Espanha
Iniciativa "Reencontro Comunista"

por Juanjo Llorente
AREABS@mail.ono.es

Antes e depois do 20 de Junho A presente situação política na Espanha caracteriza-se por importantes conflitos e desafios para a esquerda. Ao ponto de inflexão aberto pela Greve Geral de 20 de Junho acrescenta-se um amplo leque de mobilizações sectoriais ou pontuais, relativos à degradação e às privatizações de serviços públicos (educação, saúde, função pública, transportes e infra-estruturas vitais...), à desregulamentação do mercado de trabalho e das relações laborais (desemprego, precarização, sinistralidade, salário mínimo, próxima reforma da negociação colectiva e lei da greve), e à liquidação de direitos sociais e cívicos (políticas de imigração contra a livre circulação de pessoas, reforma da segurança social, deterioração das pensões...).

Além disso, estas políticas anti-sociais também vêm acompanhadas de uma ofensiva frontal contra os direitos e as liberdades dos trabalhadores e dos povos. Só assim se podem interpretar as medidas orquestradas em matéria de imigração e de estrangeiros, ou as recentes disposições sobre liberdade de associação e expressão públicas, como a reforma da legislação anti-terrorista ou a lei de partidos, e a mais recente suspensão do partido Batasuna no quadro da sua ilegalização, o que para além do problema nacionalista no País Vasco implica uma séria ameaça contra toda força política que se atreva a questionar a ordem e o regime estabelecidos.

Trata-se de uma involução política de grande alcance que mostra que está a cerrar o ciclo político iniciado há 25 anos com a transição democrática. Confrontada com uma conjuntura instável devido às contradições internas do sistema capitalista actual, a burguesia espanhola e o capital transnacional, para preservar suas taxas de lucro e de acumulação, não hesitam em liquidar as conquistas políticas e sociais conseguidas pelos trabalhadores e pelos povos de Espanha durante a transição democrática. E não se pode atribuir esta intenção liquidadora a um só dirigente ou partido político. São a monarquia e os sucessivos governos parlamentares de diferentes cores que, em nome do projecto de construção europeia da multinacionais, vêm impulsionando e patrocinando estas políticas. Não por acaso, tanto as reformas laborais da etapa González como as últimas reformas legislativas do actual governo da direita foram denunciadas por inconstitucionalidade. Aznar e o PP nesta legislatura, verdadeira ponta de lança do imperialismo ianque na UE, são os executores mais recentes de um projecto político e económico neoliberal compartilhado na sua essência (directa ou indirectamente) pelos principais partidos do leque parlamentar, sob o guarda-chuva de uma monarquia falsamente constitucional uma vez que nunca foi legitimada pelas urnas.

Trata-se de uma situação que nem sequer foi levada em conta, nas suas reais dimensões, pela Izquierda Unida (IU) e pelo PCE. Muito pelo contrário, enquanto a IU — as suas federações — preparam-se para combinar sopas de siglas tendo como único horizonte a sobrevivência institucional dentro do actual regime, o PCE no seu Congresso de Fevereiro deste ano continua a moderar o seu discurso estratégico (por uma União Europeia mais social) e a aumentar o distanciamento das referências marxistas de luta de classes e de revolução socialista, ao mesmo tempo que se afunda na busca de um "novo sujeito político da mudança".

Contudo, o afastamento do marxismo e a perda da referência da classe operária para os comunistas converte toda táctica de agrupamento de forças anti-monopolista e anti-imperialista numa espécie de reformismo destinado ao fracasso. É a mesma deriva que também coloca, por exemplo, Bertinotti, da Rifondazione Comunista, e o movimento anti-globalização em geral. Há poucos dias, perguntado acerca do caminho a seguir diante da crise da esquerda institucional, Bertinotti, que continua a considerar-se comunista, responde: "há que fazer um mapa de todas as forças alternativas... à esquerda da socialdemocracia europeia. Devem organizar-se de uma forma unitária em torno da relação com o movimento anti-globalização" (El Mundo, 30/Ago/02). Como se isto fosse um projecto realmente alternativo ao capitalismo capaz de livrar-nos das causas da exploração da humanidade e da destruição do planeta.

Mas apesar da interessada exclusão de todas as análises e discursos políticos na moda, a realidade da luta de classes continua a impor-se, na mesma media em que também crescem as resistências dos trabalhadores e dos povos frente à barbárie imperialista. Resistências e mobilizações que, como se viu, coincidem com o momento mais baixo da IU e do PCE.

Diante desta situação, muitos comunistas (organizados ou não) sentem desalento e frustração crescentes, e impossíveis de sanar mediante as dinâmicas de correntes ou grupos de pressão internos, voltados definitivamente para a luta por maiores quotas de reconhecimento e representação na própria organização partidária, mas igualmente afastados do trabalho político na sociedade. A prioridade agora, reclamada pelas importantes mobilizações desenvolvidas ao longo do nosso país, é a construção de referências políticas e sociais nas quais os trabalhadores e as trabalhadoras possam reconhecer-se e fortalecer-se como classe; e a retomada das questões pendentes da "ruptura democrática" preconizada para a Espanha desde há 30 anos (República federal, políticas redistributivas, sector público forte, liberdades e direitos para todos...).

Conscientes de que esta aspiração faz parte de um debate em curso sobre as tarefas do movimento revolucionário no Estado espanhol, na Europa e no mundo do século XXI, e considerando que a actual crise da esquerda institucionalista e a degradação dos principais partidos comunistas tem como contrapartida a libertação de lastros anteriores na luta pelo socialismo, acreditamos estar aberto o caminho para o reencontro de muitas pessoas e organizações — especialmente na frente juvenil e sindical — que não caíram no cepticismo e na vacilação, e que buscam um apoio revolucionário e internacionalista na luta pelo socialismo como única alternativa à mundialização capitalista.

"Reencontro comunista", iniciativa que acabam de criar algumas pessoas da IU, do PCE e independentes, propõe-se a dar resposta, na medida das suas possibilidades, a esta necessidade sentida por muitos e muitas camaradas de se reunirem, respeitando os âmbitos territoriais e organizativos a que pertence cada um, para debater e aplicar uma política marxista coerente e revolucionária.

"Reencontro comunista" disporá em breve de uma secção fixa dentro do jornal quinzenal "Información Obrera", http://www.informacionobrera.org , bem como de um canal para relacionamento e comunicação política baseado na Internet (web e mailing list "Reencuentro comunista").

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

21/Set/02