As Nações Unidas devem actuar
para impedir um ataque dos Estados Unidos ao Iraque
A carta a seguir foi redigida por Ramsey Clark, ex-ministro da Justiça
(Attorney General)
dos
EUA. Ela foi enviada a todos os membros do Conselho de Segurança da ONU,
com
cópias para a Assembleia Geral da ONU e para o senador Biden, da
comissão senatorial para as relações estrangeiras.
Agradece-se a sua divulgação.
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29 de Julho de 2002
Senhor Embaixador:
Qualquer esperança para os povos do mundo de ver as
gerações futuras preservadas do flagelo da guerra graças
às Nações Unidas seria liquidada com um novo ataque dos
Estados Unidos contra o Iraque. As ameaças de atacar, invadir e
derrubar o governo do Iraque efectuadas pelo presidente Georges Bush, pelo
vice-presidente Cheney, pelo secretário da Defesa Rumsfeld e por
diversos responsáveis de gabinete e oficiais do Pentágono,
constituem uma rotina desde há um ano. A própria guerra
psicológica é um crime contra a paz e viola a carta das
Nações Unidas. A manchete do New York Times de hoje, "Os
EUA consideram um ataque a Bagdad como uma das opções no
Iraque", é característica da intenção
terrorista destas ameaças. O perigo resultante de tal ataque seria
enorme para a população civil.
As Nações Unidas devem agir a fim de impedir um ataque ao Iraque
pelos Estados Unidos.
Se as Nações Unidas não forem capazes de deter os Estados
Unidos, um membro permanente do Conselho de Segurança, de impedir que
cometa crimes contra a paz e a humanidade bem como crimes de guerra para com
uma nação que já sofreu para além de todos os
limites em consequências de agressões americanas, então
para que servem as Nações Unidas? A oposição a
todo ataque ou tentativa de derrubar o governo iraquiano pela força
deve, e isto é o mínimo que se exige, ser expressa publicamente
pelas Nações Unidas.
Os Estados Unidos bombardearam impiedosamente um Iraque sem defesas durante 42
dias no ano de 1991.
Os Estados Unidos conduziram um assalto maciço ao Iraque em Janeiro e
Fevereiro de 1991. O Pentágono anunciou que havia efectuado 110 mil
saídas aéreas contra o "berço da
civilização", lançando 88500 toneladas de bombas.
Estes bombardeamentos em grande escala destruíram a viabilidade
económica da sociedade civil em todo o país. Eles mataram
dezenas de milhares de cidadãos iraquianos. Uma parte essencial dos
bombardeamentos foi dirigida contra os civis e contra instalações
civis. Foram menos precisos do que os recentes ataques indiscriminados contra
o Afeganistão. As bombas americanas destruíram sistemas de
abastecimento de água, redes de transporte de electricidade, meios de
comunicação e de transporte, indústrias, comércios,
instalações agrícolas, aviários e gado,
armazéns de alimentos, mercados, fábricas de fertilizantes e de
insecticidas, centros de negócios, tesouros arqueológicos e
históricos, apartamentos, zonas residenciais, escolas, hospitais,
mesquitas, igrejas e sinagogas.
O Pentágono afirmou que as suas perdas elevaram-se a 156 pessoas. Um
terço das suas perdas deveram-se aos próprios tiros americanos;
o restante foi acidental. Os Estados Unidos não sofreram perdas em
combate.
Os Estados Unidos forçaram a imposição de
sanções genocidas ao Iraque em 1990.
Os Estados Unidos elaboraram sanções económicas contra o
Iraque, que o Conselho de Segurança aprovou em 6 de Agosto de 1990,
45º aniversário do ataque nuclear americano contra Hiroshima.
Estas sanções foram a causa directa das mortes cruéis de
mais de um milhão de pessoas.
Este é o maior crime contra a humanidade desta última
década do século XXI, a mais violenta da história. Cada
uma destas mortes dolorosas de pessoas a morrerem de desnutrição,
"kwashiorkor"
, ataque de desidratação provocado pela água contaminada,
ou de doença, poderia ter sido impedida. As sanções
persistem até hoje e causam centenas de mortos por dia. Cada
agência das Nações Unidas que trata dos problemas da
alimentação, da saúde e da infância, como a FAO, o
Plano Alimentar Mundial, a OMS, a Unicef, proclamou já o horror, a
dimensão e a responsabilidade por esta catástrofe humana.
A grande maioria das vítimas das sanções são
crianças, pessoas idosas, doentes crónicos e casos médicos
urgentes. São as pessoas mais vulneráveis à água
poluída, à desnutrição e à falta de
medicamentos e equipamentos médicos.
As afirmações americanas de que seria o governo iraquiano o
responsável pelas mortes por falta de alimentos e de medicamentos
são falsas. Os Estados Unidos bloquearam as vendas de petróleo
ao Iraque durante seis anos, antes de fingir que se submetia a imperativos
humanitários autorizando vendas de petróleo para compara de
alimentos e medicamentos. Desde 1997, quando começaram as vendas, os
EUA de facto sabotaram e retardaram o programa "petróleo contra
alimentos", que não proporciona receitas suficientes para travar a
deterioração diária da saúde e o crescimento das
taxas de mortalidade no Iraque. Antes das sanções não
havia virtualmente qualquer desnutrição no Iraque e o seu sistema
de saúde, seus hospitais e medicamentos gratuitos constituíam um
modelo para a região. O seus sistema governamental de
distribuição de géneros alimentares é um modelo de
equidade e de eficácia, faltando só quantidade e variedade de
alimentos.
A aviação militar americana atacou o Iraque à vontade
durante 11 anos
Os Estados Unidos efectuaram ataques aéreos contra o Iraque totalmente
à vontade desde Março de 1991, quando tiveram fim os ataques
maciços que se verificavam ao ritmo de uma saída aérea a
cada 30 segundos. Sem perder um único avião, os ataques
americanos mataram, dentre outros: pessoal da limpeza no hotel Al Rashid de
Bagdad aquando de uma tentativa de assassinar Saddam Hussein; um grande
número de pessoas a cada ano nos ataques contra estações
de radar nas zonas de exclusão aérea impostas pelos EUA; todas
as pessoas a bordo de um helicóptero da ONU abatido por um avião
americano; civis de todas as categorias, inclusive a artista de fama
internacional e directora do Centro Nacional de Artes do Iraque, Leila al Attar.
O Iraque não constitui uma ameaça para os EUA, para os
países da região ou para outros países.
Os EUA têm afirmado falsamente que o Iraque trabalhava no desenvolvimento
de armas de destruição maciça a fim de atacar os EUA,
Israel, seus vizinhos e outros países. Os EUA afirmaram que os seus
ataques de 1991 destruíram 80% da capacidade militar iraquiana. Os
inspectores da ONU afirmaram ter descoberto e desmantelado 90% da capacidade
iraquiana (depois de 1991) para o desenvolvimento de armas de
destruição maciça. O Iraque, seu povo e os seus recursos
estão esgotados. O Iraque possui uma geração
"raquítica" de crianças com idade inferior a 10 anos e
uma população de todas as faixas etárias que está
enfraquecida. Ele é a vítima do pior crime contra a humanidade
das últimas décadas.
Os EUA são o maior vector de violência no planeta Terra
Dois dos oficiais mais altamente colocados das Nações Unidas como
responsáveis pelas inspecções de armamento da ONU no
Iraque e um cidadão americano honesto que participou nas
inspecções demitiram-se, denunciando as sanções e
negando que exista uma ameaça de o Iraque desenvolver armas de
destruição maciça.
Os EUA possuem mais armas nucleares do que todas as outras nações
reunidas do mundo, bem como os sistemas mais refinados e mais numerosos para o
lançamento de armas nucleares, inclusive a frota submarina dos Trident
II. Possuem os maiores stocks de armas químicas e biológicas e
desenvolvem a investigação mais avançada e mais extensa
sobre as armas de destruição maciça no mundo. As despesas
militares dos EUA excedem a dos nove mais importantes orçamentos
militares seguintes em conjunto. O presidente Bush proclamou por diversas
vezes o seu direito de atacar em primeiro lugar
(first strike)
. Os EUA atacaram Hiroshima e Nagasaki com bombas atómicas e continuam
a justificar tais actos.
Os EUA denunciaram os tratados que controlam as armas nucleares e a sua
proliferação; votaram contra o protocolo permitindo a
execução das convenções regulamentando as armas
biológicas, rejeitaram o tratado banindo as minas anti-pessoal, o
Tribunal Criminal Internacional e virtualmente todos os outros esforços
internacionais para controlar e limitar a guerra. A guerra americana contra o
terrorismo é uma proclamação do direito dos EUA de
atacarem não importa quem, não importa onde, à simples
suspeita, ou sem desculpa, unilateralmente.
Os EUA desejam derrubar o governo iraquiano e muitos outros violando a lei. Se
esta política não for restringida, as possibilidade de
desenvolver a paz e a igualdade global das possibilidades económicas,
sociais, culturais e políticas entre as nações
estarão perdidas. Que outro governo apresenta a maior ameaça
para paz, globalmente ou para a Mesopotamia e os seus vizinhos os
Estados Unidos ou o Iraque?
Um ataque dos Estados Unidos contra o Iraque para derrubar o seu governo
constituiria uma violação flagrante da Carta da ONU, da Carta de
Nuremberg e da lei internacional.
Se, como é frequentemente prometido, os EUA atacarem o Iraque para
derrubar o seu governo isto constituirá a violação mais
evidente, mais arrogante e mais desprezível já conhecida desde
sempre da Carta das Nações Unidas, da Carta de Nuremberg e da
legislação internacional. Porque os EUA cometeram
injustiças históricas para com o Iraque, a maior parte delas
durante a presidência de Georges Bush pai, e ainda perseguem o
domínio da região. O presidente Bush, seu vice-presidente e os
outros membros da administração detestam o Iraque e querem
destruí-lo.
Escrevo esta carta, a cada membro do Conselho de Segurança da ONU, ao
presidente de Assembleia Geral e ao presidente Bush. Esta é uma da
série de carta que protestam contra as malfeitorias dos EUA e da ONU
contra o Iraque. A ameaça aqui descrita é a pior. Se, 12 anos
depois dos seus ataques aéreos devastadores e 12 anos depois das
sanções genocidas infindáveis contra vítimas
indefesas os EUA dão o golpe de graça no povo iraquiano sob o
silêncio das Nações Unidas e dos países ricos, a
vergonha e a impotência humana condenar-nos-ão a violências
sempre cada vez maiores.
Um ataque americana ao Iraque causará mais violência; é
exigida a acção urgente da Nações Unidas para
impedir um ataque americano ao Iraque.
Imploro que alertem imediatamente as Nações Unidas, a Assembleia
Geral, o Conselho de Segurança e todas as suas agências a fim de
denunciar as persistentes ameaças americanas contra o Iraque, de exigir
a cessação imediata das ameaças e para advertir os Estados
Unidos de quem um ataque ao Iraque violaria a Carta das Nações
Unidas, a legislação internacional e a amizade de todos aqueles
que procuram a paz e o respeito da dignidade humana.
Um ataque americano ao Iraque violaria a Constituição e as leis
dos Estados Unidos, exigindo o impeachment do presidente Bush e de todos os
responsáveis perante o Senado americano e os Tribunais federais.
Infelizmente, nestes últimos anos, mais frequentemente assistiu-se a
violações da nossa Constituição do que respeito
fiel aos direitos de todos os cidadãos que ela deve proteger. Mas
aqueles que amam o seu país e que, por isso, insistem em que o seu
país aja com justiça, esforçar-se-ão por fazer com
que preste contas toda autoridade americana que participar num ataque contra o
Iraque.
Ramsey Clark
O original deste documento encontra-se em
International Action Center
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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