Trabalho europeu:
Diálogo social, pactos sociais ou Europa social?
Durante muitos anos o movimento sindical europeu reivindicou uma "Europa
Social" aos governos europeus e à União Europeia (UE). Para
a integração da Europa ter êxito seria preciso que fosse
acompanhada por uma forte componente social uma Europa do povo. Este
também era o objectivo expresso da social democracia europeia
recuperar o controlo das forças do capital e criar uma "Europa
Social" através da UE. Agora, pela primeira vez desde o
estabelecimento da Comunidade Económica Europeia (CEE), governos sociais
democratas ou dominados por sociais democratas têm estado no poder na UE
durante vários anos. No entanto, uma "Europa Social" continua
a ser um projecto por realizar.
Uma Europa social como alternativa
Nos anos 90, os sindicatos europeus recomeçaram a avançar
após o recuo das alas direitas verificado nos anos 80. Sua
exigência de uma "Europa Social" podia ser ouvida em numerosas
línguas europeias pelo fim da década. Os trabalhadores do sector
público manifestaram-se nas ruas da maioria das cidades francesas no
outono de 1995, praticamente fomentando um levantamento social geral até
que o governo extremamente impopular de Alain Juppé capitulou e retirou
sua proposta de cortes maciços nas despesas públicas. Em 1997,
os trabalhadores da Renault na Bélgica, França e Espanha
manifestaram-se em Paris contra o encerramento da fábrica de Wildwoorde
na Bélgica e sua posterior reinstalação numa área
na Espanha mais subsidiada pela UE. Nesse mesmo ano os trabalhadores
alemães movimentaram-se contra os cortes na segurança social
efectuados pelo governo de Kohl. Milhares de desempregados e trabalhadores
encheram as ruas de Colónia durante a cimeira europeia de 1998, bem como
nas cimeiras efectuadas nos anos seguintes.
Nenhuma destas demonstrações assumiu a forma de comícios
em favor do Tratado de Maastricht ou do Pacto de Estabilidade. Nenhuma delas
exigiu que a Comissão Europeia ou o Conselho de Ministros acelerasse o
ritmo do processo de integração. Todos eles foram protestos
contra as consequências directas do desemprego em massa, cortes na
segurança social, e ataques aos salários e às
condições laborais. A exigência de uma "Europa
Social" era apresentada em reacção, e como alternativa, ao
desenvolvimento do projecto da UE realmente existente.
A UE no cenário global
A internacionalização da economia, o papel da UE e os mercados
cada vez mais abertos representam novos e enormes desafios aos sindicatos de
toda a Europa. À medida que as decisões são mudadas do
nível nacional para o nível supranacional, e das
instituições políticas para o mercado, os sindicatos
nacionais perdem poder e influência. O facto de isto ocorrer numa
situação em que as forças do capital estão na
ofensiva no assim chamado processo de globalização agrava o
problema.
A UE de hoje, com seu mercado único e sua união monetária,
constitui a expressão política concreta do processo de
globalização na Europa. Qualquer que tenha sido a razão
inicial para estabelecer a CEE, agora a força condutora no
desenvolvimento da UE é a luta pelos mercados e pela hegemonia entre os
três centros da economia capitalista internacional Estados Unidos,
Japão e União Europeia. O objectivo é fortalecer o canto
europeu no triângulo global, criar uma base mais forte para as companhias
multinacionais "europeias".
Com esta abordagem analítica é mais fácil compreender as
consequências sociais da UE. Ela torna claro que o estabelecimento de
uma união económica e monetária na Europa, nas
condições actuais, significará
desregulamentações e privatizações
contínuas, maior orientação para o mercado, um mercado de
trabalho mais "flexível", e mais cortes nas despesas
públicas. É fácil verificar porque aquilo que foi
etiquetado como "Economia social de mercado europeia" está a
desintegrar-se em torno de nós. Também explica porque é
que a social democrata "Europa Social" ainda está para vir,
apesar de os sociais democratas agora dominarem a UE.
A "Europa social" que falhou
No Outono de 1998, testemunhámos a aterragem forçada da social
democracia europeia. Durante os nove meses anteriores, os lideres sociais
democratas na Europa apresentaram propostas interessantes e desafiadoras,
algumas das quais deram motivos para o optimismo do movimento sindical europeu.
O ministro das Finanças Alemão, Oskar Lafontaine, exigiu que o
Banco Central Europeu reduzisse as taxas de juro a fim de aumentar a actividade
económica e criar mais postos de trabalho. O primeiro ministro
italiano, Massimo d'Alema, declarou que era tempo de reconsiderar a
rígida disciplina orçamental incluída nos critérios
de Maastricht e no Pacto de Estabilidade pelas mesma razão
criar empregos e reduzir o desemprego. O primeiro ministro francês,
Lionel Jospin, apoiou suas iniciativas. Era tempo de fazer algo sobre o
desemprego maciço na UE. As suas exigências representavam a
tradicional política keynesiana de estimulação.
Lafontaine também enfatizou que a introdução do euro
divisa não deveria conduzir a uma transferência da
produção industrial para países com salários mais
baixos, que a economia especulativa deveria ser mantida sob rédea curta,
e que os impostos e benefícios sociais deveriam ser harmonizados
(tornados uniformes) para impedir futuros dumpings sociais
(competição por entradas de capital através de cortes de
custos para as empresas).
Uma forte contestação a estas propostas surgiu no Conselho de
Ministros das Finanças em Bruxelas, a 22 de Novembro de 1998. Ali,
Oskar Lafontaine, bem como outros sociais democratas que haviam argumentado por
uma mudança de política, perceberam que estavam quase sem
poderes. O Banco Central Europeu deixou claro que, de acordo com a
constituição Europeia, era independente e não estava
sujeito à regulação política. As taxas de juro
faziam parte do domínio do Banco. A Comissão Europeia tornou
igualmente claro que os critérios orçamentais do Tratado de
Maastricht e do Pacto Social estavam fixados. Agora faziam parte da
Constituição Europeia e só podiam ser alterados por
consenso.
Assim, Lafontaine descobriu o que alguns de nós já sabiam, que o
Banco Central Europeu não recebe instruções do exterior e
que os rígidos critérios orçamentais são fixados
por acordo. Por outras palavras, a União Europeia representa uma
institucionalização de uma política monetária
neoliberal e de extrema direita, a qual não pode ser alterada apesar das
boas intenções das pessoas. As instituições, leis
e regulações da União Europeia não são
estruturas neutras em que qualquer coisa e tudo pode ser colocado. Elas
reflectem o equilíbrio de poderes dentro da União Europeia. Elas
tomam a sua forma e conteúdo especifico do facto de as forças
hegemónicas hoje, forças capitalistas ofensivas e
agressivas estão a fortificar o seu poder estrutural
através da criação de novas instituição
não sujeitas ao controlo popular.
Por outras palavras, o keynesianismo é proibido na União Europeia
de hoje. Assim, o Conselho de Ministros terminou com uma
declaração na qual, entre outras coisas, apresentava a seguinte
frase críptica: "A globalização requer reformas
económicas com o objectivo de criar um sistema justo e socialmente
aceitável". Dito assim, parece promissor. No entanto, a
declaração acrescenta: "Para alcançar este
objectivo, a economia tem de ser mais eficiente, a regra do mercado deve
dominar e os obstáculos ao comércio livre têm que ser
eliminados". Era ainda enfatizado que: "A
movimentação livre de capitais tem sido positiva para os
países recentemente integrados na economia mundial. É uma
condição prévia para o desenvolvimento e o crescimento
económico que cada país escolha uma estratégia para abrir
os seus mercados às companhias estrangeiras". Comentando estas
declarações, o jornal de negócios americano
International Herald Tribune
considerou: "não resta muita esquerda entre a esquerda".
A posterior demissão dramática do ministro das Finanças
alemão, Oskar Lafontaine, enfatizou ainda mais esta
situação. Devido às suas propostas para refrear os
movimentos financeiros internacionais, Oskar Lafontaine, já fora
anunciado por um jornal britânico como "o homem mais perigoso da
Europa". No dia da sua demissão, os especuladores na Europa
celebraram-na remetendo o euro e os mercados de acções europeus
para novas alturas. O equilíbrio de poderes na Europa estava era agora
claro como cristal. O projecto social democrata de criar uma "Europa
Social" a partir do topo havia encalhado. Na realidade, este objectivo
já não era sequer mencionado nos discursos dos líderes
sociais democratas europeus.
O papel do movimento sindical
A rigorosa política orçamental e monetária da UE resultou
também num rebaixamento das políticas de
harmonização fiscal e sociais. A competição fiscal
entre os países, isto é, a competição para atrair
capitais, contribui fortemente para esta espiral de rebaixamentos. Com o livre
movimento de capitais e a competição cada vez mais aguda, as
empresas ameaçam cada vez mais abandonar o país se não
este não satisfizerem as suas exigências económicas. Para
apaziguar estas empresas, os governos cortam os impostos que as oneram,
constróem melhores infra-estruturas, cortam benefícios sociais e
reduzem o rigor das regulamentações ambientais. O resultado
é uma harmonização rebaixada e em direcção a
níveis cada vez mais baixos. E os trabalhadores terão de pagar a
maior parte do custo de tudo isso através do aumento do
desemprego, do bem estar social reduzido, das reduções salariais
e da desregulamentação das condições de trabalho.
Desta forma o défice social anda de mãos dadas com o
défice democrático da UE. É desnecessário dizer
que os 20 milhões de desempregados e os 50 milhões de pobres que
vivem na União Europeia têm pouco a esperar das
instituições oficiais da UE. É aqui que o papel do
movimento sindical será crucial. Mais do que nunca, a
situação actual convida à luta social por uma Europa
social. As forças condutoras do processo económico de
globalização e o desenvolvimento neoliberal da UE terão de
ser confrontados. A nação estado ainda é uma base
importante para esta luta, mas a perspectiva tem de ser social e internacional.
Isto significa que temos de desenvolver uma nova plataforma política,
juntamente com novas estratégias e tácticas adaptadas a esta
situação.
O "diálogo social" impotente
O movimento sindical tem, entretanto, consideráveis problemas em assumir
a liderança desta luta. Os burocratas sindicais na maior parte dos
países da Europa Ocidental chegaram aos lugares que agora ocupam durante
o período do chamado compromisso de classe e têm grande
dificuldade em se adaptar à nova situação, na qual as
pré-condições sociais e históricas de compromisso
se estão a desvanecer. Ao invés de se adaptarem à nova
situação, os patrões dos sindicatos da maioria dos
países agarram-se às políticas de pactos sociais com os
empregadores.
Ao nível da UE, observámos nos últimos anos um crescendo
de actividades sob a forma de consultas, negociações e
"diálogo social" relativo ao mercado de trabalho. Além
disso, a actividade de
lobby
assumiu um papel preponderante. O problema é que se trata de
actividades desligadas dos membros dos sindicatos e, em grau elevado,
até mesmo das actividades dos sindicatos ao nível nacional. O
resultado até agora tem sido um forte desenvolvimento de cima para baixo
(top-down)
e o crescimento de uma enorme burocracia europeia no movimento
sindical. Uma verdadeira resposta sindical, na qual os sindicatos organizem e
mobilizem a sua força, nomeadamente através da
participação activa dos seus membros, nomeadamente membros
activos da base, mostrando força por trás das suas
reivindicações, ainda não se viu a nível europeu.
Todos os envolvidos na luta sindical a nível de país sabem que
sem o direito de entrar em acção pouco se consegue na mesa das
negociações. Este é o problema fundamental dentro da
União Europeia de hoje. As "negociações" ao
nível da UE verificam-se sem o direito de actuar ao nível
industrial. Assim, este processo até então poucos
benefícios trouxe aos trabalhadores. Os empregadores, sabendo que os
seus opositores não têm poder para forçar as suas
reivindicações, não são muito acomodatícios
na mesa de negociações. "Negociações"
desta forma foram introduzidas pelo Tratado de Maastricht e posteriormente
desenvolvidas pelo Pacto de Amsterdão. De acordo com estes documentos,
nas áreas relevantes, as partes no mercado de trabalho deveriam
primeiramente ter oportunidade de negociar. Em caso de acordo, a
Comissão pode transformar o acordo numa directiva formal da UE. Em caso
de desacordo, a Comissão pode propor uma directiva por sua
própria iniciativa. Até ao momento, este processo deu origem a
três directivas: uma relativa à licença de parto, outra
relativa ao trabalho em tempo parcial e uma terceira a propósito do
trabalho temporário. Todas são limitadas a padrões
mínimas. As industrias de transporte marítimo e
ferroviário negociaram acordos relativos às horas de trabalho, as
quais estão agora a tornar-se directivas.
Compromisso de classe em crise
Para compreender plenamente a crescente impotência do movimento sindical,
temos de olhar mais atentamente para o chamado compromisso de classe
estabelecido na Europa Ocidental após a Segunda Guerra Mundial. O
equilíbrio de forças relativamente estável entre trabalho
e capital, que marcou o desenvolvimento das nossas sociedades no
pós-guerra, foi consolidado estruturalmente neste período por
meio de leis, acordos e reformas, as quais deram ao movimento dos trabalhadores
poder, direitos e segurança social. Estas conquistas não podem
ser retiradas da noite para o dia, precisamente porque o compromisso estava
assente em legislação e acordos, bem como em
instituições sociais e estruturas. A alteração
geral deste equilíbrio em favor dos empregadores, que se tem verificado
nos últimos anos, portanto ainda tem um grande potencial de
mudança.
A estabilidade e a duração do crescimento económico
durante os primeiros 20 a 25 anos após a Segunda Guerra Mundial criaram
a condição necessária para um compromisso de classes
relativamente estável. O crescimento económico permitiu um
aumento da riqueza para a maior parte das pessoas e importantes reformas em
favor do homem da rua e do movimento sindical, os quais, em troca, tiveram de
aceitar o modo de produção capitalista, a propriedade privada dos
meios de produção e o direito unilateral dos empregadores de
organizarem o processo de produção.
Se o crescimento económico acomodou o compromisso, a crise
económica o desfez. A posição dos sindicatos no
compromisso foi minada pela crise económica dos últimos 20 a 25
anos. As condições históricas e económicas para o
compromisso de classe estão agora a desintegrar-se. A política
de consenso, portanto, está a partir-se por todas as juntas. Sob a
pressão de lutas cada vez mais aguerridas por quotas de mercado, as
forças capitalistas tomaram a ofensiva a fim de aumentar os lucros
dentre outros meios, pelo enfraquecimento dos direitos sindicais, pela
manutenção de salários baixos e pelos cortes nas despesas
públicas. Por outras palavras, o modelo de consenso do
pós-guerra está à beira do colapso.
Num país após o outro, os sindicatos vêm que os direitos
conquistados pela luta ou negociação pacífica durante o
período de consenso, não podem ser considerados garantidos.
Infelizmente, muitas pessoas ainda pensam em termos de compromisso de classe e
portanto não entendem mais o que se passa nos seus locais de trabalho.
Esta incapacidade para perceber a verdade está a ser explorada por
populistas cínicos da extrema direita, como Jean-Marie Le Pen em
França, Jörg Heider na Áustria, Gianfranco Fini na
Itália, e grupos racistas e neofascistas mais ou menos violentos
especialmente na Alemanha. Estas forças extremistas ganham terreno
devido à desintegração dos partidos sociais democratas e
à falta de alternativas credíveis à esquerda.
Na maioria dos países europeus, estas dramáticas mudanças
sociais têm sido enfrentadas pelo movimento sindical com políticas
pragmáticas de adaptação defensiva. Em algumas
áreas a França tem sido a excepção; ali os
sindicatos efectuaram acções abrangentes e com êxito a
nível industrial. Nestes últimos anos, a luta sindical
também aumentou noutros países europeus após um
período no qual as acções ao nível industrial,
salvo raras excepções, estiveram quase ausentes do mercado de
trabalho europeu.
A política de adaptação
Um dos maiores problemas para os sindicatos, ao enfrentarem a
globalização da economia, reside nos seus fortes laços com
o estado-nação. Enquanto a segurança social, a
legislação do trabalho e os acordos salariais estão
profundamente enraizados no conceito de estado-nação, as
forças do capitalismo operam mais ou menos livremente num mercado
mundial desregulado. Isto reduz a capacidade do movimento sindical para actuar
ao nível internacional. Os sindicatos têm, portanto, grandes
dificuldades em acompanhar as companhias multinacionais e o movimento
internacional de capitais.
Nesta situação, grande parte da burocracia sindical internacional
concentra a sua actividade no estabelecimento de um mínimo de normas
sociais através da Organização Internacional do
Trabalho (International Labour Organization - ILO) ou nos novos acordos que
estão a ser desenvolvidos no âmbito da Organização
Mundial de Comércio (World Trade Organization WTO) ou outros
blocos de comércio regionais, como o Acordo Norte Americano de
Comércio Livre (North American Free Trade Agreement NAFTA). Um
exército de burocratas sindicais transformou-se assim em caixeiros
viajantes de sindicatos impotentes. A maior das pessoas que se envolveu neste
tipo de actividade sabe que os resultados obtidos foram extremamente magros.
Pelo menos dentro da UE, estas actividades desenvolveram-se consideravelmente.
Adicionalmente à Confederação Europeia dos Sindicatos do
Comércio (European Trade Union Confederation - ETUC) e às
secções europeias dos secretariados de comércio
internacional, certo um número de confederações nacionais
e sindicatos também instalou escritórios em Bruxelas. Como canal
de informação isto pode ser importante, mas na área do
lobbying
, a eficácia desta estratégia até ao momento tem sido
insignificante.
Este "internacionalismo burocrático" conduziu os sindicatos a
um beco sem saída. A situação provoca elevados
níveis de frustração e sentimentos de impotência
dentro dos sindicatos. Certamente, muitos dos seus representantes clamam
regularmente por acções conjuntas nas reuniões sindicais
internacionais, mas sem conteúdo ou direcção concretas.
Esta retórica militante parece ser uma parte do papel dos burocratas
sindicais, que frequentemente não têm base de
sustentação nas suas actividades nacionais, onde continuam a agir
imbuídos do espírito do compromisso de classe histórico
incluindo a suave indulgência e a adaptação ao
desenvolvimento do actual "capitalismo triunfante".
Pactos sociais
Uma parte importante da adaptação da burocracia dos sindicatos
à nova realidade tem sido a sua aliança com as forças do
capitalismo nacional na competição pelo aumento de quotas no
mercado internacional na qual salários e condições
de trabalho também são aceites como factores importantes (e.g., o
recente acordo entre a Volkswagen na Alemanha e o sindicato dos trabalhadores
do sector metalúrgico, IG Metall). Aumentos de salário moderados
e uma certa conformidade na direcção de reverter reformas e
políticas sociais têm sido os conteúdos concretos desta
estratégia. "Negociação rebaixada" tornou-se
uma noção corrente no mercado de trabalho europeu. Para um
movimento sindical que aceitou os limites do sistema, não existem outras
alternativas realistas.
Outra parte da adaptação sindical tem sido o seu total apoio
à integração europeia, na esperança de que esta
levará a cláusulas sociais e à harmonização
das condições de trabalho num nível superior, pelo menos
nos países que estão a ficar para trás. No entanto,
à medida que o movimento sindical europeu tem-se apercebido da forma
assumida por esta integração, o seu apoio tornou-se gradualmente
mais critico. As acções industriais que tiveram lugar nos
últimos anos, estiveram directa ou indirectamente ligadas aos planos de
criar um sindicato europeu. Basicamente, este foi o contexto em que as greves
francesas no outono de 1995 tiveram lugar, e lutas importantes verificaram-se
também na Bélgica, Alemanha, Grécia, Itália e
Espanha.
As visão estreita da burocracia sindical tem de ser compreendida em
particular atendendo ao seu papel na era do compromisso de classe, quando a sua
principal função era funcionar como colchão entre a
força de trabalho e o capital. Por um lado, os burocratas negociavam
melhorias consideráveis nas condições de trabalho e
segurança social. Por outro lado, controlavam e administravam a paz
industrial nos locais de trabalho. A sua posição depende de os
membros dos sindicatos depositarem a sua confiança nas mãos dos
burocratas. A luta sindical independente e de base local será uma
ameaça continua a este papel.
Por outras palavras, a adaptação ou a resistência depende
da pressão colocada pelas bases dos movimentos sindicais. Isto é
o que tem provocado um aumento de actividade e de resistência em partes
do movimento sindical europeu. Para citar um antigo sindicalista francês
que em Março de 1997 participou na manifestação europeia
conjunta em Paris contra os planos da Renault de encerrar a sua unidade
industrial na Bélgica: "Os sindicatos durante anos estiveram de
corpo presente ao nível europeu. Nunca trabalharam correctamente porque
na sua alma todos os sindicatos se opõem à União Europeia.
Agora, quando os sindicalistas finalmente começaram a cooperar, falando
uns com os outros e enviando faxes uns aos outros, as pessoas importantes
finalmente começam a agir." (
The Guardian
, 12 de Março de 1997)
A alternativa: solidariedade internacional real
Durante os últimos anos observámos iniciativas em prol de uma
luta de salários coordenada em algumas zonas da Europa, simultaneamente
com a propagação da ideia de acordos salariais transnacionais. A
proposta do sindicato alemão IG Metall no outono de 1998 representou um
novo desenvolvimento nesta ligação. Afirmava que a
política e a luta salariais deveriam ser coordenadas por cima das
fronteiras dos países com o objectivo de contrariar o
dumping
social e combater por uma distribuição da riqueza alternativa.
Não exigiam acordos salariais a nível europeu, o que a curto
prazo é bastante irrealista. A ideia era coordenar as exigências
salariais, baseadas nos princípios comuns de obter
compensação devido à inflação bem como nos
aumentos da produtividade do trabalho.
A proposta da IG Metall em muitos aspectos representou uma mudança da
política sindical na Europa. O objectivo era lutar por uma fatia maior
da riqueza através de uma luta salarial mais ofensiva. Assim o consumo
aumentaria e por consequência também a produção e o
emprego, por outras palavras, uma boa e velha perspectiva social democrata.
Há um certo toque de keynesianismo nisto, pois foca a
distribuição da riqueza entre a força de trabalho e o
capital. Baseava-se numa perspectiva bem diferente da dos "pactos
nacionais" entre trabalho e capital, os quais ainda dominavam a maior
parte dos países da Europa Ocidental. No entanto, pouco aconteceu na
prática, e no Outono de 2001, a IG Metall finalmente baixou os
salários e as condições de trabalho para garantir a
instalação por parte da Volkswagen de uma nova unidade industrial
na Alemanha e não num país da Europa do Leste.
O desenvolvimento em direcção a acordos salariais europeus ainda
tem um longo caminho a percorrer. Tais acordos terão de se basear numa
legislação de trabalho comum ao nível da UE. Isto ainda
está longe da realidade na Europa de hoje. O direito à
negociação e o direito à greve ainda assentam sobre
legislações laborais nacionais, elas próprias
construídas sobre tradições e desenvolvimentos bastante
diferentes, o que complica a harmonização a nível europeu.
Nenhum sindicato nacional irá abdicar do seu direito de
negociação em favor de um corpo sindical europeu, enquanto o
direito de agir não for desenvolvido a nível europeu.
Actualmente, uma greve por exigências comuns ao nível da UE
desafiaria as leis nacionais da maior parte dos países. Aqui podemos
encontrar um dos maiores desafios para o movimento sindical na Europa de hoje.
No entanto, a falta de acordos internacionais não deveria impedir o
movimento sindical de fortalecer a solidariedade entre sindicatos além
fronteiras pois isto é mais importante do que nunca. Para isto
tudo é preciso apoio político de económico directo a fim
de que os trabalhadores decidam lutar contra os ataques dos estados e das
forças do capital. É este tipo de solidariedade na forma
de "eu apoio-te" e "tu apoias-me" baseado no
entendimento de que temos interesses comuns, que é importante
desenvolver e fortalecer internacionalmente. Isto é fundamental,
também, na questão dos acordos salariais transnacionais. Confiar
num "diálogo social" sem o direito de agir a nível
europeu é um caminho perigoso.
Ao longo dos últimos anos, tem havido uma tendência crescente para
a confrontação social em vários países da UE, bem
como a nível da UE. Em muitos países, os sindicatos
revitalizaram-se após um longo período de
desmoralização e enfraquecimento. Ainda mais encorajador
é o emergir de campanhas e acções conjuntas por parte dos
sindicatos, e o clamor por uma "Europa Social" tem aumentado
fortemente.
Tem havido um elevado número de enormes manifestações em
Bruxelas, onde milhares de sindicalistas de muitos países e
indústrias participaram. Durante cinco anos consecutivos, condutores de
autocarros e camiões bloquearam as passagens de fronteiras por toda a
Europa e lançaram dias anuais de acções. Por
ocasião das cimeiras da UE em Amsterdão, Luxemburgo,
Colónia, Nice, Gotemburgo, Bruxelas e Barcelona foram organizados
grandes comícios e marchas de protesto contra o desemprego maciço
na União Europeia. Desta forma podemos testemunhar que os sindicatos
europeus e outros movimentos sociais estão lentamente a desenvolver
actividades e estratégias para confrontar a versão europeia da
ofensiva global das forças capitalistas. Se o movimento sindical
pretender algum dia alcançar uma Europa social este é o caminho a
seguir em oposição à política de consenso,
de base nacional, predominante nas burocracias sindicais existentes.
[*]
Asbjørn Wahl é membro do Sindicato dos Empregados Municipais da
Noruega (NUME) e é vice-presidente da Secção dos
Trabalhadores dos Transportes da Federação Internacional dos
Trabalhadores dos Transportes (ITF). É também o coordenador
nacional da "For the Welfare State", um movimento sindicalista
baseado na aliança nacional que luta contra a privatização
e a desregulação e para proteger as conquistas sociais obtidas
através do
welfare state
.
O original deste artigo encontra-se no vol. 54, nº 2, da
Monthly Review
(Junho/2002, edição em papel).
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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