Os soldados americanos no Iraque querem voltar para casa, mas há poucos
candidatos para os substituir. Dois veteranos do Vietnam que agora são
activistas do movimento da paz, Andy Stapp e Larry Holmes, afirmam que neste
momento lavra um movimento de revolta no seio das tropas ianques. A entrevista
foi concedida a John Catalinotto, do jornal americano
Workers World
Em Outubro último,
Workers World
havia entrevistado o antigo presidente do Sindicato americano dos militares
(ASU), Any Stapp, que na ocasião declarou: "É
difícil dizer o que poderá acontecer no decorrer de um conflito
breve que será conduzido em grande parte a partir do céu. Mas no
decorrer de uma ocupação longa do Iraque e do Afeganistão,
com uma luta de guerrilha e mortos constantes, é possível um
verdadeiro movimento de oposição no seio de exército".
Stapp, que foi alistado aquando da guerra do Vietnam, depois de ter queimado a
sua convocação, indica, após o seu nome, o seu grau:
"Private E-1 (soldado simples". E-1 é o grau mais baixo,
indicando que o militar pode deixar o exército e que o comando nada
tinha a dizer quanto ao seu desempenho.
Workers World
entrevistou novamente Stapp e outro soldado E-1 antimilitarista, Larry Holmes,
acerca do ambiente no seio das tropas. De 1972 a 1975 Holmes foi
responsável da ASU e hoje faz parte dos dirigentes da
coligação contra a guerra, ANSWER.
WW
O que pensam acerca do ambiente reinante no exército americano?
Holmes
Que ilusão pretender que esta guerra seria curta! A guerra
"convencional" foi curta, mas só então começou a
verdadeira guerra. Hoje assiste-se a uma guerra entre as forças de
ocupação americanas e um exército de guerrilha que
beneficia do apoio e da simpatia do povo iraquiano.
O ambiente no seio do exército americano nunca foi "muito
bom". O moral de centenas de milhares de soldados enviados para o Iraque
já estava abaixo de zero antes de a guerra começar, quando a
maior parte ainda estava acantonada no Kuwait à espera.
Eles já estavam fartos da guerra até pelo facto de que bom
número deles tinha contactos por email com as suas famílias e
podiam acompanhar as informações. E antes mesmo do
princípio da guerra já sabiam que ela provocava numerosas
manifestações.
Todos aqueles que tinham parentes no Golfo sabiam que os soldados
perguntavam-se o que faziam lá se todo o mundo era contra a guerra. E
aquilo foi de mau a pior. Desde que invasão, relativamente curta,
terminou, começou a ocupação
Stapp
Sem dúvida, desenvolve-se uma guerra de guerrilha contra o
exército de ocupação americano. Hoje há cerca de
um milhar de mortos e feridos do lado americano. Os soldados tem a moral a
zero. Aquilo não iria durar muito tempo, haviam-lhes dito, bem como
outras mentiras. Agora eles respondem:
"Digam a Rumsfeld que nos repatrie"
.
Fizeram-lhes acreditar que eles iam lá para libertar as pessoas e que
estas lhes lançariam flores. Mas o iraquianos consideram a
presença americana como uma ocupação inimiga. A guerrilha
ataca os GIs (soldados de infantaria) 25 vezes por dia, em média. O
exército não responde nem à metade destes ataques. Os
generais consideram as perdas como "aceitáveis". Isto
é típico do comando do exército. Entretanto, os GI
já não confiam nem num único iraquiano.
"Eles sorriem e depois vos enfiam uma faca nas costas. E os garotos
lançam-nos pedras"
, dizem eles.
As incursões das tropas americanas nas aldeias eles arrastam as
pessoas para fora das suas casas e, por vezes, até as abatem
provocam o furor dos iraquianos. Cada vez há mais guerrilheiros e mais
ataques contra os Estados Unidos, aos quais sucedem-se novos raids. Os
generais americanos discutem como se as agressões contra os militares
americanos fossem efectuadas só por um número muito limitado e
afirmam que eles acabarão por se cansar destes ataques incessantes. Mas
isto não é verdade. A cada diz que passa há novos
recrutamentos entre a população.
Holmes
Exactamente. E mais uma vez o governo mente aos soldados. A 3ª
Divisão de Infantaria de Fort Steward, Georgia, por exemplo, conduziu o
ataque contra Bagdade e é uma das principais divisões a quem
foram confiadas tarefas de ocupação. Primeiro os oficiais diziam
que retornariam rapidamente aos seus lares mas, no dia em que aguardavam a
ordem de partida, disseram-lhes que deveriam ficar mais tempo.
Circulam muitos rumores e alguns soldados falam mesmo em motins. O general
comandante John Abizaid lançou advertências dirigidas a
vários soldados que, através da imprensa, haviam-se referido a
Rumsfeld e a Bush.
WW
O que pensam do facto de o general Abizaid exigir aos GI descontentes
que não exprimam mais críticas sem disfarces contra os seus
dirigentes?
Stapp
O exército trava fortemente a liberdade de expressão. Os
GI estão presos ao comando, o qual não tem absolutamente nada de
democrático. Naturalmente, todos eles querem voltar para casa. E
é preciso que voltem. Todo o mundo quer, tanto o movimento contra a
guerra como as suas famílias.
Holmes
O Pentágono entra em pânico só de pensar que os GI
possam reagir negativamente à continuação da
ocupação. Eles temem que aquilo que começou com palavras
evolua para uma resistência organizada dos GI contra o prosseguimento da
ocupação do Iraque. Há o risco de que isto possa ir
tão longe que simples soldados poderiam considerar como inimigo
não a resistência iraquiana e sim os seus próprios
comandantes.
O Pentágono também tem medo do movimento "Tragam as tropas
para os seus lares", nascido entre as famílias dos GI. O
Pentágono ameaça adoptar sanções tanto contra os GI
como contra as suas famílias. Mas será que isto vai acalmar os
dissidentes? O contrário também poderia acontecer.
WW
Durante uma conferência de imprensa na Europa algumas pessoas
disseram que os GIs eram "mercenários", uma vez que os Estados
Unidos têm um exército de voluntários. O que pensa disso?
Holmes
É uma questão que exige uma discussão
séria. Diremos que as contradições de classes entre os
soldados e os seus comandantes retornarão sempre à
superfície. Mas trata-se de um exército superpoderoso do
século XXI, com uma tecnologia muito elevada, que semeia a morte a
distância. Não importa, a teoria mantém-se a mesma.
Já pudemos constatar muito rapidamente que não só as
tecnologias mais recentes não proporcionam qualquer garantia de
vitória como também que elas não modificam a estrutura de
classes do exército.
Assistir-se-á a um importante descontentamento no seio dos efectivos?
Ou será que eles se alienaram das massas populares? Deixemos os
acontecimentos falarem por si próprios. Temos visto desenvolver-se
suficiente ressentimento. Veremos se o Pentágono se inquieta. Seja
qual for o desenlace, este ressentimento é bom e bem real.
Stapp
No princípio de Julho a revista
Times
publicou 12 páginas de publicidade sobre o exército. O
exército oferece uma formação e um emprego, coisas que
não se encontram em parte alguma: não há dinheiro para
isso. Mas o exército também vos envia para o outro lado do
planeta a fim de que sirvam de alvo para tiros. As informações
da
Time
, esta semana, mostram a extrema gravidade da guerra.
Com efeito, muitos soldados estão no exército por causa do
dinheiro e para obterem formação e treinamento. Mas isto
não muda nada a estrutura de classes do exército. Durante a
guerra do Vietnam eu pensava que os soldados convocados seriam mais hostis
à guerra que os voluntários. Mas pude constatar que isso
praticamente não fazia diferença.
Holmes
Nos primeiros dias do movimento de massa contra a guerra do Vietnam,
muitos consideravam os GI como mercenários. Felizmente, contrariando
esta tese, em fins dos anos 60 e princípios dos 70 houve igualmente um
movimento de protesto organizado pelos próprios GI. No seio do
movimento anti-guerra, os elementos dotados de uma consciência de classe
superior e mais inclinados à reflexão política
lançaram entre os cidadãos uma rede de apoio aos GI.
WW
Ambos falam da natureza de classe do exército. O que entendem
exactamente por isso?
Holmes
A estrutura de classes no seio do exército é um
microcosmo da estrutura de classes da sociedade. Os grandes administradores
gerais equivalem aos generais. Os directores aos oficiais. Os chefes
são os suboficiais, os trabalhadores os simples GI. Isto não
está sempre evidente, mas os interesses de classes dos soldados simples
opõem-se directamente àqueles dos oficiais.
Stapp
O exército é uma instituição voltada para
as indústrias petroleiras e os bancos. São os
proprietários destas empresas que dispõem de tudo. Na sua
esmagadora maioria, os soldados são trabalhadores, brancos, negros,
latinos, índios ou asiáticos. Nos graus superiores eles
provêm quase sempre da classe média superior. Há realmente
um fosso entre os dois, eles não fazem nada em comum pois isto seria
confraternizar e é proibido.
Os muito ricos enviam à guerra pessoas da classe operária e os
principais oficiais superiores provêm da classe mais abastada. Isto cria
contradições. Das mesma forma, as esposas e as famílias
destes soldados provêm da classe operária e portanto não
acreditam que tenham grande coisa a ganhar com a ocupação. Para
Cheney e Halliburton, é muito diferente.
Holmes
Um outro ponto importante: quando se fala da luta social que
ameaça o sistema capitalista ou a classe dirigente na verdade ela
põe sob pressão o funcionamento do sistema neste caso o
exército sempre foi a principal instituição, a
última arma, para defender este sistema através da
repressão.
Tal como diz o provérbio: "Presidentes, governadores, deputados,
governos, todos vão e vem, mas o exército, este, está
sempre presente". É aí que está o verdadeiro poder.
Compreender que se encontra no exército e quais são os seus
verdadeiros interesses é vital para todos aqueles que militam no seio do
movimento em favor de mudanças sociais progressistas ou
revolucionárias.
Cedo ou tarde isto será determinante para o êxito do movimento:
atraiam os soldados para o vosso campo e vossas possibilidades de êxito
aumentarão 10 mil por cento. Mas se quiserem convencê-los,
é preciso que acreditem realmente nisso.
[*]
Redactor do
Workers World
.
O original encontra-se em
http://www.workers.org/ww/2003/giresist0731.php
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info
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