácio
dívida-PIB, particularmente estranho, entrou discretamente nas nossas
vidas. Deixe-me explicar. Suponha que dos N estados-membros, F (3 por exemplo,
como é o caso no momento em que escrevo) "caíram" fora
dos mercados monetários e no seio do EFSF. O EFSF deve então
financiar totalmente as suas dívidas até que a Crise termine.
Para assim fazer ele deve procurar garantias de empréstimo junto aos N-F
estados-membros ainda solventes. É extremamente fácil mostrar que
a contribuição (como parte do seu PIB) dos N-F estados-membros
solventes para com os estados-membros "caídos", vamos
chamá-los αF (onde o subscrito indica o número de estados
"caídos" que devem ser suportados), igualiza alguns novos
rácios dívida-PIB. O numerador é a dívida total dos
"caídos" e o denominador é o PIB total dos
estados-membros ainda solventes. (
Ver
aqui
uma prova sumária
). A razão porque optei por chamar αF a um rácio
tóxico é que, a cada estado-membro que "fracassa", este
rácio aumenta
mesmo se o PIB e as dívidas permanecerem os mesmos.
Além disso, toda nova baixa promove o rácio tóxico
áF e garante que ainda outro estado-membro juntar-se-á à
fileira dos "caídos". E como se isto não fosse
bastante, nada pode parar este processo enquanto tudo o mais permanecer o
mesmo. Incluindo a dimensão potencial do EFSF. A próxima
sessão explica plenamente esta dinâmica.
O explosivo EFSF e a sua teia venenosa
Esta secção deve ser lida em conjunto com o diagrama em cruz
acima. O objectivo de qualquer diagrama em cruz é combinar quatro
diagramas em um de uma maneira a tornar mais fácil ver as
interconexões entre as suas partes. Para ler este diagrama em cruz
particular, é favor notar que todos os eixos são positivos. Por
exemplo: na parte direita em baixo do diagrama, um movimento de descida
significa um aumento do
α(F). Analogamente, na parte superior esquerda,
um movimento para a esquerda significa um aumento em s, os spreads
médios da eurozona. Tendo estabelecido estas convenções
simples, é tempo de definir nossos quatro eixos.
Topo direito do diagrama:
O eixo horizontal conta o número de estados-membro solventes. No
princípio, isto é, pouco antes de a Crise começar, todos
os N estados-membro caem naquela categoria. Após a "queda" do
primeiro estado-membro (isto é, a Grécia), o número de
estados-membros solventes diminui para N-1 (ver o eixo horizontal) uma vez que
o número de estados "fracassados" F (ver o eixo vertical)
subiu para um. A cada estado-membro que "fracassa" subimos uma marca
na linha reta.
Base direita do diagrama:
Aqui encontramos o relacionamento entre o rácio tóxico
α(F) do EFSF e o número F de estados-membro
"caídos". A cada novo estado-membro que "cai",
movemo-nos para a esquerda do eixo horizontal e
α(F) sobe juntamente com
a curva vermelha grossa. Isto significa simplesmente que quanto mais
países caírem presa da Crise, e exigirem salvamentos oficiais dos
restantes, os países solventes remanescentes enfrentam uma
ascensão do
α(F). Dito de forma diferente, o rácio das
dívidas que o solvente agora deve garantir sobre o seu PIB agregado
aumenta mesmo se a dívida agregada e o PIB agregado da eurozona
permanecem os mesmos (na verdade, mesmo se o rácio dívida-PIB
agregado da eurozona for constante ou estiver em queda!).
Base esquerda do diagrama:
O novo eixo acrescentado aqui (que corre do centro do diagrama cruzado para a
esquerda) é a média dos spreads da taxas de juro (isto é,
a diferença média das taxas de juro do estado-membro em
relação à mais baixa taxa de juro na eurozona, isto
é, a da Alemanha) dos estados ainda solventes da eurozona. O que
acontece quando
α(F) aumenta em resposta à "queda" de
um estado-membro que recentemente fez a transição penosa de ser
um doador do EFSF para passar a recipiente do EFSF? A resposta simples
é: Os spreads da taxa de juro aumentam por toda a eurozona. Esta simples
verdade é capturada aqui por uma curva azul sα.
Exemplo: Quando a Irlanda "caiu",
α subiu e os mercados ficaram mais nervosos
acerca da capacidade de Portugal, o novo estado-membro marginal, para arcar
não só com a sua própria dívida como também
com o fardo acrescentado da sua contribuição para o salvamento
irlandês. Mercados, nestas circunstâncias, reagem (naturalmente)
empurrando para cima os spreads de países ainda solventes com um alto
rácio dívida-PIB e um crescimento relativamente moroso. Portanto,
relacionamento positivo entre
α(F) e s nesta parte do nosso diagrama em cruz.
Topo esquerdo do diagrama:
Cada estado-membro tem um limite para além do qual não pode
refinanciar sua dívida existente quando as taxas de juro que precisa
pagar alcançam um certo patamar. Foi o que aconteceu à
Grécia em Maio de 2010, à Irlanda uns poucos meses mais tarde, a
Portugal na Primavera de 2011 e, em breve, acontecerá à Espanha e
Itália (os quais ficarão sem dinheiro em Setembro de 2011 e
Fevereiro de 2012, respectivamente). Nesta parte final do diagrama, a
suposição é que os spreads médios anteriores
à crise equivalham a s
0
. Os outros valores de s, s
i
, representam o
nível de spreads médio do estado-membro ainda solvente i acima do
qual ele também "cai" e junta-se à lista EFSF de
estados recipientes.
Vamos agora utilizar este diagrama para responder às questões
originais: Por que a Itália e a Espanha? E por que a dimensão
real do EFSF é irrelevante? Vamos começar nossa
explicação nos dois pontos que o diagrama marca como pontos de
partida: No topo direito do diagrama ele aponta N no eixo horizontal
(correspondente à condição inicial quando nenhum
estado-membro havia ainda "caído") enquanto no topo esquerdo
do diagrama está o spread nível s
0
da taxa de juro média
da eurozona (no eixo horizontal). Por razões que não discutirei
aqui, em algum ponto os spreads médios começaram a subir perto do
fim de 2009. Quando atingiram o nível s
1
, isto disparou a crise grega e,
após muitas experiências e atribulações, o
salvamento grego de Maio de 2010. Uma vez caída a Grécia, a
contribuição média de cada um dos estados-membros
remanescentes, a qual até então equivalia a zero, subiu para o
nível
α1. O resultado foi um novo aumento nos spreads
médios até que s atingiu s
2
, provocando então a
"queda" da Irlanda. O leitor pode traçar a seta
contínua que começa em s
0
(ver topo esquerdo do diagrama), virar à esquerda para s
1
, saltar então até que F ascenda de 1
para 2 (isto é, a Irlanda juntar-se à Grécia
ver
topo direito do diagrama), então progredir para a base direita do
diagrama empurrando α
para α2 antes de migrar outra vez para a
base direita do diagrama onde empurra os spreads médios para s
3
, um nível que lança Portugal no abismo, etc, etc.
Há dois pontos a notar aqui, antes de irmos às minhas
observações conclusivas:
Primeiro, o melhor que podemos dizer acerca dos nossos líderes europeus
é que talvez eles tenham esperado que o gradiente da curva s(α)
demonstrar-se-ia menos íngreme e, portanto, podia ter impedido a
ocorrência da explosão da teia de aranha. Se assim for, eles
deviam ter tido melhor conhecimento. Pois a inclinação desta
curva não está gravada em pedra mas é baseada na
psicologia dos mercados. Em vista da incerteza bruta a nível global,
embutir um rácio tóxico, como
α(F), nos fundamentos do seu
aparelho anti-Crise (o EFSF) é procurar perturbações.
Segundo, a Alemanha e o resto dos países excedentários
esperavam que as garantias de empréstimos oferecidas ao EFSF
nunca precisassem transformar-se em transacções reais de cash.
Isto, na verdade, assim seria se o EFSF tivesse uma estrutura coerente:
se a
sua própria instituição houvesse impedido jogos
especulativos dos traders do mercado, os contribuintes alemães nunca
teriam tido de pagar os euros associados às garantias de
empréstimos ao EFSF. Mas, com o tóxico
α(F) embutido
dentro dos fundamentos do EFSF, os mercados reconhecem a forma do diagrama em
cruz acima. E nada os agrada mais do que uma oportunidade para apostar contra
uma incrível ameaça, promessa ou previsão oficial. Ainda
que só por esta razão, era a insânia personificada imaginar
que a curva
α(F) pudesse inclinar-se ainda que ligeiramente para ajudar
a conter o contágio. Em suma, nossos líderes deviam ter feito
melhor.
Conclusão
Na sua tentativa de preservar o princípio PSD (a ideia de que todas as
dívidas da eurozona devem ser separáveis e atribuíveis a
um único estado-membro) a Europa recorreu a um monstro tóxico
para resolver uma Crise existencial. O monstro naturalmente não é
outro senão o EFSF e a Crise é a dinâmica negativa que
ameaça convincentemente desconstruir a eurozona. Por que o EFSF é
um monstro que é mais provável que destrua do que salve a
eurozona? Porque é uma instituição que, nomeadamente,
procura, em meio a uma crise de dívida, promover o rácio das
dívidas que os estados-membro solventes devem garantir sobre os seus PIB
agregados
mesmo se a dívida agregada e o PIB agregado da eurozona permanecerem os
mesmos (na verdade, se o rácio agregado dívida-PIB da eurozona
for constante ou estiver em queda!).
A esta luz, a única surpresa de que a Itália e a Espanha agora se
encontrem a centímetros de um programa EFSF é que muitos
estejam... surpreendidos por este rumo dos acontecimentos. A primeira
razão porque a sua surpresa é inapropriada é que a
estrutura tóxica em teia de aranha da EFSF, a qual é a causa raiz
do contágio inexorável, permaneceu intacta. A segunda
razão é que o mais recente salvamento da grego (ver
aqui
minha avaliação anterior) coloca o EFSF existente sob uma
tensão ainda maior e portanto aumenta sua toxicidade (aumentando mais
uma vez o gradiente da curva á(F) no diagrama em cruz anterior). Com
efeito, a uma frágil e combativa estrutura foi assinalada uma carga
ainda mais pesada. Será de admirar que a teia venenosa da Crise esteja a
propagar seu alcance como num leilão para apanhar primeiro a Espanha e a
seguir a Itália?
A maior parte dos comentadores sobre o segundo salvamento grego consideraram
positivamente os termos mais fáceis concedidos ao primeiro e o mais
desastroso dos "caídos". Eles também fizeram resmungos
polidos acerca da extensão da cedência do EFSF em incluir uma
linha de crédito flexível como a do FMI para estados-membros
ainda não oficialmente "caídos". "Se apenas",
acrescentam eles com tristeza, "o EFSF fosse estendido dos actuais
440 mil milhões para mais perto dos 2 milhões de
milhões
(trillion),
a crise terminaria". Caramba, como estão iludidos! O que eles
não conseguem apreender é que, no caso do EFSF, toda nova tarefa
acelera o processo de descarrilamento da eurozona descrito no diagrama
anterior. Os especuladores não serão afectados por um EFSF bem
financiado na medida em que a explosiva estrutura em teia de aranha do diagrama
em cruz for preservada. Enquanto ela permanecer ali, mais fundos para o EFSF
é como mais corda para o enforcado. A Itália e a Espanha, seguida
em breve pela Bélgica, estarão a rodopiar ao vento por mais bem
provido que os nossos líderes decretem que o EFSF deveria estar.
O que poderia desfazer a toxicidade do EFSF e furar um buraco na sua
dinâmica em teia de aranha? A resposta é: a remoção
do rácio tóxico embutido no seu interior. Remova aquilo e tudo
caminhará com facilidade. Mas para removê-lo, a Alemanha e o resto
dos países excedentários devem abandonar o princípio PSD
(o ditado de "dívidas perfeitamente separáveis) e adoptar um
genuíno eurotítulo apoiado não por garantias dos
estados-membros. Como se vê, estas garantias são aquilo que cria o
formato em teia de aranha da actual dinâmica do EFSF. O facto de que o
mais forte promete salvar o segundo mais forte o qual, por sua vez, promete
salvar o terceiro mais forte, e assim por diante, cria o efeito dominó
(ou, para ser mais preciso, de escalada de montanha).
Para travar o andamento desta dinâmica negativa a Europa precisa um
eurotítulo comum o qual represente dívida extraída em nome
da eurozona como um todo sem marcações separadas de partes desta
dívida (com taxas de juro diferenciais e em face de diferentes
probabilidades de incumprimento) para diferentes estados-membro. "Mas
então quem garantirá estes eurotítulos?", ouço
os vigilantes dos títulos perguntarem seriamente. Nossa sugestão,
na
Modest Proposal
, é simples: Se o BCE emite estes eurotítulos
a fim de financiar o serviço de fatias de títulos existentes de
estados-membros e, ao mesmo tempo, abre contas a débito para
estados-membros onde estes últimos farão seus reembolsos a longo
prazo para o BCE (a taxas de juro que reflectem os eurotítulos emitidos
pelo BCE), então a elevada reputação do BCE nos mercados
globais de dinheiro (ajudado pelo conhecimento corrente de que, em
última análise, o BCE tem a capacidade para monetizar
dívidas) assegurará que nenhumas novas garantias virão a
ser necessárias. Os investidores acorrerão a comprar
eurotítulos do BCE e financiar o alívio da dívida da
Europa e a sua recuperação (especialmente sob a Política 3
da
Modesta proposta
).
A questão a seguir que, habitualmente, vem à mente do leitor
é: Se o que está a dizer é certo, por que estão os
líderes da Europa tão comprometidos com a estrutura actual do
EFSF? Você pode, caro leitor, logicamente concluir que uma das duas
explicações possíveis: Ou a minha
argumentação é falsa ou os nossos líderes
são irracionais. Mas a verdade é um pouco mais complicada do que
isso e, portanto, uma terceira explicação pode ser melhor: Minha
argumentação está certa e nossos líderes são
racionais, embora num sentido estreito da palavra. Dito de forma diferente, seu
compromisso com o abominável EFSF reflecte uma forma peculiar de
idiotice racional. Meu post seguinte mostrará o que isto quer dizer e
como é possível que a idiotice seja reforçada, a um
nível pan-europeu, por esta forma de racionalidade estreita.
04/Agosto/2011
NR: resistir.info não precisa concordar com tudo quando publica um artigo.
A publicação deste deve-se ao facto de o autor mostrar, e bem, o risco
sistémico incorporado no próprio mecanismo de salvamento dos países aflitos da
UE. No entanto, deve ser discutida a sua tese de que a emissão de um título
único da dívida pública europeia (ao invés de títulos de dívida de cada um dos
Estados membros da UE) conduziria ao salvamento do euro e sanaria o capitalismo europeu.
Diga-se de passagem que uma medida dessa natureza seria um passo gigantesco no
caminho para o federalismo da UE.
O original encontra-se em
yanisvaroufakis.eu//...
. Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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