22 de Setembro
Eleições na Alemanha: Uma semana ao rubro

por Luciano Caetano da Rosa [*]

Parlamento alemão Estamos na recta final da campanha para as legislativas na Alemanha e para a escolha de novo chanceler: ou o detentor actual do cargo, Gerhard Schröder, ou o seu concorrente Edmund Stoiber.

Ambos juristas de formação, Schröder é saxão e Stoiber é bávaro. Schröder fala um alemão literário elegante, muito coincidente com a norma culta e tem grande facilidade de expressão, domina bem qualquer dossier e profere, quando é preciso, uma “Machtwort” (uma ordem de mando que em situações de crise muita gente aprecia). As qualidades de Schröder são tanto mais de admirar quão humilde é a sua origem. Seu pai, incorporado como soldado, tombou na Roménia durante as criminosas aventuras de Hitler. Sua jovem mãe, viúva, teve de executar trabalhos humildes como mulher de limpeza e Schröder começou a trabalhar cedo para ajudar no sustento da família, estudando à noite. É proverbial o seu à-vontade com jornalistas.

Stoiber é um homem do Sul e isso nota-se logo, mal abre a boca, pelos traços dialectais na sua pronúncia. Tem menos dom de palavra que Schröder e é, sem dúvida, menos simpático. Na sua secura, o humor parece estar totalmente ausente, contrariamente a Schröder que ainda há pouco gracejava com muito charme sobre o adversário dizendo que já tem uma bávara em casa (alusão à proveniência de sua esposa) e que prescinde de mais um bávaro na chancelaria.

Devido às semelhanças programáticas nalguns aspectos neoliberais entre o programa da direita e o da social-democracia, há quem veja nos dois apenas um Schroider, mas esta amálgama (Schröder+Stoiber= Schroider) não resiste a uma análise mais fina. Stoiber fez todo o seu percurso à sombra do quase omnipotente político e senhor da Baviera Franz-Josef Strauss, famoso pelo seu anti-comunismo. Aguentou o tempo necessário durante o mandato de Max Streibl, sucessor de Strauss, até Streibl sucumbir vergonhosamente no seguimento de um caso de corrupção, conhecido nos media como o escândalo AMIGO (tratava-se então de viagens à borla para destinos exóticos). Stoiber aparece então como o chefe de fila da União Social-Cristã (CSU), ao lado de Weigel, ministro das Finanças de Helmut Kohl; mas enquanto não se desenvencilhou de Weigel, Stoiber não descansou. E, nestas eleições, conseguiu pôr de lado Angela Merkel, a chefe da União Democrata-Cristã (CDU), o maior partido de direita, para aparecer como candidato a chanceler.

Stoiber cresceu num ambiente católico-conservador, enquanto Schröder vem de uma cultura mais liberal de matriz protestante do centro-norte alemão. Quando jovem, Schröder foi militante da Juventude Socialista (JUSOS) (uma juventude com posições bem interessantes, sobretudo pela sua radical dissonância com as águas-mornas da Social-democracia oficial, dissonância que, por vezes, se aproxima dos ideais comunistas). Até há fotos e filmes do político quando jovem, o rebelde Gerhard em manifestações de rua contra a NATO, por exemplo. Isso, contudo, aconteceu em tempos longínquos.

Schröder é muito telegénico, impressiona pela sua calma e urbanidade, mesmo se confrontado com provocações, revelando um forte carisma. A sua capacidade em estabelecer compromissos ao centro (este centro onde se ganham as eleições em qualquer democracia burguesa) manifesta-se nas ligações aceitáveis que mantém com os sindicatos em geral e o IG Metal em particular (o maior sindicato do mundo, com mais de três milhões de filiados), enquanto é conhecido, por outro lado, como “o chanceler amigo dos patrões” ou “o chanceler da indústria automóvel”.

Stoiber tem um discurso sinuoso e hesitante, flanqueado de uma retórica de parcos recursos, mostrando-se incapaz de dar uma orientação segura se confrontado com um problema mais ou menos inédito. Bem mais inteligente do que Stoiber parece ser Angela Merkel, uma doutora em Física chegada da ex-RDA e que conquistou a chefia da CDU após Helmut Kohl. Mas o “maître à penser” da direita alemã continua a ser Wolfgang Schäuble. Stoiber rodeou-se de um gabinete-sombra repleto de personalidades “competentes”, mas perante as sondagens actuais receia-se bem que tal gabinete fique mesmo muito na sombra. Por razões eleitorais, Stoiber evoluiu durante a campanha com aberturas ao centro, escolhendo, por exemplo, para futura ministra da Família uma atraente senhora jovem, sem papas na língua, mãe solteira que vive sem papéis com o companheiro e pai do filho comum. Tal escolha representou uma pedrada no charco em círculos mais conservadores e católicos.

Se isto parecia apontar para um Stoiber tolerante, logo noutros parâmetros o candidato a chanceler acabaria por decepcionar com o seu populismo inveterado e perigoso, cuja demagogia afina mais pelo diapasão da extrema-direita, sobretudo em questões de segurança interna e de política de imigração. Enquanto as sondagens davam uma clara maioria à direita, Stoiber permitia-se uma máscara de fachada mais democrática. Agora, nesta semana final, em que o SPD aparece à frente nas intenções de voto com tendência ascendente sobre uma CDU/CSU em leve mas contínuo declínio, Stoiber derrapa de novo em tons xenófobos e mesmo racistas, voltando-se a culpabilizar os estrangeiros dos muitos males que afligem a Alemanha e correlacionando-se superficialmente o alto índice de desemprego reinante com a política de imigração. Já Koch recorrera nas eleições do Estado do Hesse a este truque, então rentável, da demagogia xenófoba, fazendo dos estrangeiros o “bouc émissaire”. Com um apelo a sentimentos racistas, Koch mobilizara partes do eleitorado abstencionista ou indeciso vencendo as eleições.

Em desespero de causa, a direita e Stoiber recorrem à receita de Koch, nome próprio que, por sinal, também significa cozinheiro .

A 17/Set/02, o Partido Social-Democrata alemão aparece nas sondagens com 38% (em progresso ascendente) contra os 35,5% da CDU/CSU (em maré descendente). O Partido Liberal (FDP) surge com 9,5% bem longe dos míticos 18% a que demagogicamente há muito aspirava. Uma aliança demo-liberal de direita parece assim irremediavelmente comprometida. Com 45% dos votos, esta aliança preto-amarela fica em minoria no Parlamento e não elege o chanceler. Os Verdes com 8% ficariam aptos a prosseguir uma política de alianças com os social-democratas. E o PDS – Partido do Socialismo Democrático – conseguindo eventualmente superar a barreira dos 5% (talvez com três mandatos directos), formaria um grupo parlamentar que até poderia ser chamado a tolerar o prosseguimento da actual coligação dita vermelho-verde.

É evidente que as oscilações demoscópicas não são de excluir, sendo seguro e certo que a direita vai esfalfar-se e dar tudo por tudo (esperemos que não soçobre no “vale-tudo”) nesta recta final. Toda a imprensa de Axel Springer e o temível jornal BILD fazem campanha por Stoiber. Facto algo inédito, o Financial Times Deutschland apelou abertamente aos leitores para que votassem em Stoiber e na direita.

Queimam-se os últimos cartuchos. O desemprego que foi herdado por este governo dos governos de direita de Helmut Kohl em níveis idênticos (4 milhões) ou até superiores, não inibiu as críticas da direita, fazendo-se esta de novas e dissimulando como se se tratasse de problema só agora surgido. Mas Schröder e o seu governo foram eficientes na ajuda às vítimas das terríveis cheias e têm sabido manifestar uma oposição esclarecida aos planos belicistas de Bush, um perigo para a paz mundial no dizer de Mandela. Essas duas políticas concretas operaram a reviravolta nas sondagens.

A luta vai ser muito renhida em torno do eleitorado indeciso, na Renânia Vestefália onde moram mais de 20 milhões de alemães e nos estados onde antes existiu a RDA. Os resultados na Suécia podem influenciar o início de uma nova tendência de contenção da direita neoliberal no centro da Europa com governos de centro-esquerda na base de coligações com social-democratas, verdes, comunistas e outros democratas de esquerda.. Não é despiciendo que a Alemanha, locomotiva da União Europeia, seja governada mais à direita ou mais à esquerda.

O país, pátria de poetas e dramaturgos (Schiller, Goethe, Brecht...), de filósofos (Hegel, Marx, Habermas...), de físicos (Einstein, Heisenberg, Max Planck...), de músicos (Bach, Beethoven, Schubert...), grande potência industrial, financeira e cultural, saberá decidir e domingo à noite veremos os resultados. Seja como for, se Schröder ganhar, como se espera, tal significará a vitória do mal menor perante um perigo chamado Stoiber e uma direita revanchista. Mas nisto, como em tudo, do mal o menos...

17/Set/02
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[*] Professor universitário radicado na Alemanha.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

18/Set/02