A Alemanha após as eleições de 2002

Bundestag


por Luciano Caetano da Rosa [*]

As eleições na Alemanha já passaram e os resultados são, no fundamental, conhecidos: a direita perdeu as eleições e Stoiber não será chanceler! É bom, todavia, acrescentar de imediato que a direita saiu derrotada por uma unha negra. Com Stoiber, os ganhos da direita representam mais 3,4% do que com Helmut Kohl em 1998. Os dois partidos de direita, irmãos, obtiveram mais 159275 votos (CDU) e mais 987033 votos (CSU) do que nas eleições transactas. Tais avanços, no entanto, só renderam mais três deputados à aliança cristã-democrata, ficando agora representados por 248 deputados contra os 245 eleitos em 1998.

O SPD - Partido Social-Democrata continua a ser o maior partido político alemão com 38,5%, a mesma percentagem que a CDU/CSU, mas com alguns milhares de votos à maior. Mesmo tendo perdido 1 696 709 votos e 47 deputados, ainda assim o SPD consegue constituir o maior grupo parlamentar com 251 deputados. É um vencedor perdedor.

O partido dos ecologistas, Os Verdes/Aliança '90, subiu 1,9 nestas eleições, conseguindo com os seus 8,6% colocar 55 deputados, mais oito do que na legislatura anterior. Já o Partido Liberal, que almejava atingir 18%, se ficou pelos 7,4% com 47 deputados, tendo progredido apenas 1,2%.

O grande derrotado destas eleições é o Partido do Socialismo Democrático (PDS) que com uma perda de 1,1% ficou nos 4%, soçobrando na barreira dos 5%, cifra que garante a entrada no Parlamento com grupo parlamentar. Entra apenas com duas deputadas que ganharam mandatos directos nos seus círculos e ficando muito condicionado na sua intervenção parlamentar. O PDS perdeu nestas eleições 599657 votos. Bastava ter eleito um terceiro mandato directo e já formaria, de novo, grupo parlamentar. O PDS vê-se agora privado de menos 34 deputados.

A coligação de social-democratas com ecologistas continua assim no poder durante mais quatro anos, por mais que Stoiber pense que a coligação não se aguentará muito tempo perante a magnitude dos problemas a resolver. É evidente que nunca é de excluir qualquer acidente ou incidente de percurso, mas a maioria da aliança dita vermelho-verde de centro-esquerda conta com 306 deputados enquanto os "pretos" (cristãos-democratas) e os "amarelos" (liberais) não vão além de 296. A maioria governamental pode ainda, em casos pontuais, ver-se reforçada recebendo o apoio das duas deputadas do PDS.

Com direito a voto havia 61 388 671 inscritos. Votaram 48 574 607 (79,12%) e foram considerados válidos 47 827 992 votos (na primeira escolha) e 47 980 304 votos (na segunda escolha).

O carisma e a popularidade de Fischer e Schröder terão ajudado muito a decidir a contenda a par, naturalmente, de outros factores. As terríveis cheias no Leste da Alemanha foram "água para os moinhos" dos ecologistas e os arrufos belicistas de Bush logo contrariados por Schröder terão mobilizado à última hora muitos indecisos e muitos alemães da ex-RDA onde a vitória à tangente se decidiu. Fischer continua a ser, de longe, o político mais popular da nação, este enfant terrible que conseguiu convencer de novo os pacifistas zangados pela sua participação na agressão à Jugoslávia. É um político que sabe articular um discurso modesto e realista. Na noite das eleições, quando os resultados já não deixavam dúvidas, apoiou de imediato e sem triunfalismos a coligação com os social-democratas. Isso valer-lhe-á agora mais um ministério, passando de três para quatro pastas no novo gabinete. Fischer percorreu a Alemanha num autocarro com a sua foto, muito sorridente, perfazendo um total de 17 mil km.

As decisivas oscilações demoscópicas dos últimos três dias, devidas a factores de natureza fortuita, foram decisivas na configuração dos resultados finais. Assim, a ministra da Justiça do governo cessante, Herta Däubler-Gmelin do SPD, terá comparado a política belicista dos EUA em relação ao Iraque com a política externa de Hitler. A CDU aproveitou-se do "deslize" e tentou explorar o anti-americanismo do SPD a seu favor, embora se tratasse de uma observação pessoal da ministra.

Isto terá custado alguns votos ao SPD. Por outro lado, a CDU tentou ganhar mais votos caindo na tentação dos tons xenófobos durante os últimos dias da campanha. O PDS sofreu com a saída de Gregor Gysi e o empate técnico das sondagens de última hora provocou uma debandada de voto útil no SPD, para travar Stoiber. O FDP também terá sofrido um desgaste com as afirmações anti-israelitas de Jürgen Möllemann, as quais alguns pretendem transformar em anti-semitismo. Como se sabe, neste campo, as opiniões dos alemães tornam-se assunto muito delicado devido às responsabilidades históricas no holocausto nazi.

A nova coligação diz querer encetar reformas no campo social e ecológico, pretendendo-se modernizar o país, reformar o mercado de trabalho com um modelo neoliberal (Comissão Hartz) para combater o desemprego (quatro milhões de desempregados). No plano da política externa, os EUA estão muito amuados com estes aliados alemães e tanto Rumsfeld como Condoleeza Rice já afirmaram que as relações germano-americanas se encontram envenenadas. Bush nem se dignou enviar os parabéns. A coligação continua, contudo, contra a guerra no Iraque, embora já ofereça contrapropostas no campo militar como, por exemplo, mais empenhamento militar e policial no Afeganistão. Schröder já foi a Londres solicitar os bons ofícios de Blair junto de Bush e assegurou aos americanos que a jurista Herta Däumler-Gmelin não fará parte do próximo gabinete. Enfim, veremos que novas vassalagens se seguirão nos próximos dias...


[*] Professor universitário.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

26/Set/02