Rumo a uma revolta dos GIs no Iraque?

por John Catalinotto [*]

Stephen Funk, um soldado que se recusa a matar. Visite o SNAFU clicando na imagem Os soldados americanos no Iraque querem voltar para casa, mas há poucos candidatos para os substituir. Dois veteranos do Vietnam que agora são activistas do movimento da paz, Andy Stapp e Larry Holmes, afirmam que neste momento lavra um movimento de revolta no seio das tropas ianques. A entrevista foi concedida a John Catalinotto, do jornal americano Workers World

Em Outubro último, Workers World havia entrevistado o antigo presidente do Sindicato americano dos militares (ASU), Any Stapp, que na ocasião declarou: "É difícil dizer o que poderá acontecer no decorrer de um conflito breve que será conduzido em grande parte a partir do céu. Mas no decorrer de uma ocupação longa do Iraque e do Afeganistão, com uma luta de guerrilha e mortos constantes, é possível um verdadeiro movimento de oposição no seio de exército".

Stapp, que foi alistado aquando da guerra do Vietnam, depois de ter queimado a sua convocação, indica, após o seu nome, o seu grau: "Private E-1 (soldado simples". E-1 é o grau mais baixo, indicando que o militar pode deixar o exército e que o comando nada tinha a dizer quanto ao seu desempenho.

Workers World entrevistou novamente Stapp e outro soldado E-1 antimilitarista, Larry Holmes, acerca do ambiente no seio das tropas. De 1972 a 1975 Holmes foi responsável da ASU e hoje faz parte dos dirigentes da coligação contra a guerra, ANSWER.


WW — O que pensam acerca do ambiente reinante no exército americano?

Holmes — Que ilusão pretender que esta guerra seria curta! A guerra "convencional" foi curta, mas só então começou a verdadeira guerra. Hoje assiste-se a uma guerra entre as forças de ocupação americanas e um exército de guerrilha que beneficia do apoio e da simpatia do povo iraquiano.

O ambiente no seio do exército americano nunca foi "muito bom". O moral de centenas de milhares de soldados enviados para o Iraque já estava abaixo de zero antes de a guerra começar, quando a maior parte ainda estava acantonada no Kuwait à espera.

Eles já estavam fartos da guerra até pelo facto de que bom número deles tinha contactos por email com as suas famílias e podiam acompanhar as informações. E antes mesmo do princípio da guerra já sabiam que ela provocava numerosas manifestações.

Todos aqueles que tinham parentes no Golfo sabiam que os soldados perguntavam-se o que faziam lá se todo o mundo era contra a guerra. E aquilo foi de mau a pior. Desde que invasão, relativamente curta, terminou, começou a ocupação

Stapp — Sem dúvida, desenvolve-se uma guerra de guerrilha contra o exército de ocupação americano. Hoje há cerca de um milhar de mortos e feridos do lado americano. Os soldados tem a moral a zero. Aquilo não iria durar muito tempo, haviam-lhes dito, bem como outras mentiras. Agora eles respondem: "Digam a Rumsfeld que nos repatrie" .

Fizeram-lhes acreditar que eles iam lá para libertar as pessoas e que estas lhes lançariam flores. Mas o iraquianos consideram a presença americana como uma ocupação inimiga. A guerrilha ataca os GIs (soldados de infantaria) 25 vezes por dia, em média. O exército não responde nem à metade destes ataques. Os generais consideram as perdas como "aceitáveis". Isto é típico do comando do exército. Entretanto, os GI já não confiam nem num único iraquiano. "Eles sorriem e depois vos enfiam uma faca nas costas. E os garotos lançam-nos pedras" , dizem eles.

As incursões das tropas americanas nas aldeias — eles arrastam as pessoas para fora das suas casas e, por vezes, até as abatem — provocam o furor dos iraquianos. Cada vez há mais guerrilheiros e mais ataques contra os Estados Unidos, aos quais sucedem-se novos raids. Os generais americanos discutem como se as agressões contra os militares americanos fossem efectuadas só por um número muito limitado e afirmam que eles acabarão por se cansar destes ataques incessantes. Mas isto não é verdade. A cada diz que passa há novos recrutamentos entre a população.

Holmes — Exactamente. E mais uma vez o governo mente aos soldados. A 3ª Divisão de Infantaria de Fort Steward, Georgia, por exemplo, conduziu o ataque contra Bagdade e é uma das principais divisões a quem foram confiadas tarefas de ocupação. Primeiro os oficiais diziam que retornariam rapidamente aos seus lares mas, no dia em que aguardavam a ordem de partida, disseram-lhes que deveriam ficar mais tempo.

Circulam muitos rumores e alguns soldados falam mesmo em motins. O general comandante John Abizaid lançou advertências dirigidas a vários soldados que, através da imprensa, haviam-se referido a Rumsfeld e a Bush.

WW — O que pensam do facto de o general Abizaid exigir aos GI descontentes que não exprimam mais críticas sem disfarces contra os seus dirigentes?

Stapp — O exército trava fortemente a liberdade de expressão. Os GI estão presos ao comando, o qual não tem absolutamente nada de democrático. Naturalmente, todos eles querem voltar para casa. E é preciso que voltem. Todo o mundo quer, tanto o movimento contra a guerra como as suas famílias.

Holmes — O Pentágono entra em pânico só de pensar que os GI possam reagir negativamente à continuação da ocupação. Eles temem que aquilo que começou com palavras evolua para uma resistência organizada dos GI contra o prosseguimento da ocupação do Iraque. Há o risco de que isto possa ir tão longe que simples soldados poderiam considerar como inimigo não a resistência iraquiana e sim os seus próprios comandantes.

O Pentágono também tem medo do movimento "Tragam as tropas para os seus lares", nascido entre as famílias dos GI. O Pentágono ameaça adoptar sanções tanto contra os GI como contra as suas famílias. Mas será que isto vai acalmar os dissidentes? O contrário também poderia acontecer.

WW — Durante uma conferência de imprensa na Europa algumas pessoas disseram que os GIs eram "mercenários", uma vez que os Estados Unidos têm um exército de voluntários. O que pensa disso?

Holmes — É uma questão que exige uma discussão séria. Diremos que as contradições de classes entre os soldados e os seus comandantes retornarão sempre à superfície. Mas trata-se de um exército superpoderoso do século XXI, com uma tecnologia muito elevada, que semeia a morte a distância. Não importa, a teoria mantém-se a mesma. Já pudemos constatar muito rapidamente que não só as tecnologias mais recentes não proporcionam qualquer garantia de vitória como também que elas não modificam a estrutura de classes do exército.

Assistir-se-á a um importante descontentamento no seio dos efectivos? Ou será que eles se alienaram das massas populares? Deixemos os acontecimentos falarem por si próprios. Temos visto desenvolver-se suficiente ressentimento. Veremos se o Pentágono se inquieta. Seja qual for o desenlace, este ressentimento é bom e bem real.

Stapp — No princípio de Julho a revista Times publicou 12 páginas de publicidade sobre o exército. O exército oferece uma formação e um emprego, coisas que não se encontram em parte alguma: não há dinheiro para isso. Mas o exército também vos envia para o outro lado do planeta a fim de que sirvam de alvo para tiros. As informações da Time , esta semana, mostram a extrema gravidade da guerra.

Com efeito, muitos soldados estão no exército por causa do dinheiro e para obterem formação e treinamento. Mas isto não muda nada a estrutura de classes do exército. Durante a guerra do Vietnam eu pensava que os soldados convocados seriam mais hostis à guerra que os voluntários. Mas pude constatar que isso praticamente não fazia diferença.

Holmes — Nos primeiros dias do movimento de massa contra a guerra do Vietnam, muitos consideravam os GI como mercenários. Felizmente, contrariando esta tese, em fins dos anos 60 e princípios dos 70 houve igualmente um movimento de protesto organizado pelos próprios GI. No seio do movimento anti-guerra, os elementos dotados de uma consciência de classe superior e mais inclinados à reflexão política lançaram entre os cidadãos uma rede de apoio aos GI.

WW — Ambos falam da natureza de classe do exército. O que entendem exactamente por isso?

Holmes — A estrutura de classes no seio do exército é um microcosmo da estrutura de classes da sociedade. Os grandes administradores gerais equivalem aos generais. Os directores aos oficiais. Os chefes são os suboficiais, os trabalhadores os simples GI. Isto não está sempre evidente, mas os interesses de classes dos soldados simples opõem-se directamente àqueles dos oficiais.

Stapp — O exército é uma instituição voltada para as indústrias petroleiras e os bancos. São os proprietários destas empresas que dispõem de tudo. Na sua esmagadora maioria, os soldados são trabalhadores, brancos, negros, latinos, índios ou asiáticos. Nos graus superiores eles provêm quase sempre da classe média superior. Há realmente um fosso entre os dois, eles não fazem nada em comum pois isto seria confraternizar e é proibido.

Os muito ricos enviam à guerra pessoas da classe operária e os principais oficiais superiores provêm da classe mais abastada. Isto cria contradições. Das mesma forma, as esposas e as famílias destes soldados provêm da classe operária e portanto não acreditam que tenham grande coisa a ganhar com a ocupação. Para Cheney e Halliburton, é muito diferente.

Holmes — Um outro ponto importante: quando se fala da luta social que ameaça o sistema capitalista ou a classe dirigente — na verdade ela põe sob pressão o funcionamento do sistema — neste caso o exército sempre foi a principal instituição, a última arma, para defender este sistema através da repressão.

Tal como diz o provérbio: "Presidentes, governadores, deputados, governos, todos vão e vem, mas o exército, este, está sempre presente". É aí que está o verdadeiro poder. Compreender que se encontra no exército e quais são os seus verdadeiros interesses é vital para todos aqueles que militam no seio do movimento em favor de mudanças sociais progressistas ou revolucionárias.

Cedo ou tarde isto será determinante para o êxito do movimento: atraiam os soldados para o vosso campo e vossas possibilidades de êxito aumentarão 10 mil por cento. Mas se quiserem convencê-los, é preciso que acreditem realmente nisso.

[*] Redactor do Workers World .

O original encontra-se em http://www.workers.org/ww/2003/giresist0731.php


Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info .

07/Ago/03