Espanha
Iniciativa "Reencontro Comunista"
A presente situação política na Espanha caracteriza-se por
importantes conflitos e desafios para a esquerda. Ao ponto de inflexão
aberto pela Greve Geral de 20 de Junho acrescenta-se um amplo leque de
mobilizações sectoriais ou pontuais, relativos à
degradação e às privatizações de
serviços públicos (educação, saúde,
função pública, transportes e infra-estruturas vitais...),
à desregulamentação do mercado de trabalho e das
relações laborais (desemprego, precarização,
sinistralidade, salário mínimo, próxima reforma da
negociação colectiva e lei da greve), e à
liquidação de direitos sociais e cívicos (políticas
de imigração contra a livre circulação de pessoas,
reforma da segurança social, deterioração das
pensões...).
Além disso, estas políticas anti-sociais também vêm
acompanhadas de uma ofensiva frontal contra os direitos e as liberdades dos
trabalhadores e dos povos. Só assim se podem interpretar as medidas
orquestradas em matéria de imigração e de estrangeiros, ou
as recentes disposições sobre liberdade de
associação e expressão públicas, como a reforma da
legislação anti-terrorista ou a lei de partidos, e a mais recente
suspensão do partido Batasuna no quadro da sua
ilegalização, o que para além do problema nacionalista no
País Vasco implica uma séria ameaça contra toda
força política que se atreva a questionar a ordem e o regime
estabelecidos.
Trata-se de uma involução política de grande alcance que
mostra que está a cerrar o ciclo político iniciado há 25
anos com a transição democrática. Confrontada com uma
conjuntura instável devido às contradições internas
do sistema capitalista actual, a burguesia espanhola e o capital transnacional,
para preservar suas taxas de lucro e de acumulação, não
hesitam em liquidar as conquistas políticas e sociais conseguidas pelos
trabalhadores e pelos povos de Espanha durante a transição
democrática. E não se pode atribuir esta intenção
liquidadora a um só dirigente ou partido político. São a
monarquia e os sucessivos governos parlamentares de diferentes cores que, em
nome do projecto de construção europeia da multinacionais,
vêm impulsionando e patrocinando estas políticas. Não por
acaso, tanto as reformas laborais da etapa González como as
últimas reformas legislativas do actual governo da direita foram
denunciadas por inconstitucionalidade. Aznar e o PP nesta legislatura,
verdadeira ponta de lança do imperialismo ianque na UE, são os
executores mais recentes de um projecto político e económico
neoliberal compartilhado na sua essência (directa ou indirectamente)
pelos principais partidos do leque parlamentar, sob o guarda-chuva de uma
monarquia falsamente constitucional uma vez que nunca foi legitimada pelas
urnas.
Trata-se de uma situação que nem sequer foi levada em conta, nas
suas reais dimensões, pela Izquierda Unida (IU) e pelo PCE. Muito pelo
contrário, enquanto a IU as suas federações
preparam-se para combinar sopas de siglas tendo como único horizonte a
sobrevivência institucional dentro do actual regime, o PCE no seu
Congresso de Fevereiro deste ano continua a moderar o seu discurso
estratégico (por uma União Europeia mais social) e a aumentar o
distanciamento das referências marxistas de luta de classes e de
revolução socialista, ao mesmo tempo que se afunda na busca de um
"novo sujeito político da mudança".
Contudo, o afastamento do marxismo e a perda da referência da classe
operária para os comunistas converte toda táctica de agrupamento
de forças anti-monopolista e anti-imperialista numa espécie de
reformismo destinado ao fracasso. É a mesma deriva que também
coloca, por exemplo, Bertinotti, da Rifondazione Comunista, e o movimento
anti-globalização em geral. Há poucos dias, perguntado
acerca do caminho a seguir diante da crise da esquerda institucional,
Bertinotti, que continua a considerar-se comunista, responde: "há
que fazer um mapa de todas as forças alternativas... à esquerda
da socialdemocracia europeia. Devem organizar-se de uma forma unitária
em torno da relação com o movimento
anti-globalização" (El Mundo, 30/Ago/02). Como se isto
fosse um projecto realmente alternativo ao capitalismo capaz de livrar-nos das
causas da exploração da humanidade e da destruição
do planeta.
Mas apesar da interessada exclusão de todas as análises e
discursos políticos na moda, a realidade da luta de classes continua a
impor-se, na mesma media em que também crescem as resistências dos
trabalhadores e dos povos frente à barbárie imperialista.
Resistências e mobilizações que, como se viu, coincidem com
o momento mais baixo da IU e do PCE.
Diante desta situação, muitos comunistas (organizados ou
não) sentem desalento e frustração crescentes, e
impossíveis de sanar mediante as dinâmicas de correntes ou grupos
de pressão internos, voltados definitivamente para a luta por maiores
quotas de reconhecimento e representação na própria
organização partidária, mas igualmente afastados do
trabalho político na sociedade. A prioridade agora, reclamada pelas
importantes mobilizações desenvolvidas ao longo do nosso
país, é a construção de referências
políticas e sociais nas quais os trabalhadores e as trabalhadoras possam
reconhecer-se e fortalecer-se como classe; e a retomada das questões
pendentes da "ruptura democrática" preconizada para a Espanha
desde há 30 anos (República federal, políticas
redistributivas, sector público forte, liberdades e direitos para
todos...).
Conscientes de que esta aspiração faz parte de um debate em curso
sobre as tarefas do movimento revolucionário no Estado espanhol, na
Europa e no mundo do século XXI, e considerando que a actual crise da
esquerda institucionalista e a degradação dos principais partidos
comunistas tem como contrapartida a libertação de lastros
anteriores na luta pelo socialismo, acreditamos estar aberto o caminho para o
reencontro de muitas pessoas e organizações especialmente
na frente juvenil e sindical que não caíram no cepticismo
e na vacilação, e que buscam um apoio revolucionário e
internacionalista na luta pelo socialismo como única alternativa
à mundialização capitalista.
"Reencontro comunista", iniciativa que acabam de criar algumas
pessoas da IU, do PCE e independentes, propõe-se a dar resposta, na
medida das suas possibilidades, a esta necessidade sentida por muitos e muitas
camaradas de se reunirem, respeitando os âmbitos territoriais e
organizativos a que pertence cada um, para debater e aplicar uma
política marxista coerente e revolucionária.
"Reencontro comunista" disporá em breve de uma
secção fixa dentro do jornal quinzenal "Información
Obrera",
http://www.informacionobrera.org
, bem como de um canal para relacionamento e comunicação
política baseado na Internet (web e mailing list "Reencuentro
comunista").
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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