Visão global A mancha desumana
por Chris Floyd
Existe um escândalo global a devorar o cerne do corpo político
americano. Entre as muitas correntes de corrupção do regime Bush
a correrem soltas pela nação, este escândalo é
provavelmente o pior, porque acoita todos os outros e cria uma nova
pestilência, novas perversões a cada instante.
Na semana passada, Maher Arar do Canadá relatou o seu calvário
às mãos dos «órgãos» de segurança
do Procurador Geral John Ashcroft. Ao regressar de um feriado familiar em
Tunis, Arar nascido na Síria e há dezasseis anos
cidadão do Canadá foi detido num aeroporto de Nova Iorque.
Preso e interrogado sem acusações, sob alegações
não especificadas de ligações não especificadas a
grupos terroristas não especificados, foi então deportado sem
julgamento para a Síria. Quando declarou aos polícias
pátrios que seria torturado ali a sua família estava
marcada como dissidente pelo regime Baatista da Síria os
polícias responderam que o seu organismo «não era o corpo
que tratava das convenções de Genebra respeitantes à
tortura». Algemaram-no e enviaram-no de avião para o regime da
Jordânia amigo da América; daí foi despachado pela
fronteira para Damasco, relata o
Washington Post
.
Mas não é desse escândalo que falamos.
Durante 10 meses Arar foi mantido numa cela escura na Síria: uma
«sepultura» como ele lhe chamou, um buraco escuro do tamanho de um
armário cheio de urina de ratos e gatos que caía pela grelha por
cima dele. Foi chicoteado frequentemente com fios eléctricos, durante
semanas seguidas, mantido acordado durante dias, testemunhou e assistiu
à força a torturas ainda mais requintadas a outros prisioneiros.
Foi obrigado a confissões falsas. Os camaradas Baatistas de Ashcroft
tinham uma história já montada que queriam que ele assinasse
Ahar tinha ido ao Afeganistão, estivera em campos de treino
terroristas, conspirara até o padrão habitual. Arar, que
passara anos a trabalhar como consultor informático para uma firma de
alta tecnologia sediada em Boston, não fez nenhuma destas coisas. No
entanto foi chicoteado, quebrado e triturado até obedecer.
Mas não é desse escândalo que falamos.
O caso de Arar não é extraordinário. Nos últimos
dois anos, os «organismos» de Bush entregaram milhares de detidos,
sem culpa formada, audições ou quaisquer provas a regimes que os
próprios Estados Unidos denunciam pela utilização
crescente da tortura. Os homens dos «organismos» não fazem
segredo de tal prática ou do seu conhecimento de que os
«devolvidos» serão espancados, queimados, drogados, violados e
até mortos. "Faço isto com os olhos bem abertos",
declarou um deles ao
Washington Post
. Detidos, incluindo residentes americanos de uma vida inteira têm sido
arrancados de casa, dos negócios, de escolas, de ruas e aeroportos e
enviados para fossos de tortura como a Síria, Marrocos, Egipto e
Jordânia.
Mas não é desse escândalo que falamos.
Claro que os «organismos» americanos já não precisam de
confiar exclusivamente nos estrangeiros para a tortura. Sob a liderança
iluminada de Ashcroft, Bush, Donald Rumsfeld e outros estadistas
cristãos famosos, a América já criou os seus
próprios centros para aquilo que os organismos chamam
«flexibilidade operacional». Isso inclui bases no Afeganistão
e Diego Garcia, a ilha do Oceano Índico que foi despovoada à
força para dar lugar a uma base militar americana. Aí, a CIA tem
unidades de interrogatório secretas que são ainda mais restritas
do que o campo de concentração americano na baía de
Guantanamo. Os presos mais uma vez sem culpa formada, são
«amaciados» com espancamentos às mãos da polícia
militar e das tropas das Forças Especiais antes de serem sujeitos a
técnicas de «pressão e dureza»; privação
de sono (condenada oficialmente como tortura pelo governo dos Estados Unidos)
desorientação física e psíquica, não
permissão para tomarem medicamentos, etc. Quando os espancamentos e a
«dureza» não funcionam, os detidos são então
«despachados», encapuçados, amordaçados, estendidos em
macas e amarrados com fita adesiva.
Mas não é desse escândalo que falamos.
Não contentes com a captura e a tortura, os «organismos»
receberam autorização oficial para efectuar raids e matar
à vontade «suspeitos de terrorismo» (incluindo americanos)
sem acusações, provas, supervisão ou
apelação. A vida de cada cidadão americano de
todas as pessoas no mundo está agora à mercê do seu
capricho arbitrário.
Mas esse não é o escândalo de que falamos.
Todos os factos acima referidos cada um deles violações
manifestas do direito internacional e da Constituição dos Estados
Unidos foram alegremente testemunhados, já há anos, pelos
homens do aparelho dos «organismos», citados em
publicações habituais de alto gabarito incluindo o
New York Times
,
The Economist
, e outras. As histórias aparecem e desaparecem. Não há
reacção. Nenhuma voz se levanta no Congresso ou nos tribunais
os supostos guardiões dos direitos do povo para
além de certos pedidos de uma maior formalidade no processamento dos
campos de concentração ou nas
«autorizações» judiciais para a tortura. E entre a
grande massa do «povo» não há nada. Silêncio.
Desinteresse. Indiferença. Aceitação.
Esse é o escândalo, é a vergonha aviltante da
nação. Esta aceitação do terror de Estado
gerará e atrairá mil males para cada um daqueles
que supostamente impede.
O original encontra-se em
http://www.tmtmetropolis.ru/
. Tradução de MA.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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