Esta Constituição europeia é perigosa!


Georges Debunne [*]

Não há nada de espantoso no facto de esta Constituição europeia ter sido saudada euforicamente por Chefes de Estado e de governos de direita. Eles desembaraçaram-se das obrigações sociais.

É preciso actuar com firmeza a fim de que este texto constitucional não seja adoptado enquanto subsistir o voto por unanimidade com direito de veto no domínio social e fiscal. Haverá sempre um governo anti-social entre os 25 Estados que impedirá qualquer progresso social. Os direitos sociais devem ser formalmente garantidos na Carta dos direitos fundamentais da União Europeia que está agora integrada na Constituição. Um instrumento jurídico deverá permitir a negociação das convenções colectivas europeias.

Trata-se de três pontos essenciais para evitar que a Europa alargada tenha como consequência uma rebaixar considerável dos níveis de vida nos nossos países, no Ocidente, sem em contrapartida melhorar as condições de vida e de trabalho da maioria dos habitantes da Polónia, da Hungria, da República Chéquia, da Eslováquia, da Lituânia, da Estónia, da Eslovénia e da Letónia.

E parem de nos dizer que se fez aquilo que se pôde e que poderia ter sido pior!

O pior é que saia das mãos de Valéry Giscard d'Estaing para passar às de Silvio Berlusconi, que terá o poder de modificar a Constituição europeia antes que seja adoptada pelos Chefes de Estado e de governo – o que está previsto para Dezembro de 2003.

Esta Constituição europeia será superior às constituições nacionais -- que deverão ser revistas a fim de ficarem conformes aos regulamentos europeus, como já aconteceu muitas vezes – e já não permite aos partidos progressistas que façam adoptar leis de progresso social. Em contrapartida, o reforço das regras da concorrência e dos critérios drásticos do Pacto de estabilidade dá todo o poder aos partidos de direita para efectuarem o dumping social e fiscal, para apoiar o capitalismo selvagem e a exploração ilimitada dos trabalhadores através da degradação do seu estatuto, dos baixos salários e da generalização do trabalho precário, sem obrigação de assumir os riscos da velhice, do desemprego e da doença. Um retorno ao século XIX !

Os Estados cujas constituições evocam Deus exigem que Deus seja imposto como valor supremo a todos os europeus.

Os toma-lá-dá-cá da Conferência Intergovernamental podem ainda surpreender-nos!

Se alguns pensam que podem impor Deus, isso significa que esta Constituição europeia pode ser reescrita quando houver uma forte exigência nesse sentido. A partir de hoje reunamos as nossas forças a fim de exigirmos também a recuperação da nossa propriedade social colectiva que nos foi roubada pela Convenção europeia entre 2000 e 2003.

Há mais de dez anos que os dirigentes dos sindicatos cristãos que estão à cabeça da Confederação Europeia dos Sindicatos (CES) fracassam frente às suas responsabilidades ao não alertarem suficientemente os trabalhadores e trabalhadoras acerca dos perigos das leis europeias. Demasiado frequentemente eles aceitaram ser a correia de transmissão dos interesses capitalistas. Enquanto presidente da Federação Europeia dos Reformados e das pessoas idosas acionei a campainha de alarme tanto quanto pude, tanto dentro como fora da CES, mas não fui ouvido nem seguido.

Ao manter a cadeira vazia no Congresso da CES, a Federação Sindical Belga (FGTB) demonstrou audácia e vontade de recuperar os objectivos dos sindicatos livres, quando decidimos após a segunda guerra mundial organizarmo-nos a nível europeu a fim de criar um contra-poder face às regras do mercado único e da concorrência a fim de defender os interesses do mundo do trabalho.

Caras e caros camaradas, caras e caros amigo(a)s, banir a guerra, a ditadura, o racismo e assegurar a organização de uma sociedade solidária que proteja, emancipe e esteja ao serviço de todas e de todos, que vise o florescimento do indivíduo, a melhoria das relações humanas e a qualidade de vida foram e continuam a ser os objectivos fundamentais de uma geração de sindicalistas socialistas que se tornaram protagonistas e defensores da integração europeia. Lutámos por isso, conquistámos direitos sociais e convenções colectivas para a melhoria das condições de vida e de trabalho na maior parte dos países europeus. Quisemos isto não só para nós como também para nossos filhos e netos e para o conjunto da humanidade.

Temos de nos render à evidência, nada é adquirido para sempre. Os governantes deslocaram os poderes de decisão para o nível europeu. É a este nível que o combate deve continuar e intensificar-se para não ter de retomar tudo a partir do zero.

[*] Antigo secretário-geral da FGTB, ex-presidente da CES e da FERPA.

O original encontra-se em http://belgium.indymedia.org/news/2003/06/69087.php


Este artigo encontra-se em http://resistir.info

03/Jul/03