Acerca das barreiras técnicas para o abandono do euro
- Aprender com a experiência de outros
Quando as discussões se voltam para a possibilidade de algum país
abandonar o euro, fala-se muito das dificuldades técnicas de introduzir
uma nova divisa, especialmente dos meses, mesmo anos, de planeamento que
demorou o lançamento do euro. Exemplo: "Computadores terão
de ser reprogramados. Máquinas de venda terão de ser modificadas.
Máquinas de pagamento terão de ser assistidas para impedir
motoristas de ficarem presos em parqueamentos subterrâneos. Notas e
moedas terão de ser distribuídas por todo o país"
(Joshua Chaffin no
Financial Times
, citando um documento de 2007 de Barry Eichengreen.)
Sim, haveria dificuldades técnicas. Ainda assim, muitos países
mudaram a suas divisas no passado. Por vezes o processo foi planeado e
ordenado, por vezes foi confuso e caótico. De um modo ou de outro, o
trabalho ficou feito. Alguém que pense que problemas técnicos
colocam barreiras insuperáveis precisam olhar para
disposições imaginativas e pragmáticas que outros
países utilizaram para facilitar a transição de uma divisa
para outra. Aqui estão três lições das
experiências de outros países que seriam relevantes para
alguém que agora faça planos para abandonar o euro.
Lição 1: Utilizar uma divisa temporária
Os que se preocupam com barreiras técnicas muitas vezes apontam o tempo
necessário para imprimir notas, cunhar moedas e colocá-las em
circulação. Esse tempo pode ser muito abreviado com a
utilização de uma divisa temporária durante um
período de transição. A saída da Letónia da
área do rublo é um bom exemplo recente. Primeiro, em Maio de
1992, a autoridades introduziram um rublo letoniano como um substituto
temporário para o antigo rublo soviético. Só meses depois,
após a devida preparação. colocaram em
circulação a nova divisa permanente, o lats.
Uma divisa temporária resolve vários problemas. Por um lado, ela
pode ser lançada de forma rápida e barata sem todas as elaboradas
salvaguardas contra a contrafacção de uma divisa moderna.
Não haverá tempo disponível para valer a pena a
contrafacção.
A velocidade recorde de introdução de uma divisa
temporária parece ter sida pelos ocupantes soviéticos da Alemanha
do Leste após a II Guerra Mundial. Quando as zonas americanas,
britânica e francesa substituíram o velho reichsmark pelo
deutschmark em 1948, os soviéticos foram apanhados desprevenidos. Como a
divisa da era nazi, agora sem valor, inundava a zona soviética, as
autoridades de ocupação imprimiram rapidamente pedaços de
papel que fixaram corresponder a um número limitado de notas reichsmark
para servir como divisa temporária. Estas foram a seguir
substituídas com a divisa permanente que ficou conhecida como o ostmark,
o qual perdurou até a reunificação.
Para simplificar ainda mais, não é essencial emitir moedas na
divisa temporária. Exemplo: quando o Casaquistão comutou do rublo
para o tenge no principio da década de 1990, houve um período no
qual não havia moedas em circulação. O seu lugar foi
ocupado por sujas pequenas notas fraccionárias, o que foi o
aborrecimento, mas a tarefa ficou feita. Moedas tenge lindamente cunhadas
vieram mais tarde.
Outra vantagem de uma divisa temporária é que ela pode absorver o
desrespeito público. Se se espera que a nova divisa deprecie, como seria
o caso em países periféricos que deixassem o euro sob as actuais
condições, as pessoas vão conceber algum nome
ridículo para a mesma e tratá-la com desprezo. Exemplo: um rublo
temporário emitido pela Bielorússia em 1992 era chamado
popularmente de "zaichik", ou coelho, devido a uma figura
extravagante na nota de um rublo. O nome alimentou muitas piadas até o
novo, mais respeitável, rublo da Bielorússia (sem o coelho) ter
sido emitido.
Dar à divisa temporária o mesmo nome e denominação
da antiga, como foi feito na Letónia e Bielorússia, simplifica a
contabilidade, a sinalética e outras questões técnicas.
Seguindo esse exemplo, a Grécia pode começar com um euro grego
temporário. Um novo dracma permanente podia vir depois, depois de o
governo ter estabelecido suficiente credibilidade para a sua
administração monetária.
Lição 2: Não temer divisas paralelas
Algumas pessoas que escrevem acerca de dificuldades técnicas de
transição parecem ter a falsa concepção de que uma
nova divisa teria de substituir a antiga de modo imediato. É verdade que
por vezes isso aconteceu. A introdução em 1948 do deutschmark,
mencionado anteriormente, pôs o reichsmark fora de
circulação instantaneamente. Entretanto, isso nem sempre é
a melhor abordagem. Muitos países facilitaram a transição
de uma divisa para outra ao permitir a circulação paralela
durante um período de transição.
Por vezes, como quando o euro foi introduzido, a antiga divisa pode ser deixada
em circulação por um período determinado a uma taxa de
troca fixa. Fazer isso assegura que toda a gente não tenha de passar o
dia 1 de Janeiro em fila no seu banco e dá aos técnicos tempo
para arranjar aquelas aborrecidas máquinas de parqueamento a fim de que
ninguém fique retido numa garagem subterrânea com a moeda errada
no seu bolso.
Divisas paralela com uma taxa de câmbio flutuante também
são possíveis. O exemplo mais familiar é a
emergência espontânea de uma divisa paralela em países que
experimentam hiper-inflação. Enquanto o rublo ou o peso ou o que
quer que seja permanece como moeda de curso legal, pessoas começam a
utilizar divisas fortes tais como o dólar ou o euro juntamente com ele.
Tipicamente, a divisa local em depreciação rápida continua
a ser utilizada como um meio de troca (pelo menos para pequenas
transacções) enquanto a divisa estrangeira mais estável
serve como meio de conta e de armazenagem de valor.
No caso da hiper-inflação, a circulação paralela
muitas vezes acaba com a introdução de uma nova divisa local
tendo um valor fixado em relação à divisa paralela
não oficial. Exemplo: No princípio da década de 1980 o
peso da Argentina era minado pela hiper-inflação. À medida
que o peso se tornava cada vez menos confiável, pessoas começaram
a utilizar US dólares como unidade de conta e armazenagem de valor. Em
1985, o governo da Argentina travou temporariamente a
hiper-inflação com a substituição do peso por uma
nova divisa, o austral, o qual declarou ter um valor fixado de um dólar.
Quando a hiper-inflação ressuscitada destruiu o austral nos anos
1990, ele foi descartado, por sua vez, em favor de um novo peso, mais uma vez
declarado ter o valor de um dólar. A Alemanha em 1923, a Estónia
em 1992 e a Bulgária em 1997 são alguns de muitos outros exemplos
em que a circulação de uma divisa paralela antecedeu a
introdução de uma nova e estável divisa nacional.
Se um país como a Grécia decidisse sair agora do euro, a
situação seria diferente. Ao invés de mover-se de uma
divisa menos estável para outra mais estável, ela estaria
intencionalmente a abandonar o euro demasiado estável a fim de
alcançar a desejada inflação e depreciação.
Isto seria um pouco como passar o filme argentino em sentido contrário.
Ao invés de o euro entrar gradualmente em circulação geral
quando a divisa nacional se tornasse menos estável, a nova divisa
flutuante poderia ser introduzida ao lado do euro.
O que motivaria as pessoas a utilizar a nova divisa? Um meio para
colocá-la em circulação seria introduzi-la primeiro onde
elas não tivessem outra opção. Exemplo: se a Grécia
deixasse a área euro, ela podia começar por imprimir um novo euro
grego, temporário, o qual seria utilizado primeiro só para pagar
salários do governo, pensões e juros sobre a dívida
nacional e também seria aceite para o pagamento de impostos.
Gradualmente, a sua utilização poderia ser estendida, pressionada
por meios administrativos quando necessário.
O euro grego flutuaria livremente contra o velho euro. Com base na
experiência de outras transições de divisas, a taxa de
câmbio durante o período das divisas paralelas pode ser muito
instável. Exemplo: houve erros
(overshooting)
significativos até a taxa de câmbio de equilíbrio final
entre o lev e o mark durante o período anterior à entrada na
junta de conversão búlgara em 1997, e entre o peso e dólar
após a saída da junta de conversão argentina no
princípio de 2002. Pode ser melhor atravessar um tal período
inicial de volatilidade antes de introduzir uma nova divisa permanente, digamos
que um novo dracma, em substituição ao euro grego
temporário.
Lição 3: Incumprimento prematuro, mas não frequente
Uma outra barreira para a saída do euro, que os cépticos apontam
frequentemente é que a desvalorização muito provavelmente
forçaria o incumprimento sobre quaisquer obrigações que
não pudessem ser redenominadas na nova divisa. É muito
verdadeiro. Mas então, se um país pudesse atender as suas
obrigações, ele não estaria a pensar acerca de
saída e desvalorização, não é? O facto
é que se um país está insolvente este vai ter de incumprir
de um modo ou de outro. A única questão é se o
incumprimento com uma mudança de divisa é preferível ao
incumprimento dentro da antiga divisa.
Em geral, a melhor estratégia para quem não possa cumprir
obrigações financeiras é incumprir o mais cedo
possível, mas não frequentemente. Isso significa cessar
pagamentos sobre obrigações tão logo se torne claro que
elas não podem ser plenamente cumpridas. O momento a escolher para
quaisquer pagamentos parciais é após o incumprimento, não
antes. Um período prolongado em que o incumprimento pareça cada
vez mais certo, mas que ainda não tenha ocorrido, apenas encoraja
corridas bancárias e fugas de capital.
Uma forma de "incumprir frequentemente" é pedir
perenizações. As perenizações verificam-se quando
credores fazem empréstimos adicionais a devedores que eles sabem estar
insolventes, com a intenção de que o dinheiro dos novos
empréstimos seja utilizado para manter os pagamentos correntes dos
empréstimos anteriores por mais algum tempo. Como Mohamed El-Erian, da
PIMCO, disse recentemente a
Fareed Zakaria
, quem não está a chutar uma lata estrada abaixo está a
rolar uma bola de neve colina abaixo. O problema fica cada vez maior quanto
mais você a rola.
Outro erro é tentar negociar antecipadamente os termos de incumprimento.
Visitar o barbeiro toda semana para mais um "haircut" é uma
outra forma de "incumprir frequentemente". Há três
problemas com esta estratégia. Primeiro, o poder de
negociação do devedor é provável que seja mais
fraco se o não pagamento for apenas uma ameaça, não um
facto. Segundo, o devedor está sujeito a pressão para aceitar
termos como medidas de austeridade obrigatórias que reduzem sua
capacidade real de reembolsar. Terceiro, pode simplesmente não haver
maneira de saber que espécie de pagamento parcial é realista
até que se passe algum tempo e a poeira haja assentado.
A Argentina em 2001 e a Rússia em 1997 são exemplos de
países que seguiram a estratégia do "incumprimento
prematuro". A Grécia está a ser acossada a uma
posição de "incumprimento frequente" que provavelmente
lhe será prejudicial a longo prazo.
Nem todos os problemas da saída são simples tecnicalidades
Nem todas as barreiras à comutação de divisas são
meras tecnicalidades. A combinação de incumprimento e
desvalorização provocará sofrimento real a credores
estrangeiros e o país incumpridor é provável que sofra em
consequência. No mundo de hoje, é improvável que as
consequências incluam uma invasão do devedor pelos credores. A
França e a Bélgica ocuparam o Ruhr em 1923, numa tentativa de
cobrar pagamentos de reparações não cumpridos pela
Alemanha, mas isso não funcionou muito bem e ninguém mais tentou
desde então. Ainda assim, isso não significa que os incumpridores
possam esperar saírem-se incólumes.
Por um lado, os incumpridores podem acabar com acesso limitado aos mercados de
crédito internacional, como descobriu a Argentina. O incumprimento por
um membro da área euro, seguido por uma tentativa de redenominar
dívidas numa divisa desvalorizada, criaria problemas legais espinhosos
considerando as muitas firmas financeiras e não financeiras que operam
através de fronteiras nacionais. Tribunais nacionais de países
credores podem apreender quaisquer activos extraterritoriais do país
incumpridor, ou dos seus cidadãos, que estejam ao seu alcance. Eles
podem mesmo tornar difícil para responsáveis do governo ou
cidadãos privados viajar sem a ameaça de sanção
legal. Ninguém sabe realmente.
Além disso, a saída do euro mais a desvalorização
não resolveria todos os problemas macroeconómicos ou talvez,
deveríamos dizer, resolvesse um conjunto de problemas mais levantaria
outros. Se a operação fosse executada por um novo governo
populista que abandonasse reformas estruturais e disciplina orçamental,
poderia ser difícil alcançar estabilidade duradoura. Mais uma
vez, a Argentina é uma história que serve de advertência.
Apesar do admirável crescimento recorde do país desde que
abandonou a sua divisa, o governo argentino não teve êxito em
controlar a inflação e pode agora estar a enfrentar um novo
período de perturbações.
Em suma, há muitas razões para nenhum membro do euro ter ainda
abandonado a área desta divisa. Os prós e contras de
fazê-lo estão abertos o debate. Entretano, à medida que o
debate avançar, ouviremos mais acerca das questões reais e menos
acerca de tecnicalidades como imprimir papel-moeda e reprogramar medidores de
parqueamentos.
20/Novembro/2011
[*]
Economista
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O original encontra-se em
www.economonitor.com/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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