A Alemanha está mais conservadora
por Antônio Inácio Andrioli
[*]
As eleições de 22 de setembro demonstraram claramente que a
Alemanha não está isolada da onda conservadora que
ronda a Europa. A reeleição de Gerhard Schröder para
chanceler e a manutenção no poder da coalisão formada por
SPD (Partido Social-democrata Alemão) e Partido Verde gerou a
sensação de que o pior foi evitado, tendo em vista a
derrota do bloco conservador CDU/CSU (União Democrática
Cristã e União Social Cristã) somado ao fato do FDP
(Partido Liberal) ter ficado abaixo das suas projeções o que,
concretamente, impediu uma possível vitória de Edmund Stoiber,
candidato a chanceler de uma esperada coalisão CDU/CSU e FDP.
Entretanto, é necessário ter um pouco mais de cuidado ao analisar
o atual quadro político alemão.
Em primeiro lugar, o grande dilema desde o início da campanha eleitoral
era diferenciar Schröder de Stoiber. As privatizações,
isenções de impostos a grandes empresas e o gradativo desmonte do
Estado de bem-estar social são políticas em
execução no governo de centro-esquerda liderado por
Schröder, traindo as expectativas de todos aqueles que, em 1998, viam
neste governo a alternativa de mudança diante dos 16 anos de Helmut Kohl
(CDU). Em outras palavras, a prometida mudança não aconteceu e o
que se temia dos conservadores foi realizado pelos social-democratas, contando
com o aval do Partido Verde que, após ingressar no governo, foi ruindo
seu antigo programa a tal ponto que chegou a apoiar a
participação alemã na guerra do Kosovo e
Afeganistão, atentando contra um de seus valores mais caros: o
pacifismo. Como possíveis diferenças em relação aos
conservadores resta a instituição da união civil de
homossexuais, a lei de imigração, maior investimento em programas
de auxílio a crianças, gradativa redução de
centrais nucleares e o apoio à agricultura ecológica. O
desemprego, principal tema do debate político, não obteve nem com
a aliança CDU/CSU nem com a SPD/Partido Verde alguma proposta efetiva de
enfrentamento. Se os 4,5 milhões de desempregados no governo Kohl, em
1998, foram um dos principais motivos da sua derrota, o governo Schröder
que, naquela época, prometeu uma redução para, no
mínimo, 3,5 milhões, alegando que em caso de descumprimento
não mereceria ser reeleito, chegou ao seu final com 4,1 milhões
de desempregados.
Neste quadro político confuso, restaram algumas medidas
demagógicas das quais Schröder conseguiu tirar proveito na fase
final da campanha eleitoral: 1) as promessas de ajuda aos atingidos pelas
enchentes no leste do país (exatamente onde o índice de
desemprego é maior); 2) a adoção de um discurso pacifista
se posicionando contrariamente à intervenção militar no
Iraque. Contando com um quadro desfavorável, as ferramentas usadas
surtiram efeito a ponto de evitar um maior crescimento de CDU/CSU, que chegou a
apresentar as restrições a estrangeiros como alternativa de
redução do desemprego, numa tentativa de ampliar sua
votação com os extremistas de direita. Mas, a pergunta continua
valendo: qual é, de fato, a diferença entre Schröder e
Stoiber e, com a reeleição de Schröder, o que muda na
Alemanha?
Em segundo lugar é importante levar em conta que a vitória de
Schröder só foi alcançada por uma estreita diferença
de mandatos de deputados eleitos diretamente. As eleições
parlamentares na Alemanha prevêem dois votos na mesma cédula de
votação: uma para o candidato a deputado em seu distrito
eleitoral e outro para o partido. Os votos no partido contabilizam o
número de deputados que cada partido terá no Parlamento. Os votos
em candidatos expressam os deputados de preferência dos eleitores que
vencem em cada distrito eleitoral. Assim, os deputados que vencem as
eleições em seu distrito de votação já
são automaticamente eleitos, os chamados mandatos diretos. Quando o
número de mandatos diretos ultrapassa os votos do partido, o partido
acaba ganhando mais deputados. O conjunto dos deputados eleitos, por sua vez,
elege o chanceler, o que abre o espaço para as coligações.
O SPD alcançou mais deputados do que votos no partido e elegeu 251
deputados que, somados aos 55 do Partido Verde, garantem uma pequena maioria em
favor de Schröder no total de 603 deputados. Schröder foi eleito com
57% da população se afirmando insatisfeita com seu governo. O
crescimento de 3,4% de CDU/CSU e a redução de 2,4% do SPD em
relação a 1998, demonstram que o SPD vem reduzindo sua capacidade
eleitoral, tendo sido salvo pelo desempenho de seu candidato a chanceler, os
mandatos diretos e o crescimento do Partido Verde que, especialmente, com a
enchente e a sensibilidade com relação ao meio ambiente, soube
aproveitar um espaço deixado em aberto pelos demais partidos.
Em terceiro lugar, cabe registrar que a Alemanha já não possui
mais oposição de esquerda no Parlamento. O PDS (Partido do
Socialismo Democrático) que, até então, era o único
partido claramente identificado de esquerda, conseguiu eleger apenas 2
deputados e, com apenas 4% dos votos, deixa de existir como bancada. Com a
polarização entre SPD e CDU, a descaracterização do
PDS nos governos em aliança com o SPD e a renúncia de seu
principal líder, Gregor Gysi, no período que antecedeu a
campanha, o PDS é, na verdade, o grande derrotado destas
eleições, perdendo parte de seus votos para o SPD e outra para os
que deixaram de votar.
A tendência é de ampliação do mesmismo, com a
continuidade da implementação das políticas neoliberais e
a emergência do populismo como instrumento de construção da
hegemonia. Frente à reeleição deste governo que já
demonstrou seu descompromisso com a mudança, resta uma
oposição conservadora, configurando uma conjuntura de retrocesso
político e acomodação, onde a crítica é
gradativamente suplantada pelo temor diante do perigo maior, o perigo de
ascencao de um suposto conservadorismo que, concretamente, já
está instaurado.
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Doutorando em Ciências Sociais na Universidade de Osnabrück
Alemanha
O original deste artigo encontra-se em
http://www.espacoacademico.com.br/17andrioli.htm
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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