O espectro do Vietname
A guerra no Iraque é tão diferente em tantos aspectos à
que os Estados Unidos empreendeu no Vietname que me pergunto por quê (tal
como o coração denunciante atrás da parede da casa do
assassino no conto de Edgar Allan Poe) que se ouve ainda o bater dos tambores
do Vietname. Essa guerra durou oito anos. A do Iraque, três semanas. No
Vietname houve 58.000 baixas estadunidenses em combate, só umas centenas
no Iraque. Nosso inimigo no Iraque, Saddam Hussein, é odiado pela
maioria do seu povo. Uma guerra foi travada nas selvas e montanhas por um
exército formado, na sua maioria, por recrutas; a outra por soldados
voluntários no deserto arenoso. Os Estados Unidos foram derrotados no
Vietname. No Iraque saíram vitoriosos.
Em 1991, depois da primeira guerra contra o Iraque, o presidente George Bush, o
mais velho, anunciou com orgulho: "O espectro do Vietname ficou enterrado
para sempre nas areias da península arábica". Mas,
será verdade que o síndroma Vietname já não
está na consciência nacional? Não existe uma
semelhança fundamental, a de que em ambas as instâncias vemos o
país mais poderoso do mundo enviar seus exércitos, seus barcos e
aviões ao outro lado do mundo para invadir e bombardear um pequeno
país por razões que se tornam cada vez mais difíceis de
justificar?
Em ambas as situações criaram-se as desculpas, mentindo ao povo
estadunidense. O Congresso concedeu a Lyndon Johnson o poder de fazer a guerra
com o Vietname depois de o seu governo ter anunciado que barcos estadunidenses,
"em patrulha de rotina", haviam sofrido um ataque no golfo de Tonkin.
Depois foi demonstrado que todos os elementos desta alegação
eram falsos.
Da mesma maneira, a razão que se invocou primeiro para ir à
guerra contra o Iraque que Saddam Hussein tinha "armas de
destruição em massa" foi uma mera
invenção. Não encontraram nenhuma. Não as encontrou
o pequeno exército de inspectores das Nações Unidas, nem o
enorme exército estadunidense que examinou cuidadosamente todo o
país.
O porta-voz da Casa Branca, Ari Feischer, disse à nação:
"É um facto, sabê-mo-lo, aí há armas". O
incrível é que, depois da guerra, George W. Bush disse-o
à televisão polaca: "encontrámos as armas de
destruição em massa".
Os "documentos" que Bush citou no seu relatório ao Congresso
para "provar" que o Iraque possuía armas de
destruição em massa não passavam de
falsificações. Os chamados "besouros da morte"
não eram senão aviões de brinquedo. Aquilo a que Collin
Powell chamou "camiões de descontaminação" eram
na realidade camiões de bombeiros. O que os líderes
estadunidenses designaram por "laboratórios móveis de
gérmens" (descobriu uma equipa oficial de inspecção
britânica) eram dispositivos para encher balões de artilharia.
Mais, o governo de Bush enganou o povo estadunidense ao fazer-lhe crer, e a
maioria ainda acredita, que havia uma ligação entre Hussein e os
terroristas da Al Qaeda que planearam o ataque de 11 de Setembro. Não
há a mais mínima evidência que corrobore tal
afirmação.
Tanto o Vietname comunista como o Iraque governado por Saddam Hussein foram
apresentados como ameaças iminentes à segurança nacional
estadunidense. Em nenhum dos casos havia qualquer base sólida para esse
temor. De facto o Iraque era um país devastado por duas guerras e 10
anos de sanções, mas tal alegação foi utilizada por
este governo para levar uma guerra mortal a um povo inteiro.
O que nunca se disse publicamente em relação à guerra do
Vietname foi algo que circulou em segredo através de memorandos
intergovernamentais: que o interesse os Estados Unidos no sudeste
asiático não foi estabelecer a democracia, mas sim proteger o
acesso ao petróleo, ao estanho, e à borracha na região.
No caso iraquiano, foi-nos escamoteado o óbvio papel crucial
desempenhado pelo petróleo da região na política
estadunidense, para não revelarmos os motivos não muito nobres
que levaram à guerra.
Quanto ao Vietname, o povo estadunidense conseguiu gradualmente aperceber-se da
verdade e o governo viu-se forçado a cessar a guerra. Hoje, continua por
se saber se o povo estadunidense, em algum momento, verá o que
está por detrás destas mentiras e se unirá a um grande
movimento cívico que trave aquilo que parece ser um inexorável
imperial, à custa dos direitos humanos aqui e no estrangeiro.
[*]
Historiador norte-americano. Autor de uma vasta obra na qual se incluem
títulos importantes como: A People's History of the
United States: 1492-Present, Back the Attack! Remixed War
Propaganda,
Writings on Disobedience and Democracy, A People's History of the
Supreme
Court, Silencing Political Dissent: How Post- September 11
Anti-Terrorism
Measures Threaten Our Civil Liberties, You Can't Be Neutral on a
Moving Train: A Personal History of Our Times, Terrorism and War
(Open Media Pamphlet Series), Target Iraq: What the News Media
Didn't Tell You.
FONTE: Diário mexicano "La Jornada", 04/Jul/03.
Este artigo encontra-se em
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