Trabalho europeu:
Diálogo social, pactos sociais ou Europa social?

por Asbjørn Wahl [*]

Cartaz galego. A palavra de ordem é mais a expressão de um desejo do que uma realidade Durante muitos anos o movimento sindical europeu reivindicou uma "Europa Social" aos governos europeus e à União Europeia (UE). Para a integração da Europa ter êxito seria preciso que fosse acompanhada por uma forte componente social – uma Europa do povo. Este também era o objectivo expresso da social democracia europeia – recuperar o controlo das forças do capital e criar uma "Europa Social" através da UE. Agora, pela primeira vez desde o estabelecimento da Comunidade Económica Europeia (CEE), governos sociais democratas ou dominados por sociais democratas têm estado no poder na UE durante vários anos. No entanto, uma "Europa Social" continua a ser um projecto por realizar.

Uma Europa social como alternativa

Nos anos 90, os sindicatos europeus recomeçaram a avançar após o recuo das alas direitas verificado nos anos 80. Sua exigência de uma "Europa Social" podia ser ouvida em numerosas línguas europeias pelo fim da década. Os trabalhadores do sector público manifestaram-se nas ruas da maioria das cidades francesas no outono de 1995, praticamente fomentando um levantamento social geral até que o governo extremamente impopular de Alain Juppé capitulou e retirou sua proposta de cortes maciços nas despesas públicas. Em 1997, os trabalhadores da Renault na Bélgica, França e Espanha manifestaram-se em Paris contra o encerramento da fábrica de Wildwoorde na Bélgica e sua posterior reinstalação numa área na Espanha mais subsidiada pela UE. Nesse mesmo ano os trabalhadores alemães movimentaram-se contra os cortes na segurança social efectuados pelo governo de Kohl. Milhares de desempregados e trabalhadores encheram as ruas de Colónia durante a cimeira europeia de 1998, bem como nas cimeiras efectuadas nos anos seguintes.

Nenhuma destas demonstrações assumiu a forma de comícios em favor do Tratado de Maastricht ou do Pacto de Estabilidade. Nenhuma delas exigiu que a Comissão Europeia ou o Conselho de Ministros acelerasse o ritmo do processo de integração. Todos eles foram protestos contra as consequências directas do desemprego em massa, cortes na segurança social, e ataques aos salários e às condições laborais. A exigência de uma "Europa Social" era apresentada em reacção, e como alternativa, ao desenvolvimento do projecto da UE realmente existente.

A UE no cenário global

A internacionalização da economia, o papel da UE e os mercados cada vez mais abertos representam novos e enormes desafios aos sindicatos de toda a Europa. À medida que as decisões são mudadas do nível nacional para o nível supranacional, e das instituições políticas para o mercado, os sindicatos nacionais perdem poder e influência. O facto de isto ocorrer numa situação em que as forças do capital estão na ofensiva no assim chamado processo de globalização agrava o problema.

A UE de hoje, com seu mercado único e sua união monetária, constitui a expressão política concreta do processo de globalização na Europa. Qualquer que tenha sido a razão inicial para estabelecer a CEE, agora a força condutora no desenvolvimento da UE é a luta pelos mercados e pela hegemonia entre os três centros da economia capitalista internacional – Estados Unidos, Japão e União Europeia. O objectivo é fortalecer o canto europeu no triângulo global, criar uma base mais forte para as companhias multinacionais "europeias".

Com esta abordagem analítica é mais fácil compreender as consequências sociais da UE. Ela torna claro que o estabelecimento de uma união económica e monetária na Europa, nas condições actuais, significará desregulamentações e privatizações contínuas, maior orientação para o mercado, um mercado de trabalho mais "flexível", e mais cortes nas despesas públicas. É fácil verificar porque aquilo que foi etiquetado como "Economia social de mercado europeia" está a desintegrar-se em torno de nós. Também explica porque é que a social democrata "Europa Social" ainda está para vir, apesar de os sociais democratas agora dominarem a UE.

A "Europa social" que falhou

No Outono de 1998, testemunhámos a aterragem forçada da social democracia europeia. Durante os nove meses anteriores, os lideres sociais democratas na Europa apresentaram propostas interessantes e desafiadoras, algumas das quais deram motivos para o optimismo do movimento sindical europeu.

O ministro das Finanças Alemão, Oskar Lafontaine, exigiu que o Banco Central Europeu reduzisse as taxas de juro a fim de aumentar a actividade económica e criar mais postos de trabalho. O primeiro ministro italiano, Massimo d'Alema, declarou que era tempo de reconsiderar a rígida disciplina orçamental incluída nos critérios de Maastricht e no Pacto de Estabilidade – pelas mesma razão – criar empregos e reduzir o desemprego. O primeiro ministro francês, Lionel Jospin, apoiou suas iniciativas. Era tempo de fazer algo sobre o desemprego maciço na UE. As suas exigências representavam a tradicional política keynesiana de estimulação. Lafontaine também enfatizou que a introdução do euro divisa não deveria conduzir a uma transferência da produção industrial para países com salários mais baixos, que a economia especulativa deveria ser mantida sob rédea curta, e que os impostos e benefícios sociais deveriam ser harmonizados (tornados uniformes) para impedir futuros dumpings sociais (competição por entradas de capital através de cortes de custos para as empresas).

Uma forte contestação a estas propostas surgiu no Conselho de Ministros das Finanças em Bruxelas, a 22 de Novembro de 1998. Ali, Oskar Lafontaine, bem como outros sociais democratas que haviam argumentado por uma mudança de política, perceberam que estavam quase sem poderes. O Banco Central Europeu deixou claro que, de acordo com a constituição Europeia, era independente e não estava sujeito à regulação política. As taxas de juro faziam parte do domínio do Banco. A Comissão Europeia tornou igualmente claro que os critérios orçamentais do Tratado de Maastricht e do Pacto Social estavam fixados. Agora faziam parte da Constituição Europeia e só podiam ser alterados por consenso.

Assim, Lafontaine descobriu o que alguns de nós já sabiam, que o Banco Central Europeu não recebe instruções do exterior e que os rígidos critérios orçamentais são fixados por acordo. Por outras palavras, a União Europeia representa uma institucionalização de uma política monetária neoliberal e de extrema direita, a qual não pode ser alterada apesar das boas intenções das pessoas. As instituições, leis e regulações da União Europeia não são estruturas neutras em que qualquer coisa e tudo pode ser colocado. Elas reflectem o equilíbrio de poderes dentro da União Europeia. Elas tomam a sua forma e conteúdo especifico do facto de as forças hegemónicas – hoje, forças capitalistas ofensivas e agressivas – estão a fortificar o seu poder estrutural através da criação de novas instituição não sujeitas ao controlo popular.

Por outras palavras, o keynesianismo é proibido na União Europeia de hoje. Assim, o Conselho de Ministros terminou com uma declaração na qual, entre outras coisas, apresentava a seguinte frase críptica: "A globalização requer reformas económicas com o objectivo de criar um sistema justo e socialmente aceitável". Dito assim, parece promissor. No entanto, a declaração acrescenta: "Para alcançar este objectivo, a economia tem de ser mais eficiente, a regra do mercado deve dominar e os obstáculos ao comércio livre têm que ser eliminados". Era ainda enfatizado que: "A movimentação livre de capitais tem sido positiva para os países recentemente integrados na economia mundial. É uma condição prévia para o desenvolvimento e o crescimento económico que cada país escolha uma estratégia para abrir os seus mercados às companhias estrangeiras". Comentando estas declarações, o jornal de negócios americano International Herald Tribune considerou: "não resta muita esquerda entre a esquerda".

A posterior demissão dramática do ministro das Finanças alemão, Oskar Lafontaine, enfatizou ainda mais esta situação. Devido às suas propostas para refrear os movimentos financeiros internacionais, Oskar Lafontaine, já fora anunciado por um jornal britânico como "o homem mais perigoso da Europa". No dia da sua demissão, os especuladores na Europa celebraram-na remetendo o euro e os mercados de acções europeus para novas alturas. O equilíbrio de poderes na Europa estava era agora claro como cristal. O projecto social democrata de criar uma "Europa Social" a partir do topo havia encalhado. Na realidade, este objectivo já não era sequer mencionado nos discursos dos líderes sociais democratas europeus.

O papel do movimento sindical

A rigorosa política orçamental e monetária da UE resultou também num rebaixamento das políticas de harmonização fiscal e sociais. A competição fiscal entre os países, isto é, a competição para atrair capitais, contribui fortemente para esta espiral de rebaixamentos. Com o livre movimento de capitais e a competição cada vez mais aguda, as empresas ameaçam cada vez mais abandonar o país se não este não satisfizerem as suas exigências económicas. Para apaziguar estas empresas, os governos cortam os impostos que as oneram, constróem melhores infra-estruturas, cortam benefícios sociais e reduzem o rigor das regulamentações ambientais. O resultado é uma harmonização rebaixada e em direcção a níveis cada vez mais baixos. E os trabalhadores terão de pagar a maior parte do custo de tudo isso – através do aumento do desemprego, do bem estar social reduzido, das reduções salariais e da desregulamentação das condições de trabalho.

Desta forma o défice social anda de mãos dadas com o défice democrático da UE. É desnecessário dizer que os 20 milhões de desempregados e os 50 milhões de pobres que vivem na União Europeia têm pouco a esperar das instituições oficiais da UE. É aqui que o papel do movimento sindical será crucial. Mais do que nunca, a situação actual convida à luta social por uma Europa social. As forças condutoras do processo económico de globalização e o desenvolvimento neoliberal da UE terão de ser confrontados. A nação estado ainda é uma base importante para esta luta, mas a perspectiva tem de ser social e internacional. Isto significa que temos de desenvolver uma nova plataforma política, juntamente com novas estratégias e tácticas adaptadas a esta situação.

O "diálogo social" impotente

O movimento sindical tem, entretanto, consideráveis problemas em assumir a liderança desta luta. Os burocratas sindicais na maior parte dos países da Europa Ocidental chegaram aos lugares que agora ocupam durante o período do chamado compromisso de classe e têm grande dificuldade em se adaptar à nova situação, na qual as pré-condições sociais e históricas de compromisso se estão a desvanecer. Ao invés de se adaptarem à nova situação, os patrões dos sindicatos da maioria dos países agarram-se às políticas de pactos sociais com os empregadores.

Ao nível da UE, observámos nos últimos anos um crescendo de actividades sob a forma de consultas, negociações e "diálogo social" relativo ao mercado de trabalho. Além disso, a actividade de lobby assumiu um papel preponderante. O problema é que se trata de actividades desligadas dos membros dos sindicatos e, em grau elevado, até mesmo das actividades dos sindicatos ao nível nacional. O resultado até agora tem sido um forte desenvolvimento de cima para baixo (top-down) e o crescimento de uma enorme burocracia europeia no movimento sindical. Uma verdadeira resposta sindical, na qual os sindicatos organizem e mobilizem a sua força, nomeadamente através da participação activa dos seus membros, nomeadamente membros activos da base, mostrando força por trás das suas reivindicações, ainda não se viu a nível europeu.

Todos os envolvidos na luta sindical a nível de país sabem que sem o direito de entrar em acção pouco se consegue na mesa das negociações. Este é o problema fundamental dentro da União Europeia de hoje. As "negociações" ao nível da UE verificam-se sem o direito de actuar ao nível industrial. Assim, este processo até então poucos benefícios trouxe aos trabalhadores. Os empregadores, sabendo que os seus opositores não têm poder para forçar as suas reivindicações, não são muito acomodatícios na mesa de negociações. "Negociações" desta forma foram introduzidas pelo Tratado de Maastricht e posteriormente desenvolvidas pelo Pacto de Amsterdão. De acordo com estes documentos, nas áreas relevantes, as partes no mercado de trabalho deveriam primeiramente ter oportunidade de negociar. Em caso de acordo, a Comissão pode transformar o acordo numa directiva formal da UE. Em caso de desacordo, a Comissão pode propor uma directiva por sua própria iniciativa. Até ao momento, este processo deu origem a três directivas: uma relativa à licença de parto, outra relativa ao trabalho em tempo parcial e uma terceira a propósito do trabalho temporário. Todas são limitadas a padrões mínimas. As industrias de transporte marítimo e ferroviário negociaram acordos relativos às horas de trabalho, as quais estão agora a tornar-se directivas.

Compromisso de classe em crise

Para compreender plenamente a crescente impotência do movimento sindical, temos de olhar mais atentamente para o chamado compromisso de classe estabelecido na Europa Ocidental após a Segunda Guerra Mundial. O equilíbrio de forças relativamente estável entre trabalho e capital, que marcou o desenvolvimento das nossas sociedades no pós-guerra, foi consolidado estruturalmente neste período por meio de leis, acordos e reformas, as quais deram ao movimento dos trabalhadores poder, direitos e segurança social. Estas conquistas não podem ser retiradas da noite para o dia, precisamente porque o compromisso estava assente em legislação e acordos, bem como em instituições sociais e estruturas. A alteração geral deste equilíbrio em favor dos empregadores, que se tem verificado nos últimos anos, portanto ainda tem um grande potencial de mudança.

A estabilidade e a duração do crescimento económico durante os primeiros 20 a 25 anos após a Segunda Guerra Mundial criaram a condição necessária para um compromisso de classes relativamente estável. O crescimento económico permitiu um aumento da riqueza para a maior parte das pessoas e importantes reformas em favor do homem da rua e do movimento sindical, os quais, em troca, tiveram de aceitar o modo de produção capitalista, a propriedade privada dos meios de produção e o direito unilateral dos empregadores de organizarem o processo de produção.

Se o crescimento económico acomodou o compromisso, a crise económica o desfez. A posição dos sindicatos no compromisso foi minada pela crise económica dos últimos 20 a 25 anos. As condições históricas e económicas para o compromisso de classe estão agora a desintegrar-se. A política de consenso, portanto, está a partir-se por todas as juntas. Sob a pressão de lutas cada vez mais aguerridas por quotas de mercado, as forças capitalistas tomaram a ofensiva a fim de aumentar os lucros – dentre outros meios, pelo enfraquecimento dos direitos sindicais, pela manutenção de salários baixos e pelos cortes nas despesas públicas. Por outras palavras, o modelo de consenso do pós-guerra está à beira do colapso.

Num país após o outro, os sindicatos vêm que os direitos conquistados pela luta ou negociação pacífica durante o período de consenso, não podem ser considerados garantidos. Infelizmente, muitas pessoas ainda pensam em termos de compromisso de classe e portanto não entendem mais o que se passa nos seus locais de trabalho. Esta incapacidade para perceber a verdade está a ser explorada por populistas cínicos da extrema direita, como Jean-Marie Le Pen em França, Jörg Heider na Áustria, Gianfranco Fini na Itália, e grupos racistas e neofascistas mais ou menos violentos – especialmente na Alemanha. Estas forças extremistas ganham terreno devido à desintegração dos partidos sociais democratas e à falta de alternativas credíveis à esquerda.

Na maioria dos países europeus, estas dramáticas mudanças sociais têm sido enfrentadas pelo movimento sindical com políticas pragmáticas de adaptação defensiva. Em algumas áreas a França tem sido a excepção; ali os sindicatos efectuaram acções abrangentes e com êxito a nível industrial. Nestes últimos anos, a luta sindical também aumentou noutros países europeus – após um período no qual as acções ao nível industrial, salvo raras excepções, estiveram quase ausentes do mercado de trabalho europeu.

A política de adaptação

Um dos maiores problemas para os sindicatos, ao enfrentarem a globalização da economia, reside nos seus fortes laços com o estado-nação. Enquanto a segurança social, a legislação do trabalho e os acordos salariais estão profundamente enraizados no conceito de estado-nação, as forças do capitalismo operam mais ou menos livremente num mercado mundial desregulado. Isto reduz a capacidade do movimento sindical para actuar ao nível internacional. Os sindicatos têm, portanto, grandes dificuldades em acompanhar as companhias multinacionais e o movimento internacional de capitais.

Nesta situação, grande parte da burocracia sindical internacional concentra a sua actividade no estabelecimento de um mínimo de normas sociais – através da Organização Internacional do Trabalho (International Labour Organization - ILO) ou nos novos acordos que estão a ser desenvolvidos no âmbito da Organização Mundial de Comércio (World Trade Organization – WTO) ou outros blocos de comércio regionais, como o Acordo Norte Americano de Comércio Livre (North American Free Trade Agreement – NAFTA). Um exército de burocratas sindicais transformou-se assim em caixeiros viajantes de sindicatos impotentes. A maior das pessoas que se envolveu neste tipo de actividade sabe que os resultados obtidos foram extremamente magros.

Pelo menos dentro da UE, estas actividades desenvolveram-se consideravelmente. Adicionalmente à Confederação Europeia dos Sindicatos do Comércio (European Trade Union Confederation - ETUC) e às secções europeias dos secretariados de comércio internacional, certo um número de confederações nacionais e sindicatos também instalou escritórios em Bruxelas. Como canal de informação isto pode ser importante, mas na área do lobbying , a eficácia desta estratégia até ao momento tem sido insignificante.

Este "internacionalismo burocrático" conduziu os sindicatos a um beco sem saída. A situação provoca elevados níveis de frustração e sentimentos de impotência dentro dos sindicatos. Certamente, muitos dos seus representantes clamam regularmente por acções conjuntas nas reuniões sindicais internacionais, mas sem conteúdo ou direcção concretas. Esta retórica militante parece ser uma parte do papel dos burocratas sindicais, que frequentemente não têm base de sustentação nas suas actividades nacionais, onde continuam a agir imbuídos do espírito do compromisso de classe histórico – incluindo a suave indulgência e a adaptação ao desenvolvimento do actual "capitalismo triunfante".

Pactos sociais

Uma parte importante da adaptação da burocracia dos sindicatos à nova realidade tem sido a sua aliança com as forças do capitalismo nacional na competição pelo aumento de quotas no mercado internacional – na qual salários e condições de trabalho também são aceites como factores importantes (e.g., o recente acordo entre a Volkswagen na Alemanha e o sindicato dos trabalhadores do sector metalúrgico, IG Metall). Aumentos de salário moderados e uma certa conformidade na direcção de reverter reformas e políticas sociais têm sido os conteúdos concretos desta estratégia. "Negociação rebaixada" tornou-se uma noção corrente no mercado de trabalho europeu. Para um movimento sindical que aceitou os limites do sistema, não existem outras alternativas realistas.

Outra parte da adaptação sindical tem sido o seu total apoio à integração europeia, na esperança de que esta levará a cláusulas sociais e à harmonização das condições de trabalho num nível superior, pelo menos nos países que estão a ficar para trás. No entanto, à medida que o movimento sindical europeu tem-se apercebido da forma assumida por esta integração, o seu apoio tornou-se gradualmente mais critico. As acções industriais que tiveram lugar nos últimos anos, estiveram directa ou indirectamente ligadas aos planos de criar um sindicato europeu. Basicamente, este foi o contexto em que as greves francesas no outono de 1995 tiveram lugar, e lutas importantes verificaram-se também na Bélgica, Alemanha, Grécia, Itália e Espanha.

As visão estreita da burocracia sindical tem de ser compreendida em particular atendendo ao seu papel na era do compromisso de classe, quando a sua principal função era funcionar como colchão entre a força de trabalho e o capital. Por um lado, os burocratas negociavam melhorias consideráveis nas condições de trabalho e segurança social. Por outro lado, controlavam e administravam a paz industrial nos locais de trabalho. A sua posição depende de os membros dos sindicatos depositarem a sua confiança nas mãos dos burocratas. A luta sindical independente e de base local será uma ameaça continua a este papel.

Por outras palavras, a adaptação ou a resistência depende da pressão colocada pelas bases dos movimentos sindicais. Isto é o que tem provocado um aumento de actividade e de resistência em partes do movimento sindical europeu. Para citar um antigo sindicalista francês que em Março de 1997 participou na manifestação europeia conjunta em Paris contra os planos da Renault de encerrar a sua unidade industrial na Bélgica: "Os sindicatos durante anos estiveram de corpo presente ao nível europeu. Nunca trabalharam correctamente porque na sua alma todos os sindicatos se opõem à União Europeia. Agora, quando os sindicalistas finalmente começaram a cooperar, falando uns com os outros e enviando faxes uns aos outros, as pessoas importantes finalmente começam a agir." ( The Guardian , 12 de Março de 1997)

A alternativa: solidariedade internacional real

Durante os últimos anos observámos iniciativas em prol de uma luta de salários coordenada em algumas zonas da Europa, simultaneamente com a propagação da ideia de acordos salariais transnacionais. A proposta do sindicato alemão IG Metall no outono de 1998 representou um novo desenvolvimento nesta ligação. Afirmava que a política e a luta salariais deveriam ser coordenadas por cima das fronteiras dos países com o objectivo de contrariar o dumping social e combater por uma distribuição da riqueza alternativa. Não exigiam acordos salariais a nível europeu, o que a curto prazo é bastante irrealista. A ideia era coordenar as exigências salariais, baseadas nos princípios comuns de obter compensação devido à inflação bem como nos aumentos da produtividade do trabalho.

A proposta da IG Metall em muitos aspectos representou uma mudança da política sindical na Europa. O objectivo era lutar por uma fatia maior da riqueza através de uma luta salarial mais ofensiva. Assim o consumo aumentaria e por consequência também a produção e o emprego, por outras palavras, uma boa e velha perspectiva social democrata. Há um certo toque de keynesianismo nisto, pois foca a distribuição da riqueza entre a força de trabalho e o capital. Baseava-se numa perspectiva bem diferente da dos "pactos nacionais" entre trabalho e capital, os quais ainda dominavam a maior parte dos países da Europa Ocidental. No entanto, pouco aconteceu na prática, e no Outono de 2001, a IG Metall finalmente baixou os salários e as condições de trabalho para garantir a instalação por parte da Volkswagen de uma nova unidade industrial na Alemanha e não num país da Europa do Leste.

O desenvolvimento em direcção a acordos salariais europeus ainda tem um longo caminho a percorrer. Tais acordos terão de se basear numa legislação de trabalho comum ao nível da UE. Isto ainda está longe da realidade na Europa de hoje. O direito à negociação e o direito à greve ainda assentam sobre legislações laborais nacionais, elas próprias construídas sobre tradições e desenvolvimentos bastante diferentes, o que complica a harmonização a nível europeu. Nenhum sindicato nacional irá abdicar do seu direito de negociação em favor de um corpo sindical europeu, enquanto o direito de agir não for desenvolvido a nível europeu. Actualmente, uma greve por exigências comuns ao nível da UE desafiaria as leis nacionais da maior parte dos países. Aqui podemos encontrar um dos maiores desafios para o movimento sindical na Europa de hoje.

No entanto, a falta de acordos internacionais não deveria impedir o movimento sindical de fortalecer a solidariedade entre sindicatos além fronteiras – pois isto é mais importante do que nunca. Para isto tudo é preciso apoio político de económico directo a fim de que os trabalhadores decidam lutar contra os ataques dos estados e das forças do capital. É este tipo de solidariedade – na forma de "eu apoio-te" e "tu apoias-me" – baseado no entendimento de que temos interesses comuns, que é importante desenvolver e fortalecer internacionalmente. Isto é fundamental, também, na questão dos acordos salariais transnacionais. Confiar num "diálogo social" sem o direito de agir a nível europeu é um caminho perigoso.

Ao longo dos últimos anos, tem havido uma tendência crescente para a confrontação social em vários países da UE, bem como a nível da UE. Em muitos países, os sindicatos revitalizaram-se após um longo período de desmoralização e enfraquecimento. Ainda mais encorajador é o emergir de campanhas e acções conjuntas por parte dos sindicatos, e o clamor por uma "Europa Social" tem aumentado fortemente.

Tem havido um elevado número de enormes manifestações em Bruxelas, onde milhares de sindicalistas de muitos países e indústrias participaram. Durante cinco anos consecutivos, condutores de autocarros e camiões bloquearam as passagens de fronteiras por toda a Europa e lançaram dias anuais de acções. Por ocasião das cimeiras da UE em Amsterdão, Luxemburgo, Colónia, Nice, Gotemburgo, Bruxelas e Barcelona foram organizados grandes comícios e marchas de protesto contra o desemprego maciço na União Europeia. Desta forma podemos testemunhar que os sindicatos europeus e outros movimentos sociais estão lentamente a desenvolver actividades e estratégias para confrontar a versão europeia da ofensiva global das forças capitalistas. Se o movimento sindical pretender algum dia alcançar uma Europa social este é o caminho a seguir – em oposição à política de consenso, de base nacional, predominante nas burocracias sindicais existentes.

[*] Asbjørn Wahl é membro do Sindicato dos Empregados Municipais da Noruega (NUME) e é vice-presidente da Secção dos Trabalhadores dos Transportes da Federação Internacional dos Trabalhadores dos Transportes (ITF). É também o coordenador nacional da "For the Welfare State", um movimento sindicalista baseado na aliança nacional que luta contra a privatização e a desregulação e para proteger as conquistas sociais obtidas através do welfare state .

O original deste artigo encontra-se no vol. 54, nº 2, da Monthly Review (Junho/2002, edição em papel).

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

07/Set/02